quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

Vai, Brasil!

 

Silvano Mello

Se Bolsonaro ficar quietinho, a Justiça esquecerá seus crimes

Sossegue, Bolsonaro. Faltam 10 dias para o fim do seu governo. Se se comportar bem até lá, se depois permanecer discreto por um período de tempo razoável, quem sabe o Supremo Tribunal Federal não desiste de puni-lo por atentar contra a democracia?

Quem sabe também não fecha os olhos para outros crimes que cometeu, incluindo os dos filhos? O ideal seria que se afastasse de vez da política e fosse curtir a vida na companhia de Michelle e da filha Laura, como planejou fazer antes de se eleger presidente.

Não terá mais que se preocupar com gastos. Bastam-lhe as aposentadorias e a fortuna que construiu em mais de 30 anos como político. De resto, a condição de ex-presidente garante dois carros, secretários e agentes de segurança pagos pelo governo.


Dado ao seu peso econômico no mundo e ambições imperiais, o Brasil não quer parecer-se com outros países da América Latina. No início de 2001, por exemplo, em um intervalo de apenas 10 dias, a Argentina teve cinco presidentes.

No final de 2020, em uma semana, o Peru teve três presidentes. No momento, enfrenta grave turbulência com a deposição do presidente Pedro Castillo. Quatro ex-presidentes peruanos foram presos por corrupção na década passada, e um matou-se.

(Lembra algo? De 1954 a 1956, o Brasil foi governado por quatro presidentes: Getúlio Vargas, que se suicidou, Café Filho, Carlos Luz e Nereu Ramos. De 1961 a 1964, por mais quatro: Jânio Quadros, Ranieri Mazzilli, João Goulart e Mazzilli novamente.)

Entre os ministros do Supremo, consolida-se a opinião de que depois de 21 anos de ditadura, dois impeachments de presidentes (Collor e Dilma) fizeram muito mal à imagem do país; sem falar da prisão de dois ex-presidentes (Lula e Michel Temer).

Bolsonaro só não caiu porque comprou o Congresso com o Orçamento Secreto, e os militares o apoiavam. Prendê-lo seria abrir mais uma ferida que levaria muitos anos para cicatrizar. Contudo, vai depender só dele para que isso não aconteça.

Maquiavel: o que o autor de 'O príncipe' tem a ensinar sobre democracia aos brasileiros?

Caso mudar o mundo esteja entre as suas resoluções de ano, vale a pena estudar obra de um diplomata florentino que, num livrinho chamado “O príncipe”, afirmou que um governante precisa estar disposto a “atuar contra a palavra dada, contra a caridade, contra a humanidade, contra a religião” se quiser conquistar e manter o poder: Nicolau Maquiavel (1469-1527). De cara, essa sugestão causa algum estranhamento. Afinal, “O príncipe” deu origem ao adjetivo “maquiavélico” (pérfido, ardiloso). No entanto, em “Maquiavel, a democracia e o Brasil” (Estação Liberdade), o professor do Departamento de Filosofia da USP e ex-ministro da Educação Renato Janine Ribeiro escreve que o “Secretário Florentino” é “uma boa inspiração para quem quer mudar o mundo”.

E ele não está sozinho em sua defesa do maquiavelismo. Nos últimos meses, chegaram às livrarias títulos que destacam a originalidade do pensamento de Maquiavel e contestam sua fama de mau. Não só o autor de “Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio” não é nenhum professor de tiranos — ele nunca disse que os fins justificam os meios —, como também oferece valiosas lições de liderança e até de democracia.

Ou melhor: de republicanismo. Estudiosos enxergam em Maquiavel um herdeiro de uma tradição que remonta à filosofia grega e foi renovada pelos chamados humanistas cívicos nos primórdios da Modernidade, período em que viveu o autor. O velho Nicolau, quem diria, era um defensor do “governo largo” ou “misto”, o qual, diferentemente da monarquia e da aristocracia, assegura os direitos dos “Grandes” e também do povo.


Autor de “Maquiavelianas: lições de política republicana” (Editora 34), Sérgio Cardoso afirma que o florentino tem um bocado a ensinar sobre democracia porque reconhece que a divisão social é uma realidade inultrapassável. Em “O príncipe”, ele escreveu que “em toda Cidade”, encontram-se dois “humores distintos”: o do povo, que deseja não ser comandado e oprimido pelos “Grandes”, e o dos “Grandes”, que desejam comandar e oprimir o povo (e acumular riquezas, é claro).

— Para Maquiavel, as instituições são republicanas na medida em que são capazes de trazer o humor popular para a cena política. Ele propõe uma democracia que não é meramente formal ao mostrar que é a pressão popular, o conflito entre o povo e os Grandes, que dá força às leis. Assim, ele nos ajuda a pensar o que hoje chamamos de movimentos sociais — diz Cardoso, que também é professor do Departamento de Filosofia da USP.

Por que, então, maquiavélico se tornou sinônimo de diabólico? Na Inglaterra do século XVII, “Old Nick” virou até um dos nomes do coisa-ruim! Ribeiro explica: Maquiavel irritou as elites ao revelar a natureza pouco decente do poder. Não à toa, “O príncipe” foi proibido pela Igreja Católica. Cardoso lembra que os protestantes franceses fizeram a caveira do autor ainda no século XVI. Os chamados huguenotes se opunham à importação da cultura florentina por Franciso I e à rainha Catarina de Médici, filha da nobreza toscana e acusada de ser um “Maquiavel de saias” (ela é por vezes responsabilizada pelo massacre dos protestantes na infame Noite de São Bartolomeu, em 1572).

