sábado, 10 de dezembro de 2016

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Múltipla escolha

Entre Calero e Calheiros, no esforço geral em que cada um faz o possível para atrapalhar, tudo se precipita. Pela madrugada, sucedem-se tenebrosas transações enquanto dorme a pátria mãe, distraída. As medidas contra a corrupção, recém-aprovadas na Câmara, rapidamente viram medidas contra investigar a corrupção. Daí a pouco, à luz do dia, enquanto vidros transparentes revelam a mentira, o presidente do Senado manda dizer ao oficial de Justiça que não está, na certeza de que está alhures: acima da lei. Ajudado por uns e outros, acaba provando que está mesmo.

Tudo muda muito rápido. Na tentativa de entender alguma coisa mais permanente, focalizo um retrato trazido agora pelos dados estatísticos. Setenta por cento dos nossos estudantes de 15 anos não sabem o básico de Matemática. Qual a porcentagem dos adultos nas mesmas condições que estão no Congresso? Nas redações de jornais? Nos tribunais? Nos escritórios de advocacia? Na direção de sindicatos e órgãos de representação profissional? Em salas de aula ensinando a esses estudantes? Talvez esses dados expliquem a constatação de Ricardo Paes de Barros: a produtividade brasileira cresce à metade da velocidade que cresce a produtividade na África. Um vexame.


Mas os números não contribuem para aliviar o espanto, na análise da votação para intimidar a Lava-Jato. Fruto de 98% do PT e 24% do PSDB, passando por 66% do Solidariedade, 60% do PSD, 70% do PTB, 77% do PTN, 95% do PRB e os votos quase maciços do DEM, do PDT, do PMDB. Neste, salvam-se três cabeças com opinião própria — os deputados José Fogaça, Lelo Coimbra e Sergio Zveiter. Também se salvam as bancadas do PV, do PSOL e do PPS. A lista é longa, mas deve ser lembrada nas próximas eleições, quando pesarmos cada candidato a merecer nosso voto. Não que as Dez Medidas contra a Corrupção devessem ser aceitas sem debate e correções. Pessoalmente, discordo de algumas — como a suspensão do habeas corpus, a aceitação de provas ilícitas, a pegadinha, o pagamento em dinheiro para quem denunciar. Nem concordo que juiz possa ficar dando entrevista sobre matéria que vai julgar. Mas não dá para engolir a pressa em desfigurar o projeto aprovado, enquanto o país estava em choque e luto pela tragédia da Chapecoense.

Voltando aos dados do Pisa, deixo a Matemática e examino o aprendizado da linguagem. Quem procura ler ou entender o que lê? Situação similar, de vergonha: a maioria não atinge o nível de exercer cidadania, garantem os técnicos internacionais.

Observo a justificativa de voto de um deputado pelo qual já tive admiração, Jarbas Vasconcelos: “Um país onde um procurador denuncia um ex-presidente dizendo que ele, Lula, é um comandante de quadrilha… Ele, procurador da República, não pode adjetivar a denúncia”. Perdão, deputado, em sua gramática qual é o adjetivo? “Comandante”? “Quadrilha”? Sugiro um epíteto para sua desculpa: esfarrapada.

Em matéria de adjetivos, aliás, andamos nos superando. Por mais que o poeta Drummond tenha ensinado que, entre dois adjetivos, devemos preferir o substantivo, a realidade atual parece exigi-los. Na tentativa de anistia ao caixa dois circulou pela Câmara um documento órfão, com o texto da proposta obscena e a recomendação de ser inserido “onde couber”. Como assim? É claramente incabível, não cabe em lugar nenhum. Não tem cabimento. A prática já é crime, prevista em diferentes artigos da lei, não há como pretender anistiar.

Mas não faltam adjetivos. A desobediência de Renan, transformada em crise entre o Senado e o STF, trouxe vários à baila. O cidadão pode escolher à vontade, entre os que têm sido aventados. Insensata. Desnecessária. Artificial. Impensável. Grotesca. Anômala. Inadmissível. Inédita. Desmoralizante. Imerecida. Imperdoável. Inaceitável. Ridícula. Perigosa. Inverossímil. Repugnante. Inacreditável.

