sexta-feira, 22 de junho de 2018

As eleições e a reforma da política

Um terço ou mais de eleitores deixarão de escolher governantes e programas de políticas públicas nas eleições deste ano. Isso não é fake news, mas reflexo da crise de confiança política que assola o País, podendo significar que o novo governo não terá apoio da maioria da população. A responsabilidade de reverter esse quadro é do governo e do Congresso Nacional, mas, sobretudo, dos candidatos à Presidência da República. Quem quer dirigir o Estado e a Nação precisa ser capaz de convencer a sociedade de que ela não é apêndice da equação democrática, mas peça importante do jogo.

Hoje, muitos brasileiros não se percebem assim, et pour cause, se alienam do processo ou escolhem soluções radicais que não ajudam o País a sair da crise. Mas na democracia o voto é o principal instrumento de que os cidadãos dispõem para exercer sua soberania e, dessa forma, garantir direitos, escolher representantes, defender interesses e preferências. Essa forma de participação envolve duas condições fundamentais que diferenciam a democracia de suas alternativas: primeiro, assegura os meios pelos quais o princípio de autogoverno dos cidadãos se pode realizar; segundo, cria o mecanismo designado como accountability vertical, um dos instrumentos mais efetivos de controle social de quem governa, pelo qual os eleitores confirmam seu apoio a políticos eleitos ou os mandam para casa por causa da qualidade do seu desempenho.


As duas condições são indispensáveis para assegurar a qualidade da democracia. Mas a sua efetividade depende do funcionamento do sistema eleitoral, pelo qual a soberania dos eleitores pode ou não se realizar. Em última análise, a questão diz respeito a saber se esse sistema funciona de forma a traduzir os desejos e as aspirações dos cidadãos. Quando essa possibilidade está bloqueada, as pessoas se frustram com a política, retiram a sua confiança do sistema, passam a descrer das instituições e duvidam que a democracia possa resolver os problemas da comunidade. O efeito é a perda de legitimidade do regime e, em consequência, a possibilidade de surgimento de apoio a soluções autoritárias.

O sistema eleitoral brasileiro caracteriza-se por distorções que comprometem aspectos importantes das funções de representação. As falhas envolvem desigualdades no processo de escolha de representantes para a Câmara dos Deputados em razão da desproporcionalidade de tetos de cadeiras dos Estados: alguns eleitores têm mais peso que outros. E o sistema proporcional de lista aberta, com distritos que podem ter mais de 30 milhões de eleitores, além de encarecer as campanhas eleitorais, torna difícil a escolha ante o grande número de candidatos, estimulando a personalização do voto em detrimento de projetos coletivos, e favorecendo a competição entre candidatos do mesmo partido.

Esses fatores agravam o descrédito popular nas instituições de representação e estimulam a fragmentação partidária. Hoje há 35 partidos no Congresso e outros 50 requerem registro no TSE, mas eles significam pouco em termos de programas e filosofias políticas. Essa fragmentação agrava os problemas de governabilidade do presidencialismo de coalizão, pois desestimula a responsabilização dos partidos.

Outra distorção é o sistema de coligações para eleições proporcionais, que frauda a escolha do eleitor baseada em posições político-ideológicas do candidato ou partido, e pode fazê-lo eleger quem tem posição oposta à sua. O Congresso decidiu descontinuar as coligações para as eleições proporcionais, mas só a partir das eleições municipais de 2020, e a manutenção das coligações em 2018 protege as distorções.

Os déficits do sistema de representação não acabam por aí. Referem-se ainda à desigualdade de inclusão de segmentos como as mulheres, cuja representação no Parlamento, a despeito de serem maioria na população, é inferior a 9%. Os déficits também estão relacionados com o financiamento de campanhas eleitorais, cujos recursos serão distribuídos pelas oligarquias partidárias, favorecendo a sua continuidade na liderança dos partidos e bloqueando a renovação política do Congresso. O novo fundo de financiamento das campanhas atribuiu maior volume de recursos aos maiores partidos, dificultando a indicação e a eleição de nomes novos para o Legislativo.

Às vésperas das eleições, esse cenário tem algo de assustador. Se o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff criou expectativas de mudanças dos rumos do País, o desempenho do governo Temer, em que pesem medidas econômicas positivas, frustrou a população brasileira. Isso afetou a percepção dos eleitores sobre a democracia e eles ameaçam agora reagir com o não voto ou não participação. Sem falar que 70 milhões de brasileiros, como revelou o Datafolha, querem ir embora do País.

