quarta-feira, 27 de setembro de 2017

O grito do silêncio

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O humano se faz com o outro. Na conversa; no discurso narcisista seu modelo mais belo é a declaração de amor; o mais sofrido surge no soluço; e o mais solene aparece nas preces.

“Silêncio”, o último filme de Martin Scorsese, mostra a saga de um outro punhado de jesuítas no Japão. Como não controlavam o poder, eles replicavam os cristãos subversivos antes de o cristianismo se tornar a religião oficial do Império Romano. Eram, pois, perseguidos e supliciados. No Japão do século XVI, os jesuítas se deparam com as barreiras linguísticas e culturais e, para além delas, com o silêncio gritante dos céus. Mas sucumbem agarrados à cruz do Cristo. A fé (eis um mistério humano) recusa o silêncio mesmo quando o oprimido brada como Castro Alves: “Deus, ó Deus, onde estás que não respondes?”
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Em 3 de setembro de 1974, desembarca na cidade México um antropólogo de 38 anos. Ele chega de Viena, onde havia participado de uma conferência sobre “rituais”, na qual suas ideias não foram recebidas em silêncio. Estava cheio de si mesmo, mas esbarrou num seco mutismo quando, na casa de Freud, mirou-se num espelho e viu um rosto inocente dos sobressaltos que a vida iria lhe trazer.

No México, onde vai apresentar uma comunicação para o Congresso Internacional de Americanistas, ele aproveita para visitar a Virgem de Guadalupe — a senhora do céu — na Catedral Metropolitana.

Com a contrição dos incrédulos, entra no templo na ponta dos pés, mas o silêncio é fraturado pela conversa de uma senhora mestiça com a Mão de Deus.

— Por favor, Virgenzinha de Guadalupe, dá-me o que imploro...

A prece busca o outro que está no céu, mas o que o jovem observa é uma conversa de mães a acertarem o destino daqueles que haviam posto no mundo. Ali não havia o silêncio dos santos diante de mortais desesperados. A senhora falava com a Virgem de Guadalupe, e ela respondia.

Naquela noite, o jovem foi jantar na belíssima casa de um simpático professor de Sociologia mexicano. Entre drinques, o anfitrião explica do seu revolucionário trabalho. Estudam o campesinato e a política — lidam com um satânico capitalismo.

O jovem pergunta: “Há alguém pesquisando a religiosidade popular? Fui ao templo de Nossa Senhora de Guadalupe e vi um dialogo extraordinário.”

Respondeu-lhe um enorme silêncio.
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No dia 29 de março de 1549 desembarcam na Bahia de Todos os Santos (que seria a cidade de São Salvador de todos os pecados) Manuel da Nóbrega, João de Azpilcueta Navarro, Leonardo Nunes e António Pires, acompanhados de dois estudantes, Diogo Jácome e Vicente Rodrigues. Sua missão é catequizar os gentios tupi. Com eles chega Tomé de Sousa, o primeiro governador-geral do Brasil. A vinda dos jesuítas com o governador mostra como a Administração Real e a Igreja — fé e Império — se enlaçam na conquista do Novo Mundo e no que seria o Brasil.
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Na quinta-feira passada, dia 21 do corrente, o padre Josafá de Siqueira, professor e reitor da PUC do Rio de Janeiro; o padre e professor Luís Corrêa Lima; o diretor presidente das Edições Loyola, o padre e professor Danilo Mondoni; Fernando Sá, coordenador editorial da Editora PUC-Rio; Paulo Roberto Pereira, professor da UFF; e este vosso cronista reuniram-se para o lançamento da obra daquele Manuel da Nóbrega, contemporâneo e companheiro de projeto e missão de Santo Inácio de Loyola, o ex-soldado, fundador da Companhia de Jesus. O livro de Nóbrega, competentemente atualizado pelo professor Paulo Roberto e publicado pela PUC-Edições Loyola, é um retrato vivo das agruras e dificuldades de viver numa outra sociedade; dos problemas de ensinar mas não ser seguido, e dos mal-entendidos dos encontros de culturas. No choque, o significado chega muito antes do conhecimento.

No nosso debate, ninguém cometeu o anacronismo de medir os jesuítas do século XVI pela régua deste nosso igualmente problemático século XXI. Procuramos reler as cartas de Nóbrega no fio da navalha que separa o etnocentrismo do relativismo. Esse fio que inventa o cosmopolitismo — justo o que foram esses jesuítas catequistas de índios, filhos de mais de uma sociedade, reino e crença.