O leitor pode ainda aplicá-los ao fato que preferir. Em colunas para múltipla escolha. Ao que andam fazendo com nosso dinheiro. À anistia ao caixa dois. Ao urinaço no palácio do Planalto. A ministro gravar presidente. A Congresso julgar Judiciário. E ao que mais nos ocorrer, antes de passarmos aos tomataços, por enquanto simbólicos, ainda dirigidos a fotos de políticos — como se viu na manifestação de domingo.

Um amigo sugere recorrermos a séries de enumeração caótica, como as do Capitão Haddock, personagem das histórias de Tintim. Para começar, oferece: Cínicos! Covardes! Sacripantas! Asquerosos! Safados! Azêmolas! Biltres! Fedorentos! Energúmenos! Calhordas! Filhos de uma égua! Cretinos! Rebocos de igreja velha! Feios! Desgraçados! Canalhas! Escória! Estrupícios! Desonestos! Antas! Babacas! Bestas! Insetos! Pilantras! Gananciosos! Lambões! Molambos! Malandros! Trastes! Velhacos! Perebas! Pústulas! Alcatras de pernilongo! Mequetrefes! Patifes!

E mais todos os xingos do jogo de truco, em que os mineiros são mestres. Enquanto é tempo. Antes de nos reduzirmos ao adjetivo “irremediável”.

Ana Maria Machado

Lucidez e diálogo

O que diria Dom Hélder Câmara se estivesse conosco nesses momentos de alta e perigosa turbulência política, com falência fiscal do Estado e profunda crise econômica? Propus essa reflexão durante a solenidade de entrega da Comenda Dom Hélder Câmara, que aconteceu no Senado, na última terça-feira.

Um dia que mostrou a gravidade do momento e os riscos de um conflito institucional ameaçando a democracia; dia em que um dos ministros do Supremo determinou o afastamento do presidente do Congresso, que, por decisão da Mesa Diretora do Senado, recusou cumprir a ordem judicial.
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Isto, em meio a uma profunda crise econômica, que exige decisões rápidas, sem as quais a economia se deteriorará a ponto de provocar ruptura no tecido social. O que se viu nesse dia foi a manifestação de um imbróglio jurídico de proporção destruidora do equilíbrio institucional, em que um lado parece acender o fósforo e o outro jogar a gasolina.

Isso acontecendo no mesmo dia em que tomamos, mais uma vez, conhecimento de nossa maior tragédia, o atraso vergonhoso na educação de nossas crianças. Em 2015, o Brasil regrediu na qualidade da educação, conforme divulgado em respeitado relatório internacional. Dom Hélder significava compromisso com os pobres e com a democracia.

Ele se assustaria com tantos retrocessos nas nossas conquistas sociais passadas, ameaçando o futuro, e com os riscos institucionais que hoje atravessamos. Mas, como democrata, ele se assustaria ainda mais do que como humanista nas suas preocupações sociais, com a falta de sonhos utópicos, com a divisão do Brasil em corporações sem espírito nacional; partidos sem propostas, sem identidades, nem do ponto de vista moral, nem do ponto de vista ideológico; e corrupção generalizada.

E se assustaria com o descrédito que os políticos, eleitos democraticamente, recebem do povo, transformando a crise num impasse institucional. Ele nos alertaria para o risco de a crise se transformar em uma desagregação do tecido social, político e econômico brasileiro. Para enfrentar o momento, ele proporia diálogo.

Diria que é hora de derrubar paredes e construir pontes, o contrário do que estamos fazendo. Sugeriria sairmos dos sectarismos, de um lado e do outro, das certezas plenas, que decorrem da falta de tolerância, sem análises dos problemas. Ele pediria lucidez e responsabilidade. Lucidez para entender os problemas sem os preconceitos que carregamos, e responsabilidade para colocar o interesse do país na frente do interesse de cada um de nós, colocarmos a preocupação com a próxima geração à frente da preocupação com a próxima eleição.

