domingo, 27 de agosto de 2017

Os pixulecos de Lula

Pronto. Não há mais dúvidas: José Sarney e Renan Calheiros são essenciais para o sucesso de um governo. Essa foi a mensagem do ex Lula em entrevista a emissoras de rádio de Pernambuco, ponto de parada de sua caravana de campanha pelo Nordeste. Alegria pura para o neolulista Renan, acossado por 13 inquéritos e réu em um deles.

No Recife, sem qualquer pudor de exibir a sua farsa, Lula convocou a esquerda para eleger mais deputados, incluindo aí o PCdoB, o PSOL, o PSTU e “a esquerda do PMDB”.

Renan, um dos algozes da presidente deposta Dilma Rousseff, pupila de Lula, se imagina líder dessa facção opositora ao impopular peemedebista Michel Temer, a quem jurou lealdade na solenidade de posse com um inesquecível “tamo juntos”.

Ao se reaproximar de Lula, o senador alagoano apenas repete o seu conhecido drible. Não para definir a partida, mas para se manter na área de quem paga mais ou tem alguma chance de vencer a peleja.

Charge do dia 27/08/2017

Foi o principal líder de Fernando Collor e abandonou o chefe pouco antes do impeachment. Aderiu a Fernando Henrique Cardoso, assumindo o Ministério da Justiça, para desespero do então governador de São Paulo, Mario Covas, a quem o camaleão Calheiros jamais enganou. De FHC para Lula foi um pulo. Manteve-se fiel também a Dilma até que a popularidade dela despencou.

Batalhou pelo expurgo da afilhada de Lula, mas, sendo Renan, teve protagonismo na esdrúxula decisão inconstitucional de manter os direitos políticos da presidente afastada.

Em um átimo saltou para Temer; agora para os braços de Lula. E, se a tese colar, assume a liderança anti-Temer com a charmosa nomenclatura de “esquerda do PMDB”, adorno criado por Lula, expert em utilizar o verbete esquerda e dele se beneficiar.

O mais incrível é não haver qualquer reação dos reais ideólogos de esquerda – se é que eles ainda existem – à banalização não só do vocábulo, mas do pensamento que se imaginava liberto e progressista.

Desde sempre Lula conferiu à esquerda os significados que desejou e os mais apropriados para cada momento, usando-a a seu bem prazer, sem que isso causasse qualquer estranheza.

Embora reincidente – colocou-se ao lado de Paulo Maluf para eleger Fernando Haddad prefeito de São Paulo e associou-se a Collor --, vê-lo hoje, sem a desculpa da “governabilidade”, incluir Sarney e avalizar Renan entre os peemedebistas de esquerda ainda na fase de pré-campanha desafia até o mais criativo dos surrealistas.

Ainda que possa surtir efeito futuro – o que é duvidoso - a tática de afago agride a sua própria turma.

Em um só lance Lula desagradou fiéis e aliados do Nordeste e fora dele. Em Alagoas, virou fiador do grupo de Renan, odiado pelos petistas e pela “esquerda” que o ex diz querer atrair. Em Pernambuco, conseguiu atiçar a rivalidade entre o PSB e o PT. E no Maranhão, onde a caravana ainda não chegou, já causa desconforto ao time do governador Flávio Dino (PCdoB), que se elegeu em oposição ao clã Sarney.

Acostumado com o sorriso da sorte, desta vez Lula deu azar. Na sexta-feira, mesmo dia em que acariciou publicamente Sarney e Renan, os dois foram denunciados pela Procuradoria-Geral da República, (Renan pela 14ª vez), obrigando o ex à incômoda comparação de ambos a ele – “se eu quero pra mim a inocência até que se prove o contrário eu tenho que querer para os outros também”.

Com discurso batido, repetitivo, cuja atratividade depende quase que exclusivamente de arroubos verbais, Lula tem feito enorme esforço para reinventar sua liderança de massas, hoje reduzida a grupos de fiéis, anos-luz de distância das multidões que já teve a seus pés, que imaginara e gostaria de reeditar.

Enquanto tenta, Lula – réu em cinco ações penais e condenado em uma delas – iguala-se aos seus: estufa os egos de gente como Sarney e Renan, mais palatáveis como pixulecos infláveis do que como representantes do povo.

A riqueza pública

Sem preconceito, o governo Michel Temer virou um grande balcão de negócios. O seu novo programa de privatizações, que pretende se desfazer de 57 ativos, entre os quais a Casa da Moeda, a Eletrobras e a Reserva Nacional de Cobre (Renca), para citar os mais emblemáticos, pretende alienar boa parte da riqueza da União. Os argumentos a favor da decisão são verdadeiros: primeiro, o país não tem como financiar investimentos na modernização de nossa infraestrutura sem a venda de ativos e a entrega de serviços à exploração das empresas privadas; segundo, as empresas estatais e a gestão dos serviços públicos sempre estiveram a serviços dos partidos políticos, que miram seus próprios interesses e não os da sociedade. O problema é como isso será feito.