Mesmo os candidatos à Presidência sabendo que, eleitos, não vão poder resolver essa situação de uma vez por todas, precisam, contudo, mostrar como pretendem enfrentar esses problemas. Que forças pretendem mobilizar para criar a coalizão necessária para reformar e resgatar a política?

O País espera que o novo governo retome o crescimento econômico, crie empregos e enfrente o flagelo da violência e da insegurança. Mas os brasileiros também querem saber como o novo presidente vai enfrentar os gargalos da democracia. Nem tudo se resume às perspectivas econômicas e, como a sociedade apontou desde as manifestações de 2013, ao lado da melhoria da qualidade dos serviços públicos, os eleitores não querem mais ser apenas objeto da ação de governos, mas almejam assumir um novo protagonismo, facilitado pela era da internet e da tecnologia da informação.

Quem quer liderar o País tem dizer em que sentido as suas escolhas permitirão articular as necessárias políticas econômicas com a indispensável reforma da política. Até agora, não fizeram isso.

Matança institucionalizada

Esse Estado doente está matando as nossas crianças com roupa de escola
Bruna Silva, mãe de Marcos Vinícius.de 14 anos, morto durante operação policial na Maré

Corrupção maiúscula, democracia minúscula

Leio no jornal: "Dilma e Aécio lideram pesquisa para senador em Minas Gerais".
Deu pra mim. Fui!

Voltei! “A ditadura é muito melhor, só que é pior”, talvez exclamasse um amigo que gosta de construir frases surreais. De fato, se você quer pôr ordem numa confusão de cabaré como essa aí acima, mais fácil e eficiente do que conversar com o eleitorado mineiro é apelar para o sujeito com cara de caminhão off road, parado lá na porta. Sim, democracia é coisa complicada. E fica muito mais enroscada quando não há mínimos consensos éticos, quando o sistema político é pouco ou nada racional, quando os agentes do processo ou são omissos ou desonestos, e quando os eleitores, tanto quanto os agentes, se regem por critérios imperdoáveis.


O presidencialismo agrava as dificuldades. Ao entregar todas as fichas e assegurar quatro anos de mandato ao presidente, ainda que sua gestão seja uma catástrofe, a nação se expõe a uma situação que nem empresas familiares toleram! Cria instabilidades que derrubam o PIB, as bolsas e desvalorizam a moeda. Como submeter uma sociedade complexa, com mais de 200 milhões de habitantes, a governos – quaisquer governos – que não podem ser destituídos, ainda que ineptos e desastrosos? Onde mesmo o impeachment de um governo criminoso envolve prolongada crise?

Por outro lado, a irrestrita criação de partidos políticos como sublime expressão do pluralismo, tolice bancada em 2006 pelos doutores da lei do STF, franqueia a porta do poder para aproveitadores que inventam legendas cartoriais e as transformam em rentáveis empreendimentos. Ora, a formação de maiorias parlamentares é questão central do jogo político e da governabilidade. Os processos eleitorais brasileiros, no entanto, vêm proporcionando minorias cada vez menores, cuja existência custa caro ao país e cuja agregação para formar bases de apoio se inclui entre as mais repulsivas e vacilantes tarefas de quem governa.

Cada vez mais, o ambiente político nacional se afasta das grandes pautas que deveriam interessar ao desenvolvimento econômico e social para se perder em retórica e propaganda. Os próprios eleitores não se ajudam: vão às urnas dissociando o governante que escolhem do parlamentar em quem votam, como se o segundo não fosse indispensável ao sucesso do primeiro.

Como regra, o eleitor vota num governante para que cuide do país, segundo suas convicções, e escolhe um parlamentar para defender seus interesses pessoais, corporativos ou setoriais. Inevitavelmente, essas duas tarefas se contrapõem, pois o parlamentar só pode cumprir a sua gerando ônus ao setor público e agindo contra a conveniência nacional. Isso é moralmente inaceitável! Parlamentares deveriam ser representantes de opinião e não de interesses.
Eleitores incapazes de perceber os desvios a que são conduzidos pelo critério eleitoral do interesse próprio afundam num paradoxo: julgam normal eleger alguém, pago pela nação, para cuidar de si, para legislar e negociar em seu benefício, mas se escandalizam quando os eleitos, orientados pelo mesmo norte moral, passam a cuidar de si mesmos, dos seus negócios e de suas próprias fatias no bolo do poder e dos impostos que todos pagamos.