Certos de que o relativo não tem como contrário o niilismo, mas o absoluto, acentuamos como todo sistema de valores tem que ser lido em seus próprios termos e circunstâncias, o que não significa estar de acordo com eles. A compreensão foi a marca da nossa mesa feita de jesuítas e professores. É para isso que as universidades existem.
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Não ouvimos o silêncio. O silêncio gritado neste nosso Brasil marcado pela doutrina da negação e da mentira que canibalizou a verdade.

Enquanto isso, no “mundo real” assistimos a futebol e rola o Rock in Rio.

Roberto DaMatta

Seita das ovelhas

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Somos um partido político sob a liderança de pessoas de carne e osso ou somos uma seita guiada por uma pretensa divindade?
Antonio Palocci em carta de desfiliação do PT

Do parto ao porto

A crise brasileira dos dias presentes é um divisor de águas. Divide um Brasil multissecularmente patrimonialista e um Brasil que decidiu extirpar de si essa primeira e mais grave causa de sua fragilidade estrutural. Um foco de fragilidade estrutural – esse tal de patrimonialismo – que se desdobra numa diabólica trindade: a corrupção sistêmica, o desperdício mais desenfreado de recursos públicos, o corporativismo de todos os matizes e disfarces. Tudo junto a impedir que o substantivo “sacrário” rime com “erário”.

Esta a maior e mais bela de todas as novidades: a firme decisão coletiva de expulsar dos quadrantes da nossa história a fera praticamente imemorial do patrimonialismo.


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Perceptível que fechar de vez suas torneiras antecipa a certeza de que vai sobrar dinheiro para o novo Brasil compatibilizar sua enorme riqueza material com a prosperidade igualmente material de todo o povo. O que já pressupõe compatibilizar poder e pudor. Também perceptível que ética na política é a mais bonita arte de se dar ao respeito.

Nesta última e dúplice compatibilização, o porto. O porto seguro de um Brasil depuradamente ético e materialmente justo. Que não é senão o mais acalentado sonho de um Brasil primeiro-mundista. Logo, tão civilizado quanto humanista.

Este Brasil que, também nos dias presentes, está sob visível trabalho de parto. Um parto fluente, em demanda de um porto seguro. O porto como fenômeno pós-parto, então, que para isso a Constituição de 1988 concebeu uma democracia pra valer.

A situação é esta: a democracia pós-Constituição de 1988 está a parir um novo país. Trabalho de parto delicado, cuidadoso, paciente, dificultoso, doído, em suma, porém firmemente decidido a chegar ao melhor dos resultados: um Brasil novinho em folha.

Um Brasil em busca de sua identidade por cima. Tão honrosa quanto socialmente justa. Sem nenhum continuum com o velho Brasil dos craques da coxia, dos camarins, dos bastidores. Matreiros artífices do coronelismo, numa linguagem político-sociológica. Do caciquismo, num vocabulário político-partidário. Do caixa-dois e do diabo-a-quatro, já numa tristíssima dimensão eleitoral e de um compadrio político-empresarial tão ganancioso que faz mentores e operadores perderem toda noção de limite ético e lógico.

Mas alentador é perceber que a demora de correção de rumos se atenua mais e mais. É que a democracia brasileira já dispõe de uma equipe de parto que não dorme em serviço. Além do que tão crescentemente numerosa quanto mentalmente emancipada. Tão em sentido orgânico ou subjetivo quanto operacional ou objetivo.

Falo, por ilustração, da liberdade de imprensa em plenitude. Da soberania popular que se manifesta por iniciativas de projetos de leis. Da cidadania que sai às ruas, praças e avenidas. Da cidadania dos aplicativos de internet, a plasmar um novíssimo e heterodoxo tipo de democracia mesma, porquanto nem indireta ou representativa, nem direta ou participativa.

Mas um tipo de democracia subjetivamente difusa, geograficamente universal e temporalmente instantânea ou online. Que não decide nada, mas a que chega mais rapidamente aos calcanhares e às sinapses (para não dizer tremores) neurais dos que decidem sobre tudo.

Também à guisa de ilustração, falo dos novos mecanismos dos sistemas de compliances e dos acordos de leniência. Do instituto da colaboração premiada, esse utilíssimo coadjuvante no desvendamento de crimes perpetrados por organizações criminosas, desde que aplicado, óbvio, com toda observância do devido processo legal substantivo.