A necessidade de voltar a crescer e a impossibilidade de investir, com um Orçamento cujo deficit este ano será da ordem de R$ 159 bilhões, repôs o debate sobre as privatizações na ordem do dia. A tendência é a discussão reproduzir a velha polarização esquerda versus direita, ou seja, o embate entre um projeto nacional desenvolvimentista e o modelo neoliberal. É a mesma polêmica aberta nos anos 1980 por Margaret Tatcher, a primeira-ministra conservadora que reformou a economia britânica. E que pautou a discussão sobre as privatizações do governo Fernando Henrique Cardoso, na década seguinte. Será que vale a pena reprisar esse debate, que pautou as eleições presidenciais de 1998, 2002, 2006, 2010 e 2014?

Os suecos Dag Detter e Stefan Fölster, autores do livro A riqueza pública das nações, põem o dedo na ferida quando afirmam que o centro da questão é a qualidade da governança dos ativos públicos. Segundo eles, “a malaise” da riqueza pública não é consequência da incompetência dos políticos, mas do fato de a administração de empresas e de serviços desviar o foco dos políticos de sua principal missão: promover o bem comum. O resto é consequência. Detter foi presidente da Stattum, a holding do governo sueco; Fölster, economista-chefe da Confederação das Empresas Suecas. Ambos foram protagonistas da mais bem-sucedida reforma do Estado da Europa.

No mundo inteiro, estão em crise o Estado de bem-estar social e o sistema de representação política. O problema é que isso pôs em risco a democracia. O dilema é o mesmo desde a velha crítica de Platão: enquanto os eleitores põem a satisfação imediata acima da prudência duradoura, a corrupção dos políticos é a via mais rápida de acesso ao poder. A ligação entre liberalismo econômico e democracia liberal nunca foi automática. Muito menos a globalização é sinônimo de avanço da democracia. A ideia de que a democracia é um credo universal associado ao capitalismo também é falsa. Há uma corrida mundial entre o Ocidente e o Oriente para reinventar o Estado, cujo objetivo é modernizar a economia e não, necessariamente, aperfeiçoar a democracia. Não se pode dizer, por exemplo, que os Estados Unidos (uma democracia liberal) estão se saindo melhor nessa corrida do que a China (uma ditadura comunista). Nesse mundo onde ambos disputam o controle do comércio mundial, cujo eixo se deslocou do Atlântico para o Pacífico, qual será o lugar do Brasil?

A gestão da nossa riqueza pública estará no centro do debate eleitoral de 2018, cujos principais protagonistas, até agora, têm propostas retrógradas. A esquerda demoniza o uso de mecanismos de mercado para melhorar a situação do Estado. A direita demoniza o uso do Estado para lidar com as falhas do mercado. Enquanto isso, as empresas de tecnologia estão reinventando o mundo. A tese dos suecos é retirar a governança dos ativos públicos das mãos dos políticos e passá-los à gestão de profissionais gabaritados. Eles citam os exemplos da China, da Rússia e do Brasil, onde os políticos e uma burocracia ineficiente não conseguem tirar proveito dos próprios recursos disponíveis, que acabam por desaparecer. Esses ativos estão sendo dilapidados pelo patrimonialismo, o clientelismo e o fisiologismo.


A criação de holdings para administrar os ativos públicos já é uma experiência bem-sucedida em vários países que enfrentaram o problema, como Finlândia, Áustria, Reino Unido e Suécia. Há dois exemplos: a Suécia adotou um modelo fragmentado, no qual os donos originais mantiveram seus ativos em várias holdings; a Finlândia optou por centralizar os ativos numa só holding. Em ambos os casos, a gestão foi confiada a profissionais de mercado, sem interferência política, com um modelo de gestão semelhante aos dos bancos centrais e dos fundos de pensão. O caso do Deutsche Bundespost da Alemanha é dos mais emblemáticos. Em 1995, a empresa foi transformada em três sociedades anônimas. Hoje, o Deutsche Post atua em 220 países, emprega 480 mil pessoas e movimenta 55 bilhões de euros.

A nossa riqueza pública é muito maior do que a dívida pública; administrá-la melhor poderia ajudar a resolver o problema do endividamento, ao mesmo tempo em que financiaria o crescimento econômico. O mais importante não é a propriedade, é o rendimento dos ativos públicos. Melhorar a gestão desses recursos é fundamental para o equilíbrio fiscal. Mais ainda para combater a corrupção e fortalecer a democracia.