Uma democracia tem a racionalidade de suas instituições e a força dos consensos éticos da sociedade.

Percival Puggina

Brasil de hoje


A outra Copa que o Brasil precisa ganhar

Sou dos que querem que o Brasil ganhe a Copa outra vez. Tenho certeza de que a maioria espera o mesmo, já que o que falta hoje a este país são motivos de alegria. Não acha, meu querido e genial Xico Sá? Mas gostaria que os brasileiros conquistassem também outra copa, a da tolerância, a de se sentirem orgulhosos de ter nascido aqui.

Desejo essa vitória social para que aqueles 60 milhões de brasileiros, na maioria jovens, que, de acordo com a última pesquisa do Datafolha, gostariam de deixar o país por falta de oportunidades, possam alcançar seus sonhos aqui sem necessidade de fugir. Sair livremente do próprio país, neste mundo de globalização, para enriquecer-se com novas experiências, é algo que não pode deixar de fascinar jovens brasileiros. Mas querer ir embora porque não encontram o indispensável necessário para se realizar aqui é um crime que deveria envergonhar aqueles que os governam. Ninguém abandona suas raízes sem dor.


Para devolver aos brasileiros a paixão por sua identidade, também temos de ganhar a Copa da confiança, aceitar as diferenças que nos dividem, porque seria utopia pretender que todos podemos pensar a vida da mesma forma. Cada um cresce com suas ideias e sua visão do mundo. Se todos pensássemos e amássemos igual, o mundo seria de uma monotonia avassaladora.

As guerras fratricidas, a vontade de pretender que todos pensem como nós, os rótulos colocados nos outros como estigmas de segregação nascem da incapacidade de reconhecer a originalidade do outro. A intolerância, as excomunhões e a soberba de se acreditar mago das receitas fáceis para conflitos complexos costumam acabar na porta do inferno, onde Dante Alighieri, na Divina Comédia, escreveu: “Deixai toda esperança, vós que entrais.”

Para o Brasil, país que adotei como meu com todos os seus defeitos e virtudes, desejo neste momento não só que ganhe a Copa do Mundo para que milhões possam viver um sopro de felicidade, mas também que essa vitória seja a antecipação de outra felicidade maior: a de voltar a ser um país com mais pessoas se respeitando do que se odiando. O Brasil só voltará a ser um país reconciliado consigo mesmo quando for capaz de recuperar a Copa de sua riqueza humana, aquela que os brasileiros aprenderam a levar sempre na mala pelo mundo afora. Aquele patrimônio da alma que fazia um amigo europeu dizer, sempre que encontrava um estrangeiro que o fascinava, “deve ser brasileiro”.

Meu desejo é que este volte a ser um país que, em um momento em que o mundo se vê tentado a erguer novos muros, desperte inveja por sua capacidade de integração, por sua arte em saber dialogar e agregar. Foi essa capacidade dos brasileiros de saber enriquecer tudo através da mistura que minha esposa, Roseana, brasileira, me explicou ao pousar aqui. Aprendi que, ao contrário de Espanha, onde as coisas se comem separadas, no Brasil é tudo misturado no mesmo prato. O Brasil é antigo e moderno porque é um amálgama de mil riquezas diferentes, físicas e espirituais, que dão forma e sabor a um novo conceito de humanidade. Tentar dividi-lo injetando os demônios do ódio de uns contra os outros é renegar tudo de melhor e mais cobiçado que possui.

Que 2018 seja lembrado como o ano em que o Brasil venceu duas copas juntas: uma nos estádios na Rússia e outra em outubro, aqui, nas urnas, quando decidirá o seu destino político, fonte hoje de insatisfação e, ao mesmo tempo, de esperança, uma palavra desprezada em nossos dias, quando se esquece que é o motor da existência. Por mais rico que seja um povo, sem esperança de algo melhor para todos, e não só para um punhado de privilegiados, restariam apenas o vazio e o medo. Restaria aquela porta desesperadora e fria do inferno da Divina Comédia de Dante. Por que não apostar na porta que nos conduzirá a uma nova era, em que poderemos viver juntos vitórias e derrotas, sem medo de nos olharmos nos olhos outra vez?

