quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Gente fora do mapa

Leccion de vida

Consternação

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Duas pesquisadoras do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (o CPDOC), Dulce Pandolfi e Luciana Heymann, foram demitidas e jaz em suspenso a demissão de Verena Alberti. Todas são autoras de obras importantes.

Se você pensa que pesquisar sua família, cidade ou país, virando um curioso estrangeiro de si mesmo, dedicando-se a reler jornais e arquivos, esquecido do preço a pagar por investigar assuntos-tabu como a o patrocinado político, trilhando caminhos desconhecidos para tudo reunir num relato muito além das banalidades, você deveria consultar os trabalhos dessas profissionais.

Assim fazendo, você vai entender por que a comunidade acadêmica se alarmou e se tem manifestado em defesa dessas colegas, conforme noticiou o colunista Ancelmo Gois no Globo de 22 do corrente.
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Quando iniciei meus estudos pós-graduados em Harvard em 1963-64 e voltei a Niterói para na então Faculdade Fluminense de Filosofia ensinar Antropologia como assistente do professor Luís de Castro Faria, ele mencionava o projeto da jovem pesquisadora Celina Vargas do Amaral Peixoto de criar um centro de história oral.

Voltei a Harvard em 1968 e quando retomei meus cursos no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional, na década de 70 (recebendo chumbo grosso de todos os lados), observei a instalação quase simultânea de programas de Política e de Documentação de História Oral impulsionados pela Fundação Ford. O de estudos políticos - graças aos esforços de Candido Mendes - no Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj); enquanto o CPDOC,era abrigado na Fundação Getúlio Vargas.

Que os leitores me permitam recordar com as imprecisões do coração esse momento para ressaltar que foi no azedo caldo do regime militar - cujo golpe em 1964 eu, para bem ou mal de minha pessoa e dos meus, não testemunhei ao vivo, mas pelo rádio em Cambridge, Massachusetts - que as chamadas Ciências Sociais iniciaram sua maioridade no Rio de Janeiro e no Brasil, emparelhando com a Universidade de São Paulo.

Não deixa de ser uma amarga ironia que o CPDOC tenha florescido num regime marcado pela agressão e pela censura e hoje - quando se faz um enorme esforço para consolidar uma democracia que seja mais do que um nome engolfado pela política como captura de riqueza e poder partidário - haja preocupantes sintomas de desmontagem de um núcleo de tamanha importância.
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Vale indagar, cordial e brasileiramente, o motor dessas demissões e o risco que elas representam não apenas para a “cultura”, mas para o “espírito” brasileiro. Espírito no sentido da mais alta compreensão de nossas instituições, tal como elas foram vividas ou administradas pelos seus principais protagonistas. A voz direta de certos políticos numa “história oral” revela profundidades abafadas pelos estudos interpretativos. Tal modo de ler o Brasil é, sem dúvida, uma contribuição notável e insubstituível do CPDOC. A história oral é crítica numa sociedade na qual são raros os relatos escritos e os diários.

Falamos muito em educação e cultura, mas esquecemos do longo compasso requerido por cada uma dessas áreas. O programa de Antropologia Social do Museu Nacional no qual fui professor, e numa fase crítica fui coordenador e logrei institucionalizá-lo, é hoje uma referência internacional. Qual foi o segredo? Apoio institucional e investimento em inovadoras linhas de pesquisa.
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Um fantasma ronda a universidade brasileira. É a assombração da produtividade transformada na ideologia do “produtivismo”. Uma gradação quantitativa dos programas modelada na Matemática e nas Ciências Físicas e Naturais. A quantidade e a avaliação com pitadas partidárias inibem o acesso a qualidade. Importa saber quantos livros Marx publicou? Ou em que revistas qualificadas Tocqueville e Freud poderiam ser lidos? Não se deve transformar a avaliação meritocrática num formalismo hierárquico, abandonando as biografias dos pesquisadores - vidas que são, em larga medida, os seus laboratórios.