No século XX, porém, Maquiavel foi reabilitado por pensadores como o italiano Antonio Gramsci, os franceses Maurice Merleau-Ponty e Claude Lefort (que formou uma geração de maquiavelianos brasileiros) e os ingleses John Popock e Quentin Skinner. Professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, Aldo Fornazieri explica que a crise das ideologias (do liberalismo ao marxismo), no final do século XX, e da própria democracia, nas últimas duas décadas, levou estudiosos a revistar Maquiavel num esforço para reanimar a política democrática. Além de não ocultar a divisão social, o florentino defendia que as boas leis nasciam justamente dos conflitos entre os “Grandes” e o povo.

— Na democracia liberal, as elites dominam o sistema político e servem-se eleitoralmente das massas, mas perdem a legitimidade ao chegar ao poder por não terem contato real com o povo. O conceito maquiaveliano de república implica participação e controle popular do poder — diz o autor de “Liderança e poder” (Contracorrente), no qual escreve que não há nada mais contrário a Maquiavel do que “governar contra o povo”. — A leitura de “O príncipe” é fundamental para entender como se processam as mudanças políticas. É uma teoria da liderança política que qualifica o que é um líder virtuoso, algo de que o mundo carece atualmente.

Obra mais controversa de Maquiavel, “O príncipe” ensina como governantes dotados de virtù são capazes de driblar a fortuna (o acaso, as circunstâncias) e se agarrar ao poder — nem que para isso atentem contra a virtude cristã. Mas virtù (que vem de vir, varão), não é sinônimo de vício. Muito pelo contrário. Fornazieri a descreve “a disposição para lutar pela liberdade, pela vida, por justiça, pelo grupo, pela comunidade, pela pátria”. Já Ribeiro afirma que virtù é “a ação humana planejada, consequente, com vistas a resultados”.

Em seu livro, o ex-ministro da Educação questiona se os presidentes do Brasil desde a redemocratização governaram com virtù ou ao sabor dos vendavais da fortuna. Só Lula passou na prova: chegou ao poder e lá se manteve pela própria virtù. Fernando Henrique Cardoso conquistou o poder graças à fortuna (o Plano Real e a indicação do então presidente Itamar Franco avalizaram sua candidatura), mas teve a virtù de “conseguir a aliança das classes antes chamadas ‘conservadoras’, em torno de um projeto que incluía, ainda que modestamente, programas sociais”. Já Bolsonaro se elegeu favorecido pela fortuna (o humor popular rejeitava a política tradicional), mas sua falta de virtù o privou de um segundo mandato.

O príncipe, no entanto, não deve usar a virtù apenas para permanecer o poder, mas sobretudo para agir, para implementar mudanças que contemplem o humor popular. É essa, diz Ribeiro, a principal lição que a política brasileira pode tirar de Maquiavel.

— O Brasil precisa de muita mudança. Saímos do mapa da fome, mas voltamos. Nossos valores democráticos se mostraram muito frágeis — afirma Ribeiro, lembrando que, numa república, não só o príncipe, mas também o povo deve demonstrar virtù. — Seja o governo de esquerda ou de direita, a sociedade brasileira precisa assumir os valores da Constituição. Nos últimos anos, terceirizamos nossa democracia, como se a resistência a um golpe dependesse só dos EUA ou dos militares e não do povo. O que diferencia a democracia e de outros regimes é a virtù do povo.

As emendas secretas continuarão a existir

No romance “O Leopardo”, do italiano Tomasi di Lampedusa, há uma frase dita por Tancredi ao seu tio Fabrizio: “…Se queremos que tudo continue como está, é preciso que tudo mude”. A frase deve ter servido de inspiração para as novas decisões do Congresso.

É grave e triste o que estamos presenciando. Uma emenda à Constituição Federal sendo construída a toque de caixa para dar uma resposta imediata e driblar uma decisão do STF. Com a intenção clara de manter o poder do Congresso sobre bilhões.



Assim, diluíram metade das emendas RP9 entre todos os parlamentares (RP-6). A outra metade (RP2), de uma forma ou de outra, será controlada pelos líderes. Vejam: ” Fica o relator-geral do PLOA 2023 autorizado a apresentar emendas para a ampliação das dotações… “. A equipe de transição PODERÁ ser atendida em suas solicitações.

As emendas de relator, portanto, continuarão a existir, contrariando o STF. Há uma referência no texto no sentido de que o relator-geral apresentará emendas para ações voltadas à execução de políticas públicas. Mas o termo “políticas públicas” tem que ser interpretado com rigor, o que significa planejamento com diagnóstico, indicadores, critérios, parâmetros, o q não se coaduna com indicações meramente políticas, o que foi vetado pelo STF. Dessa forma, as emendas de relator RP-2 não poderiam ter critérios políticos

Indiretamente também serão aumentados os recursos para as transferências especiais, as malfadadas emendas PIX.

Curiosamente, o acréscimo que a PEC propicia é maior no Senado do que na Câmara. Os valores de cada senador (R$ 59 milhões) são maiores do que os dos deputados( R$ 32,1 milhões).

Para efeito das novas emendas, um senador vale mais do que um deputado.

O Congresso está mudando tudo, para que tudo (ou quase tudo) continue como está.