Da lei de acesso à informação do cotidiano estatal. Da obrigatoriedade de publicação das folhas de pagamento dos agentes públicos. Das instituições estatais que não têm o poder de governar, é certo, mas dotadas do poder de impedir o desgoverno. Caso dos Tribunais de Contas e daquelas integrantes do sistema de Justiça, com ênfase para o Poder Judiciário, as Defensorias Públicas, o Ministério Público e os órgãos de segurança pública, estes últimos quando no desempenho da chamada polícia judiciária.

Com a peculiaridade de que o Ministério Público brasileiro foi tão empoderado pela Constituição que mantém com a pessoa jurídica do Estado uma linha direta ou sem a mediação de nenhum dos Poderes da República.

Isto por lhe caber “a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (art. 127). Finalidades que balizam, orientam o tempo todo o próprio exercício das funções que a ele compete, inclusive monopolizar o exercício da ação penal pública incondicionada.

O Brasil tem jeito. Aquele agente que não tiver passado também já não terá futuro.

A segunda carta de Palocci aos brasileiros

Falta o último prego no caixão de Lula, esse a ser batido pela segunda instância da justiça quando confirmar a sentença do juiz Sérgio Moro que o condenou a nove anos e meio de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá.

O penúltimo prego foi batido onte
m pelo ex-ministro Antonio Palocci, preso há um ano em Curitiba, com sua carta de desfiliação ao PT. Palocci foi um dos coordenadores da campanha de Lula à presidência da República em 2002, ministro do primeiro governo dele e do primeiro de Dilma.

Foi tudo isso e muito mais. Como confessou, foi responsável por arrecadar propina de empresas para o ex-presidente. E autor, como se sabe, da Carta aos Brasileiros, documento que em 2002 derrubou a resistência de bancos e de empresas à chegada ao poder do primeiro operário.

Na carta, concebida e escrita por Palocci, Lula se comprometia a manter os fundamentos da política econômica do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, de quem foi cabo eleitoral quando FHC disputou e perdeu em 1985 a prefeitura de São Paulo para o ex-presidente Jânio Quadros.

A carta de desfiliação de Palocci ao PT é a segunda carta dele aos brasileiros, dessa vez assinada com o próprio nome. Não só a banqueiros e empresários, mas aos brasileiros em geral que acreditaram na lisura e nas boas intenções de quem assumiu pobre a presidência e dela saiu rico.

Palocci antecipou-se à sua expulsão do PT, decidida por Lula que, ali, decide tudo. E ao fazê-lo, renovou acima de qualquer margem de dúvida sua disposição de morrer atirando. Até poderá cumprir anos de cadeia. Mas com ele arrastará Lula, seu ex-patrão. E, se der, Dilma também.

No momento, o ex-ministro da Fazenda de Lula, e ex-ministro da Casa Civil de Dilma, acerta com a Lava Jato sua delação premiada. Guarda munição suficiente para confirmar o que já revelou e o que ainda esconde. Banqueiros e empresários que negociaram com ele estão em pânico.

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Dover, England
Dover (Inglaterra)

Temer prefere perder o nexo a ser investigado

Brasília testemunhou dois fatos que ajudam a explicar a tragédia nacional. Na Câmara, foi lida a denúncia que acusa Temer de integrar uma organização criminosa. No Planalto, Temer lançou o programa Progredir, que oferece microcrédito a brasileiros pobres. “Tudo o que fazemos é pelo bem-estar dos brasileiros”, disse o presidente.

Temer estimou em seu discurso que, dentro de 10 ou 15 anos, o Brasil talvez não precise mais de programas como o Bolsa Família, porque todos estarão empregados e felizes. Nos últimos 15 anos, houve um instante em que os brasileiros imaginaram que um novo país poderia nascer. Mas a corrupção abortou o progresso.

Contra esse pano de fundo, o Temer quadrilheiro da denúncia da Procuradoria não combina com o Temer que se autoproclama benfeitor dos pobres. Para descobrir qual é o verdadeiro, seria necessário investigar. Mas Temer prefere se tornar um presidente sem nexo a permitir que o investiguem. Assim, o país real da corrupção sonha com o país artificial do pleno emprego arrastando atrás de si o passado obscuro como um casulo pegajoso à espera de investigação.