O atraso é nosso

Não é segredo para quem trabalha seriamente que, quanto menor é a presença do Estado, maiores são o êxito econômico e o resultado social. Hoje o Estado é visto e sentido como inimigo do progresso, um sinônimo de corrupção e de bandalheiras. Os próprios bons servidores vêm perdendo autoestima e conceito.

O Estado, tomado por quadrilhas partidárias de assalto, existe não para ajudar, mas para atrapalhar, chantagear, subjugar e arruinar o progresso nacional.

Temos no agronegócio, com sua pujança que sustenta a arrecadação nacional, o setor mais bem-sucedido, exatamente por ser o mais diluído num imenso território e distante do cerne do problema. Fora de concursos são as obras públicas que resolvem com propinas seus problemas e chegam a pagar bilhões de reais, sem que a fiscalização pública se aperceba das montanhas de desvios.

Também precisa considerar que nem todos os Estados e municípios são iguais, alguns, como Minas Gerais, conseguem ser piores que os outros. E isso não é de hoje, é uma tradição secular que teve poucas tréguas, como foi o governo de Rondon Pacheco, que deu partida aos maiores projetos de Minas e, sobretudo, deixou um exemplo. Daquela só os cacos sobraram.

Resultado de imagem para atraso brasileiro charge

Apesar das supostas precauções burocráticas, as reservas amazônicas estão desaparecendo, as clareiras são visíveis a olho nu em qualquer mapa tirado pelo satélite. Como se pode constatar, o ambientalismo tupiniquim de salto alto não serviu e não serve a nada, a burocracia defende a possibilidade de cobrar pedágios da serra elétrica. As leis pantagruélicas são ineptas e derretem ao calor das propinas.

O caos alcançado em solo brasileiro é proposital e cultural, embebeceu o lado mau da alma brasileira, que como nenhuma outra no planeta sabe impingir dificuldades a troco de facilidades.

A tirania estúpida se agravou, o gigantismo da “inutilidade” alcançado em Brasília se multiplicou nos cabides de emprego que geram currais eleitorais. A Lava Jato confirma que todos os cuidados geraram um monstro cleptocrático e tirano.

Exemplos sobram, mas coloco aqui um que merece o repúdio. Estive no Ministério da Justiça, em Brasília, para tentar reverter a devolução de uma verba de cerca de R$ 600 mil, que se encontra depositada nas contas da Prefeitura de Betim há mais de quatro anos. Foi ativada por mim, como prefeito, em maio, quatro meses após minha posse, interrompendo a inépcia de 40 meses do governo anterior. Tudo funcionando muito bem há dois meses, prestando contas da distribuição de microssalários de R$ 190 a 70 mulheres e 90 jovens, para serem portadores de cartilhas que estimulem a paz social. Exatamente nos bairros que assistem à maior violência e à pior criminalidade. Em julho, depois de ativado o programa, veio a ordem de devolver os recursos, cerca de 90% do total.

Em três semanas, depois do aviso, protocolamos pedidos de reconsideração, fizemos quatro visitas, e na última fui pessoalmente com amplo relato de fotos, vídeos, manifestações da comunidade. Nada serviu. Fiquei na cadeira de espera por 40 minutos, apesar de não ter fila e ninguém sair da sala do chefe. Assisti a duas recepcionistas dotadas cada uma de dois computadores e duas telas de LED sem que fizessem deles qualquer uso em algum momento. Passei pela sala da secretária, que nem sequer levantou a cabeça, e cheguei ao “atarefado” chefe para ouvir que não tinha saída, tinha que desativar, dispensar e suspender tudo pelas falhas que já tinham sido sanadas. Essas mulheres, na penúria por que passa a prefeitura, infelizmente foram suspensas no meio de lágrimas e pesares. Os recursos devolvidos para um governo que está entre os mais corruptos e cruéis de todos os tempos. Acham que a justiça divina não existe.

Esse é o Estado-excremento que faz do Brasil um país líder em corrupção e injustiças, além de estupidez.

Em Betim, minha terra, transcorreram alguns anos para dar um alvará de funcionamento a uma associação de catadores de papel que arranquei na marra. O local e as instalações foram doados pelo governo federal e executados também com contrapartidas municipais.

Mas sem alvarás de licenciamento da prefeitura e dos bombeiros, sem estudo ambiental e por aí afora. Deixar para essas humildes pessoas as obrigações do poder público, complexas, onerosas e penosas. Tudo fora do alcance delas. Esse é o Estado que dá com uma mão e tira com a outra.

Mostrei aos entes fiscalizadores que essas pessoas foram traídas em sua inocência e que o Estado tem que resolver e entregar tudo licenciado. E, ainda, obras doadas pela iniciativa privada, interessada em apressar o que o “público” só promete em dia de eleição, sofre atrasos por picuinhas. Como se o mínimo que o “público” devesse fazer fosse ajudar a solucionar o problema fazendo-se presente e ativo.

