quinta-feira, 5 de março de 2020

O que diz a claque de Bolsonaro

O dia era de PIB raquítico, mas teve um número que Jair Bolsonaro conseguiu fazer crescer. Foi o de comentários em seus posts no Facebook. Sua média em março vinha na casa de 3.800 reações por post. Isso até a transmissão ao vivo desta quarta, ao lado do humorista Carioca. Nas oito primeiras horas no ar, o vídeo somou mais de 16 mil comentários.


Entre algumas poucas críticas e reclamações, como as relacionadas ao preço dos combustíveis, ao efeito das chuvas e às aposentadorias, muitos, muitíssimos elogios, quando não declarações de amor e pedidos de encontro. Uma pequena amostra dá ideia da engrenagem que Bolsonaro ativa ao ligar a câmera na frente do Alvorada.

"Bom começar o dia sorrindo, espantando as tristezas", escreveu Shirley Aparecida Dervinis, de Osasco.

"Como é maravilhoso ter um presidente que, mesmo com toda luta e problemas, ainda arranja um tempo para abraçar, ouvir, brincar, sorrir para as pessoas!", escreveu Márcia Ébani, do Espírito Santo.

"Aí pergunta por que o cara é mito. Adoro, ele tira onda mesmo. Comédia com comédia se paga", disse Luis Claudio Pedroso, de Porto Alegre.

"Para esclarecer aos menos esclarecidos o que é PIB: PIB é um tipo de buzina PIB PIB", afirmou Lourdes Barros, da Polícia Militar de Minas.

"A esquerda vai inventar alguma e tentar reverter em falta de decoro, que usou carro oficial para essa palhaçada. É inveja pura", disse Arnaldo Sens, de Piracicaba (SP).

"Jamais haverá um outro presidente como esse, vamos mantê-lo pelo tempo que for necessário", disse Gustavo Duarte, de Campo Grande.

"Meu presidente, alguns te chamam de bobão. Mas não é ladrão. Esses jornalistas vão aí só para fazer discórdia e difamá-lo, bando de desocupados. Conte comigo", escreveu Mauricio Soares, de Santa Bárbara d'Oeste (SP).

"Bonito ver povo inteligente. Parabéns, presidente", sentenciou Heitor Farias, de Votorantim (SP).

Pensamento do Dia


'Civilização' brasileira

Considera-se tanto mais civilizado um país, quanto mais sábias e eficientes são suas leis que impedem ao miserável ser miserável demais, e ao poderoso ser poderoso demais
Primo Levi

Bolsonaro insiste em desonrar a Presidência da República

O presidente Bolsonaro, em mais uma agressão aos jornalistas profissionais que por dever de ofício o seguem — logo, em mais um ataque à própria imprensa — recusou-se a responder sobre o frustrante PIB de 2019, ao escalar um humorista para que, passando-se por ele, oferecesse bananas aos repórteres.

Em decisão correta, parte se retirou. Foram desrespeitados e, por meio deles, agredidos, além da própria imprensa profissional, os direitos constitucionais que a garantem.


Bolsonaro insiste em desonrar a Presidência da República. Continua sem entender o que ele representa por ocupar o Palácio do Planalto. E vai, assim, criando ineditismos, como ser um presidente que simpatiza com motim de policiais, e manda desligar radares das estradas federais para atender a seu curral eleitoral de caminhoneiros, mesmo que aumente o número de mortes nas vias.

Se não criasse uma crise profunda, já teria decretado o congelamento do diesel para agradar à categoria. A imprensa continuará a informar tudo de importante que o presidente faça ou diga. Cenas como a que patrocinou ontem agravam a falta de decoro com que representa a nação
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A guarda pretoriana do comediante

Como estivesse difícil entender, o coronel Aginaldo de Oliveira resolveu desenhar. Ao celebrar a coragem dos policiais militares na assembleia que deliberou pelo fim do motim policial no Ceará, o coronel, que é diretor da Força Nacional de Segurança, mostrou que o presidente Jair Bolsonaro hoje dispõe de meios para arregimentar uma guarda pretoriana. Não é um feito solitário. Tem a decisiva ajuda do ministro da Justiça, Sergio Moro, cuja autoridade se mostrou incapaz de repreender amotinados.

A guerra de facções do crime organizado no Ceará, Estado que se tornou corredor de exportação do narcotráfico andino, foi a primeira crise enfrentada pelo presidente da República. Na semana da sua posse, Bolsonaro optou pelo envio da Força Nacional de Segurança para o Estado que havia acabado de reeleger um governador do PT.


Um ano depois, nova crise eclodiria sob a forma de motim policial. Como a força especial composta por policiais militares já não desse conta de reprimir seus próprios colegas, o presidente foi pressionado a decretar uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), conduzida por militares do Exército. Entre uma e outra crise, deterioraram-se as bases da hierarquia e da disciplina das tropas locais e a capacidade de operação da força nacional. O governador é o mesmo, Camilo Santana, reeleito pelo PT. Quem mudou foi o presidente, ocupado, desde a posse, em incutir, nas bases policiais, o vírus da insubordinação que marcou sua carreira militar.