Ovelha, jamais

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O que não somos nunca é ovelha - fiel ovelha do Santo Padre, de Sua Majestade o Rei, do Partido, da Convenção Social, dos Códigos da Moral Absoluta, do Batalhão, de tudo que mata a personalidade das criaturas
Monteiro Lobato, "A barca de Gleyre"

A arte de furtar

Nesses tempos honestos, cai-me às mãos o livro “Arte de Furtar”, sátira falsamente atribuída ao zeloso da pátria Padre Antônio Vieira, orador correto e grave dos Sermões, nada afeito ao estilo imprudente e desmedido do “espelho de enganos, teatro de verdades, mostrador de horas minguadas da Gazua Geral dos Reinos de Portugal”. A obra foi oferecida a El-Rei Nosso Senhor D. João IV”, no ano de 1652, provavelmente por Tomé Pinheiro da Veiga.

“Arte de Furtar” (Ed. Livraria Garnier, acompanhada de estudo crítico e breves anotações por João Ribeiro) tem hoje pouco a ensinar aos que sabem tanto.

O primeiro capítulo já eleva a arte do furto à categoria de ciência: em “Como para furtar há arte, que é ciência verdadeira”, cita um grande mestre da profissão, “com arte y com engaño, vivo la mitad del año: y com engaño y arte, vivo la outra parte”, para defender a ladroagem como ciência verdadeira, ainda que não tenha “escola pública, nem doutores graduados”.

O capítulo seguinte avança ainda mais. Em “Como a arte de furtar é muito nobre”, explica: seu objeto é tudo o que tem nome de precioso, as suas regras e preceitos são sutilíssimos e infalíveis e os sujeitos e mestres que a professam são os que se prezam de mais nobres.

O capítulo IV adverte “Como os maiores ladrões são os que têm por oficio livrar-nos de outros ladrões”: “os que têm por ofício livrar-nos dos ladrões vêm a ser os maiores ladrões”.
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O capítulo V cuida “Dos que são ladrões, sem deixarem que outros o sejam” para avisar que “é lanço muito contrário ao natural dos ladrões, que gostam de andarem em quadrilhas, e terem companheiros, e serem muitos, para se ajudarem uns aos outros; mas isto é em ladrões mecânicos, e vilões de trato baixo: há ladrões fidalgos tão graves, que se querem sós e que ninguém mais sustente o banco”.

O capítulo VI previne “Como não escapa de ladrão, quem se paga por sua mão”, um aviso aos da Papuda, Curitiba e Bangu de “que tanta pena merece o consentidor como o ladrão”.

O Capítulo VII ensina “Como tomando pouco, se rouba mais do que tomando muito”, certamente porque de grão em grão a galinha enche o papo sem cantar de galo.

O capítulo VIII homenageia os sujeitos altos que vendem votos nas câmaras e nos senados, relatando “Como se furta às partes, fazendo-lhes mercês e vendendo-lhes misericórdias”.

O capítulo IX é dedicado aos administradores que metem no bolso a maior parte das verbas. Em “Como se furta a título de benefício” o autor define que “a opulência (nome que se dava à ostentação) é a esponja que se ceva na substância da pobreza, e é hidropisia que nada à farta: e daí vem arrebentarem uns de gordos com a abundância e entisicarem outros de magros com a esterilidade”.

E já naqueles tempos cabralinos relata: “soube um governador destes que certo negociante tinha um trancelim de diamantes, que se avaliava em cinco mil cruzados: cresceu-lhe a água na boca”.

Os outros títulos falam por si: “Dos ladrões que, furtando muito, nada ficam a dever”, “Dos que furtam muito acrescentando a quem roubam mais que lhes furtam” ou “Dos que furtam com unhas reais”, “Dos que furtam com unhas invisíveis”, “Dos que furtam com a mão do gato”, “Dos que furtam com mãos e unhas postiças, de mais, e acrescentadas”, “Dos que furtam com unhas confidentes”, “Dos que furtam com unhas confiadas” ou “Dos que furtam com unhas ridículas” como os que correm pelas ruas escuras.

Ignorância consentida

Ainda que não particularmente medrosa, tenho pavor dos violentos de vários matizes - aí cabendo de psicopatas aos covardes haters. No meio desses, a intolerância, o preconceito, a ignorância e a caretice.

Morro de medo da caretice – esse universo escuro habitado pela ignorância consentida, seara de conservadores e reacionários - à direita, no centro e à esquerda. É gente que cultiva seus antolhos, ignora a realidade e, trocando figurinhas (repetidas) entre si, resiste às mudanças, renega avanços.