Isso infelizmente não é compreendido, não se entende que apenas com o desenvolvimento se arrecadam recursos para pagar salários e atender a demanda da população.

Nas atitudes do Estado se enxerga o equívoco, o não concatenamento de causas e efeitos.

Por isso, vivemos e pagaremos por muitos anos o castigo do desemprego e da miséria.

Era do Escárnio

Conseguiu! O governo Temer é pior que o governo Dilma. É tão incompetente quanto na gestão, mais pronto à rendição diante dos abutres do Congresso e mais deslavado e cínico no abraço amigo à corrupção. Na semana passada a equipe econômica, coitada, deu o pontapé inicial a mais uma dessas novelas de que se conhecem o desenrolar e o desfecho, ao apresentar seu enésimo plano de ajuste fiscal. O script do primeiro capítulo, já em curso, prevê que as principais lideranças no Congresso anunciem quão difícil será aprovar o pacote. Seguem-se meses em que se encolhe uma medida aqui, substitui-se outra ali, aleija-se uma terceira acolá. No fim, aprova-se um texto esburacado como se sobrevivente de uma batalha e a um custo, em prendas aos parlamentares, que devora boa parte da pretendida economia.


Na boa feição mafiosa, o governo Temer é amigo dos amigos. Na última terça-feira João Salame Neto foi nomeado diretor do Departamento de Atenção Básica do Ministério da Saúde. O paraense Salame, ex-prefeito de Marabá, já carimbado com uma citação na delação da Odebrecht, foi indicado pela bancada do PP, o inefável PP, que se fez merecedor do mimo ao apoiar Temer na votação sobre a denúncia de corrupção. É inútil procurar as credenciais do novo diretor para cuidar da saúde dos brasileiros. Mas será muito útil — atenção, repórteres — acompanhar sua atuação à frente do órgão. O país anseia por desvendar o que tanto quer o PP com o Departamento de Atenção Básica. Desconfia-se que proporcionar um salto de qualidade à saúde do nosso povo não é.

Os Estados Unidos também assistem a uma proeza. O governo Trump consegue ser mais nocivo do que o de George W. Bush, que jogou o país nos atoleiros do Afeganistão e do Iraque. Trump é pior não pelo que faz — mesmo porque, do desmanche do Obamacare à proibição dos muçulmanos no país, não tem conseguido fazer nada —, mas pelo que fala. Um seu antecessor de mais de 100 anos atrás, Theo­dore Roosevelt, cunhou a expressão bully pulpit (púlpito esmagador) para qualificar o terrível poder da Presidência como plataforma para divulgar ideias e defender causas. Pelo moderno púlpito do Twitter ou pelo púlpito propriamente dito da sala de imprensa da Casa Branca, Trump consagrou-se como difusor das ideias mais desconexas e defensor das causas mais sombrias, e chegou ao auge, nos últimos dias, ao recusar-se a condenar os neonazistas que, com tochas nas mãos, como os aliados da Ku Klux Klan, desfilaram pelas ruas de Charlottesville, Virgínia, gritando contra os judeus e alardeando a superioridade da raça branca.

A indignação contra Trump, de parlamentares do próprio Partido Republicano a empresários que debandaram de conselhos governamentais, tem base num imperativo moral inegociável. Nazismo e Ku Klux Klan não podem merecer condescendência de quem está de posse do bully pulpit. No Brasil, imperativos morais não costumam ter o mesmo peso. Por isso mesmo, por nadarmos no charco da frouxidão das consciências e dos votos comprados, um imperativo moral foi ferido quando se impediu a investigação sobre um presidente cujo homem de confiança foi flagrado com uma mala de dinheiro. As consequências do voto na Câmara se fazem sentir agora. Se pode um presidente assim, tudo pode; o escárnio e o escracho estão no ar. Os deputados avançam na proposta de um bilionário fundo para as campanhas eleitorais enquanto um juiz de Mato Grosso, ao admitir ter recebido 503 000 reais de salário em julho, reage às críticas dizendo: “Não estou nem aí”.

Ao escárnio e ao escracho soma­-se a desmoralização do governo. Deitada no chão da cozinha, com os ouvidos tapados para não ouvir os tiros, uma menina de 10 anos gravou mensagem de voz à mãe, que havia saído: “Mãe, não aguento mais morar aqui em Manguinhos. Todo dia essa guerra, todo dia gente morrendo”. O flagrante foi registrado pelo repórter Rafael Soares, do jornal O Globo. Manguinhos é vizinho do Jacarezinho, o bairro do Rio de Janeiro em que, ao voltarem do trabalho, as pessoas aguardam horas antes de ganhar sua casa, tal o tiroteio. Poucas semanas atrás o ministro da Defesa, Raul Jungmann, desencadeou a operação que iria “golpear” o tráfico. A resposta do tráfico era na semana passada a metralhadora pendurada na estátua de Michael Jackson no Morro Dona Marta.

