domingo, 5 de agosto de 2018

Conto do vigário

Está sendo feita hoje no Brasil a que talvez seja a maior campanha pela ilegalidade já tentada neste país desde que os acionistas majoritários da vida pública nacional resolveram, há uns trinta anos, que isto aqui deveria ficar com cara de lugar sério. Fizeram uma Constituição com 250 artigos e mais de 100 emendas — sendo que boa parte dessa maçaroca não foi regulamentada até hoje, de maneira que não dá para saber direito o que vale e o que não vale. Escreveram mais leis do que qualquer outro país do planeta. Criaram uma espécie de Espírito Santo chamado “instituições”, ente invisível que flutua acima de tudo e de todos, embora muito pouca gente saiba realmente o que vem a ser isso. O tempo e os fatos mostraram que esse esforço para montar um Brasil civilizado se transformou numa piada — na verdade, a democracia moderna que se pretendia criar foi sendo desmanchada, na prática, a cada artigo da Constituição que ia sendo escrito. A ofensiva, agora, é para desmontar de vez o princípio básico segundo o qual a lei tem de ser obedecida por todos. É isso, e apenas isso, que quer dizer a campanha para soltar o ex­-pre­sidente Lula da cadeia, achar um jeito de ele concorrer à próxima eleição presidencial e garantir que volte ao Palácio do Planalto.


Trata-se de um conto do vigário de tamanho inédito, a começar pela ambição da mentira contada ao público. Nada do que o sistema de apoio a Lula pretende, e que a mídia divulga diariamente como a coisa mais normal do mundo, pode ser feito sem desrespeitar a lei. É como se alguém quisesse participar de um concurso popular para ser escolhido imperador vitalício do Brasil, ou algo parecido — não dá para fazer uma coisa dessas, não é mesmo? Mas é esse o tema número 1 do debate político do momento. Lula, como se sabe, está no xadrez, condenado a doze anos de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro. Recebeu sua sentença de condenação na 13ª Vara Criminal da Justiça Federal em Curitiba, em 12 de julho de 2017, e, de acordo com a lei, recorreu em liberdade da decisão. Essa sentença foi confirmada e aumentada seis meses depois, em 24 de janeiro de 2018, por unanimidade de votos, por três desembargadores do TRF4 de Porto Alegre, o tribunal superior encarregado de julgar o caso. No último dia 7 de abril, enfim, não havendo mais nada a ser feito, Lula foi preso. Ao longo dessa história, seus advogados entraram com mais de setenta recursos; não dá para dizer, em nenhum momento, que qualquer dos direitos do réu para se defender tenha sido violado.

O ex-presidente está na cadeia porque não poderia, muito simplesmente, estar em nenhum outro lugar — é para lá que a lei penal manda os criminosos depois de condenados em segunda instância. Fazer o quê? Muita gente pode achar que a sentença foi injusta, assim como há muita gente achando que foi justíssima. Mas achar uma coisa ou a outra não muda nada. Só a Justiça, e ninguém mais, tem autorização para resolver, no fim de todas as contas, se alguém é culpado ou não. Em algum momento, mais cedo ou mais tarde, o sistema judiciário precisa dizer se as provas apresentadas contra o réu são válidas ou não; se forem consideradas válidas, o sujeito vai para a penitenciária. Isso não depende da opinião de quem gosta de Lula ou de quem não gosta. É a lei que decide — e ela é igual para todos. Ou se faz assim ou ninguém será condenado nunca, porque os advogados vão continuar dizendo até o fim da vida que seus clientes não fizeram nada de errado. Muito bem: só que Lula e os seus fiéis não aceitam isso. Obviamente, um indivíduo que está preso não pode, ao mesmo tempo, ser presidente da República. A saída da esquerda, então, tem sido manter de pé uma fake news monumental — Lula é um “preso político” que tem de ser solto para candidatar-se à Presidência, ganhar a eleição e recomeçar os seus “programas sociais” em favor dos pobres. Além do mais, “todas as pesquisas” dizem que o presidente tem de ser ele. Onde já se viu uma bobagenzinha como a aplicação da lei penal, mais a Lei da Ficha Limpa, ficar atrapalhando tamanho portento?

É essa novena que vem sendo pregada todos os dias pelo Brasil pró­-Lula — artistas, intelectuais, “celebridades”, a maior parte da mídia, a Rede Globo, os empreiteiros de obras, os fornecedores de lixo enferrujado para a Petrobras e todos os que estão impacientes para voltar a roubar em paz. Não há sequer uma sombra de presença do povo brasileiro, não do povo de verdade, em nada disso aí. É pura sabotagem contra o que ainda sobra de nossa escassa legalidade.