Não há universidade, pós-graduação, mestrado, doutorado, máster capaz reverter suas certezas imutáveis. Agarrado às suas crenças – religiosas ou não -, com unhas, dentes, advogados e juízes, eles defendem-se de qualquer coisa fora da sua estreita estradinha.


Sozinhos são o obscurantismo em pessoa. Juntos formam a tribo da maioria silenciosa. Viram monstro. Sempre capaz de fazer o mundo andar em marcha ré. Para não ir muito longe, na conta deles podemos debitar nazismo, fascismo, ditaduras ou Trumps de várias nacionalidades, intensidades ou etnias.

Bom lembrar que quem primeiro usou a expressão – maioria silenciosa - foi Nixon, justamente para reivindicar apoio à Guerra do Vietnã, nos seus estertores de extrema violência.

Sempre incapazes de apreciar (ou alcançar) as artes, pedem censura. Nada é mais ameaçador do que a censura às artes e aos costumes – itens obrigatórios da cartilha de repressão dos que cultuam e cultivam sua sempre arrogante caretice. Não sei, não quero saber. Tenho raiva de quem sabe.

Frágeis no saber, confiam zero no seu taco. Assim, quando isolados, sonham com governos duros. Juntos, exigem censura e repressão para ajuda-los na tarefa de impedir os seus – filhos particularmente - de ver e apreciar tudo que esteja fora do seu reduzido menu permissões, onde não estão incluídas democracia e liberdade de escolha.

Neste setembro, eles andam arrepiando. Antes mesmo do calendário marcar a primavera, conseguiram fechar a exposição Queermuseu, no Santander Cultural, da capital gaúcha. Lá estavam 263 obras sobre o universo LGBTQ, alegorias criadas por artistas brasileiros de talento e qualidade reconhecidos mundo afora, como Lygia Clark, Candido Portinari, Alfredo Volpi, Adriana Varejão.

O ignorante consentido prefere nem saber quem são. Assim seguirá sua profissão de fé na ignorância. (Que não tem na a ver com letras e formação profissional. Os ignorantes consentidos de raiz podem estar entre letrados e diplomados. É opção mesmo. Cagaço do novo).

Da abertura, em 15 de agosto, até 10 de setembro, quando fechada pela revolta dos eriçados das cavernas, a exposição tinha média diária de 700 visitantes. Público grande para um país em que 92,5% da população não costuma ir às exposições de arte, mas suficiente para excitar ignaros, que viram na mostra cobras e lagartos – de pornografia ao incentivo à pedofilia e à zoofilia.

A mesma fobia de liberdade motivou censura ao teatro, absolvição de pai espancador, chegou à liminar pró cura gay. Numa penada, sua excelência permitiu “tratar” comportamento como doença. Também, claro, anunciar, cobrar e receber pelo “tratamento”.

Na peça censurada em Jundiaí, Jesus vinha aos dias de hoje como uma transgênero. Uma alegoria. Dessas permitidas às artes. Puro “desrespeito” entendeu o juiz-censor no país recordista mundial em matar “desrespeitosos” LGBTTT.

A ignorância consentida, com seus juízes de plantão, recusa aceitar que visitar exposições e assistir peças de teatro são ações de livre escolha. O que (ainda) é direito constitucional. Não quer ver, não gosta? Exerça seu sagrado direito de não ir.

Os mesmos também recusam admitir que não há liminar capaz de transformar em patologia o que não é. A norma do Conselho Federal de Psicologia, que o juiz pretendeu derrubar, tenta evitar charlatanices, exploração, reforço e incentivo ao preconceito.

Opção sexual não é doença. Nem será por decisão judicial. Estão carecas de saber. Ignorância consentida é sim moléstia social. Grave. Consome energia e permite manter opressões, desigualdades e violências. Trava avanços.

Ontem a Oxfam, organização não governamental britânica, divulgou seu relatório anual das desigualdades. No Brasil das censuras e liminares pró atraso, os 10% mais ricos pagam tributos menores do que os 10% mais pobres. Esses mais pobres gastam com impostos 32% de tudo que recebem, enquanto os do topo da pirâmide ficam nos 21%.

Impostos indiretos, sobre produtos e serviços, levam 28% do que ganham os mais pobres e 10% dos ricos. Suave?

Os remediados pagam a mesma alíquota de Imposto de Renda dos que ganham 55 salários mínimos por mês. Isso porque a tal da alíquota deixa de crescer para quem ganha acima de 44 salários mínimos mensais. Bacana, não?