Imagem do Dia

Mendigo 2.0

Ataque à Amazônia

Ninguém foi avisado, ninguém foi consultado. A notícia chegou de surpresa, estampada no “Diário Oficial da União”. O presidente Michel Temer extinguiu, por decreto, uma reserva mineral maior do que a Dinamarca. A área fica no coração da Amazônia, entre os Estados do Amapá e do Pará.

É uma região rica em ouro e cobre. Foi protegida pela ditadura militar, que não se destacava pela preocupação com o meio ambiente. Agora será entregue às mineradoras por um governo chefiado pelo PMDB.

Resultado de imagem para ataque à amazonia charge

A eliminação da reserva não é um risco apenas para a preservação da floresta. A liberação do garimpo pode contaminar rios, agravar conflitos fundiários e ameaçar a sobrevivência de povos indígenas. É o caso da comunidade Wajãpi, que só foi contatada pela Funai em 1973.

“Podemos assistir a uma nova corrida do ouro, como aconteceu em Serra Pelada”, alerta o ambientalista Nilo D’ávila, diretor do Greenpeace. “O decreto abre espaço a uma ocupação desordenada e predatória em áreas de floresta”, afirma.

O senador João Capiberibe, do PSB, descreve a medida do governo como uma “insensatez”. “É a maior agressão que a Amazônia já sofreu”, diz o amapaense. “O governo está entregando a reserva para um dos setores mais nocivos ao meio ambiente. É um ato de lesa-pátria”, resume.

Nesta sexta, um conjunto de ONGs deve divulgar uma nota à imprensa internacional. O senador Randolfe Rodrigues, da Rede Sustentabilidade, vai recorrer à Justiça Federal para tentar sustar os efeitos do decreto. Ele descreve o fim da reserva como uma “catástrofe anunciada”.

Anunciada, mas não isolada. Desde a posse de Temer, o governo avança em várias frentes contra a preservação das florestas. Nos últimos meses, editou a MP da Grilagem, propôs a redução de reservas e defendeu o afrouxamento das regras de licenciamento ambiental. “Estamos vivendo numa república ruralista. É desalentador”, diz Nilo D’ávila, do Greenpeace.

O brilho da mentira

"O que é a verdade?" Perguntava Pilatos gracejando, talvez que não esperasse pela resposta. Há quem se delicie com a inconstância, e considere servidão o fixar-se numa crença; há quem se afeiçoe ao livre-arbítrio tanto no pensar como no agir. E se bem que as seitas de filósofos desta espécie hajam desaparecido, sobrevivem alguns representantes da mesma família, apesar de nas veias não lhes correr tanto sangue como nas dos antigos. Não é somente a dificuldade e a canseira que o homem experimenta ao perseguir a verdade, nem sequer o facto de, uma vez encontrada, se impor aos pensamentos humanos, o que leva a conceder às mentiras os maiores favores; é sim, um natural mas corrompido amor da própria mentira. Uma das últimas escolas dos Gregos examinou esta questão, mas deteve-se a pensar no que leva o homem a armar as mentiras, quando não o faz por prazer, como os poetas, ou por utilidade, como os mercadores, mas pelo próprio mentir. 

Resultado de imagem para mentira brilha iustração
Não sei como dizê-lo, mas a verdade é uma luz nua e crua que não mostra as máscaras, as cegadas e os cortejos do mundo com metade da altivez e da graciosidade com que aparecem iluminados pelos candelabros. A verdade pode, talvez, atingir o preço da pérola que mais brilha durante o dia, mas não alcança o preço do diamante ou do carbúnculo que tanto mais brilham quanto mais variadas forem as luzes. Com a mistura da mentira mais se acresce o prazer. Haverá alguém para duvidar que, tirando ao espírito humano as opiniões vãs, as esperanças lisonjeiras, as falsas valorações, as imaginações pessoais, etc., para a maior parte da gente tudo o mais não seria senão uma espécie de pobres coisas contraídas, cheias de melancolia e de indisposição, enfim, desagradáveis?
Francis Bacon (1561 - 1626)

O pregador corrupto junta menos gente que beato aprendiz

Para castigar o adversário cujo comício fora um fracasso de público, Jânio Quadros vivia sacando do coldre a imagem ferina: “Se ficar cinco minutos batendo lata no Viaduto do Chá eu junto mais de cinco mil transeuntes”. Se estivesse vivo para ver a caravana de Lula zanzando pelo Nordeste em busca da impossível exumação da popularidade assassinada, Jânio provavelmente diria que até um beato em início de carreira juntaria mais devotos que a procissão puxada por almas penadas que uivam e gemem no purgatório da Lava Jato.

