sábado, 12 de março de 2016

Defenda-se! É amanhã ou nunca!

Poucas coisas podem ser mais traumáticas e perigosas que o impeachment de um presidente da Republica no meio de uma grande crise econômica. Este governo que se propõe o papel de valhacouto de foragidos é uma. Fez as coisas de tal maneira que continuar com ele é morte certa. Diante dessa perspectiva a incerteza, ainda que tão ampla que dá vertigem, é o melhor dos mundos.

A cada minuto que passa aumenta a pena retroativa a trabalhos forçados a que o lulismo condenou cada brasileiro. Ja regredimos pelo menos 10 anos e o relógio continua correndo para trás cada vez mais aceleradamente. A catástrofe que atingiu o nosso fragilíssimo ecossistema institucional é de proporções ambientais. Nada nele escapou a estes 13 anos de derrame de lama e só ao longo das próximas décadas se poderá medir todos os efeitos do desastre. Desde já é certo, como comprova a decisão de anteontem do STF de, em plena tempestade, não apenas libertar réus mas “perdoar” todo o Mensalão que o decano de seus ministros descreveu como “um ataque doloso e sistemático de uma quadrilha organizada com o propósito de destruir os fundamentos da democracia, da Republica e do estado de direito“, que será tão dificil reconstituir a democracia no Brasil depois do PT quanto as condições do Rio Doce de voltar a sustentar a vida depois da Samarco.


O mundo viu isso cem vezes no último século do milênio passado. A especialidade desse “esquerdismo” corrosivo morto em toda a parte menos aqui de que o bandalho-sindicalismo brasileiro se apropriou sempre foi transformar em verdadeiros os seus diagnósticos mais falsos. Fomenta o ódio de classes até torná-las irreconciliáveis como dizia que eram “seus interesses” quando reinava a paz; insufla o racismo e a intolerância com a diferença até transformá-los em sangue para provar que “estavam apenas ocultos“; incendeia o campo para destruir a agricultura e comprovar que ha “ociosidade da terra“; semeia insidiosamente os privilégios que falseiam a livre competição para imputar ao mercado e às “contradições do capitalismo” a vitória do desmerecimento. Corrompe sistematicamente as instituições democráticas para denunciar a “democracia burguesa” como “intrinsecamente corrupta“; instila na imprensa ondas especulativas insidiosas contra tudo e contra todos para, chegada a sua vez, poder posar de vítima; atiça tribunais uns contra os outros para exacerbar ânimos e forçar erros de modo a “provar” que não ha justiça isenta.

As gerações se sucedem rápido neste país sem memória, mas não é verdade que tem sido sempre assim. O Brasil está irreconhecivel! Tudo que tocam esses Midas pelo avesso entra em decomposição. Mas seu objetivo sempre foi claro e confesso. Tem sido uma longa jornada mas não houve um unico desvio. São de 1990 tanto o Foro de São Paulo, criado para reorganizar a esquerda latino-americana batida pela execrada prosperidade promovida pelos governos “neoliberais” do continente, quanto a eleição do aparelhamento dos fundos de pensão das estatais, o maior volume de dinheiro entesourado existente no país como Luis Gushiken, da esquerda ilustrada trotskista fez ver à esquerda tosca do bandalho-sindicalismo, como um instrumento para a tomada do poder.

Não ha registro das minúcias do parto da decisão por essa troca de armamento mas a idéia de que com dinheiro toma-se mais facilmente o poder que com balas é, claramente, o acrescentamento que o bandalho-sindicalismo que sempre usou esse recurso para instalar-se e manter-se em suas sinecuras, embalado pela ascensão fulminante do capitalismo-de-estado chinês, aportou ao receituário de Gramsci para atirar-se a voos mais altos e trazer as coisas até onde vieram.

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Corre em paralelo, na mesma época, o investimento no controle dos sindicatos do setor financeiro com os quais institui-se a “PT-Pol” (de “polícia”, hoje substituida pela Receita Federal com seus supercomputadores liberados para agir à revelia do Judiciário), entidade bem conhecida das redações que desde aquela época começam, por meio dela, a “ter acesso” aos pormenores da vida dos inimigos do partido nos momentos em que tais expedientes se faziam mais uteis.

Estavam postos os ingredientes essenciais do presente desastre.

Em meados dos anos 90, já com farta colheita de prefeituras, estoura o primeiro escândalo do PT no poder denunciado pelo “quadro” histórico Paulo de Tarso Venceslau, em tudo, menos pelas proporções, idêntico aos de hoje: um esquema de cooptação de empresários venais que pagavam impostos municipais “a mais”, contratavam a consultoria CPEM de Roberto Teixeira compadre de Lula e dono do apartamento onde ele mora até hoje, que “descobria o erro” e abria os cofres das prefeituras para “devolver a diferença” ao empresário amigo com posterior “rachuncho” excluídos do qual ficavam as vítimas de sempre: o povo, especialmente a parcela mais dependente da assistência do estado, esta que quanto mais empobrecida pela corrupção mais exposta ao “pai dos pobres” fica.

Dois anos tentando em vão denunciar a falcatrua a Lula, e o ingênuo Paulo de Tarso convence-se da verdade, vai ao Jornal da Tarde e denuncia a roubalheira. “Estarrecidos” os petistas montam uma comissão de investigação chefiada por Jose Eduardo Cardoso que, verde ainda, leva-a longe o bastante para que todos os narizes se voltem para Lula, de onde emanava o mau cheiro.

E então … golpe! Paulo de Tarso é que é expulso do partido enquanto José Eduardo cai no ostracismo até que Dilma o arranque de lá.

Desde então tem sido só mais do mesmo. Só que muuuito mais do mesmo. O Congresso Nacional foi dissolvido em dinheiro. Não ha mais uma Justiça Brasileira; ha uma “Justiça de Curitiba” e a outra. A economia está em estado de coma e jamais será reanimada à força, nem de muque, nem de novas tapeações. É preciso reabrir a possibilidade da democracia, da vitória do direito, da reconciliação nacional.

Defenda-se! Defenda seus filhos! Defenda o Brasil!

Não haverá outra chance. É amanhã ou nunca!