Negros e mulheres ainda são três em cada quatro dos mais pobres. Também os que mais morrem vitimas de violências.

O Rio de Janeiro explode em guerra de traficantes.

Silêncio da maioria. Não há juiz de plantão que emita censura ou liminar contra as desigualdades.

Paisagem brasileira

Monte Roraima (RR)

Tudo de novo com Temer negociando com deputados para escapar do processo

O título sintetiza e até coloca uma lente de aumento no sistema político que funciona no país, destacando a troca de concessões por votos salvadores e escapistas. O povo, que não é consultado, paga a conta de mais essa ação de suborno e tampouco tem a possibilidade de obter desconto no Imposto de Renda da parte que lhe cabe na história e que no final das contas sai de seu bolso. Aliás, como sempre.

Desta vez a fatura é triplicada, porque além de Michel Temer estão em jogo os ministros Eliseu Padilha e Moreira Franco. Que Rodrigo Maia, presidente da Câmara Federal, defenda a unificação do processo compreende-se com base em sua visão política e seu afinidade com Moreira Franco. Mas surpreende que deixa a entender que a tese tenha sido encampada também pela ministra Carmen Lúcia, Presidente da Corte Suprema. Estou baseando esse comentário na reportagem de Rafael Marques Moura e Breno Pires, O Estado de São Paulo, edição desta terça-feira.




A opinião pública deve receber com atenção os próximos passos dos deputados no decorrer do novo processo instaurado contra o Presidente da República. Deve acompanhar com atenção, já que estamos falando em sinal, a tendência que vai separar a opinião pública da negociação ilegítima entre o poder Executivo e o Congresso a se desenrolar na Esplanada de Brasília.

É difícil prever nesta altura dos acontecimentos se a unificação ou separação entre os processos do presidente e dos ministros ajuda ou prejudica o governo Temer diante não apenas do STF, mas também da opinião pública do país. O cenário do poder é desalentador e extremamente crítico.

O plano político reflete-se na esfera econômica. Veja, por exemplo, o custo da dívida pública federal, que é sustentada pelos Fundos de Investimento que absorvem os juros a base de 8,25% a/a sobre o total de 3,4 trilhões de reais. Não podendo pagar em moeda corrente os juros, o governo emite cada vez mais notas do Tesouro Nacional. É o que destaca matéria de Eduardo Campos e Fábio Pupo, edição de ontem do Valor.

As despesas crescentes com as emissões de NTNs é pago pela população de modo geral.

Eloquência singular

Mal iniciara seu discurso, o deputado embatucou:

— Senhor Presidente: eu não sou daqueles que...

O verbo ia para o singular ou para o plural? Tudo indicava o plural. No entanto, podia perfeitamente ser o singular:

— Não sou daqueles que...

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Não sou daqueles que recusam... No plural soava melhor. Mas era preciso precaver-se contra essas armadilhas da linguagem — que recusa? — ele que tão facilmente caia nelas, e era logo massacrado com um aparte. Não sou daqueles que... Resolveu ganhar tempo: — ...embora perfeitamente cônscio das minhas altas responsabilidades como representante do povo nesta Casa, não sou...

Daqueles que recusa, evidentemente. Como é que podia ter pensado em plural? Era um desses casos que os gramáticos registram nas suas questiúnculas de português: ia para o singular, não tinha dúvida. Idiotismo de linguagem, devia ser.

— ...daqueles que, em momentos de extrema gravidade, como este que o Brasil atravessa...

Safara-se porque nem se lembrava do verbo que pretendia usar:

— Não sou daqueles que...

Daqueles que o quê? Qualquer coisa, contanto que atravessasse de uma vez essa traiçoeira pinguela gramatical em que sua oratória lamentavelmente se havia metido de saída. Mas a concordância? Qualquer verbo servia, desde que conjugado corretamente, no singular. Ou no plural:

— Não sou daqueles que, dizia eu — e é bom que se repita sempre, senhor Presidente, para que possamos ser dignos da confiança em nós depositada...

Intercalava orações e mais orações, voltando sempre ao ponto de partida, incapaz de se definir por esta ou aquela concordância. Ambas com aparência castiça. Ambas legítimas. Ambas gramaticalmente lídimas, segundo o vernáculo:

— Neste momento tão grave para os destinos da nossa nacionalidade.