Estou convencido que o estudo da sociedade é um meio complexo e árduo de autoconhecimento. As Ciências Sociais podem e devem ser avaliadas, mas é muito difícil fazê-lo por meio de um padrão fechado. Pois o melhor que delas nasceu foi um pensamento libertador, crítico de costumes e valores estabelecidos. Em 1979, quando levei a sério o carnaval, estudando-o como um ritual, fui admoestado por investigar um assunto, imagine, a-político. Hoje, depois de ver tanta água correr debaixo da ponte, tenho idade e credenciais suficientes para saber que as Ciências Sociais são irmãs siamesas da democracia e a democracia é o regime da paciência e da compreensão do outro.

Mesmo quando ele nos demoniza ou demite...

Ainda ha civilidade... lá fora

Debaixo de tanto balde de lama e sangue do noticiário brasileiro, há que se recorrer às mídias pelo mundo para descobrir que a civilidade não morreu.

E nessa procura surge a preciosidade de uma grande lição de respeito à cidadania com o terceiro ano do programa “Escritores no Palácio de Belém”, promovido pelo governo português com apresentação e a presença do presidente Marcelo Rebelo de Sousa e alunos do ensino básico. Encontro de pasmar os basbaques tapajaras de cá.

Quando se imaginar algo com mera semelhança no Planalto com seus salões sempre assaltados por manifestações governamentais entulhadas de politicagem? Não dá para sonhar com apresentação desse tipo de um presidente brasileiro. Nos últimos anos, então, sequer consegue entrar nos neurônios presidenciais de ontem e hoje ideia tão estapafúrdia. Afinal, presidente é para receber na calada da noite nos porões ou confabular bem escondidinho, ou em hangares, com a pilantragem. Também presidente daqui sequer abre Feira de Livro, alguns mesmo sequer abrem um livro! Sem falar que cultura para eles é apenas espetáculo com a caterva artístico-partidária cantando aplausos à inteligência alheia.

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Aqui está tudo dominado em nossos espaços palacianos. Por isso a apresentação da semana no Palácio de Belém nos lava a alma de ver que a civilidade ainda existe e um presidente pode ajudar a um escritor como António Lobos Antunes a tirar o pesado casacão de frio com a dignidade que aqui já fugiu há muito.

Um gesto de delicadeza que nos faz lastimar a mediocridade em que o país chafurda.

Luiz Gadelha

Com a democracia em crise, façamos da esperança nossa luta permanente

O filósofo Mario Sergio Cortella é um exímio minerador da palavra. Impressiona-me seu vigor intelectual. Em suas palestras, sempre deixa algumas pérolas. Fiz questão de guardar uma delas, não completa, mas somente parte. Ela me ajuda a dizer o que de fato desejo.

“O pessimista – afirma Cortella – é, sobretudo, um vagabundo. Dá um trabalho danado ser otimista. Tenho que ir atrás, estudar. A frase preferida do pessimista é esta: ‘Que horror!, alguém tem que fazer alguma coisa’. Isso porque a única coisa que o pessimista faz é sentar e esperar dar errado. Quando ainda não deu errado, diz: ‘Espere que você vai ver’. É tão bom ser pessimista! Assim, você pode atribuir o que acontece a você e ao país a forças que estão fora de nós. Eles, os ‘patifes’ (referindo-se aos políticos), não vão levar minha esperança”.

Veja as coincidências, leitor. Ao folhear a revista da Academia Mineira de Letras, dei com a homenagem do escritor Luís Giffoni a seu confrade José Crux Rodrigues Vieira, já falecido. O título – “José Crux Rodrigues Vieira e a permanência da palavra” – lembra Carlos Drummond de Andrade: “Lutar com palavras/ é a luta mais vã./ Entanto lutamos/ mal rompe a manhã”. José Crux foi colega de faculdade de meu irmão Otto Lara Resende. Romancista, historiador, professor, advogado, delegado, redator e assessor da Assembleia Legislativa, foi ainda diretor geral da Câmara Municipal de Belo Horizonte. Foi, também, prefeito de Muzambinho e Formiga. Deixou grande obra sobre a Inconfidência Mineira (“Tiradentes: A Inconfidência Diante da História”). Virgínia Moretzsohn Rodrigues Vieira, viúva de José Crux, é irmã do meu grande amigo, colega e compadre, já falecido, Orlando Moretzsohn Filho.