O fiasco da peregrinação eleitoreira concebida por Lula era tão previsível quanto a mudança das estações do ano. Depois da condenação a nove anos e meio de prisão por lavagem de dinheiro e corrupção, nem mesmo plateias alugadas têm estômago para aplaudir a ópera-bufa estrelada pelo pregador de picadeiro. O roteiro não muda. Cercado de prontuários companheiros, o gigolô dos crédulos e desinformados aparece caprichando na pose de perseguido ou rosnando com subordinados, recebe um título de doutor honoris causa, é entrevistado por uma emissora de rádio, garante que voltará ao Planalto em 2018, recolhe a lona e segue em frente.

Nenhum texto alternativo automático disponível.

Durante a passagem pela cidade incluída no circuito, aproveita todas as escalas para agarrar um microfone e torturar a verdade com selvageria. Promete acabar com a roubalheira que institucionalizou, culpa o vice que escolheu para completar a chapa de Dilma por todos os pecados cometidos pela sucessora que inventou, cumprimenta-se por ter inaugurado um Brasil Maravilha que jamais existiu e debita as incontáveis desgraças que produziu em parceria com Dilma na conta de uma entidade onipresente e misteriosa: eles.

Num país menos primitivo politicamente, a caravana seria ignorada pela imprensa. No Brasil, jornais despacham “enviados especiais” para a cobertura dessa irrelevância jornalística. O cortejo do que resta da seita lulopetista rima com carpideiras, cantadores de incelenças e outras singularidades nordestinas que abrandam o sofrimento das famílias dos mortos ou ainda agonizantes. Não é coisa para repórteres. Na etapa alagoana, por exemplo, a grande notícia foi o encontro entre Lula e Renan Calheiros.

As legendas das fotos que mostravam Renan abraçado a Lula informaram que aquilo era “uma troca de afagos”. Conversa fiada. O que o Brasil decente viu foi a confraternização de processos e inquéritos que somam 18 casos de polícia ─ 12 protagonizados por Renan, seis por Lula. Por enquanto.

Paisagem brasileira

FRANÇA JUNIOR - 1888França Júnior - 1888 - MNBA
Vista do Morro da Viúva, Joaquim José da França Júnior (1838-1890)

O público, o privado e o custeio dos partidos

Candidato, vejam só, vem da palavra cândido. Candidus, em latim, significa branco, brilhante, sincero. O candidatus ao Senado vestia-se de branco. O modelito era escolhido, segundo alguns estudiosos, para indicar as boas intenções do aspirante a um posto público elevado. Candidaturas, no Brasil, têm sido sustentadas com recursos de propaganda muito mais complexos, mais caros e em boa parte financiados com dinheiro público. Os programas de rádio e televisão, usados há muito tempo e custeados pelo governo, são o exemplo mais conhecido. Há também o fundo partidário, recurso federal transferido todo ano, com ou sem eleição, a entidades privadas conhecidas como partidos. Tem-se discutido com frequência o uso dessa verba. Muito menos comum tem sido o debate sobre a questão mais importante, a única, de fato, fundamental: por que manter essa indecente e improdutiva drenagem do Tesouro? Mas a história continua. No arremedo de reforma política em discussão no Congresso, tentou-se criar um fundo eleitoral de R$ 3,6 bilhões, pendurado, naturalmente, na conta da viúva. A tentativa, por enquanto, se mantém, e mais uma vez o contribuinte está ameaçado.

Ao incluir a proposta em seu parecer sobre o projeto, o relator, Vicente Cândido (PT-SP), candidamente batizou a novidade orçamentária como Fundo Especial de Financiamento da Democracia. Esse mimo deve equivaler, segundo o plano, a 0,5% da receita líquida projetada para a União. A ideia pegou mal. A fixação do valor de R$ 3,6 bilhões foi por enquanto rejeitada pela maioria dos deputados. Mas os cidadãos precisariam ser muito cândidos, no sentido voltairiano, para se tranquilizar. Não se desistiu da manobra. A decisão sobre a fonte de financiamento das campanhas foi apenas adiada. Além disso, novas sugestões foram lançadas. Tem-se falado em transferir para outras formas de uso a verba até agora destinada a rádios e televisões. Também surgiu, um pouco mais discretamente, a ideia de engordar, simplesmente, o fundo partidário. Em todos os casos, trata-se de recorrer ao Tesouro, também conhecido como bolsa da viúva.

A imagem pode conter: texto

Boa parte das críticas ao Fundo Especial de Financiamento da Democracia (o nome, pelo menos, vale um prêmio) tem sentido meramente conjuntural. Condena-se a ideia de entregar R$ 3,6 bilhões aos partidos, para custeio das campanhas, por causa do mau estado das contas públicas. Tem-se argumentado como se a proposta do fundo eleitoral fosse apenas inoportuna, isto é, apresentada em momento impróprio.

