Morro de medo da caretice – esse universo escuro habitado pela ignorância consentida, seara de conservadores e reacionários - à direita, no centro e à esquerda. É gente que cultiva seus antolhos, ignora a realidade e, trocando figurinhas (repetidas) entre si, resiste às mudanças, renega avanços.
Não há universidade, pós-graduação, mestrado, doutorado, máster capaz reverter suas certezas imutáveis. Agarrado às suas crenças – religiosas ou não -, com unhas, dentes, advogados e juízes, eles defendem-se de qualquer coisa fora da sua estreita estradinha.
Bom lembrar que quem primeiro usou a expressão – maioria silenciosa - foi Nixon, justamente para reivindicar apoio à Guerra do Vietnã, nos seus estertores de extrema violência.
Sempre incapazes de apreciar (ou alcançar) as artes, pedem censura. Nada é mais ameaçador do que a censura às artes e aos costumes – itens obrigatórios da cartilha de repressão dos que cultuam e cultivam sua sempre arrogante caretice. Não sei, não quero saber. Tenho raiva de quem sabe.
Frágeis no saber, confiam zero no seu taco. Assim, quando isolados, sonham com governos duros. Juntos, exigem censura e repressão para ajuda-los na tarefa de impedir os seus – filhos particularmente - de ver e apreciar tudo que esteja fora do seu reduzido menu permissões, onde não estão incluídas democracia e liberdade de escolha.
Neste setembro, eles andam arrepiando. Antes mesmo do calendário marcar a primavera, conseguiram fechar a exposição Queermuseu, no Santander Cultural, da capital gaúcha. Lá estavam 263 obras sobre o universo LGBTQ, alegorias criadas por artistas brasileiros de talento e qualidade reconhecidos mundo afora, como Lygia Clark, Candido Portinari, Alfredo Volpi, Adriana Varejão.
O ignorante consentido prefere nem saber quem são. Assim seguirá sua profissão de fé na ignorância. (Que não tem na a ver com letras e formação profissional. Os ignorantes consentidos de raiz podem estar entre letrados e diplomados. É opção mesmo. Cagaço do novo).
Da abertura, em 15 de agosto, até 10 de setembro, quando fechada pela revolta dos eriçados das cavernas, a exposição tinha média diária de 700 visitantes. Público grande para um país em que 92,5% da população não costuma ir às exposições de arte, mas suficiente para excitar ignaros, que viram na mostra cobras e lagartos – de pornografia ao incentivo à pedofilia e à zoofilia.
A mesma fobia de liberdade motivou censura ao teatro, absolvição de pai espancador, chegou à liminar pró cura gay. Numa penada, sua excelência permitiu “tratar” comportamento como doença. Também, claro, anunciar, cobrar e receber pelo “tratamento”.
Na peça censurada em Jundiaí, Jesus vinha aos dias de hoje como uma transgênero. Uma alegoria. Dessas permitidas às artes. Puro “desrespeito” entendeu o juiz-censor no país recordista mundial em matar “desrespeitosos” LGBTTT.
A ignorância consentida, com seus juízes de plantão, recusa aceitar que visitar exposições e assistir peças de teatro são ações de livre escolha. O que (ainda) é direito constitucional. Não quer ver, não gosta? Exerça seu sagrado direito de não ir.
Os mesmos também recusam admitir que não há liminar capaz de transformar em patologia o que não é. A norma do Conselho Federal de Psicologia, que o juiz pretendeu derrubar, tenta evitar charlatanices, exploração, reforço e incentivo ao preconceito.
Opção sexual não é doença. Nem será por decisão judicial. Estão carecas de saber. Ignorância consentida é sim moléstia social. Grave. Consome energia e permite manter opressões, desigualdades e violências. Trava avanços.
Ontem a Oxfam, organização não governamental britânica, divulgou seu relatório anual das desigualdades. No Brasil das censuras e liminares pró atraso, os 10% mais ricos pagam tributos menores do que os 10% mais pobres. Esses mais pobres gastam com impostos 32% de tudo que recebem, enquanto os do topo da pirâmide ficam nos 21%.
Impostos indiretos, sobre produtos e serviços, levam 28% do que ganham os mais pobres e 10% dos ricos. Suave?
Os remediados pagam a mesma alíquota de Imposto de Renda dos que ganham 55 salários mínimos por mês. Isso porque a tal da alíquota deixa de crescer para quem ganha acima de 44 salários mínimos mensais. Bacana, não?
Negros e mulheres ainda são três em cada quatro dos mais pobres. Também os que mais morrem vitimas de violências.
O Rio de Janeiro explode em guerra de traficantes.
Silêncio da maioria. Não há juiz de plantão que emita censura ou liminar contra as desigualdades.
Nenhum comentário:
Postar um comentário