J.R. Guzzo

Gente fora do mapa


Lula, de candidato a ventríloquo

Procura-se um candidato a vice que se resigne a ser uma espécie de boneco de ventríloquo de Lula. Pode ser de carne e osso e movimentar-se como se fosse uma pessoa normal. Exige-se apenas que abra e feche a boca em sincronia com a voz do seu dono. E que faça tudo o que ele mandar até o fim da campanha eleitoral e, caso se eleja, até o último dia do mandato de presidente da República.

Se tivesse procedido dessa maneira, é bem possível que Dilma ainda fosse a locatária do Palácio da Alvorada, às vésperas de transferir a faixa presidencial para seu sucessor – provavelmente Lula. Mas ela rebelou-se e preferiu governar ao seu estilo, obedecer às próprias ideias, candidatar-se a um novo mandato quando não deveria, e aí deu no que deu. É história conhecida.


A senadora Gleisi Hoffmann, presidente do PT, tem o perfil do boneco ao gosto de Lula. O ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, menos, mas Lula poderá escolhê-lo à falta de algo melhor. Manuela d’Ávilla foi reprovada no primeiro teste. Lula queria que ela renunciasse primeiro à candidatura a presidente mesmo depois de lançada por seu partido.Só mais tarde seria indicada para vice.

Manuela talvez topasse. Quem não topou foi o Partido Comunista do Brasil (PC do B). Seria humilhação demais para os dois – Manuella e o partido. E se mais tarde, por qualquer razão, Lula desse o dito pelo não dito? Não foi assim com Marília Arraes, candidata do PT ao governo de Pernambuco? Lula disse que votaria nela se militasse por lá. Depois rifou sua candidatura.

Não se descarte a hipótese de que Lula acabe por não escolher boneco algum. Ou que só o escolha vencido o prazo estipulado pela Justiça que termina hoje, e que ele quer prorrogar até o próximo dia 15 contra a opinião dos seus advogados. Mais uma afronta à Justiça que serviria a Lula para que se vitimizasse. Todavia, poderia ser também mais uma jogada bolada por ele de dentro do cárcere.

Sem candidato a presidente (e para Lula é inconcebível que o PT concorra ao cargo com outro nome), o partido usaria o que lhe cabe no milionário Fundo Partidário para financiar a eleição de deputados e senadores, preservando sua força no Congresso. Ainda sobraria grana para sustentar-se pelos próximos anos. Seria, digamos assim, uma nova versão do mensalão. O mensalão ponto três.

Solteira

Sabe o que aconteceu à verdade? Morreu solteira
Antonio Tabucchi, "Tristano morre"

Multas eleitorais vão render mais de R$ 108 milhões a partidos

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) atualizou o valor previsto a ser arrecadado com multas eleitorais: estima-se em R$ 108,4 milhões só em 2018. O problema é que quem é beneficiado pela multa são os próprios políticos que infringem a lei eleitoral. Segundo a legislação, a arrecadação com multas será redistribuída a partidos na proporção do Fundo Partidário. Ou seja: o político é multado e depois ainda recebe a multa de volta. 



A estimativa do total de multas distribuídas de volta aos partidos este ano está agora em R$108.377.585,00.

O valor de multas eleitorais pagas à Justiça e até junho deste ano efetivamente redistribuídas aos partidos foi R$ 53.708.637,82

Até julho, o PT levou R$ 7,13 milhões; MDB, R$5,73 milhões; PSDB, R$ 5,8 milhões e DEM, R$ 2.21 milhões. Tudo em multas distribuídas.

Vivos-mortos

O eleitor enxerga agora, e mais ainda enxergará nas próximas semanas, os horrores gerados pela normas eleitorais vigentes.

Embora já alertado, vale lembrar que o Congresso Nacional piorou absurdamente seu conteúdo, perdendo figuras intelectualmente relevantes e eticamente comprometidas, substituídas a cada legislatura por elementos que fazem de tudo, menos aquilo que a população gostaria e a Constituição permite.

Perderam-se, como nunca, a confiança e a estima. O conceito da instituição se encontra destruído, taxado de medíocre e imoral, estarrece cinco continentes e esquimós do polo Ártico.

Raros parlamentares trafegam em público sem enfrentar hostilidades e insultos.