Revela-nos Luís Giffoni que José Crux fez seu primeiro poema aos 16 anos, e sua palavra-síntese é a esperança: “Mas, disso descubro/ uma nova semelhança:/ da tristeza da saudade/ nasce sempre uma esperança”. Sessenta e um anos depois, em 1997, em seu último poema, “Eco Bendito”, o poeta confirma o que disse Giffoni: “Caminheiro, levanta-te da queda,/ ergue os olhos ao alto da amplidão/ e rumo à aurora, segue, vai, avança./ Nem espinho, nem vala a marcha veda:/ quando teu canto esmaga a solidão, o eco bendito escutas da esperança!”.

O que estou trazendo aqui, leitor, tem tudo a ver com o momento político no qual mais sofremos do que vivemos. Uma eleição vital para o país se aproxima. O Brasil não pode continuar preso a pessoas ou a projetos pessoais. As lideranças, numa política honesta, só são válidas enquanto nos servem. E – o que é mais importante – não podemos perder, nunca, a esperança. Precisamos, então, defender projetos políticos que possam ser competentemente tocados pelo mais comum dos mortais. Precisamos, na verdade, de um bom script e de um bom intérprete. Fujamos daqueles que se consideram imunes ao pecado ou defensores especiais da moral pública. Esses são os que mais traem.

A democracia está em crise no mundo todo. Só não vê quem não enxerga. O escritor português José Eduardo Agualusa, em sua última crônica no “O Globo”, após se referir ao “Índice de Democracia” do jornal britânico “The Economist”, recentemente divulgado, disse que “a má notícia é que a democracia recuou no mundo”. “Com o recuo, cresce a pobreza, cresce a desigualdade, o ódio e o rancor. Não sei qual a solução para reverter o processo. Sei que é urgente refletir sobre isso”, completou.

E antes, leitor, que a tormenta nos alcance!

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je voelt de stilte. zo goed gedaan

A Corte informa: Vai cumprir a lei!

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Algo vai mal quando a presidente da Suprema Corte, em tom solene, declara que a lei vale para todos e assim será aplicada. E ainda colhe aplausos de muita gente. Firme pronunciamento, foi um comentário comum.

Mas isso, que lei vale, não deveria ser um fato dado? É assim que funciona numa democracia. E se fosse isso mesmo, a fala da ministra Carmen Lucia teria sido uma formalidade inútil. Claro que a Corte está lá para cumprir a lei.

Mas o discurso e o fato de ter sido reconhecido como importante dizem muita coisa sobre a realidade brasileira hoje.

Na última pesquisa Datafolha, por exemplo, nada menos que 80% dos entrevistados disseram acreditar que Lula sabia da corrupção praticada durante seu governo e o de Dilma. Mas apenas 54% acham que o ex-presidente permitiu que a roubalheira ocorresse. Logo, há uma parcela nada desprezível para a qual Lula sabia da corrupção, uma óbvia ilegalidade, não consentia com essa prática, mas também não a impediu. Ou seja, para essas pessoas, a roubalheira era inevitável, algo normal.

Ou ainda, a lei não se aplica neste caso e os tribunais deixam passar.

Forçando a barra?

Então, tomemos outro dado. Se 80% acham que Lula sabia da corrupção, apenas 50% dos entrevistados consideraram justa a sua condenação. E ainda: 56% acham que ele não será preso. Essa parcela já foi maior (66% na pesquisa anterior), mas a conclusão permanece: ampla maioria acha que o ex-presidente tinha conhecimento da corrupção, apenas metade dos entrevistados considerou justa a condenação e mesmo assim outra maioria de 56% acha que ele não será preso por isso.

Ficando apenas no universo dos que declaram voto em Lula, 68% disseram acreditar que, sim, ele sabia da corrupção durante seu mandato. E como continuam votando nele? Bom, para 50% dos seus eleitores, o ex-presidente não poderia fazer nada para evitá-la. Logo, para os restantes 28% ele sabia e deixou rolar. E continua merecendo o voto.

