Na boa feição mafiosa, o governo Temer é amigo dos amigos. Na última terça-feira João Salame Neto foi nomeado diretor do Departamento de Atenção Básica do Ministério da Saúde. O paraense Salame, ex-prefeito de Marabá, já carimbado com uma citação na delação da Odebrecht, foi indicado pela bancada do PP, o inefável PP, que se fez merecedor do mimo ao apoiar Temer na votação sobre a denúncia de corrupção. É inútil procurar as credenciais do novo diretor para cuidar da saúde dos brasileiros. Mas será muito útil — atenção, repórteres — acompanhar sua atuação à frente do órgão. O país anseia por desvendar o que tanto quer o PP com o Departamento de Atenção Básica. Desconfia-se que proporcionar um salto de qualidade à saúde do nosso povo não é.
Os Estados Unidos também assistem a uma proeza. O governo Trump consegue ser mais nocivo do que o de George W. Bush, que jogou o país nos atoleiros do Afeganistão e do Iraque. Trump é pior não pelo que faz — mesmo porque, do desmanche do Obamacare à proibição dos muçulmanos no país, não tem conseguido fazer nada —, mas pelo que fala. Um seu antecessor de mais de 100 anos atrás, Theodore Roosevelt, cunhou a expressão bully pulpit (púlpito esmagador) para qualificar o terrível poder da Presidência como plataforma para divulgar ideias e defender causas. Pelo moderno púlpito do Twitter ou pelo púlpito propriamente dito da sala de imprensa da Casa Branca, Trump consagrou-se como difusor das ideias mais desconexas e defensor das causas mais sombrias, e chegou ao auge, nos últimos dias, ao recusar-se a condenar os neonazistas que, com tochas nas mãos, como os aliados da Ku Klux Klan, desfilaram pelas ruas de Charlottesville, Virgínia, gritando contra os judeus e alardeando a superioridade da raça branca.
A indignação contra Trump, de parlamentares do próprio Partido Republicano a empresários que debandaram de conselhos governamentais, tem base num imperativo moral inegociável. Nazismo e Ku Klux Klan não podem merecer condescendência de quem está de posse do bully pulpit. No Brasil, imperativos morais não costumam ter o mesmo peso. Por isso mesmo, por nadarmos no charco da frouxidão das consciências e dos votos comprados, um imperativo moral foi ferido quando se impediu a investigação sobre um presidente cujo homem de confiança foi flagrado com uma mala de dinheiro. As consequências do voto na Câmara se fazem sentir agora. Se pode um presidente assim, tudo pode; o escárnio e o escracho estão no ar. Os deputados avançam na proposta de um bilionário fundo para as campanhas eleitorais enquanto um juiz de Mato Grosso, ao admitir ter recebido 503 000 reais de salário em julho, reage às críticas dizendo: “Não estou nem aí”.
Ao escárnio e ao escracho soma-se a desmoralização do governo. Deitada no chão da cozinha, com os ouvidos tapados para não ouvir os tiros, uma menina de 10 anos gravou mensagem de voz à mãe, que havia saído: “Mãe, não aguento mais morar aqui em Manguinhos. Todo dia essa guerra, todo dia gente morrendo”. O flagrante foi registrado pelo repórter Rafael Soares, do jornal O Globo. Manguinhos é vizinho do Jacarezinho, o bairro do Rio de Janeiro em que, ao voltarem do trabalho, as pessoas aguardam horas antes de ganhar sua casa, tal o tiroteio. Poucas semanas atrás o ministro da Defesa, Raul Jungmann, desencadeou a operação que iria “golpear” o tráfico. A resposta do tráfico era na semana passada a metralhadora pendurada na estátua de Michael Jackson no Morro Dona Marta.
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