Termômetro, serpentes, homilias e ruas do domingo 13

Paixão
"Deus me imunize do teu veneno. Deus me poupe do teu fim"
("Reza", Rita Lee e Roberto de Carvalho)



Escrevo na antevéspera das grandes manifestações convocadas, há mais de um mês, em todas as regiões do Brasil. À frente da convocação, grupos de tendências variadas que atuam, fortemente, nas redes sociais e setores políticos e partidários de oposição ao governo petista de Dilma Rousseff, que estimam: "Se tudo sair nos conformes", como dizem os soteropolitanos , haverá expressivos e memoráveis protestos em cidades como São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Salvador (entre outras) neste domingo, 13 de março, da Quaresma de 2016.

Tempo propício, portanto, para meditações sobre o ambiente de ameaças, boataria, estímulos ao confronto e de provocação escancarada em alguns casos. Caldo de cultura da violência, intranqüilidade e medo, que começou a se formar e a ser incentivado de uns dias para cá.

Principalmente, por grupos sindicais e "tropas de sem terra do comandante Stédile" (a definição é do ex-presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva) ao lado de vozes estressadas de entidades dos chamados movimentos sociais – ligadas diretamente ao PT ou linhas auxiliares do partido, há mais de 13 anos no governo e com projeto de poder almejado por tempo indeterminado, aparentemente. Apêndices que começaram a propagar, também para a mesma data,a realização de atos em contraponto ao do movimento pelo impeachment da presidente Dilma.

Em sua edição para o Brasil, da sexta-feira (11), o diário espanhol El País define o ambiente com extrema precisão e competência jornalística, na metáfora de abertura do texto da reportagem sobre o pedido de prisão preventiva de Lula, pelos três promotores do Ministério Público de São Paulo.

"A temperatura política e social no país já estava alta. Mas, nesta quinta-feira (10), três promotores do Ministério Público de São Paulo ajudaram a explodir de vez o termômetro", diz o relato creditado a três profissionais do El País na capital paulista e em Brasília: Gil Alessi, Marina Rossi e Afonso Benites. "Cássio Conserino, José Carlos Blat e Fernando Henrique Araújo são os responsáveis por denunciar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelos crimes de falsidade ideológica e estelionato, ambos relacionados ao triplex do Edifício Solaris, no Guarujá. Mas o trio foi além, e pediu, à juíza Maria Priscilla Ernandes Veiga Oliveira, a prisão preventiva do petista – a magistrada ainda não se posicionou sobre o caso", completam os jornalistas, na primorosa abertura do texto.

Seja como for, tentar confrontar os protestos, marcados com grande antecedência, ou tentar barrar as manifestações populares nas ruas, com arruaças e ameaças de última hora, aparenta tratar-se de receita política aloprada e evidentemente perigosa. Com, praticamente, todos os ingredientes para dar errado, se levada adiante.

"E solar o bolo do jejum da Quaresma", como diziam sábias tias e hábeis doceiras, em Santo Antonio da Glória, a querida cidade de meus melhores anos de infância, na beira do São Francisco. O rio da minha aldeia que, agonizante e sangrando por todas as suas veias, vai virar tema da novela das 9h, da Globo, igualmente anunciada para começar neste março de um tempo temerário no Brasil.

Recordo, por fim, dos meus plantões de fim de semana no Jornal do Brasil, cuja redação da sucursal na Bahia eu chefiava, em Salvador, nos anos loucos de 70 e 80. Aos domingos, em períodos de graves confrontos ideológicos e de princípios (que não podem ser comparados com defesa de governos corruptos, políticos, dirigentes, entes públicos e privados em conluio para saquear patrimônios sagrados da sociedade, a exemplo da Petrobras), em horas de confusões políticas e sociais, do porte da atual, sabia haver espaço quase garantido, no JB, para matérias com informações e palavras reflexivas de equilíbrio, sapiência e moderação, mesmo nas ocasiões de maiores tumultos. Na Bahia, a voz principal era a do estão arcebispo de Salvador e Cardeal Primaz do Brasil, D. Av elar Brandão Vilela, Bem informado e com o feeling da notícia, bastava um simples telefonema que o cardeal atendia com proverbial gentileza . O restante era tarefa do repórter..

Na conversa de um tempo sem redes sociais, ele dava a moldura factual para o texto de suas homilias dominicais, publicadas no jornal A Tarde. Em geral sobre o tema mais candente e polêmico da semana. Que seria transformado em texto jornalístico para a edição da segunda-feira do JB . Nesta antevéspera dos protestos, pelo impeachment da presidente Dilma e contra a corrupção no Brasil, confesso que sinto falta do antigo Primaz.

Às ruas, então. É bom não só gritar, mas também ouvir, atentamente, as vozes que virão delas neste domingo. Das ruas devem vir os ensinamentos e a luz para os próximos e indispensáveis passos de redenção do país.

Lula, Moro e a Bastilha

O pedido de prisão preventiva de Lula, diante apenas do que disse e fez após o depoimento que teve de prestar à Polícia Federal, semana passada, justifica-se plenamente.

Nem seria necessário – como não o foi para Al Capone, preso pelo imposto de renda, ou Fernando Collor, deposto por um reles Fiat Elba - ir ao conjunto da obra, que é vasto e cabeludo.

Nos exemplos citados – de Capone e Collor -, puniu-se o menos, já que o mais estava oculto. E a partir do menos chegou-se ao mais. O mais, no caso de Lula, são os indícios de que comandava uma quadrilha de empreiteiros e agentes públicos que, de sua posse em diante, lesaram o patrimônio público.

O sítio e o tríplex seriam o seu Fiat Elba.

Mas fiquemos com a sequência de delitos praticados por Lula da semana passada para cá: denegriu a imagem das instituições – Judiciário, Ministério Público, imprensa -, ofendeu um magistrado (Sérgio Moro), empresas jornalísticas e conclamou aliados a usar da violência. Nada menos.

Pior: no quesito incitação à violência, houve consequências, com uma sucessão de invasões a propriedades públicas e privadas e agressão gratuita a pessoas inocentes, por parte de algumas das entidades que nomeou: MST, MTST, CUT etc.