Dom Hélder hoje nos diria: sejam brasileiros antes de serem políticos; tenham compromisso com a verdade antes de terem compromisso com suas interpretações e preconceitos. Sobretudo, que é pelo diálogo com paz que se constrói o futuro; a paz, com lucidez e com responsabilidade.

E se ela ouvir 'Fora, Cármen'?

Nem bem assumiu a presidência do Supremo Tribunal Federal, com todas as mesuras devidas a uma vida ilibada, a mineira Cármen Lúcia está no olho do furacão político que sacudiu o Brasil. O furacão destelhou o STF e espalhou estilhaços, ferindo de morte a esperança popular num Judiciário isento, equilibrado e imune a pressões de réus. Também decepcionou quem acreditava na força de Cármen Lúcia.

“Ou a democracia ou a guerra”, afirmou Cármen. As intenções de Cármen são dignas de elogio, na defesa da harmonia dos Poderes, mas o inferno está cheio de gente com boas intenções. A “madre superiora”, assim apelidada por sua profissão de fé católica, repetiu que deseja “pacificar o país”. Mas não consegue pacificar nem seus ministros, que agora se ofendem publicamente de loucos e indecentes. Gilmar Mendes, no exterior, defendeu o impeachment do colega Marco Aurélio Mello. Ora, Cármen, como fica o comando do STF diante do motim de um presidente do Senado e de Suas Excelências?


É ilusória e forçada a paz arquitetada entre os Três Poderes, poupando Renan Calheiros, investigado em 12 processos e já declarado réu por peculato (desvio de dinheiro público) pelo próprio STF. No fim, estamos assistindo a um desfile de onipotência e arrogância – do Judiciário, do Legislativo e do Executivo. Acham que podem fatiar sonhos, manipular expectativas, distorcer votos, tudo em nome de uma “segurança jurídica” que eles mesmos torpedeiam.

Acontece que o Brasil mudou. Está assistindo menos a novelas e mais ao seriado versão brasileira de House of cards. Os julgamentos transmitidos ao vivo pela televisão abrem argumentos e debates à população – não conseguimos acompanhar todos os bastidores, as conspirações e as alianças oportunistas de adversários que se odeiam. Mas há, sim, e isso é positivo, um interesse pela realpolitik, num Brasil que detestava o assunto até pouco tempo atrás. As redes sociais contribuem, histericamente muitas vezes, para ampliar a discussão. E isso é bom. Educa. Conscientiza.

Por isso, qualquer pessoa instruída que tenha acompanhado o julgamento do plenário do STF sabe que o desfecho foi uma farsa, destinada a acomodar interesses. Qualquer defensor de uma Justiça igual para todos, ou da moralização do serviço público, deve ter concordado com as intervenções do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e do ministro Marco Aurélio Mello. Ambos exigiam o afastamento de Renan do cargo. É insustentável a visão de que alguém pode servir para ser presidente do Senado, mas não para substituir o presidente da República. Não adianta, Cármen, dizer que seu voto foi para “baixar a poeira” no conflito entre o Legislativo e o Judiciário. Levantou um vendaval com a sociedade.

“Nenhuma democracia merece isso”, disse um risonho e aliviado Renan, referindo-se à liminar de Mello que tentou afastá-lo do cargo. Tão excitado e agradecido estava Renan no dia seguinte ao julgamento que realizou três sessões seguidas no Senado e homenageou Jorge Viana, seu substituto cordial, como “uma instituição suprapartidária, não um petista”. Renan ainda declarou, sem pensar, que “decisão do STF não se comenta, se cumpre”. Logo ele, que desobedeceu a uma decisão judicial de um ministro do Supremo e se escondeu do oficial de justiça para não receber notificação. “O que passou não volta mais”, disse Renan, comemorando a decisão “patriótica” do STF. Nenhuma democracia merece ter Renan na presidência do Senado.

É exigir muito da população que engula a decisão do STF. Mesmo levando em conta que Cármen e seus discípulos decidiram apostar numa estabilidade provisória, para que se aprovem o ajuste fiscal e a reforma da Previdência antes de fechar o ano de 2016. Todos sabem que Cármen levou ao presidente Michel Temer um pedido para que Renan não votasse o projeto contra abuso de autoridade de procuradores e juízes. Antes dos últimos episódios dessa temporada, Renan estava “irredutível”, segundo Temer. Agora, o alagoano é só paz e amor. O morde e assopra invadiu Brasília.