Nesse estilo de raciocínio, pode-se ir mais longe e contrastar o custeio público das campanhas com outras aplicações possíveis do dinheiro. No alto da lista devem aparecer, naturalmente, educação e saúde. Mas também esse tipo de alegação deixa de lado o essencial.

No fundo, quem assim raciocina admite o financiamento público de campanha, se as condições orçamentárias forem razoáveis e se, além disso, os gastos considerados prioritários estiverem garantidos. Mas o problema fundamental é político e envolve a distinção entre interesse estritamente privado e interesse público.

Partidos são entes privados. Podem apresentar-se como representantes de classes, de categorias profissionais, de grupos definidos por qualquer tipo de objetivo comum. Podem rotular-se como portadores das mais nobres bandeiras. Mas valores essencialmente públicos, num Estado democrático, são apenas aqueles inscritos na Constituição – e esses devem ser mínimos e compatíveis com o pluralismo de ideias e de objetivos.

Não se contorna o problema do fundo eleitoral garantindo financiamento a todos os partidos. Não tem sentido, numa democracia, forçar o contribuinte a financiar, com seu imposto, quaisquer partidos ou candidatos, a começar por aqueles por ele rejeitados. A adesão à democracia impõe ao cidadão o dever de respeitar os direitos de organização política e de participação em eleições. Não impõe a obrigação de ajudar qualquer partido ou candidato a conquistar votos. Da mesma forma, todos devem respeitar e defender os direitos de crença e de expressão, dentro dos limites compatíveis com a liberdade e os direitos de todos, mas ninguém tem de concordar com qualquer crença ou afirmação. Essas objeções valem para o fundo partidário, mesmo quando o dinheiro é usado rigorosamente para os fins estabelecidos na lei. Referências a práticas de alguns outros países podem animar a discussão, mas são insuficientes para ofuscar a diferença entre o público e o privado.

Resta, é claro, a discussão sobre como devem ser as campanhas e sobre como financiá-las. Pode-se defender tanto a doação exclusiva da pessoa física quanto a participação também da pessoa jurídica. Há argumentos ponderáveis a favor das duas teses. Em qualquer caso, é preciso levar em conta o registro do agente doador. Isso deve permitir, supostamente, a identificação de objetivos. Seria interessante discutir se a doação individual indicará o interesse tão claramente quanto a contribuição de uma empresa.

A distinção entre o público e o privado é um componente relevante da política moderna, desde o fim da Idade Média. Essa distinção é ainda mais importante nos Estados democráticos. Não é função do poder público, num regime de liberdade, estabelecer objetivos de vida para os indivíduos ou cuidar de sua felicidade. Mas é sua função criar condições para cada um, dentro de razoáveis limites legais, buscar seus fins e sua felicidade segundo sua concepção.

Quanto a estes pontos, o pensamento liberal do Iluminismo permanece atual, embora complementado pelas ideias a respeito da igualdade de condições no ponto de partida (com políticas de educação, formação profissional, saneamento, assistência à saúde e outros esquemas distributivos custeados com meios públicos). Incluir o financiamento a partidos entre as condições de igualdade inicial é evidente exagero. Ou, em linguagem cândida, malandragem.

Eleição alemã é mais barata do que pleito municipal no Brasil

Resultado de imagem para urna eletrónica de ouro chargeOs alemães vão às urnas no dia 24 de setembro para escolher a nova formação do Parlamento nacional – e consequentemente se Angela Merkel deve permanecer mais um mandato como chanceler federal. Mas tudo isso tem um preço: 92 milhões de euros (R$ 345 milhões). Em 2013, os custos somaram 77 milhões de euros. Um porta-voz do Ministério do Interior disse ao diário que o aumento se deve em parte aos custos crescentes com o envio de cédulas eleitorais e notificações pelo correio. Na eleição de 2013, 24,3% dos eleitores votaram por carta – os custos do envio são assumidos pelo Estado.
No Brasil, as eleições municipais de 2016 custaram R$ 650 milhões de reais (172 milhões de euros), segundo o Tribunal Superior Eleitoral.
Informe do DW

O Brasil é inocente

Instalou-se entre nós uma justificada sensação de que os problemas são maiores do que nossa capacidade de os resolver e de que face os males do corpo social e político nacional, os anticorpos institucionais são insuficientes para combater as células malignas que o acometem.

Creiam-me, o Brasil é inocente, totalmente inocente. Inapto a qualquer protagonismo, o país, como tal, é vítima e não culpado dos males de que é acusado. Tudo que costumamos dizer sobre o Brasil, deveríamos transferir, por ação ou omissão, à sociedade brasileira. E esse é um dos aprendizados mais urgentes.