Incitação à violência é crime – e grave - e o flagrante está devidamente documentado. Lula destacou, por exemplo, sua ira contra a TV Globo, responsabilizando-a pelas mazelas do país.

No início desta semana, uma das afiliadas da emissora, em Goiânia, foi depredada por gente da CUT, com agressões a funcionários, fazendo-os reféns por horas. O mesmo o fez o MST com dois repórteres da TV Bandeirantes. E não foram apenas esses os casos registrados. A violência foi às ruas, como pediu Lula.

Desde então, o mantra de guerra civil passou a constar do discurso da militância, que ameaça tumultuar a manifestação de amanhã. O objetivo é intimidar e esvaziar o protesto, disseminando o pânico. Se o país tivesse uma efetiva lei antiterror – a recém-aprovada exclui de suas penas os “movimentos sociais” -, Lula e seus militantes estariam nela enquadrados.

Esse quesito – incitação à violência - consta do pedido de prisão, que será julgado pela juíza Maria Priscilla Ernandes Veiga Oliveira, tida como “linha dura” por seus pares. Não é necessária dureza ou moleza, mas apenas fidelidade aos fatos - e à lei.

A reação de espanto e censura ao pedido de prisão, sobretudo por parte dos oposicionistas, evidencia a raiz da cultura da impunidade. O importante não é o delito, mas quem o pratica.

Lula, quando na presidência, opôs-se à responsabilização penal do ex-presidente José Sarney, pois, segundo ele, não se tratava de um “homem comum”, mas de um ex-presidente da República. Aqui, o dito “quanto maior a árvore, maior o tombo” não se aplica. Se a árvore é grande, não pode haver tombo.

Não é um pensamento apenas do PT: é também da oposição, de boa parte da mídia e da sociedade. Daí o estardalhaço que, se já foi grande diante de uma mera condução coercitiva – aplicada de resto a dezenas de outros implicados na Lava Jato -, tornou-se colossal com o pedido de prisão.

Em Portugal, o ex-primeiro ministro José Sócrates foi preso preventivamente, por meses, sem que o país falasse em guerra civil ou perseguição política. O ex-presidente francês Nicolas Sarkozy foi detido e prestou depoimento sob vara por 14 horas. Nenhum grupo aliado falou em guerra civil ou perseguição política.

Em ambos os casos, os fatos – e a lei – falaram mais alto. E é disso que se trata. Ou a lei é para todos ou feche-se o Judiciário.

Os atos de Lula após a condução coercitiva expressam o desespero de alguém que não contava com a condição de “homem comum”. A tentativa de virar ministro – ideia que atribui a aliados, mas que se sabe que é dele mesmo – é de um ridículo atroz, inaugurando uma nova modalidade de exílio: o ministerial.

O destino às vezes é irônico. O partido que, ao longo de sua trajetória oposicionista, mais falou em pôr adversários na cadeia, o PT, vê-se agora diante dela. Os crimes que atribuía aos que a ele se opunham eram os que ele mesmo praticava, cumprindo à risca o que Lênin determinava à sua militância: “Acuse-os do que você faz, xingue-os do que você é”.

A Lava Jato está promovendo uma revolução no país, sem um único tiro, sem um único discurso. No país da impunidade, cumprir o Código Penal é ato revolucionário, que choca até a oposição. É como se o oposicionista de hoje se visse no papel do governista de amanhã e receasse o estabelecimento de uma jurisprudência que lhe venha no futuro a ser adversa.

O argumento de que o impeachment traumatiza o país e pode piorar a economia – brandido por meses pela oposição – mostrou-se falso e infundado. Quanto mais se visualiza a queda do governo, menos gravosos os índices econômicos, o que mostra onde está o problema.

As manifestações de amanhã – as primeiras com o endosso formal dos partidos de oposição – representam um triunfo da sociedade (o país real) sobre o país oficial.

E aqui cabe citar, para resumir e finalizar, o que disse Machado de Assis desse abismo que define a esquizofrenia nacional: “O país real, esse é bom, revela os melhores instintos; mas o país oficial, esse é caricato e burlesco”.

Nada mais atual, a explicar Lula, o PT, a oposição e, sejamos sinceros, parte da própria imprensa. Sérgio Moro é a Bastilha às avessas: em vez de esvaziá-la, como no início da Revolução Francesa, trata de abastecê-la – e com gente graúda.

A Lava Jato irá além de Dilma e Lula – e isso explica a cautela oposicionista.

De cara e caráter

Eu tenho cara de quem vai renunciar?
Dilma Rousseff

Presidente, ninguém deve conhecer a cara de quem renúncia, que não deve ser diferente das outras caras do dia a dia. Talvez seria parecida com a de Jânio Quadros?

Mas pode estar certa de que todo mundo conhece de longe a cara de pau, a cara sem vergonha, a cara da cretinice. Essas, sim, são conhecidíssimas como muitas outras que infestam o panorama político-criminal destes tempos no país.

E pode estar certa, presidente, quem assistiu à coletiva teve a certeza de que ao menos sua cara não é de quem sabe, nem de longe, ser presidente.

Num dia em que desde as primeiras horas o Brasil se voltou para o aguaceiro em São Paulo, inundando cidades, desalojando pessoas, soterrando outras, quem se diz presidente dos brasileiros foi à tevê para se mostrar indignada ... com notícias sobre sua renúncia e, pior ainda, saindo novamente em defesa do ex Lula.

Se ninguém sabe se a presidente tem cara de quem vai renunciar, no entanto, viu a cara de quem preferiu sair em defesa do cargo e em defesa de quem está cercado por investigações em vez de anunciar as providências para socorrer os paulistas.

Dilma pode não ter cara de quem vai renunciar, mas mostrou que sua cara é de quem nem está aí para o sofrimento dos atingidos pelas enchentes como nunca esteve em qualquer outra desgraça atingindo aqueles de quem se diz governante.

O Brasil não precisa de presidente que vá à tevê para falar dos seus problemas políticos ou defender amigos, que depois de prestar depoimento na Polícia Federal, até merece sua visita. Com gente assim na presidência, o país vive num inferno comendo o pão que o diabo amassou. E basta!