Mas, claro, não houve pacto, não houve acordão! Você acredita? São fatias de pizzas, parecidas com a assada pelo ministro Ricardo Lewandowski, Renan e a senadora Kátia Abreu, que manteve os direitos políticos de Dilma no processo de impeachment. A meia-sola institucional – como disse Mello – virou moda.

É com esse raciocínio que a reforma da Previdência resolve poupar militares, policiais e bombeiros. É política a decisão de permitir às Forças Armadas acumular pensões e aposentadorias – um rombo de R$ 32,5 bilhões. Mas quem se importa com a crise da Previdência e com o fim dos privilégios de certas castas? Esta semana consagrou a máxima de que uns são mais iguais que outros. Cármen e Temer, durmam com um barulho desses. Uma hora, ele chega aí.

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O Por do Sol da Bahia do Dragão:

Como trabalhar pela igualdade

Fim de ano, sucedem-se os cálculos: quantos nasceram no mundo, quantos morreram, quantos seremos, em que espaço de tempo? E a partir daí, muitas equações. Quantos médicos? Quantas mulheres não se casarão? Quanto ganharão, comparando com os homens? Etc., etc.

O capítulo mais difícil certamente estará nas cifras nacionais, que nos falam muito de perto das desigualdades. As mulheres continuam trabalhando em média cinco horas por dia mais que os homens e ganham apenas 76% do salário médio masculino. Elas têm menos oportunidades de assumir cargos de chefia ou direção, até mesmo porque são discriminadas em razão da dupla jornada (horas no emprego e em casa), que reduz em algumas horas diárias a sua disponibilidade – sua jornada semanal de trabalho fora é inferior em cinco horas e meia à dos homens (50 horas ante 55,5). Além disso, as mulheres dedicam duas vezes mais tempo do que os homens às atividades domésticas (Instituto Humanistas Unisinos, 6/12) – eles dedicam às atividades em casa apenas dez horas por semana.

É um panorama que não mudou em uma década, embora 70% das mulheres estejam fora do mercado de trabalho. Mesmo que exerçam funções de chefia e direção muito semelhantes às dos homens, mulheres recebem (pelo nível de chefia, além do salário) cerca de 25% menos do que eles.

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E continua a aumentar o número de mulheres que são chefes de família: elas têm essa responsabilidade em 40% das casas; homens na mesma situação são poucos, quase exceção. Mulheres que não trabalham, dos 15 aos 29 anos, são 21,1%; na mesma idade e na mesma situação, só 4,7% dos homens.

De 2005 a 2015 cresceu de 11,4% para 17,8% a proporção de negros entre os brasileiros ricos. Entre os mais abonados, oito em cada dez são brancos; entre os mais pobres, três em quatro pessoas são negras, diz o IBGE. Mais de metade da nosso população (54%) é de pretos ou pardos. A cada dez pessoas, três são mulheres negras.

Embora tenha melhorado em dez anos – de 36,9% para 26,4%, entre 2005 e 2015, na faixa etária de 15 a 17 anos –, o atraso escolar no Brasil ainda é alto, segundo a Síntese dos Indicadores Sociais do IBGE publicada no início do mês (Estado, 3/12). Entre os 20% de famílias mais pobres, o índice chega a 40,7%, “quase cinco vezes maior que o indicado nos 20% mais ricos (8,2%)”. Explicou o IBGE que “a distorção idade/série”, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), “se refere à proporção de estudantes com idade pelo menos dois anos acima da esperada para a série em que estão matriculados”. A defasagem chega a 36,4% no Nordeste; é “mais dramática entre os jovens que moram em áreas rurais e também entre pretos e pardos”. Mais de um terço dos jovens acima de 15 anos já repetiu de ano mais de uma vez. “Na rede pública o atraso é 3,6 vezes maior.” Um em cada quatro jovens não estuda nem trabalha – são os chamados “nem-nem”, aos quais se referem, em tom zombeteiro, os seus contemporâneos.