Supermercados ocidentais contribuem para exploração de trabalhadores

Grandes supermercados ocidentais usam seu poder de compra para forçar os fornecedores a reduzir seus preços, contribuindo para a exploração e até mesmo o trabalho forçado de milhões de agricultores em todo o mundo, denunciou a organização de direitos humanos Oxfam International nesta quinta-feira.

"Milhões de mulheres e homens que produzem nossa comida estão presos na pobreza e enfrentam condições brutais de trabalho, apesar de lucros de bilhões de dólares na indústria alimentícia", acusa a entidade no relatório intitulado Ripe for Change (Maduro para mudança).

"Do trabalho forçado a bordo de navios de pesca no sudeste da Ásia aos salários de pobreza nas plantações indianas de chá e à fome enfrentada por trabalhadores no cultivo de uvas da África do Sul, abusos de direitos humanos e trabalhistas são muito comuns nas cadeias de abastecimento", aponta o texto.


Para o estudo, a Oxfam avaliou no ano passado informações disponibilizadas publicamente por 16 das maiores cadeias de supermercados de Alemanha, Holanda, Estados Unidos e Reino Unido, comparando-as às normas internacionais para a proteção dos direitos humanos.

O objetivo era documentar o que a organização chama de "práticas comerciais injustas", como colocar preços abaixo do custo da produção sustentável. A Oxfam afirma que tais práticas fazem com que os trabalhadores na parte inferior da cadeia de fornecimento paguem o preço mais alto.

Na Tailândia, por exemplo, mais de 90% dos trabalhadores dos estabelecimentos de processamento de frutos do mar disseram que não receberam comida suficiente no mês anterior, segundo a ONG. Cerca de 80% desses trabalhadores eram mulheres, acrescentou.

"É um dos paradoxos mais cruéis dos nossos tempos que as pessoas que produzem nossa comida e suas famílias estejam elas mesmas frequentemente sem comida suficiente", disse a Oxfam, criticando grandes supermercados europeus e americanos por não garantirem que os produtores de alimentos sejam tratados com dignidade.

"Os supermercados podem pagar aos produtores um preço justo sem sobrecarregar os consumidores", disse Winnie Byanyima, diretor executivo da Oxfam. "Em muitos casos, devolver apenas 1% ou 2% do preço de varejo – alguns centavos – significaria uma mudança de vida para as mulheres e homens que produzem a comida encontrada em suas prateleiras", disse ela.

Na Alemanha, a Oxfam aponta que as grandes redes varejistas dão pouca atenção aos direitos humanos em suas cadeias de fornecimento. "O estudo mostra que direitos humanos são uma nota de rodapé na política de negócios dos supermercados alemães", reclama a especialista em economia da Oxfam, Barbara Sennholz-Weinhardt.

Avaliações em supermercados do Reino Unido e dos Estados Unidos foram até bastante melhores que as das grandes redes alemãs em determinados quesitos como, por exemplo, os que dizem respeito aos direitos das mulheres ou dos trabalhadores em geral.

A Oxfam afirma que o lucro dos supermercados com determinados alimentos, como café, camarão ou banana, aumentaram significativamente nos últimos anos, ao contrário dos salários dos trabalhadores nos países produtores.

Por que amávamos tanto o Brasil

Para um menino europeu crescido nos anos 70 e 80, a chegada da Copa do Mundo era sobretudo a oportunidade de ver o Brasil. Nenhum outro time tinha o poder de fascínio da seleção canarinho. Suas cores, a mistura de raças, o ritmo de seus corpos, seu inverossímil domínio da bola. Tudo remetia a um universo mágico, selvagem e exuberante, um mundo onde o campo do possível estava muito mais longe do que nós podíamos imaginar na Europa nessa época. A atração se acentuava porque não era fácil nem frequente desfrutar daquilo. Era preciso esperar quatro anos. Por isso, quando a Copa começava, estávamos impacientes por ver o momento único em que irromperiam as camisas amarelas.