Se foi eleita pelos brasileiros que tenha a dignidade de nos mostrar a cara de quem renuncia. Ao menos respiraremos aliviados por conhecer sua cara e nos livrar de quem se lixa para a população, mas reverencie quem comandou um golpe branco para um partido político ser o dono do país.

Presidente, deixe de lado o orgulho de quem vai passar tristemente à História e olhe a cara do Brasil que grita: "Fora, Dilma!"

Urgência


Se a política não resolver a crise, a crise resolverá a política. Navegar é preciso. E urgente 
Raul Jungmann 

A porta estreita

O leitor provavelmente já ouviu falar em seu círculo de amigos, ou no ambiente de trabalho, ou na esfera familiar, de gente interessada em ir embora do Brasil; se ainda não teve contato com nenhuma história dessas até agora, há grande chance de que venha a ter uma hora qualquer, e logo. Para muita gente boa, está na moda, ao que parece, pensar em refazer a vida em países como Canadá, Austrália ou Estados Unidos, entre outros que se propõem a receber de braços abertos imigrantes com dinheiro. São países que não têm vergonha nenhuma de atrair gente financeiramente bem de vida, dentro da ideia geral de que problema de imigração, mesmo, só existe com pobre. Nem é preciso, no caso, ter grande fortuna ─ nada parecido com o disponível de um milionário brasileiro de carteirinha, desses que prestam serviços ao governo, digamos, ou produzem propaganda eleitoral. Basta o equivalente a 500 000 dólares, ou algo assim, sendo até possível acertar a papelada por menos. Vale a pena, para o país que dá o visto aos estrangeiros com capital. Esse povo vai gastar seu dinheiro lá; é lá que vai pagar impostos sobre o que consome, gerar empregos, fazer rodar a economia. Em vez de gastar na economia do seu país, vai gastar na economia dos outros. Melhor para eles, pior para o Brasil. Seus governos não estão lá para resolver os problemas da presidente Dilma Rous­seff nem do ex-presidente Lula. O que querem é ajudar a si próprios.

Sobra, é claro, o problema de arrumar aqueles 500 000 dólares. Quem tem esse dinheiro? Não é qualquer um que pode, por exemplo, ganhar 27 milhões de reais em quatro anos fazendo palestras para empreiteiras de obras públicas e outros colossos da nossa elite empresarial. Para pelo menos 95% dos brasileiros, e põe otimismo nessa conta, a possibilidade real de ter 500 000 dólares durante o curso de sua vida é mais ou menos a mesma de fazer uma viagem à Lua; para o Brasil de carne e osso, dinheiro desse tamanho só existe ao acertar os seis números da Mega-Sena. Também não é fácil adotar a saída do ex-ministro da Fazenda ─ que, depois de gerir a ruína econômica do Brasil durante um ano, e ser posto no olho da rua em reconhecimento aos seus esforços, refugiou-se rapidamente em Washington, onde hoje pode ganhar a vida sossegado e sem ter reuniões com Dilma, o PT, a base aliada e por aí afora. É certo que há outros caminhos para obter um visto de residência no exterior, além de dinheiro e prestígio, mas a porta de entrada é estreita. O cidadão pode tentar pelas vias oficiais ─ e arriscar-se a ficar anos na fila, à espera de um chamado que provavelmente não virá nunca. Pode meter-se em aventuras de imigração ilegal. Pode jogar a sorte num cruzeiro pelo Mediterrâneo, a bordo de um cargueiro sírio. Como se vê, nada de muito atraente. Fazer o quê? A vida é mesmo dura neste Brasil para Todos. Aqui, no mundo das coisas práticas, há um Brasil para os que Têm Menos e um Brasil para os que Têm Mais ─ têm mais, inclusive, para ir embora do próprio Brasil.

Charge do dia 12/03/2016

Para o brasileiro que quer cair fora daqui mas não pode, a opção acessível no momento é emigrar para o Brasil mesmo. O grande problema é que essa solução se aplica exclusivamente ao Brasil de Dilma, de Lula e do PT, esse país imaginário onde os cidadãos têm a ventura de ser governados por um dos melhores governos do mundo, se não o melhor. Infelizmente, como é do conhecimento geral, o Brasil de Dilma etc. não existe. Só existe nas fantasias de propaganda criadas para engambelar o eleitorado; e, para complicar o teorema, o propagandista-chefe não está disponível para ajudar em nada, já que atualmente faz parte da população carcerária de Curitiba. É uma pena, pois nessa Terra do Nunca a vida é praticamente perfeita. Nosso sistema de saúde é “motivo de inveja para o mundo”. O Pré-Sal, como Dilma prometeu na campanha por sua reeleição, garantiu “recursos jamais imaginados” para a educação. A população pobre viaja dia e noite de avião, como o ex-presidente continua dizendo todo santo dia. Ele salvou sabe lá Deus quantos brasileiros da pobreza ─ e, se 12 milhões de desempregados estão hoje de volta ao fundo do poço, a culpa é da elite, claro, e provavelmente do ex-presidente Fernando Henrique. Mas nem tudo está perdido para o brasileiro que só pode emigrar para o Brasil. Olhem o último IDH mundial, divulgado faz pouco; ficamos no lugar 75 da fila que mede o bem-estar das nações. É ruim, mas seria pior se o número fosse 150. É a Tabela Periódica da Equivalência das Desgraças, e nela já não vamos tão mal.

De paz e amor a jararaca

A crise brasileira é tão asfixiante que às vezes preciso de uma pausa, ouvir música, ler algumas páginas de romance. Em síntese, recuperar o fôlego.

As crises assumem ritmos mais rápidos no seu final. A reação de Lula na entrevista coletiva, ao sair da PF, não me pareceu a de um candidato.

Em 2002 foi difícil vencer com o “Lulinha paz e amor”. Em 2018 será impossível vencer como jararaca. Um candidato não se identifica com uma cobra peçonhenta. Nem se considera a alma mais honesta do Brasil. Verdade que seu marqueteiro está na cadeia. Mas onde está a intuição política que sempre lhe atribuem?