Tudo considerado, pode-se ver aí uma variedade de atitudes de tolerância com a roubalheira e com os governantes que convivem com essas ilegalidades e simplesmente deixam passar.

Portanto, faz sentido o tom solene de Cármen Lúcia para anunciar que esta Suprema Corte está disposta a ser rigorosa no cumprimento da lei. Do mesmo modo, faz sentido o novo presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Luiz Fux, declarar em voz ainda mais alta que a Justiça será "irredutível" no cumprimento da Lei da Ficha Limpa.

Uma digressão: sabem os leitores que nós, jornalistas, estamos sempre procurando saber quais as notícias importantes e interessantes. Há vários critérios sugeridos para essa escolha, um deles bem curioso. Diz assim: inverta a notícia; se ficar melhor, mais forte que a original, então esta não presta.

No caso, seria um espanto, uma manchete, pois, se o presidente da Justiça eleitoral dissesse que a Lei da Ficha Limpa não será aplicada nestas eleições e que essa é uma posição irredutível da Corte. Por essa lógica, desenvolvida por colegas americanos, Fux dizer que vai aplicar a lei com rigor seria uma formalidade tão inútil quanto a de Cármen Lúcia. E entretanto, ambos ganharam manchetes.

Aplicar a lei virou mérito, firme declaração de propósitos. E isso só acontece quando a lei não se aplica e/ou quando boa parte do público acha que não será seguida.

Já tratamos aqui dos que estão acima da lei - autoridades, líderes políticos e governantes para os quais uma das prerrogativas de seus cargos e funções é justamente a de não seguir a lei.

Pode-se demonstrar isso com facilidade. Mas há o reverso da história - dos que estão abaixo da lei e não são protegidos por ela.

Um exemplo simples: a lei maior , a Constituição, diz que a saúde é direito do cidadão e dever do Estado. Logo, todo brasileiro tem o direito de ser atendido nos melhores hospitais, com os melhores tratamentos, tudo isso de graça.

Certo? Errado. Há uma enorme diferença entre estar na fila do SUS e ser atendido no melhor hospital privado do país por conta do governo.

Nos dois casos, a lei é ignorada, num caso retirando direito, no outro concedendo privilégios.

Cármen Lúcia e Fux têm razão.

O desejo de ser exceção

Um dos pilares do Estado Democrático de Direito é o princípio da igualdade, que assegura que todos são iguais perante a lei. Não há castas e não deve haver privilégios. A Constituição de 1988 abre o capítulo relativo aos direitos e garantias fundamentais com a seguinte declaração: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” (art. 5º).

Tal princípio, que parece tão cristalino e tão consensual quando está exposto na Carta Magna, recebe, no entanto, forte resistência no dia a dia. Um exemplo de enfrentamento são os inúmeros projetos de lei que tentam instaurar algum privilégio para determinada categoria social ou profissional. Existem pelo menos 112 projetos de lei tramitando no Congresso ou em Assembleias Legislativas que preveem a isenção, parcial ou total, da tarifa do pedágio em rodovias federais ou estaduais concedidas à iniciativa privada, informa o jornal Valor Econômico.




Os casos são variados. No Paraná, há um projeto de lei para isentar estudantes do pagamento de pedágio. Em Santa Catarina, tenta-se conceder isenção aos condutores com mais de 60 anos. Em Mato Grosso, há um projeto de lei que prevê desconto de 50% no pedágio para os agricultores familiares. Em dezembro de 2017, a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo aprovou isenção completa de pedágio nas rodovias estaduais para professores, dentistas, médicos, enfermeiros e fisioterapeutas que trabalham na rede pública. O projeto de lei foi enviado para exame do governador Geraldo Alckmin.

Depois de passar pela Câmara, tramita no Senado um projeto de lei, de autoria do deputado Esperidião Amin (PP-SC), que estabelece gratuidade a todos os veículos registrados em nome de quem mora ou trabalha no município em que o pedágio é cobrado. Se o tal projeto for aprovado, romperá com o equilíbrio econômico-financeiro de muitos contratos de concessão de rodovias.

