sexta-feira, 7 de novembro de 2025

De olho no outro


Uma estação televisiva, ou um jornal, não pode permitir-se não ter a notícia que o seu concorrente directo tem. De modo que acabam por observar os seus concorrentes em vez de observar a vida real.

Ryszard Kapuściński, "Os cínicos não servem para este ofício"

Os crimes de responsabilidade

A mídia tem esclarecido muito a população sobre a grande tragédia que se abateu sobre o Rio de Janeiro. Para isso ela ouve os dois lados, no seu twosidism militante, isto é, equipara o terraplanista e Galileo Galilei, o criacionista e Darwin. E faz pesquisas de opinião. Como as perguntas induzem a aprovar a barbaridade, a mídia se adapta a isto. Mas algumas delas são uma concessão pública, e todas devem ter responsabilidade e compromisso com a sociedade. Deveriam agir como François Miterrand, na campanha eleitoral de 1981, que enfrentou a opinião majoritária dos franceses e se declarou contra a pena de morte; 6 meses depois seu garde des sceaux, Robert Badinter — que acaba de entrar para o Panthéon por sua coragem em defesa dos direitos humanos —, conseguia a lei que consagrou a extinção da pena. Diante das garantias constitucionais — em cláusulas pétreas —, fazer pesquisas sobre esses direitos só faz sentido para fins políticos. E a política não deve existir fora da ética.


Os números são uma ferramenta que pode ser manipulada facilmente para criar a mentira, mas pode também revelar a verdade. Vamos aos números de verdade. No ano passado, 14% das mortes violentas intencionais no Brasil foram produzidas pelas polícias: 6.243. Nossos “homens da lei” matam 8 vezes mais que os americanos, 56 vezes mais que os franceses. Conseguimos ser mais brutais que os brutais americanos. Quanto ao risco elevado que correm, que faz com que se lute para aumentar a proteção ao policial, houve 43 vítimas. Para cada policial morto, 145 pessoas. Mais do que usou o governo de Israel, que matou cerca de 35 palestinos para cada vítima do Hamas.

Qual o propósito da operação? Pode ser algum ou vários destes: a) é preciso esconder a distribuição de dinheiro público na véspera da última eleição e barrar o julgamento no TSE; b) é preciso esconder as acusações de corrupção; c) é preciso evitar que os bandidos do CV derrotem as milícias que ocupam a Zona Oeste do Rio; d) é preciso mostrar serviço para o bolsonarismo; e) é preciso contribuir para a fantasia da intervenção americana.

Intervenção americana? Que maluquice é essa agora? Pois é! O primeiro lance é o do senador 01, que apela ao Secretário de Defesa americano — aquele que tem idiota gravado na testa — para bombardear os barcos dos “narcoterroristas” na Baía de Guanabara. Imediatamente se conseguiu uma urgência na Câmara de Vereadores — oops! — dos Deputados para transformar os narcotraficantes em “narcoterroristas”, o chefe da polícia-bandida de São Paulo deixou o cargo para ser seu relator — nenhum outro deputado seria capaz de fazer seu trabalho?! — e o chefe da quadrilha no Rio ordenou a chacina. Agora já há troca de correspondência com autoridades (?) americanas. É bom lembrar que isso é crime (Art. 359-I do Código Penal) e viola a Constituição (Art. 21, I e Art. 84, VII) — mais três motivos para que o governador aterrorizador seja processado (se fosse na França dava prisão perpétua).

Pois vamos e venhamos: operação policial se faz para evitar crime, prender pessoas etc. Desocupar uma área tomada por bandidos — pressupõe-se que a operação policial para evitar que a área fosse tomada não aconteceu ou acontece — é algo que se faz paulatinamente, com o apoio de serviços sociais e, no caso, dentro das regras da ADPF 635. É claro que o objetivo não era desocupar a área, para o que bastaria empurrar os criminosos para fora dos bairros e deixá-los fugir. Não era fazer uma operação segura, pois esta teria que ser feita de dia, lentamente, para que não houvesse confusão com quem não era bandido. Não era uma operação inteligente, pois não se sabia — ou não se quis usar a informação, se a tinham — onde estavam os criminosos que estariam sendo buscados; segundo informa a declaração de sucesso, nenhum deles foi preso, será que o combinado era deixá-los escapar?

Era uma operação para matar. E os mortos foram os que calharam. Nem armas a metade deles tinha: foram 117 mortos e 123 presos, 240 pessoas, oficialmente bandidos, pois é bandido quem a polícia diz que é. As armas apreendidas foram 118. A “exclusão de ilicitude presumida” de quem mata duas pessoas porque uma está com uma arma é a mais nova garantia da polícia-bandida.