Ele perdeu a cabeça e, com ela, a chance de representar a serenidade do inocente. Seu marqueteiro representou. Não evitou a cadeia, mas, pelo menos, era um script mais elaborado.

Lula queria ser algemado. O marqueteiro e a mulher, também. Eles colocaram as mãos para trás, incomoda menos que as algemas reais, mas não tem o mesmo efeito. No fundo, um tremendo esforço para se fazer de vítima, conquistar pela emoção a simpatia que os fatos liquidaram.

Na Justiça, a decisão vai trabalhar com os fatos. Se alguém, realmente, quer contestar sua provas, precisa argumentar também com evidências.

Nem sempre as decisões na esfera do crime são bem recebidas. Em muitos pontos do Rio, prisões resultam em protestos, queima de pneus e bloqueios. Alguns líderes religiosos, quando presos, também emocionam seu rebanho.

No campo da política, há sempre o cuidado com os conflitos sociais. Para quem viu conflitos sociais, o que aconteceu na sexta passada foi apenas uma briga de torcidas e, na verdade, mais pacíficas que as de futebol.

Leio num jornal brasileiro que iriam buscar, entre outros, um gesto de solidariedade de Nicolas Sarkozy. Leio num jornal francês que Sarkozy também está às voltas com a polícia. Sujou, bro.

Apesar de seu ritmo, os últimos dias têm trazido uma ponta de otimismo, mesmo nos mercados, que são tão voláteis. Esse otimismo está baseado na queda de Dilma, mas deve ser estendido também a Eduardo Cunha. Os dois são rejeitados pela maioria. Não se trata apenas de festejar uma queda, desfazer-se de uma pedra no caminho. É criar uma chance de, superando o impasse político, recuperar a economia.

O que move as pessoas no domingo não é só a unânime luta contra a corrupção, mas também a clareza sobre as dificuldades cotidianas. Elas podem não ter uma noção clara do que deva ser feito. Mas sabem que algo precisa ser feito. E urgente.

Sempre que foi preciso, a sociedade brasileira manifestou-se claramente. Será assim no domingo e, para dizer a verdade, não acredito em conflitos, como algumas vozes do PT sugerem e Dilma confirma, a seu modo, pedindo paz.

As coisas vão se resolver de forma tranquila e o bicho-papão não tem como amedrontar ninguém. Escaramuças pode haver, mas seriam mais um caso de polícia: mais gente presa e neutralizada.

É ingênuo supor que as pessoas, dando-se conta de que o País está à deriva, com um governo que se elegeu com grana da Petrobrás, numa enorme crise econômica, vão ficar em casa só porque uns caras de camisa vermelha fazem cara feia ou gestos obscenos com o dedo.

Quando as pessoas denunciam a corrupção estão baseadas em fatos reais, documentados, investigados com rigor. Sabem que a Petrobrás foi saqueada, sabem dos milhões de dólares que foram repatriados. Não adianta cara feia. Se isso fosse uma saída histórica, bastava saquear o País e dizer: não me prendam porque senão vamos para as ruas gritar; não apareçam para protestar porque estou bravo, viro uma jararaca.

Outro dia, o bispo auxiliar de Aparecida recomendou aos seus fiéis pisarem na cabeça da jararaca. E um juiz condenou um adversário do PT a pagar multa de R$ 1,00 por ter criticado o partido. E ironizou que é um partido que tem a pessoa mais honesta de todas.

O bispo via a luta contra a jararaca como a luta entre o bem e o mal. Quem se colocou como cobra venenosa foi o próprio Lula. E o fez num recado para a Justiça. É uma declaração subconsciente de culpa: jararaca eu sou, acontece que vocês não atingiram minhas funções vitais, sigo sendo uma cobra venenosa.

Dilma reclamou de injustiça, mas até hoje não defendeu Lula no mérito. Colaborou na forma: protestou pelo fato de a Lava Jato tê-lo levado a depor debaixo de vara.

Inconscientemente, Lula pediu para ser destruído. O bispo levou-o ao pé da letra. A Lava Jato certamente entendeu de outra forma. E optou pela pesquisa. São os fatos que já existem e os que ainda não foram divulgados que vão definir o destino do governo e de Lula.

Tanto parlamentares como juízes precisam saber claramente o que a sociedade pensa. Não trabalham com pesquisa e, de qualquer forma, não se antecipam nunca. São viciados no único estímulo: um sopro na nuca, de preferência um vento bem forte, 100 km por hora.

Em outras palavras, a manifestação de domingo pode ser o sopro que falta para romper o impasse político. Mas, de qualquer maneira, a vaca já foi pro brejo. Não há horizonte com o governo Dilma, exceto empobrecer mais, enquanto ela luta por se agarrar no cargo.

No domingo há, ainda, a chance de uma aproximação maior de todos os que querem mudança. É fundamental que estejam próximos durante a travessia até 2018. Esta, sim, já me preocupa mais que as bravatas de Lula. Precisa de um mapa do caminho para recomeçar em 2018 com a economia recuperada e um grau de consciência nacional que não deixe jamais o Brasil chegar ao ponto a que chegou.

Essa é minha esperança. Por ela vou às ruas. Não para me expressar, pois isso posso fazê-lo com liberdade na imprensa. Nem para flertar com a política, interesses partidários ou eleitorais. Vou para a rua porque acho que é o lugar onde devem estar todos os que queiram tirar o Brasil do buraco e encerrar este triste episódio histórico.

Vou para a rua porque é onde devem estar todos os que queiram tirar o Brasil do buraco.

Dedo médio confirma: a neta Bia e a filha Lurian são a cara de Lula

Em sua estreia como repórter de chanchada, a discípula Jandira Feghali conseguiu neste 4 de março um furo que atingiu na testa o mestre da seita: sentado no fundo da sala, Lula revelou numa conversa pelo celular onde gostaria de enfiar o processo que cuida de parte das bandalheiras em que se meteu. Coisa de família, informam as duas fotos que ilustram o comentário de 1 minuto para o site da Veja.

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Ambas são provas visuais de que é para esse lugar que o clã inteiro vive mandando pessoas ou instituições que teimam em não ficar de joelhos diante do patriarca. A primeira foto mostra Bia Lula em ação no dia 12 de dezembro, em Brasília, no encontro da Juventude do PT. Ela hasteia o dedo médio para insultar a mídia golpista e confirmar que aprendeu boas maneiras com a mãe, Lurian.