Essa situação evidencia como as pretendidas isenções prejudicam os usuários. As gratuidades e os descontos concedidos ao longo do contrato ensejam pedidos de reequilíbrio econômico-financeiro pelas concessionárias. Dessa forma, leis que parecem preocupadas com alguns usuários acarretam aumento da tarifa para todos os outros que não desfrutam do privilégio. O resultado é claro: quanto menos pessoas pagam, o valor para quem paga é cada vez maior.

É preciso resistir à pressão para conceder exceções. Além de encarecer o valor pago pela maioria dos usuários, esse tipo de privilégio camufla o custo real do serviço prestado. Tal desconexão com a realidade tem inquietantes consequências sociais, já que fomenta a equivocada percepção de que as gratuidades não têm custo.

Esse fenômeno é também uma perversão do processo legislativo. Há um perigoso populismo quando os representantes eleitos, em vez de trabalharem pelos interesses de toda a população, buscam benesses para um determinado segmento social, à custa da coletividade. Numa democracia, a dependência que os políticos têm do apoio popular deve levar justamente a uma maior responsabilidade pelo interesse público, e não se tornar um manancial de privilégios para alguns poucos.

A rigor, as exceções afrontam as próprias categorias que recebem o benefício, uma vez que são tratadas como hipossuficientes. É o que ocorre, por exemplo, com os professores. Em vez de pagar salários adequados, opta-se por criar uma série de favores, numa espécie de recompensa indireta. Na prática, reforça-se o estigma de que os docentes estão na base da pirâmide social, necessitados de esmolas do poder público. O reconhecimento que os professores merecem é exatamente o oposto.

Além de pouco justo, o caminho das benesses não constrói desenvolvimento econômico e social. É preciso reafirmar a igualdade, a transparência e a eficiência como princípios básicos da atuação do Estado.

Os cegos que não viram o Brasil ser saqueado

Onde estavam o Conselho de Controle de Operações Financeiras (Coaf) e a Receita Federal nestes últimos anos? Como foi que ninguém viu as movimentações bancárias milionárias feitas por parlamentares, ministros, governadores, líderes partidários, executivos de governos, e ex-diretores da Petrobras e de outras empresas públicas?

Centenas de pessoas enriqueceram enorme e ilicitamente nas suas barbas, e ninguém notou.

O Coaf foi criado em 1998, no pacote das reformas econômicas do governo FH, para monitorar movimentações financeiras de maneira a impedir lavagem de dinheiro. E, claro, comunicar autoridades competentes sobre suas apurações. Nenhuma denúncia foi feita, nada se apurou contra Sérgio Cabral nos seus oito anos de mandato. Tampouco nada se observou de estranho na vida financeira do ex-ministro Geddel Viera Lima. E nem na de tantos outros, só expostos pela Lava-Jato.

A Receita tem um dos corpos técnicos mais bem preparados e bem pagos do serviço público federal. São 9.542 auditores e 6.758 analistas, que não deixam uma agulha passar na sua prestação de contas, leitor, se ela não estiver devidamente declarada. Claro que Cabral e Geddel não declararam o fruto das suas roubalheiras no Imposto de Renda. Mas vai você deixar de declarar algum ganho para ver o que acontece.

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Sérgio Cabral está preso, condenado a 87 anos de cadeia, e ainda responde a mais 14 processos por desvios de algumas centenas de milhões de reais dos cofres estaduais.

Seus sinais externos de riqueza são escandalosos. Como o Coaf e a Receita não viram nada disso com todo o poder que detêm, inclusive de fuçar as contas das pessoas? Como a Receita, que fareja altos padrões de consumo e conduta até em colunas sociais de jornais, pode ter deixado passar despercebida tamanha extravagância?

Geddel transferiu R$ 53 milhões em dinheiro vivo para um apartamento em Salvador. Este dinheiro não foi fabricado no Pelourinho, ele saiu de um cofre de banco. Pela lei, movimentações superiores a R$ 10 mil devem ser comunicadas pelos bancos ao Coaf.