A operação, que já se pretende capaz de eleger presidente da República o Castrotrofe e até senador o chefe da “operação”, não tomou, é claro, nenhum cuidado com evidências. As novas regras são: não isolar cena de crime para bandido morto; prender quem filma a ação — será que tinham algo a esconder?; não esperar a perícia para a remoção do morto; separar a cabeça do corpo do morto — ou a pessoa estava viva?; impedir que uma testemunha idônea acompanhe a autópsia. Matar, matar!

Que importa se o artigo 5º da Constituição veda: tortura (III), de que há vários relatos e sinais; tribunal de exceção(XXXVII), pois as pessoas foram ali mesmo julgadas e condenadas à morte; pena de morte (XLVII); e várias outras coisas? Que importa se o Estado, e o Estado de Direito, existem justamente para garantir o direito à vida? Que importa se é para isso que o Estado tem o monopólio da força — claro que do uso legítimo da força?

Não se pode acusar os matadores e sobretudo seu chefe de falta de imaginação. Ele cometeu certamente crimes de responsabilidade (Lei 1.079/50, vários incisos do art. 7º). Mas criou a necessidade de uma lei para os crimes de irresponsabilidade, em que o que se pretende é fugir da Justiça, é se livrar de ter passado a mão no dinheiro público, é matar para se auto-indultar etc.

A violência serve para desqualificar. Desqualifica quem a aplica. Serve para qualificar. Qualifica a vítima. Vítimas de violência, de certa maneira, somos todos nós, obrigados a comportamentos que não teríamos espontaneamente, como trancar a porta de casa. Mas há as vítimas de violência que são mortas porque há clamor da multidão, como um certo carpinteiro de Nazaré. As que, como Ele, são filhos do homem, têm quem os ama e quem é por eles amado. As que, a esta hora, têm os que por elas choram.

Batidas policiais cada vez mais violentas: ICE, 'fora de controle'

É manhã de quarta-feira, 5 de novembro de 2025, em Chicago. As primeiras crianças chegam à creche Rayito del Sol e a equipe se prepara para o dia. Nesse instante, agentes do Serviço de Imigração e Alfândega (ICE) invadem a creche e prendem uma funcionária, uma colombiana que trabalhava em uma creche. O pai de uma das crianças filma a cena. As imagens mostram dois agentes do ICE arrastando a mulher para fora do prédio enquanto ela grita que tem toda a sua documentação em ordem.

Uma porta-voz do Departamento de Segurança Interna dos EUA afirmou que agentes do ICE perseguiram uma mulher e um homem colombianos até a entrada da creche depois que eles fugiram de uma "parada de trânsito direcionada".

No entanto, o vídeo, que foi compartilhado em diversas plataformas de mídia social e transmitido por vários veículos de notícias dos EUA, provocou indignação generalizada em todo o país. O político de Chicago, Matt Martin, disse à NBC que era "a filmagem mais assustadora que já vi em meu mandato", acrescentando que "policiais armados estavam patrulhando as instalações enquanto funcionários e crianças estavam presentes".


A mais recente operação faz parte de uma ofensiva contra imigrantes em Chicago, iniciada em setembro. Desde então, segundo o Serviço de Imigração e Alfândega (ICE), mais de 3.000 prisões foram efetuadas.

Desde que assumiu o cargo em janeiro, Donald Trump tem reiteradamente declarado sua intenção de endurecer a política de imigração dos EUA, reprimir com muito mais agressividade os imigrantes indocumentados e deportar sistematicamente estrangeiros com antecedentes criminais. Há meses, as ações dos agentes do ICE têm sido alvo de fortes críticas de diversos setores do país.

Entre os detidos estão pessoas sem antecedentes criminais e cidadãos americanos. Diversas operações foram realizadas perto de escolas, lares de idosos e outros locais públicos. Numerosos vídeos que circulam nas redes sociais documentam a brutalidade dos agentes do ICE, muitas vezes armados e vestidos com uniformes camuflados e balaclavas.

Inúmeras violações dos direitos humanos também foram relatadas em centros de detenção de imigrantes. A Human Rights Watch documentou diversos casos em que agentes supostamente pressionaram detidos a aceitarem a "saída voluntária". De acordo com esses relatos, os detidos foram algemados por longos períodos e forçados a dormir no chão. Em alguns casos, também lhes foram negados alimentos e água. Além disso, agentes do ICE supostamente os impediram de contatar um advogado ou suas famílias.