Ambas legítimas? Não, não podia ser. Sabia bem que a expressão "daqueles que" era coisa já estudada e decidida por tudo quanto é gramaticóide por aí, qualquer um sabia que levava sempre o verbo ao plural:

— ...não sou daqueles que, conforme afirmava...

Ou ao singular? Há exceções, e aquela bem podia ser uma delas. Daqueles que. Não sou UM daqueles que. Um que recusa, daqueles que recusam. Ah! o verbo era recusar:

— Senhor Presidente. Meus nobres colegas.

A concordância que fosse para o diabo. Intercalou mais uma oração e foi em frente com bravura, disposto a tudo, afirmando não ser daqueles que...

— Como?

Acolheu a interrupção com um suspiro de alívio:

— Não ouvi bem o aparte do nobre deputado.

Silêncio. Ninguém dera aparte nenhum.

— Vossa Excelência, por obséquio, queira falar mais alto, que não ouvi bem — e apontava, agoniado, um dos deputados mais próximos.

— Eu? Mas eu não disse nada...

— Terei o maior prazer em responder ao aparte do nobre colega. Qualquer aparte.

O silêncio continuava. Interessados, os demais deputados se agrupavam em torno do orador, aguardando o desfecho daquela agonia, que agora já era, como no verso de Bilac, a agonia do herói e a agonia da tarde.

— Que é que você acha? — cochichou um.

— Acho que vai para o singular.

— Pois eu não: para o plural, é lógico.

O orador seguia na sua luta:

— Como afirmava no começo de meu discurso, senhor Presidente...

Tirou o lenço do bolso e enxugou o suor da testa. Vontade de aproveitar-se do gesto e pedir ajuda ao próprio Presidente da mesa: por favor, apura aí pra mim, como é que é, me tira desta...

— Quero comunicar ao nobre orador que o seu tempo se acha esgotado.

— Apenas algumas palavras, senhor Presidente, para terminar o meu discurso: e antes de terminar, quero deixar bem claro que, a esta altura de minha existência, depois de mais de vinte anos de vida pública...

E entrava por novos desvios:

— Muito embora... sabendo perfeitamente... os imperativos de minha consciência cívica... senhor Presidente... e o declaro peremptoriamente... não sou daqueles que...

O Presidente voltou a adverti-lo que seu tempo se esgotara. Não havia mais por que fugir:
— Senhor Presidente, meus nobres colegas!

Resolveu arrematar de qualquer maneira. Encheu o peito de desfechou:

— Em suma: não sou daqueles. Tenho dito.

Houve um suspiro de alívio em todo o plenário, as palmas romperam. Muito bem! Muito bem! O orador foi vivamente cumprimentado.

Fernando Sabino

Brasil, grande e nebuloso vendedor de armas até para ditadores e governos autoritários

O Brasil está no pódio. O país exportou, em 2014, ao menos 591 milhões de dólares em armas leves, tais como metralhadoras, pistolas, lança-foguetes portáteis, munições e outros, ficando atrás apenas dos Estados Unidos e da Itália. No entanto, entidades que monitoram o comércio global de armamentos veem poucos motivos para comemorar este inédito terceiro lugar - antes ficávamos atrás da Alemanha também. De acordo com o relatório Fora das Sombras, divulgado pela ONG Small Arms Survey, somos um dos menos transparentes com relação a estas exportações. Neste quesito, ficamos atrás da Argentina, Paquistão, Índia, México e China. Isso significa que armamentos brasileiros podem estar sendo vendidos para países que violam direitos humanos, ditadores ou até mesmo desviados para grupos terroristas e criminosos. Alguns casos do tipo já vieram à tona, mas não existe um balanço completo. E, se depender do Congresso Nacional, tudo continuará envolto em névoa ainda por algum tempo.

Em 2013 o Brasil assinou o Tratado de Comércio de Armas, patrocinado pela Organização das Nações Unidas, que coloca limites para a venda de armas leves e também de outros armamentos bélicos, como tanques, aviões de combate e helicópteros. O objetivo do acordo é justamente impedir que estas mercadorias sejam vendidas para países onde serão usadas para reprimir sua população ou fomentar atividades terroristas. O problema é que quatro anos após a assinatura, o acordo ainda não entrou em vigor. O Tratado ficou dois anos tramitando nas esferas do Executivo até finalmente ser enviado ao Congresso Nacional, responsável pela ratificação final. Na Câmara o acordo já foi aprovado em três comissões ao longo de pouco mais de três anos, mas aguarda a votação em plenário. Tendo em vista o cenário de crise política e econômica, na qual o Governo prioriza uma série de reformas econômicas, não existe perspectiva da matéria ser pautada em breve.