Resultado de imagem para brasil é inocente charge

Nossas culpas são muitas e efetivas como nação. Não, não me atolarei no lugar comum de atribuir indiscriminadamente à sociedade o lixo arremessado pela janela do carro, a buzinada no trânsito e a venda sem nota. O que trago é muito mais sério. Refiro-me, entre outros desvios, à infeliz tentativa de criar um humanismo sem Deus porque o "politicamente correto" coíbe toda referência a Ele em espaço público. Refiro-me a uma sociedade que tem o dedo duro para as imperfeições alheias e jamais aponta o próprio peito por considerar mórbido e pernicioso examinar a consciência. Refiro-me a uma sociedade que busca a perfeição nas coisas exteriores, que usa o espelho, os cosméticos e a academia para fazer porcelana do barro de que é moldada, mas teme olhar fundo nos próprios olhos.

Ora, a qualidade que pertença ao todo de um corpo social se faz da qualidade das pessoas que o compõem; em nenhuma organização humana haverá qualidade que não esteja fundada nos atributos de seus membros, em todos os seus níveis. Não há como nem por que ser diferente em relação a uma nação.

Todos desejamos um Congresso Nacional composto por pessoas probas, responsáveis, competentes e dedicadas ao interesse público. Se tal anseio fosse atendido, nossas dificuldades institucionais, sociais e econômicas já estariam resolvidas. No entanto, a maior parte dos cidadãos brasileiros, na hora de escolher um parlamentar, busca alguém para cuidar dos seus interesses. E quanto mais privados forem, melhor. É assim que a alguns se creditam e perpetuam privilégios enquanto a conta segue, inexoravelmente, a débito de todos os demais, incluídas as gerações futuras.

Num viés oposto, salutar, ao escolherem no leque de alternativas proporcionado pelos candidatos a uma determinada cadeira, os eleitores interessados no bem do país deveriam orientar sua opção àquele com cujas opiniões melhor se identifiquem. E não por convergência de interesses pessoais ou corporativos. Para despachante de interesses qualquer um serve.

A inversão na natureza do mandato parlamentar é, também ela, uma forma de corrupção, problema de natureza moral, que atinge a finalidade mesma da política, corroendo a ideia de representação e originando um paradoxal filho da hipocrisia. Refiro-me ao eleitor - e como ele é típico! - que elege alguém para cuidar de si e fica indignado quando percebe seu parlamentar fazendo exatamente a mesma coisa, dedicado a seus próprios negócios ou negociatas.

No dia em que tais compreensões alcançarem parcela expressiva da sociedade brasileira muitos patifes que só causam dano à pátria perderão suas cadeiras.

 Percival Puggina

Os reis estão nus

If you are the dealer, I’m out of the game / If you are the healer, it means I’m broken and lame
 Leonard Cohen, “You want it darker”


Chove em pequenos tragos essa manhã agridoce. O café quente é generoso e fornece alguma esperança. A paisagem cinzenta é tão bela quanto críptica. Eis um enigma que se insinua em um sorriso de dentes serrilhados. Quantas vezes essa neblina não tragou os distraídos, que acham que venceram, mas podem estar em um delírio de forca? Deixo-me carregar, sem resistência. A brisa gélida e o interior aquecido formam esta esteira onde me permito…

Resultado de imagem para rei nu
Sabe, cara, os reis estão nus? Sacou? Paus balançando às correntes numa orgia em que ninguém goza ou sente prazer. Autofagia. É a ostentação do vazio. É pior que frente fria. O acesso de espirros que acomete sem cura e comete sem pena. Quando perdemos tanto que deixamos de nos importar. Ando pela praça com meu amigo até o metrô. Vão diminuir o salário mínimo. A UERJ está em chamas, e os Neros trocaram a cítara pelo teclado. Escuto “You want it darker”, do Leonard Cohen; respondo “You’ve got it, baby.”

Tropeço em meio às pedras na busca por uma resposta das ondas. Algo que se encaixe em mim e não me derrube, porque estou no redemoinho e a água invade e machuca, apesar de delicada à distância. Essas luvas de pelica não são uma vestimenta que esconda poucas vergonhas. Ou médias. Ou grandes. A vergonha é uma emenda que se dissolve nas nuvens.

Se os reis estão nus, os súditos devem ficar também. Está na hora de expor aquilo que sempre foi travado. E combater corpo a corpo uma camada grotesca que se exibe berrante. O horror saiu do armário com a força de um tsunami e trilha de trombetas. “Hoje vai ter eclipse, cara, mas a gente não vai ver.” “Acho que estamos dentro do eclipse.” Chega de escuridão. Há coisas mais importantes a perder que as roupas que fingimos ser. Logo, está na hora de se importar em como queremos ser vistos no futuro. Pois é no presente que costuramos as próximas gerações.

Daniel Russell Ribas