A diferença entre áreas urbana e rural no País também é grande, na faixa de estudantes de 15 a 17 anos com até dois anos de atraso na escola, assim como entre estudantes pretos e pardos (31,4%), de um lado, e brancos (18,9%), do outro (em 2015). Para além da defasagem entre brancos e pretos, nas universidades públicas, em 2005, apenas 0,9% dos estudantes figuravam entre os 20% mais pobres; em 2015 já eram 8,3%.

É penoso tentar trabalhar com indicadores sociais no Brasil. Por exemplo, a questão do aborto, que ainda há poucos dias ocupou muitos espaços na comunidade, quando o Supremo Tribunal Federal decidiu não ser crime a interrupção voluntária da gravidez praticada nos três primeiros meses de gestação. Os favoráveis e os contrários serão dezenas de milhões; de ambos os lados, pessoas capazes de chegar às vias de fato em defesa de seus argumentos. Mas houve também, nos jornais, quem defendesse uma política nacional que abranja uma “cultura de cautela sexual”, uma discussão civilizada que faça avançar as práticas nessa área – e não apenas a defesa do uso regular de preservativos.

E é possível avançar. Todos os dias se ouvem debates acalorados a respeito da falta ou penúria de recursos para campanhas e ações a respeito de tudo. Por que governos e instituições não se dedicam a discussões públicas e civilizadas em que um lado possa ouvir o outro lado manifestar-se sobre o que for importante para a sociedade, do aborto à prioridade de políticas e obras governamentais?

Não se pode mais ouvir a cantilena demagógica dos julgadores indiferentes – fantasiados de sisudos defensores dos interesses coletivos, que ocupam posições importantes para a sociedade, mas fecham os olhos a problemas vitais em tantas áreas, como, por exemplo, a da defesa sanitária.

Ainda há poucos dias Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura advertiu: mais de 2 bilhões de pessoas no mundo sofrem de deficiências nutricionais e cerca de 450 milhões de crianças com menos de 5 anos de idade têm o crescimento atrofiado por dietas pobres; ao mesmo tempo, 1,9 bilhão de indivíduos estão acima do peso ideal; a alimentação inadequada custa US$ 3,5 trilhões por ano ao desenvolvimento econômico e aos investimentos em saúde dos países.

Não há tempo a perder. Os fatos no mundo das atividades econômicas desenvolvem-se no ritmo acelerado do cotidiano: quem perder tempo será ultrapassado. Então, é preciso adaptar sem perda de tempo os currículos educacionais, principalmente universitários, às necessidades da vida fora dos câmpus. Mas sem esquecer estas últimas – para que se tenha uma educação que possa ser mais abrangente, mais próxima da vida concreta de todos os segmentos sociais. A igualdade, aí, começa pela justiça, em todos o segmentos, da formulação de todos os currículos. Pelo ensino e pela prática da igualdade.

A educação ladeira abaixo

O Brasil segue despencando no ranking mundial da educação. Não andamos de lado, andamos para trás. A cada rodada do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes – Pisa, exame realizado de três em três anos e de responsabilidade da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico- OCDE, somos empurrados mais para o fim da fila.

Isso aconteceu em 2012, quando a educação brasileira caiu cinco posições na área de ciências. Naquele ano o Brasil estava em 55º no ranking de leitura, 58º no de matemática e 59º no de ciências. No PISA de 2015, o país reincidiu, descendo mais degraus situando-se agora na humilhante 59ª posição em leitura, 65ª em matemática e 63ª em ciências, entre 70 países avaliados. O desastre maior é justamente em matemática: enquanto a média dos países da OCDE na disciplina é de 490 pontos, ficamos com 377. Em ciências, chegamos só a 401 (média é 493) e em leitura, 407 (média também 493).




E quando se pensa que chegamos ao fundo do poço, é bom lembrar de outros vexames tão grandes quanto: o Brasil está na rabeira do ranking do Fórum Econômico Mundial quando se leva em conta “a taxa de sobrevivência em educação básica” -- ou seja, a capacidade de o aluno sair desse ciclo bem preparado. Aí ficamos atrás da Bolívia e do Paraguai.