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De qualquer forma, concluída esta etapa na Câmara, o Tratado é enviado para o Senado, onde também terá que se arrastar na burocracia legislativa, o que pode levar mais alguns anos. Nas duas Casas a chancela final para o documento esbarra nos interesses da bancada da bala, integrada por parlamentares que defendem, entre outras coisas, o fim do controle de armas dentro do país. O deputado Eduardo Bolsonaro (PSC-SP) chegou a protocolar um pedido para que o projeto tivesse que passar por mais uma comissão, medida considerada protelatória e que iria atrasar ainda mais a votação do tema no plenário da Câmara. O pedido foi negado. Ele é um dos que defendem a revogação do Estatuto do Desarmamento, que segundo estudos salvou mais de 160.000 vidas ao restringir drasticamente o número de armas em circulação.

Neste meio tempo, enquanto a matéria tramita sem pressa no Congresso, a Forjas Taurus, empresa brasileira e maior fabricante de armas da América Latina, vendeu armas para o traficante iemenita Fares Mohammed Mana’a. Por sua vez, ele enviou os armamentos para seu país, em guerra civil, de acordo com reportagem da agência Reuters, o que contraria embargos e sanções internacionais. Dois agora ex-executivos da empresa foram denunciados pelo Ministério Público Federal. Enquanto parlamentares brasileiros se debruçavam sem pressa sobre o assunto, granadas brasileiras explodiam no Bahrein, Egito e Turquia, onde foram usadas pelos respectivos Governos para reprimir protestos populares.

Ivan Marques, diretor do Instituto Sou da Paz, acredita que no curto prazo as fabricantes de armas brasileiras podem até se beneficiar com a não ratificação do Tratado, “vendendo para ditadores e Governos que violam o direito humanitário internacional”. “Mas no médio prazo você acaba não tendo o selo de exportador responsável que é o que a comunidade internacional espera, especialmente em se tratando de um grande player do setor como o Brasil”, afirma. Para Marques, a cada conferência internacional sobre o Tratado se verifica que "mais países estão aderindo e ratificando", e que estaria "se formando um grupo de países do mundo que seguem regras que o país não segue".

Para especialistas, o país tende a perder protagonismo regional ao não ratificar o Tratado. “A ratificação enviaria uma forte mensagem sobre o Brasil como um ator responsável no campo do comércio de armas e como membro da comunidade internacional”, afirmou ao EL PAÍS o finlandês Klaus Korhonen, embaixador responsável por monitorar a implementação do Tratado pelos países signatários. De acordo com ele, “a maioria dos países da América Latina e do Caribe já ratificou o acordo". "Em termos de economia, população e território, [o Brasil] é um dos maiores países do mundo. Está claro que precisamos de sua contribuição em toda a cooperação internacional, e também no campo de regulação da transferência de armas", diz.

Mas não são apenas alguns parlamentares da bancada da bala que tem interesse no comércio de material bélico. O Governo de Michel Temervem fazendo esforços para fortalecer a indústria da Defesa dentro e, principalmente, fora do país. "O setor de defesa e segurança responde por 3,7% do PIB, mas a nosso ver está tendo uma penetração muito aquém do que poderia no mercado internacional", explica o economista Flávio Basílio, secretário nacional de Produtos de Defesa. "Em Defesa não podemos nos fechar. É essencial ganhar escala".

A estratégia de aprimorar o modelo de exportação brasileiro de armas, mas especialmente de tecnologia em blindados, aeronaves ou submarinos, começou a ser sinalizada no primeiro semestre deste ano. "Conseguir entrar em um mercado de alta intensidade tecnológica, significa cruzar uma fronteira na qual a concorrência passa a outro nível, com as principais potencias globais. São necessários instrumentos mais robustos", afirma o secretário.

Os 80 adidos militares no exterior, o maior número de servidores brasileiros fora do país depois do Itamaraty, receberam uma ordem clara e nova neste ano: promover a indústria bélica brasileira. "Existe uma determinação para eles estimularem a venda dos nossos produtos de defesa: aeronaves, instalações para os refugiados, submarinos, blindados, radares, sonares e, obviamente, armamentos letais e não letais", explica Basílio.