Na segunda, feita neste 4 de março durante o ato de protesto diante do prédio da Globo no Rio, Lurian confirma que é uma das mais aplicadas alunas do pai. A filha e a neta não precisam exibir o rosto para constatar-se que são a cara de Lula. Basta um dedo.

Lula já está preso

Existem diferentes tipos de prisão. O ex-presidente brasileiro está enquadrado num deles. É uma prisão diferente, restritiva de várias liberdades, que ele mesmo se impôs como decorrência do estrago causado pela ambição à sua imagem. A lista das coisas que nosso ex-presidente está impedido de fazer é significativa para alguém como ele.

Primeiro, não pode mais virar mundo fazendo rentáveis palestras sobre as supostas maravilhas que seu partido e seu governo teriam realizado no Brasil. Não há maravilhas a mostrar. Como até os feitos do governo foram malfeitos, o país anda para trás mais rapidamente do que avançou. O exterior, bem antes do público interno, percebeu que caíra na conversa fiada do parlapatão de Garanhuns. As agências de avaliação de risco estão lá fora e sinalizaram ao mundo, passo a passo, as sucessivas explosões da bolha publicitária petista. Apenas em Cuba, Venezuela e na Coreia do Norte Lula será um visitante dispensado de responder perguntas que não quer ouvir. Acabaram-se, se de fato as fez, as palestras mais bem pagas do mundo. A fonte secou. Tony Blair, Nicholas Sarkozy e Kofi Annan já não lhe telefonam.

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Periodicamente, dentro de uma garagem qualquer, Lula entra num automóvel blindado, com vidros escurecidos além do limite legal, e desembarca noutra garagem qualquer, longe dos olhos dos brasileiros de bem. Há bom tempo vive oculto do grande público, com hábitos furtivos, evitando ser detectado pela imprensa. Suas últimas fotos mostram um homem com ar assustado e abatido.

Lula tem um sítio que não pode mais frequentar, onde há pedalinhos que seus netos não podem usar, uma adega inacessível e uma esplêndida cozinha que traz saudades à sua esposa. Ele tem três andares do mais apurado requinte num apartamento com frente para o mar na praia de Guarujá. Mas não pode nem pensar em chegar perto do prédio. Que dizer-se da praia!

Claro, há o apartamento de São Bernardo do Campo, que ele pode chamar de minha casa, minha vida. É seu refúgio protetor. Até prova em contrário. E é, também, sua prisão domiciliar, onde, diariamente, o ex-presidente acorda e olha o relógio para saber se já são mais de seis.

Percival Puggina

A diferença

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Todos são iguais, mas há os mais iguais
George Orwell 

O Brasil e o governo estão parados e sem rumo

Dilma no Mundo da Lua
A senhora presidente da República já não mais governa. Ocorre que, por uma pequena diferença de votos, acabou reeleita (maldita reeleição; só fez mal ao Brasil em todos os aspectos; fez o país retroceder sem dar-lhe qualquer compensação, pois seu governo vai de ruim a péssimo, sem desviar-se do irresponsável). Assim, há que dar-lhe substituto quanto antes, porque cada dia que passa é um travo goela abaixo dos brasileiros a juntar-se a muitos outros que se acumulam, com seu peso insuportável de amargor, bloqueando a feliz esperança nutrida pela brasileira.

Voltemos um pouco atrás. Doze anos já atravessamos de lulopetismo. Foi um tempo sem imaginação e sem prosperidade. Nada se fez sob o impulso da criatividade. Nosso Guia gaba-se muito de uma revolução social que teria deflagrado. Não é verdade.

As sementes do pífio plantio começaram antes, com o governo FHC, que não se descuidou desse lado esquecido da nossa miséria e entregou à própria mulher, Ruth Cardoso, a grave responsabilidade de cuidar do setor. Laboriosa, deu o arranco inicial.

O princípio de uma missão social funda-se no sucesso. A iniciativa precisa viver e crescer, longe da demagogia barata, da exploração política mentirosa, da exploração daninha que lhe tolhem os frutos que desejam nascer. Foi o que se fez.

Ainda como ministro da Fazenda do governo Itamar Franco, seu futuro sucessor, de quem brotaram os ramos do combate à inflação, sofreu o mais sério e árduo combate jamais visto entre nós. Os brasileiros se esqueceram desse serviço que saneou o país. Só agora, com os acontecimentos que borram os anos tristes dos seus sucessores, é que se começa – pelo menos espero – a compreender esse veneno que inevitavelmente percorre duas fases: a felicidade falsa e o bem-estar mentiroso e sem consistência que são portas e janelas que o governo, sem compromisso, sempre mantém escancaradas para deixar entrarem as dançarinas da farra que só multiplicam os preços sem ficar nada em troca, senão a miséria.

Estamos duramente experimentando esse crime desferido no âmago da nação. Valeu a pena substituir a felicidade permanente dos preços estáveis pela carestia que nunca dorme? Esta é como aquela cobra a que Nosso Guia se referiu há poucos dias, depois de distorcer fatos a mancheias; com o mau gosto da linguagem paupérrima, salpicada de afirmações falsas, exibiu, mais uma vez, o tamanho da sua teimosa mediocridade.

Você, meu caro leitor, por acaso ouviu falar do estardalhaço do lançamento do “programa” Nova Matriz Econômica? Onde foi parar a loucura? Há indícios que ainda estão chafurdando nessa lama pegajosa.

O Brasil carece de adotar um instrumento grego muito antigo e eficaz: o ostracismo, que os norte-americanos chamam de “accountability”, para punir esses técnicos que, amarrados a suas ideologias exóticas, são perigosos em funções de maiores responsabilidades. A punição com pena de afastamento do setor público por algum tempo desses aventureiros decerto seria exemplar. Entre nós, nos asseguraria grande avanço para resguardar o setor econômico-financeiro dos flibusteiros empedernidos.