Para passar por baixo deste radar, a grana do Geddel teria de ser sacada em 5.300 operações distintas. Se ele, ou quem tirou este dinheiro para ele, fizesse uma operação desta por dia, levaria 14 anos e meio fazendo saques. Francamente.

Está certo, a Justiça só conseguiu colocar atrás das grades esta enxurrada de corruptos nos últimos anos porque houve delações premiadas. Mas, no caso de gastos fora dos padrões, transferências acima da média ou movimentações em espécie que só carros-fortes podem fazer, Coaf e Receita deveriam ter visto. Só há três explicações para esta cegueira: Coaf e Receita estão deliberadamente fechando os olhos; os dois órgãos trabalham mal; ou os bancos não estão informando como manda a lei.

Difícil acreditar na primeira hipótese, haveria muita gente envolvida, em diversas instâncias das duas instituições, para que um roubo de R$ 53 milhões fosse descoberto e em seguida acobertado outra vez para proteger Geddel. O que parece ser possível, e isto também é muito grave, é que os dois órgãos são ineficientes por razões que precisam ser rapidamente identificadas e resolvidas.

E a terceira hipótese, que também é bastante razoável, deveria merecer uma auditoria especial do Banco Central no setor financeiro. O argumento de sempre, de que o país é muito grande e o corpo técnico é muito pequeno, não é aceitável e não pode ser admitido.

Por que não recorrer a tecnologias que permitam multiplicar eletronicamente a fiscalização, resolvendo este e outros problemas de um Estado moderno?

É mais fácil atribuir a crise de cegueira à burocracia preguiçosa. Os dados estão lá, mas são tantos que só de pensar em mergulhar naquele mundo de números já dá sono. O Brasil, a União, deveria se envergonhar dessa constatação ridícula. Tem uma das legislações mais modernas do mundo, mas não sabe fazer bom uso dela. E nós, contribuintes, temos a obrigação de cobrar explicações.

Podem acusar a imprensa de também ter sido cega. Como ninguém conseguiu perceber, por exemplo, a volúpia de Sérgio Cabral ao longo de dois mandatos? Veículos e jornalistas não têm poder de investigação como Coaf, Receita ou Polícia Federal, mas também investigam. Verdade, mas não podem quebrar sigilos bancários, checar movimentações financeiras, abrir sindicâncias ou convocar suspeitos para depor.

Ascânio Seleme

Paisagem brasileira

Morretes - Paraná, BRASIL
Morretes (PR)

República sem republicanos

Diferentemente do carnaval, quando quem dá o tom são aristocratas como o Rei Momo e as rainhas das baterias das escolas de samba, nos tempos sem folia o Brasil é uma república.

A forma de governo criada pelos romanos deve garantir que os interesses da comunidade prevaleçam sobre os individuais. Concretamente, isso significa acabar com o nepotismo e elaborar processos políticos de decisão de forma transparente e respeitando o bem comum. Os romanos chamavam isso de Res Publica, ou "coisa pública" – ou, melhor ainda, "bem público".

Quando cheguei ao Brasil, há 20 anos, ficou claro rapidamente que, por aqui, o conceito de "coisa pública" é entendido de outra forma. Se alguma coisa é "pública", as pessoas podem fazer o que quiserem com ela. Locais públicos, como parques, ruas e praias, podem ser usados como cada um bem entende, sonorizados com música no último volume ou servir de lixão para os próprios detritos.

O mesmo vale para a política. Há semanas, o Ministério do Trabalho é o pomo da discórdia entre a Justiça e o PTB, presidido por Roberto Jefferson. Desde o início dos anos 1990, Jefferson sempre volta a se envolver em escândalos – o mais conhecido foi o mensalão, que ele denunciou e pelo qual foi condenado a uma pena de sete anos, perdoada em 2016 pelo STF. Até hoje, ele não chamou a atenção por virtudes republicanas.