Segundo a NPR, pelo menos 20 pessoas morreram sob custódia do ICE somente em 2025, o maior número em 20 anos. O número total de pessoas em centros de detenção de imigrantes gira em torno de 60.000.

Organizações de direitos humanos, como a HRW e a Anistia Internacional, denunciam as batidas policiais ilegais e as detenções arbitrárias: "O ICE está fora de controle", afirmou a congressista de Illinois, Delia Ramirez, em um comunicado à imprensa.

"O ICE opera com impunidade e fora da lei, atropelando nossos direitos e aterrorizando nossas comunidades." Esta é uma consequência direta de "Donald Trump, dos republicanos e da liderança do Departamento de Segurança Interna concederem ao ICE financiamento ilimitado, completa falta de supervisão e total impunidade em relação à transparência e à prestação de contas."

De fato, em setembro passado, a Suprema Corte autorizou o ICE a deter e monitorar pessoas unicamente com base na cor da pele, etnia, idioma ou ocupação. Mesmo antes dessa decisão, muitos imigrantes viviam com medo constante de se tornarem alvos de agentes do ICE.
Trump quer medidas ainda mais duras.

Em entrevista à CBS no domingo, Donald Trump respondeu se acreditava que as operações do ICE não haviam ultrapassado os limites e, considerando os inúmeros relatos, "que não foram longe o suficiente".

Segundo uma reportagem do site investigativo americano The Intercept , a agência de imigração está considerando oferecer incentivos a caçadores de recompensas particulares para localizar imigrantes em todo o país e denunciá-los ao ICE (Serviço de Imigração e Alfândega dos EUA).

No verão, Trump destinou US$ 170 bilhões em financiamento adicional ao Departamento de Segurança Interna e à Agência de Imigração e Alfândega até 2029, como parte de sua proposta orçamentária "Big Beautiful Bill".

A respeito desse dinheiro adicional, Aaron Reichlin-Melnick, especialista do American Immigration Council, comentou no Bluesky: "O ICE terá mais dinheiro nos próximos quatro anos do que o FBI, a DEA (Administração de Combate às Drogas), o Serviço de Delegados dos EUA e a Administração Penitenciária juntos."

Por mais apagões digitais, em prol da nossa saúde mental

Havendo uma necessidade atual e premente de repensarmos a nossa sociedade em prol da nossa saúde mental, existem alguns tópicos que merecem reflexão:

– Tudo começa dentro de casa. Antes de vermos políticas transformadas em ódios, já existiram discursos prévios, de generalização, ostracização de tudo o que de mal acontece na nossa sociedade, criando-se bodes expiatórios para as nossas próprias frustrações e fracassos, nos outros. As conquistas são feitas por nós, sozinhos, mas as derrotas têm sempre a mão ou culpa de alguém: este é o pensamento de quem nunca se responsabiliza, e são estes os valores, que de forma consciente ou inconsciente, veiculamos.

– As crianças e jovens de hoje estão a ser educadas pelos adultos de hoje, e como serão os de amanhã? É tempo de pararmos e olharmos para o nosso jardim, a nossa casa. Que valores preconizamos? Quem educa os nossos filhos? Somos nós, o telemóvel, as redes, os youtubers, as perceções erradas da realidade? Antes da escola, sociedade, nós, pais temos que as monitorizar, só depende de nós, a educação começa em casa. As crianças e jovens aprendem por modelagem. Eu não posso exigir que não estejam constantemente agarrados ao telemóvel, ou que não sejam tolerantes e empáticos, se eu como mãe/pai faço exatamente o contrário: “children see, children do”. Não é suposto não conhecermos os nossos filhos, nem os seus ídolos, aquilo que pensam sobre si próprios, sobre os outros, como lidam com isso, com quem se relacionam e o que pensam aqueles com quem se relacionam. Temos que começar já a cuidar do nosso “jardim”, dos que nos rodeiam. Se todos fizerem o seu papel, se não for uma constante demissão de responsabilidades por falta de tempo, o mundo a pouco e pouco será um mundo melhor. Se fazemos o nosso papel, e ainda assim surgem dificuldades, saibamos pedir ajuda, estar alerta, saber ouvir, saber estar. Se eu não sei fazer, admito que não consigo, e peço ajuda também para mim, para o outro. Nós só nos conseguimos controlar a nós próprios, então porque não começarmos pelo nosso “jardim”, pela nossa casa – o que é que eu posso fazer? Em que é que eu posso tornar o mundo melhor?