Em minha opinião, precisamos modernizar o Banco Central, dotando-o de autonomia operacional e efetivo controle na expansão da moeda e do crédito e na taxa de juros; que seja um banco central. A autoridade monetária foi e é muito tímida e dependente dos heterodoxos. Que mágica eles usam para xeretar quando lhes dão espaços indevidos?

Senhora presidente, seu governo, como política e administração, acabou. Poupe-nos e renuncie.

Lula: a desconstrução do mito

Em sua seminal obra "Mito e realidade", o filósofo romeno Mircea Eliade, longe de opor mito e realidade, como comumente fazemos, postula sua integração: “O mito é considerado uma história sagrada e, portanto, uma ‘história verdadeira’, porque sempre se refere a realidades. (…) o mito se torna o modelo exemplar de todas as atividades humanas significativas”. O pensador se referia principalmente às sociedades primitivas, mas essa compreensão é fundamental para o entendimento do mito no mundo moderno. Ser ou servir de exemplo é a chave utilitária do mito, tanto numa história fantástica, como personificado em alguém com projeção numa determinada sociedade. Este último caso é o que nos interessa no momento.

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Todos os países têm os seus mitos. Personagens que servem de exemplo de conduta e de esperança no futuro. Sobretudo mitos políticos como condutores dos destinos de um povo. Nos Estados Unidos, Washington, Jefferson, Franklin, Lincoln, e mais recentemente Kennedy, tornaram-se protagonistas de narrativas de coragem e superação, lealdade e compromisso para com seus concidadãos, para além mesmo de seus predicados pessoais. Em comum a todos eles, o fato de que já estavam mortos ao serem alçados ao panteão dos mitos. E, assim, a sua desconstrução é tarefa difícil, na medida em que não estão mais sujeitos a erros triviais de conduta e de suas narrativas. Sua imagem passa a ser fantástica e "congelada" no tempo, nas mentes e corações do povo.

Já no Brasil, temos essa contradição em termos: nossos mitos estão - ou estavam - vivos quando de sua transmutação. Talvez pela tradição do sebastianismo, mas seguramente pela maior crendice e demanda pelo mágico, temos pressa em mitificar nossos líderes. A começar pelo imperador Dom Pedro II, alcunhado de “o magnífico”, mas que preferia ser chamado de “patrono das artes e ciências”. Ou o gaúcho Getúlio Vargas, o pioneiro e eterno "pai dos pobres" como se fez conhecido. E seu grande rival, Luiz Carlos Prestes, “o cavaleiro da esperança” - tão caro aos nossos progressistas narradores. Mais recentemente, o mineiro Juscelino Kubitschek, “o presidente bossa nova”, dos 50 anos em 5, encarnou a promessa máxima de nossa tradição populista de providencialismo.

Mas eis que, no estertor da ditadura, surge o maior dos nossos mitos políticos. O Lula lá iria nos redimir de ditadores, corruptos e ineptos. O nordestino forte e aguerrido, vencedor na vida, defensor dos pobres, primeiro trabalhador que chegou ao maior posto político da nação, dando um quinau nos ricos malvados e elitistas do país. Que bela imagem mística! Operando na realidade de que o mito se constrói para além dele mesmo, mais pela demanda dos crentes do que pelos seus atributos imanentes. O problema, todavia, é que Lula não morreu para congelar este enredo vitorioso de um povo que só experimenta derrotas. Está bem vivo, como ele próprio anda dizendo ultimamente. E então, vida seguindo, a desconstrução do mito fica inevitável. Não pela ação de seus desafetos políticos, mas por suas próprias decisões de não corresponder às demandas de seus eleitores. De mito das maiores virtudes morais do imaginário social, Lula passou a frequentar a mídia com os percalços e vícios do mais mortal dos homens. Mais um político típico de nossa fauna, a peça-chave da engrenagem de uma organização acusada de quebrar a maior empresa nacional, de tráfico de influência, de lavagem de dinheiro público, de rombos bilionários em fundos de pensão, de associação com ditaduras planeta afora, de empréstimos milionários a fundo perdido para governos amigos, de uma dívida pública trilionária. Sem falar do desemprego recorde, da inflação renitente e de um estado de caos social equivalente ao de muitos países em guerra. O príncipe que virou sapo. O rei que ficou nu.

Seu erro? O maior erro de um político: o de acreditar no próprio mito como se fosse infalível e perder o senso de limite e a prudência dos verdadeiros líderes. De achar que, como tal, estaria acima das leis e dos códigos de valores morais que regem todos os mortais. Que poderia ignorar um dos mais célebres ensinamentos de Kant, a regra de ouro das normas morais, a qual provavelmente ele nunca leu, mas cujo sentido certamente lhe legou Dona Lindu, sua humilde e honrada genitora: "Tudo o que não puder contar como fez, não faça". Ungido como fenômeno de liderança civil num país e num mundo sedento de novas práticas e formas de representação políticas, o sindicalista versão latino-americana de Lech Walesa, caiu como uma luva no vazio de figuras carismáticas que o povo sempre cultivou no seu imaginário romântico-salvacionista. Mas, o que se pode atribuir cinicamente à deseducação do povo, não deve servir de álibi para a omissão de civismo de suas elites. Mais civismo, menos cinismo, como resumiu o roqueiro Paulo Ricardo.

Se Dom Pedro II, Getúlio, Prestes e Juscelino sempre tiveram consciência de que desempenhavam um papel mítico de um povo, nosso Lula acreditou que pudesse encarnar de fato “o cara”, na missão de “nosso guia”. Sem o pejo de desconfiar da ironia desses tratamentos. Este mesmo Lula que um belo dia achou que poderia até mesmo tripudiar da crença do povo, quando desafiava a opinião pública se aliando a figuras como Sarney e Maluf, na arrogância dos ignorantes de que pode negociar com o Diabo e permanecer santo, coisa que nem Padim Ciço ousou. Pois este mesmo Lula, na semana passada, no programa de TV de seu partido, disparou o velho discurso de ódio, tal qual um Quixote delirante, agigantando um inimigo inexistente para jactar mais ainda suas destrezas de herói. E jogou para a plateia: - "no fundo incomoda essa gente que não gosta de dividir as poltronas dos nossos aviões com o nosso povo". Como se essa fosse de fato uma preocupação da classe média no Brasil, um país formado por cidadãos cada vez mais conscientes, os mesmos que dão à presidenta Dilmandona menos de 10% de aprovação. Um país reconhecidamente integrador, povoado e amado por múltiplas etnias e nacionalidades. Um consenso amplo de cordialidade, que vai de progressistas como Darcy Ribeiro a conservadores como Gilberto Freire.