Os vexames se sucedem aos borbotões. Segundo o relatório final da UNESCO – órgão da ONU para a educação – o Brasil não cumpriu quatro das metas do compromisso Educação para Todos, firmado em 2000 por 165 países e com vigência até 2015. Falhamos nas metas de expansão do ensino na primeira infância, nas de que as necessidades de aprendizagem de todos os jovens sejam alcançadas por meio do acesso equitativo, na alfabetização de adultos e na qualidade da educação em termos gerais. Atendemos apenas os quesitos da universalização do ensino fundamental, uma conquista obtida com a implantação do Fundef ainda no governo FHC, e na garantia da equidade de gênero nas escolas.

Detalhe: na avaliação da UNESCO levamos um baile até de Cuba e ficamos atrás de países como México e Chile. Quando a avaliação foi divulgada, em abril de 2016, o governo de Dilma Rousseff preferiu dizer que o erro não estava na nossa educação, mas na avaliação da UNESCO.

Por que estamos tão mal assim?

Não há muito mistério. O Brasil paga um preço altíssimo por ser retardatário no campo educacional. Só na virada do século, mais precisamente na gestão do Paulo Renato Souza no Ministério da Educação, chegou-se à universalização do ensino fundamental. E só então passamos a contar com um sistema de avaliação do ensino.

A partir desse estágio, seriam previsíveis os passos seguintes, ações articuladas e não pontuais ou episódicas, ou seja: enfrentar os problemas do fracasso e da evasão escolar; dar prioridade absoluta à melhoria da qualidade do ensino básico; reformar e universalizar o ensino médio. E, para embasar tudo isso: focar na valorização e formação continuada dos professores, implantar de vez a meritocracia, enfrentar o corporativismo - essa força conservadora sempre resistente às mudanças.

Não foi o que se viu nos treze anos seguintes. Essa agenda foi deixada de lado e o país assistiu a uma sucessão de ministros da área, com prioridades distintas. Não raro, políticas erráticas.

O que o país está fazendo não está funcionando. E não podemos tentar enxergar nos resultados frestas que amenizem o tamanho do problema. É preciso ter indignação e seguir com a certeza de que toda criança é capaz de aprender. Não tem sentido reprovar um aluno por décimos, mas sim trabalhar no reforço e recuperação até que ele aprenda. Isso é uma tarefa exclusiva da escola e de seus professores.

É preciso rever as práticas na sala de aula, nas competências a serem aprendidas, estabelecer prioridade no português e na matemática, pensar em estratégias e em como o professor vai se conectar ao aluno no mundo atual. Não é uma tarefa fácil. E para vencer os desafios necessários muitos vão chiar. Vai ter choro e ranger dos dentes.

Na educação colhe-se o que se planta. Cingapura, Coréia e Hong Kong priorizaram o ensino básico, fizeram sua revolução educacional ainda no século vinte. Hoje ocupam os primeiros lugares nos exames internacionais.

Enquanto o Brasil esperneia diante de mudanças necessárias, como as encaminhadas pelo governo para o ensino médio, e come poeira lá atrás.

Sem proteção


O fundamento do Estado democrático liberal era: "Não se preocupem; nós os protegeremos". Mas já não protege nem dos ataques de fora, nem da quebra do sistema interno.
Zdzislaw Beksínski arte oscuro desde Polonia
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É uma crise de Estado, das elites e da narração que os sustenta

Odebrecht expõe ao país o subsolo do abismo

A Lava Jato eliminou a ideia de que o Brasil estava condenado a viver à beira do abismo. A operação fez desaparecer a noção de borda. O país escorregou para dentro do precipício. A delação da Odebrecht, que chega ao noticiário em conta-gotas, leva o brasileiro para um outro patamar, bem mais profundo. Com suas revelações devastadoras, os corruptores da maior construtora brasileira expõem à nação o subsolo do abismo. É onde se aloja o insondável. O Brasil está sendo apresentado, finalmente, ao magma que o pariu. No subterrâneo do abismo, o sonho de “estancar a sangria” tornou-se um pesadelo hemorrágico.