Depois do espetáculo de 1970 no México, parecia claro –ou pelo menos essa era a sensação com que muitos de nós crescemos– que o Brasil tinha chegado à suprema essência do futebol. E que talvez nunca mais algum outro conseguiria alcançar esse cume. Tão forte ficou em nós a marca daquele time que até perdoamos a passagem apagada do Brasil pelas Copas de 74 e 78. Em especial porque quatro anos depois, na Espanha, o milagre do México reencarnou. Aquele deslumbrante Brasil de 82 tinha outra vez os traços do nunca visto: a técnica de um lateral como Júnior, a elegância de meias como Sócrates e Falcão, a precisão de Zico para colocar a bola onde queria, os efeitos endiabrados dos chutes de Eder. Para uma geração de espanhóis, a tragédia da derrota no Sarrià para a Itália (3x2) é principalmente a recordação da melhor partida de futebol que vimos ou nunca mais chegaremos a ver. Porque aquele Brasil perdeu a Copa, mas –como a Holanda de Cruyff oito anos antes– ganhou a eternidade. Ninguém que tivesse visto esses times poderia apagá-los de sua memória.

No futebol, como no mundo em geral, o que menos se aceita é a derrota. O Brasil saiu do Sarriá com esse estigma. Tinha perdido a Copa e pouco importava que tivesse conquistado milhões de torcedores de todo o planeta. A partir de então, foi como se pouco a pouco o Brasil renunciasse a uma parte de si mesmo. Seu futebol se tornou mais plano, atlético e robotizado, cada vez menos diferente, cada vez mais parecido com o europeu.

O que causava espanto nas equipes de 70 e de 82 não era só o enorme talento dos jogadores, mas que todos eles, sem renunciar à criatividade, se encaixavam como peças perfeitas em um mecanismo coletivo esmagador. As seleções que ganharam o tetra e o penta, em 1994 e 2002, são lembradas por seus extraordinários atletas, alguns dos melhores que o mundo teve nas últimas três décadas: Romário, Ronaldo Fenômeno, Rivaldo e Ronaldinho Gaúcho, junto a secundários tão excelentes como Bebeto, Roberto Carlos, Cafu e Mauro Silva. Mas do jogo coletivo não restou o menor traço. Antes havia uma ideia de futebol. Agora parecia que a única ideia era ganhar. O pragmatismo encurralava a estética.

Na malfadada tarde de quatro anos atrás no Mineirão, os alemães podiam ter dito o mesmo que disse o treinador colombiano Pacho Maturana depois de submeter a Argentina a uma das piores vergonhas de sua história. Aconteceu em 5 de setembro de 1993, no estádio Monumental de Buenos Aires, em um jogo pelas eliminatórias da classificação para a Copa. A humilhação da Argentina pela Colômbia foi terrível: 5X0. Ao término do jogo, 70.000 espectadores, Maradona entre eles, ovacionaram os colombianos na despedida. Maturana quase pediu desculpas: “A única coisa que fizemos foi jogar como aprendemos com vocês”. Muito parecido com o que ocorreria 21 anos depois no Mineirão. Porque nesse dia os alemães foram os brasileiros enquanto o Brasil se esforçava para se parecer com a pior tradição de seu rival. Para testemunhar isso lá estava Hulk, uma imitação tropical dos velhos tanques germânicos que até os próprios inventores já tinham aposentado.

De volta dessa viagem ao inferno, o Brasil tem aparecido com uma cara muito melhor. De novo conta com alguns jogadores fantásticos e à frente tem um treinador que pelo menos não se comporta como seu pior inimigo. Mas a seleção lida ainda com algumas heranças pesadas. A mais visível é que o modelo de futebol para o qual o Brasil se inclinou nos últimos anos acabou por suprimir os armadores do jogo. Tanto afã durante tanto tempo por encher essa zona de jogadores com muito físico eliminou a figura do meia criativo no país que deu Didi, Gerson, Rivelino e os quatro grandiosos de 82 (por favor, recitem seus nomes com devoção): Sócrates, Falcão, Zico e Toninho Cerezo.

Apesar de tudo, o Brasil volta a ser capaz de recriar antigas emoções. Por exemplo, durante os primeiros 20 minutos contra a Suíça. Esqueçamos os 70 minutos restantes, com suas recaídas nos antigos pecados. Vamos pensar somente nessa fase em que o Brasil se comportou como sempre esperamos. Essa fase na qual lembramos que torcíamos pelo Brasil não por torcer, mas porque o futebol nos obrigava a isso. Essa fase do último jogo que até nos levou de volta por um momento àqueles dias em que amávamos tanto o Brasil.