Nosso ex-presidente, nosso ex-mito desencarnado em vida, tal qual o boneco inflado onipresente em manifestações de norte a sul do país, vergonhosamente alcunhado de Pixuleco, tem sido recebido ao som de panelaços e buzinaços. Lula ainda não entendeu que está ruindo junto com ele o próprio mito do Brasil potência, igualitarista, providencialista, de liberdades sem limites, direitos sem deveres e arremedos de welfare state - caro, ineficiente, injusto e que funciona apenas para os círculos próximos do poder, os tais 25 mil cargos comissionados aparelhados pela companheirada sindicalista cuja ideologia esquerdista e anacrônica já morreu.

O achincalhamento público reclamado por sua equivocada defesa resulta de sua própria irresponsabilidade política. O mito tinha pé de barro. E hoje se esfarela em plena praça, meio ao lamaçal das investigações criminais do Lava-jato. A cada dia, o “nosso guia” tem sido destratado como nunca antes na história deste país uma figura pública foi. O ex-herói que se desconstrói em nosso imaginário como o forçoso ingresso a se pagar para uma maioridade política de cidadãos livres e responsáveis pelas suas escolhas. Como postulava Eliade, "ser livre significa em primeiro lugar ser responsável para consigo mesmo".

Jorge Maranhão

Firmeza e serenidade

                "Ah, não há saudades mais dolorosas do que as das coisas que nunca foram!"
Fernando Pessoa, no "Livro do Desassossego"

Imperdoável, é o que penso, foi o que Lula fez consigo mesmo e com o país: teve todas as oportunidades para transformar verdadeiramente o Brasil e limitou-se a uma maquilagem, um arremedo de mudança.

Na década de 90 do século XX ganhei de um sobrinho uma estrelinha do PT, muito tosca, que ele comprou num dos comícios que assistia na Cinelândia, aqui no Rio, por ocasião das primeiras vezes que Lula se candidatou a presidente.

Passado um bom tempo, a imagem de Lula só crescia graças ao carinho da Imprensa e, sobretudo, com a adesão de intelectuais, artistas e acadêmicos, que louvavam o Lula.

Seu entusiasmo e sua argumentação eram de tal ordem que me convenceram a votar numa pessoa sem instrução, o que, para mim, era um anátema: um presidente da República sem instrução formal.

Assim, votei no Lula em 2002, e foi com muita fé que o fiz.

Logo a seguir, começo a ver, pelas notícias que a Imprensa dava, sempre com certa complacência para com Lula, que o grande líder do PT ainda não absorvera a grande lição que nasceu nos EUA nos idos das décadas de 30 e 40 do século passado: there’s no free lunch.

É quase que o 11º Mandamento, pois está mais do que provado que não há almoço grátis.

Mas Lula e o PT não acreditaram na lição.

São muitos os exemplos do uso do que é Público como se fosse Privado. O primeiro foi a estrela vermelha do PT transformada num canteiro no Palácio da Alvorada que, vale lembrar, é tombado. Foi o sinal dado: chegamos aqui, agora o Brasil é nosso.

E foi deles até agora.

Pintaram e bordaram.

Passamos pelo Mensalão e agora estamos no Petrolão. Quer dizer, de horror em horror.

Charge Tempo 11/03

Hoje temos um Brasil em frangalhos, economicamente julgado como trash pelas agências de classificação de risco. Com a maquilagem derretendo e deixando à mostra a pobreza que ainda fere a alma e o coração de milhões de brasileiros.

Lula perdeu muito de sua popularidade. Mas ainda é idolatrado pelos fieis militantes do PT. Como, por exemplo, o Sindicato dos Bancários que, mesmo depois de ver violentado o direito de milhares de seus filiados no escândalo dos imóveis que a Bancoop administrava, ainda assim abriu suas portas para que Lula se queixasse da Justiça brasileira. Foi quando ele se declarou uma jararaca viva e prestes a dar o bote. Como ele se conhece muito bem, nada a contestar.

Lula hoje é um homem muito rico. Só com o que ganhou em suas soi-disant palestras pelo mundo afora, já dava para ele comprar seus imóveis e bancar suas viagens. Não precisava depender de amigos e empreiteiras.

Um Brasil dividido entre nós e eles é tudo que menos precisamos. Mas é essa a oração do Lula e que dona Dilma, entusiasmada, adotou. A ponto da presidente abandonar Brasília, nesse momento tormentoso que atravessamos, para ir a São Paulo, no Aero-Lula, fazer uma visita de apoio ao Líder.

No meio de todas as notícias da semana passada (4 a 11 de Março) uma declaração de dona Dilma causou espécie. Ela concedeu à Oposição “o direito de divergir de modo absoluto, mas com limites”. Se não doesse muito, eu até riria!

Por último, ela convidou o ex-presidente a fazer parte de seu Ministério. Isso eu não acredito que Lula aceite. Seria uma covardia com sua mulher e seu filho.

A defesa de Lula alega que não é possível impedi-lo de fazer uso de seu direito de expressão. Claro que não. Mas o mínimo que Lula pode fazer é ter a grandeza de pedir firmeza e serenidade aos seus militantes, assim como esse é o mesmo apelo que os líderes da Oposição devem fazer aos seus seguidores. .

Mostrar mais amor ao Brasil que ao Poder, isso é o mais importante.

Mas Lula é o único que pode jogar água na fogueira que acendeu. E deve começar por exigir dos petistas respeito pela Imprensa e pelos jornalistas que cumprem seu dever para conosco, cidadãos.

Só há uma coisa que nós, pessoas comuns, podemos fazer: não admitir que nossas manifestações descambem para a violência. Exigimos respeito.

Maria Helena Rubinato Rodrigues de Sousa