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Visto de baixo, o governo de Michel Temer ganhou a aparência de um empreendimento precário. Todos sangram. O próprio presidente aparece nas delações requisitando uma odebrechtiana de R$ 10 milhões. Seus amigos e correligionários do PMDB plantam bananeira na areia movediça: Padilha, Moreira, Geddel, Jucá, Renan… Candidatos do Planalto às presidências do Senado e da Câmara, Eunício e Maia são pavios acesos. Aliados como Aécio, Serra e até Alckmin, “o santo”, brincam na lama depois de se banhar nas águas do impeachment.

Tornou-se impossível prever como o governo Temer chegará a 2018. Difícil dizer até mesmo se chegará tão longe. O futuro chega tão rápido que já está atrás de nós. Em 3 de maio de 2015, Emílio Odebrecht, o patriarca da construtora, anotou o seguinte num artigo:

''A corrupção é problema grave e deve ser tratado com respeito à lei e aos princípios do Estado democrático de Direito, mas é fundamental que a energia da nação, particularmente das lideranças, das autoridades e dos meios de comunicação, seja canalizada para o debate do que precisamos fazer para mudar o país. Quem aqui vive quer olhar com otimismo para o futuro —que não podemos esquecer—, sem ficar digerindo o passado e o presente.''

Nessa época, Emílio cobrava, estalando de pureza moral, “uma agenda clara de crescimento com desenvolvimento para o Brasil.” E seu filho, Marcelo Odebrecht, preso em Curitiba, dizia que não seria delator porque não tinha o que delatar. Desnudados pelos investigadores, pai, filho e os santos espíritos da Odebrecht despejam sobre o presente revelações de um passado que leva o país a desacreditar do futuro.

Conselho útil: aperte os cintos. Com a delação da Odebrecht, o Brasil está aterrissando no subsolo do abismo. O PT celebra a chegada de companhia. Quem olha ao redor percebe por que o Brasil é o mais antigo país do futuro em todo o mundo.

Paisagem brasileira

Pinguela, Vasco Machado

Os animais e a peste

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Sebastião Salgado
Em certo ano terrível de peste entre os animais, o leão, mais apreensivo, consultou um macaco de barbas brancas.

– Esta peste é um castigo do céu – respondeu o macaco – e o remédio é aplacarmos a cólera divina sacrificando aos deuses um de nós.

– Qual? – perguntou o leão.

– O mais carregado de crimes.

O leão fechou os olhos, concentrou-se e, depois duma pausa, disse aos súditos reunidos em redor:

– Amigos! É fora de dúvida que quem deve sacrificar-se sou eu. Cometi grandes crimes, matei centenas de veados, devorei inúmeras ovelhas e até vários pastores. Ofereço-me, pois, para o acrifício necessário ao bem comum.

A raposa adiantou-se e disse:

– Acho conveniente ouvir a confissão das outras feras. Porque, para mim, nada do que Vossa Majestade alegou constitui crime. São coisas que até que honram o nosso virtuosíssimo rei Leão.

Grandes aplausos abafaram as últimas palavras da bajuladora e o leão foi posto de lado como impróprio para o sacrifício.

Apresentou-se em seguida o tigre e repete-se a cena. Acusa-se de mil crimes, mas a raposa mostra que também ele era um anjo de inocência.

E o mesmo aconteceu com todas as outras feras.

Nisto chega a vez do burro. Adianta-se o pobre animal e diz:

– A consciência só me acusa de haver comido uma folha de couve da horta do senhor vigário.

Os animais entreolharam-se. Era muito sério aquilo. A raposa toma a palavra:

– Eis amigos, o grande criminoso! Tão horrível o que ele nos conta, que é inútil prosseguirmos na investigação. A vítima a sacrificar-se aos deuses não pode ser outra porque não pode haver crime maior do que furtar a sacratíssima couve do senhor vigário.

Toda a bicharada concordou e o triste burro foi unanimemente eleito para o sacrifício.

Moral: Aos poderosos, tudo se desculpa… Aos miseráveis, nada se perdoa.

Monteiro Lobato

Pior não fica? Mas ficou...