Agora, Jefferson quer usar todo o seu poder – que, apesar de todas as suas faltas graves, ele manteve de forma espantosa – para impor a nomeação de sua filha Cristiane Brasil à posição de nova ministra do Trabalho.


Recentemente, um vídeo que a mostra numa lancha com homens seminus e uma gravação de 2014 em que ela supostamente coage servidores públicos a angariar votos para o cargo de deputada federal colocaram em dúvida o espírito republicano da parlamentar. Como é que figuras tão irrepublicanas podem exercer tanto poder numa república?

Geralmente, acredita-se que o presidente tem a obrigação de proteger a instituição república desse tipo de personagem. Mas, tanto no gabinete do Executivo quanto na base do governo no Congresso, é possível encontrar várias figuras a salvo da Justiça por causa do tal "foro privilegiado". Não seria de se esperar de republicanos que suspendam suas atividades até que as acusações de que são alvo sejam esclarecidas na Justiça?

O foro serve para proteger os representantes da República de um poder exercido de forma absolutista. Ou seja: quando a Justiça, o Executivo ou o Legislativo ultrapassam as suas respectivas competências. Mas, em vez de proteger a República, o foro é deturpado para se tornar a tábua de salvação de processos criminais. Não seria, então, tarefa do Supremo Tribunal Federal combater essa perversão do foro?

O princípio de que todos são iguais perante a lei se dissolve diante de tais privilégios. Enquanto 40% dos detentos nas prisões brasileiras esperam por seus processos, os poderosos e influentes escapam de suas perseguições e penas. Normalmente, privilégios não combinam com uma república. Quando são usados para desviar a lei, eles matam o espírito republicano.

Uma república precisa ser, sobretudo, uma comunidade solidária que garante a sobrevivência de todos. Como é possível, então, que recebedores de altíssimos salários, como juízes, ainda tenham direito, além da remuneração abundante, a um auxílio-moradia superior à receita de 90% da população brasileira?

Esse tipo de privilégio pode até ser legal, mas não dá para justificá-los diante da pobreza de grande parte do povo de uma república. Se o "Bolsa Família" é assistencialismo, o que são, então, os auxílios-moradia para esses magistrados?

No carnaval, pelo menos, as coisas são claramente organizadas. Todos sabem que quem manda é o Rei Momo e que tudo e todos são subordinados a ele. O problema começa quando, na Quarta-Feira de Cinzas, ele devolve as chaves da cidade.

Thomas Milz

Ninguém assume culpa por fiasco na Previdência

O fracasso, como se sabe, é órfão. Mas o Planalto e seus apoiadores, em clima de jogo de empurra, travam uma guerra retórica para se livrar da paternidade do fiasco da reforma da Previdência. Michel Temer diz ter feito tudo o que estava ao seu alcance. Insinua que a culpa é do Congresso. Em privado, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e líderes governistas sustentam que foi Temer quem sepultou a mexida previdenciária. Alegam que, para salvar-se de duas denúncias criminais, o presidente matou a reforma.

Ainda sem os 308 votos exigidos para a aprovação de emendas constitucionais, o governo marcou para 28 de fevereiro a última tentativa de votação da reforma na Câmara. O esforço é cenográfico. Longe dos refletores, todos reconhecem que não há votos. E ainda que houvesse, faltaria apoio no Senado. Ou seja: são próximas de zero as chances de Temer entregar durante o que lhe resta de mandato a reforma que vendeu como vital para a recuperação sustentável da economia.


No Planalto, alega-se que os congressistas só pensam na própria reeleição. No Congresso, afirma-se que a encrenca só invadiu o ano eleitoral de 2018 porque, antes de salvar a Previdência, Temer gastou um semestre inteiro de 2017 para alcançar outra prioridade: salvar a si mesmo. Agora, dizem os deputados, o governo não pode exigir que os aliados arrisquem o próprio pescoço aprovando uma reforma impopular às vésperas de um novo encontro com as urnas.

Temer e seu ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, frequentam a cena econômica fazendo pose de reformadores austeros. Entretanto, para comprar a simpatia do Legislativo, gastaram os tubos em emendas orçamentárias, favores fiscais e mamatas tributárias.