Alguns, que já foram planetas resplandecentes do firmamento político, agora lutam agarrados ao último orbital do sistema. Permutaram o brilho e calor de Vênus pela opacidade e frieza de Plutão.

Decorrente da reprovação, e por questão de derradeira sobrevivência, o Congresso Nacional adotou a fórmula do tapetão para se salvar, rasgando o último fio de vergonha.

As regras eleitorais se limitam a um jogo de cartas marcadas, ampliando as prerrogativas dos partidos e de quem tem cargo; paralelamente restringiram-se a liberdade democrática e a possibilidade de manifestação do eleitor.

Proibiu-se a alternativa de candidaturas avulsas, expressão mais alta da liberdade do cidadão, manteve-se o voto obrigatório, instalou-se a impossibilidade de financiar com recursos pessoais a própria campanha (depois anulada pelo STF), deram-se R$ 2 bilhões aos partidos e aos parlamentares, além de outras sutilezas que favorecem o status quo.

O incorreto prevaleceu. Numa ponta amplia-se a imoralidade, na outra amputa-se a moralidade. Regras mais irreais, espúrias, mesquinhas, vergonhosas foram estudadas e aprovadas num acordo de votação simbólica. Os caciques de direita e até da extrema esquerda acordaram.

“Interna corporis”, prevaleceu o instinto de preservação. O pragmatismo que se instala num naufrágio sem diferença de credo e cor.

Deram-se poderes ditatoriais e imorais aos presidentes dos partidos, aqueles que nomeiam na direção parentes e laranjas, sugam os fundos partidários e vendem horário de televisão, a cabeça de seus candidatos e arregimentam figuras pitorescas para, somadas, eleger gente de pouca consistência.

A situação orgiástica faz enjoar os eleitores; nunca como agora os jovens de 16 e 17 anos se desinteressaram de exercer o direito ao voto e deixaram de tirar o título de eleitor.

Os horrores eleitorais são confortados quase sempre pelo STF, que, de guardião das leis, passou a legislar, atribuindo-se esse poder abandonado por um Congresso ocupado e absorvido em se locupletar. Veja-se o enterro frustrante da revogação da imprescritibilidade dos danos ao erário, aprovada por 6 votos a 2 pelo STF na quinta-feira. Um dispositivo constitucional que cabe ao Congresso alterar. O Congresso se insurgiu? Não, pois com isso a Lava Jato morreu, as celas de Curitiba se esvaziarão, e os butins surrupiados por políticos e empreiteiras, que arrombaram o país antes de 2014, serão intocáveis.

Os principais partidos chafurdam nas negociações de partilhas, custe o que custar, no afã de sobreviver à catástrofe. Com a rejeição avassaladora, em média de três a sete vezes superior à admiração detectada pelas pesquisas de opinião, a maior preocupação é castrar neste momento as esperanças, retirar de cena quem pode incomodar.

Esse jogo macabro não é visível nem compreensível à massa dos eleitores; os comentaristas políticos escalados a julgar o bem e o mal olham mais a palha nos olhos alheios do que a tora que os cega.

Entre a camada mais esclarecida da população abaixo dos 45 anos, a revolta cresce contra os governos em falência, junto com o desejo de abandonar definitivamente o Brasil.

Os partidos que fizeram sonhar as últimas gerações e se alternaram no poder chegaram a concordar recentemente com as listas fechadas, com um fundo de R$ 12 bilhões a cada campanha eleitoral (algo irresponsável e imoral, que daria por parlamentar R$ 20 milhões em verbas arrancadas dos contribuintes). Se não fosse a indignação da opinião pública, o projeto de lei de um parlamentar do PSDB de Minas teria sido aprovado por avassaladora maioria, estuprando o erário. Mantiveram R$ 2 bilhões e determinaram a impossibilidade de financiar com recursos próprios as campanhas de quem não tem cargo algum.

As pesquisas mostram que 50% da população pretende anular seu voto e quase 80% dela não votará nos atuais congressistas. Dessa forma, pode-se esperar o que aconteceu em 1990, quando os votos válidos em relação à eleição anterior, de 1986, devastaram o

Congresso e varreram 40% do parlamentares. Neste ano, apesar do cerceamento imposto, a renovação poderá ser maior, com o voto nulo alcançando seu recorde.

Poderá criar-se, por essas leis, um Congresso de zumbis dos mantidos vivos pela legislação eleitoral, mas mortos pela insuficiência moral.