Do jeito que as coisas vão, Michel Temer não completa o seu mandato. Nenhum presidente da República tem sido tão humilhado como ele. Com todo o respeito, mas S. Exa. acaba de perder o próprio, com o recuo da nomeação de Antônio Imbassay para ministro da Articulação Política (ou secretário de Governo). Partidos grandes e pequenos tripudiam sobre sua figura, tanto quanto o Senado humilhou o Supremo Tribunal Federal.

Só falta o Congresso aprovar o impeachment de Michel, por total ausência de condições para governar o país. Determinação e firmeza são produtos em falta nas prateleiras do palácio do Planalto.


Pode até o ex-futuro ministro ser outra vez reconvocado, na próxima semana. Mesmo assim, não adiantará nada. Já se ouve nos corredores parlamentares que apenas novas eleições diretas resolveriam, ainda que deputados e senadores tenham até o dia 31 para tomar a decisão. Depois, as eleições presidenciais teriam de ser indiretas, pelo Congresso. Mas o melhor, mesmo, seria o eleitorado escolher todos os cargos eletivos, proibidas as reeleições.

O presidente, mesmo tentando contemporizar, não encontra parlamentares e partidos para respaldá-lo. Muito menos a opinião pública e a opinião publicada. Começam a aparecer pseudo-candidatos para sucedê-lo, de Fernando Henrique a Nelson Jobim, sem esquecer Renan Calheiros.

Há que poupar Michel Temer, mas apenas com sua dispensa. Não transcorre uma semana sem que a lambança fique pior. Até a fugaz confiança em Henrique Meirelles virou pó. Um murro na mesa resolveria a questão, ainda que se ignore o punho capaz de vibrá-lo. Do PMDB ao PSDB e ao Centrão, ninguém se entende.

A usina Muttsee

A Suíça é um pequeno e pobre país encravado na Europa, desprovido de recursos os mais básicos que se possa imaginar. Lá não há riquezas naturais fabulosas, acesso ao mar ou mesmo espaço - falamos de um país de vales cercados por montanhas geladas.

Pois bem: buscando produzir energia farta e barata, e bem assim prevenir eventuais problemas de abastecimento, construiu-se no lago Mutt uma das maiores e mais fascinantes usinas hidrelétricas jamais vistas, do tipo reversível.

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Conforme divulgado pela administração suíça, esta usina, com potência de 1.000 MW, e cuja barragem mede 1.025 metros, é a mais potente de seu tipo no país - segundo consta, há outras 15 em funcionamento. Custou US$ 2,1 bilhões, e seu lago armazena 25 milhões de metros cúbicos de água.

Mas o que seria uma "usina reversível"? Com a palavra os próprios suíços:

"Tais usinas possuem duas represas, uma na montanha e outra bem mais abaixo. A água do lado superior é conduzida para baixo sob pressão através das turbinas que geram a eletricidade. Em tempos de baixo consumo de energia, a água é bombeada de volta para o lago da montanha e lá represada".

Esclareceu-se, finalmente, que "usinas hidroelétricas reversíveis têm um papel importante para garantir um suprimento estável de eletricidade em períodos de falta de água".

Enquanto tal maravilhoso feito acontece naquele pequeno e pobre país, aqui neste tão grande e rico Brasil ainda dependemos de chuvas permanentes para que as torneiras de nossas casas não sequem!

Dada a quase total falta de investimentos em infraestrutura, qualquer alteração climática mais séria nos conduz aos racionamentos, rodízios etc.

E eis aí um quadro nacional: não faz muito tempo, visitei uma capital banhada pelo rio Amazonas (o maior do planeta em volume) que convivia há anos com a escassez de água potável! Uma cena surrealista, a de um rio cuja margem oposta quase não se vê banhando uma cidade sem água!

Escrevo estas linhas em desagravo a São Pedro, eterna e injustamente responsabilizado pelas torneiras secas que nos humilham enquanto país que se pretende minimamente administrado.

Mas peço desculpas, pois tenho que encerrar aqui - acabo de ouvir no noticiário que talvez meu bairro fique sem água no verão, e preciso procurar saber do que se trata. Fiquem em paz! Boa sorte!