Quando o naufrágio previdenciário se insinuava, alegou-se que o problema era de comunicação. E torraram-se milhões numa campanha publicitária para destrinchar à sociedade as medidas inadiáveis que, agora, devem ser adiadas para quando o próximo governo chegar, em 2019.

Quer dizer: pode não haver consenso quanto à identidade do pai do vexame. Mas não é necessário fazer nenhum exame de DNA para atestar com 100% de certeza que você, caro contribuinte, financiou a orgia.

Os generais do PT são especialistas em devastar cofres públicos

Incapazes de mobilizar soldados em número suficiente para lotar um barracão de escola de samba, os generais do exército do Stédile encarregados de manter em liberdade o ex-presidente Lula decidiram abrir uma nova frente de combate. A senha para a mudança de estratégia foi dada no Twitter pela senadora Gleisi Hoffmann: “Alguém tem de explicar para o sr Sérgio Moro que o povo, q ganha salário mínimo, não tem esses artifícios para se proteger. O salário mínimo não terá reajuste. Aliás, grande parte das pessoas está desempregada. O sr ganha bem mais de $ 30 mil. Que vergonha esse argumento!”

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A presidente do PT, mais conhecida no Departamento de Propinas da Odebrecht pelos codinomes Amante ou Coxa, disparou a bala de festim ao saber que o juiz Sérgio Moro recebia o auxílio-moradia de R$ 4.377, mesmo sendo proprietário de um apartamento em Curitiba. “O auxílio-moradia é pago indistintamente a todos os magistrados”, argumentou Moro. “Embora discutível, compensa a falta de reajuste dos vencimentos desde 1º de janeiro de 2015 e que, pela lei, deveriam ser anualmente reajustados”. Desde outubro de 2014, a lei determina que a verba seja concedida a todos os juízes que moram em locais onde não há imóvel funcional, tenham ou não residência própria.

Contemplada com um salário oficial de R$ 33.763, Gleisi ocupa um apartamento funcional de 230 metros quadrados numa área nobre em Brasília e não recebe auxílio-moradia. Em contrapartida, em 2017 torrou R$ 375.526,03, extraídos da “cota para o exercício da atividade parlamentar”, em aluguel de imóveis, locomoção, hospedagem, combustível e alimentação. O item “passagens aéreas, aquáticas e terrestres nacionais” engoliu R$ 157.565,08. Só em março foram para o ralo R$ 26.451,86. Ou R$ 853 por dia.

Outro campeão dos ares é o senador petista Lindbergh Farias. No ano passado, o Lindinho das propinas da Odebrecht gastou com passagens R$ 279.407,16 de um total de R$ 379.057,15. Em outubro o desperdício atingiu R$ 51.379. Ou R$ 1.657 por dia — bem mais que o salário mínimo de R$ 954.

Dono de um imóvel em Brasília, localizado no Lago Sul e avaliado em R$ 285 mil, o senador Paulo Paim não abriu mão do auxílio-moradia de R$ 5,5 mil mensais. Em 2017, o petista gaúcho gastou R$ 430.144,46 bancados pela rubrica “cota parlamentar”. Paim queimou R$ 121.906,92 em locomoção, hospedagem, alimentação e combustíveis. A farra não inclui os R$ 79.498,38 extras gastos com “Correios” em plena era da informática.

Incluindo salário, despesas com saúde, verba para a contratação de pessoal e mais o cotão, cada senador custa cerca de R$ 165 mil por mês, patrocinados involuntariamente pelos pagadores de impostos. Em conjunto, os 81 pais da pátria atingem uma quantia salgada: R$ 160 milhões por ano. Ou 13,5 milhões por mês. Ou R$ 438 mil por dia. Ou R$ 18.264 por hora. Ou R$ 304 por minuto.

Diante de cifras tão exorbitantes, Gleisi deveria ouvir a própria recomendação: “O povo, que ganha salário mínimo, não tem esses artifícios para se proteger”. Até agora, os generais do exército de Stédile só esbanjaram eficiência na devastação dos cofres públicos.

Branca Nunes