Há cada vez mais problemas de saúde mental, sim, mas em vez de nos preocuparmos em tentar perceber o porquê e de construir soluções ao nível macro da nossa sociedade, há um aproveitamento das redes sociais em destilar todas as tragédias com parangonas sensacionalistas, com títulos catastróficos que, quando se abre a publicação, nada têm a ver com o assunto. Isto é grave, é provocar ruído, instabilidade, informação falsa. Falta bom senso, toda a sociedade precisava de um banho de sensatez. Falta empatia no meio da desgraça, e uma preocupação genuína em resolver as coisas, não um “não é na minha em casa, o outro é pior que eu, deixa-me empolar as suas derrotas, com a satisfação de que não estou pior do que ele, a mim nada me acontece”…. Mas, atenção! Todos temos “telhados de vidro”, e a qualquer instante, uma “pedra” abala o nosso sistema aparentemente controlado, e obriga-nos a refletir que não somos mais do que os outros. Saibamos ser humildes. Quem realmente tem sabedoria e conhecimento de causa, não precisa de dizer que a tem, nem ostentar que a tem, com sobrancerias demagógicas, é simples na convivência e pretende ajudar genuinamente os outros a alcançar os seus propósitos. Mas vivemos numa era do “cada um por si”, de individualismo e indiferença, da competição, do “xico-espertismo”.

Segundo o Dr. João Paiva (professor da Universidade do Porto), vivemos na era do “dadismo: quem tem mais informação tem mais poder e, a meu ver, é um perigo haver pessoas que usam a informação de forma negativa, pessoas com grande visibilidade mediática, que podem chegar a milhares. Estas pessoas têm por isso responsabilidades acrescidas para não fomentar discórdias, medos e não cair num sensacionalismo de desinformação, medo e desconfiança. Sejamos razoáveis!! É isto que queremos deixar aos nossos filhos, netos, bisnetos? Uma sociedade que alimenta ódios, que se autodestrói?

– Sinto-me incomodada com a crescente falta de empatia na sociedade. A total ausência de empatia é um sinal alarmante, antissocial e de psicopatia. Lembro-me de quando o meu filho mais velho era pequeno, de estar atenta a sinais de empatia e, mais tarde, o pensamento é o mesmo. As notas também são importantes na medida em que deve haver esforço, valorização do trabalho como um meio a atingir um objetivo, mas isso só por si é vazio. Do que vale as crianças e jovens em alguns casos serem excelentes academicamente. Se não têm valores empáticos, que sementes deixarão na sociedade de amanhã?

Todos os pais/mães e profissionais estão em crescimento do ser-se pessoa, somos todos imperfeitos, temos sempre, até morrer, algo a aprender, e saibamos ter essa humildade. Mas o conselho que deixo é estar-se atento, perceber aquilo que os nossos filhos veem, que opiniões têm, como se relacionam com os outros, o que ambicionam e, por muito que seja difícil, e eu bem sei, procurar momentos de puro detox de telemóveis (TODOS, pais e filhos), um apagão forçado como aquele que tivemos, e que tanto nos fez refletir. Como isso reavivou formas de convívio e de estar! É complicado, porque vivemos numa dicotomia em que precisamos da tecnologia e temos forçosamente que a incluir para não ficarmos infoexcluídos, ou se não estivermos nas redes desaparecermos, mas como somos nós enquanto pessoas reais?

Voltando a citar o Dr. João Paiva, de uma forma geral tudo na vida, e neste caso a tecnologia, pode ser boa ou má mediante o uso que lhe damos – pode ser tónica (alimentar-nos de forma positiva) ou tóxica (sendo um veneno). Não deixemos que as tecnologias nos deixem a nós, ou às nossas relações, tóxicos.

Se eu deixasse de ir às redes sociais a minha rede de suporte social “real” morria? A resposta é não! Seria talvez mais verdadeira, obrigava-me a ligar mais, a procurar estar mais presencialmente com o que realmente importa. Porque, caro leitor, aqueles que nos dizem mais, não se preocupe, não desaparecem das nossas vidas, seja um contacto diário, semanal, mensal, ou que seja anual! Por isso fica a reflexão e o exercício para que saibamos parar, e para que usemos as tecnologias a nosso favor e não contra nós e, principalmente, contra as futuras gerações. Não para nos alhearmos, e muito mais para não alhearmos os nossos bens mais preciosos, os nossos filhos! Para que não nos transformemos nuns estranhos nas nossas próprias casas.

Concluindo e citando Eugénio de Andrade: “É urgente o amor (…) É urgente destruir certas palavras, ódio, solidão e crueldade” – eu acrescento, é urgente PARAR e REPARAR – “É urgente o amor, é urgente permanecer.”