É uma barafunda bolsonarista por excelência. Desde sua criação, em 2000, a Secretaria Nacional de Segurança Pública, chapéu, no MJ, para a Força Nacional de Segurança, foi ocupada por policiais e especialistas. No governo Michel Temer, assumiu o primeiro general, Carlos Alberto dos Santos Cruz, ex-ministro do governo Bolsonaro e um dos poucos militares da reserva a expor publicamente sua crítica à insubordinação policial.

Com a posse de Bolsonaro, o cargo seria ocupado por um segundo general. Secretário de segurança do governo Tasso Jereissati nos anos 1990, o general Guilherme Theophilo viria a ser o candidato tucano ao governo do Estado em 2018. Seu programa de segurança foi elaborado pelo coronel Aginaldo Ribeiro. Derrotado pela reeleição de Camilo Santana, Theophilo assumiria a secretaria nacional de segurança e, em retribuição aos serviços prestados na campanha, colocaria o coronel para dirigir a força nacional.

O casamento, amplamente coberto pelas redes sociais, com a deputada Carla Zambelli, entusiasta de primeira hora dos protestos de 15 de março, já havia tirado Aginaldo Ribeiro da obscuridade. Mas foi o discurso na assembleia dos amotinados cearenses que o tornou um ícone da era bolsonarista.

Nota do ministério de Sergio Moro limitou-se a informar que o coronel fez um discurso interno para os policiais. Foi outro “discurso interno”, de 30 de março de 1964, no salão do Automóvel Clube do Brasil no Rio de Janeiro que precipitou o golpe contra João Goulart. Ao contrário do coronel, Jango se dirigiu aos sargentos presentes com um apelo pelos valores militares da hierarquia e da disciplina, mas sua presença na posse da Associação dos Sargentos foi capaz de dobrar o último general que resistia ao golpe, Castelo Branco.

O coronel não é presidente da República mas é por ele mantido no cargo a despeito de estimular a sublevação de policiais num Estado em que o governador resiste à anistia de PMs com apoio do general Freire Gomes, comandante militar do Nordeste.

Chefe de uma força de segurança formada por homens recrutados na elite das polícias militares de todo país, Aginaldo não deixou dúvidas de que é capaz de colocá-la a soldo de interesses da conjuntura. Os policiais militares obedecem a tantos poderes que não surpreende se deixarem de se curvar a algum deles. Em “Desmilitarizar: segurança pública e direitos humanos” (Boitempo, 2019), Luiz Eduardo Soares, secretário de segurança nacional no governo Luiz Inácio Lula da Silva, lista as cadeias de comando cruzadas.

A Constituição trata as PMs como forças auxiliares e reserva do Exército, que também aprova o nome indicado pelo governador para seu comando. Ou seja, se o presidente da República é o comandante-em-chefe das Forças Armadas, o governador não o é de suas polícias. Sua orientação está a cargo das secretarias estaduais de segurança, mas o controle é repartido entre o governador e o Exército ou, em última instância, seu comandante, Bolsonaro.

A consternação dos meios militares com a insubordinação consentida dos policiais é lastreada nessa baderna legal. Ao fraquejar na imposição de sua autoridade, o ministro Sergio Moro já perdeu o prestígio de que desfrutava no generalato. Não é entrando no presídio da Papuda, hoje sob GLO, num tanque de guerra, que o ministro o recuperará.

Nenhuma autoridade preocupa mais os generais hoje, no entanto, do que o presidente da República. A inquietação foi ampliada com a convocação para a manifestação do dia 15. O último artigo de Fernando Henrique Cardoso em “O Estado de S.Paulo” sugere que o ex-presidente foi porta-voz dessa preocupação: “Não é para ‘dar um golpe’ que os militares aceitam participar do atual governo. Sentem sinceramente que cumprem uma missão... O risco para a democracia e para as próprias Forças Armadas é que se borre a fronteira entre os quartéis e a polícia”.

Essa fronteira estará tanto mais em risco quanto maior for a dificuldade de a economia brasileira reagir. O comediante da porta do Alvorada não representa o desdém do presidente apenas pela pauta do crescimento. Se não for capaz de fazer o país crescer, como sugere o PIB de 2019, o presidente pode se valer da imprudência de sua guarda pretoriana para fazer graça com a Constituição.

Daí porque o ministro Paulo Guedes, que já havia perdido apoio no Congresso, no empresariado e nas finanças, está sem lastro no generalato palaciano. Seu preferido é o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, coringa de técnico com formação militar e trânsito legislativo. É uma tentativa de garantir que o governo Bolsonaro possa acabar como começou, pelo voto. Ou não.

Com economia fraca, Bolsonaro inventa distração do circo sem pão

Era para ser uma sátira, mas foi uma representação fiel da realidade. No dia em que o país registrou um crescimento frustrante do PIB, Jair Bolsonaro apareceu ao lado de um humorista que encarnava um presidente que não dá a mínima para a economia e não sabe nem o significado daquelas três letras.

"PIB? O que que é PIB? Pergunta o que que é PIB", recomendou Bolsonaro ao piadista Márvio Lúcio, vestido com a faixa presidencial.


Quem esperava do verdadeiro governante um plano para o crescimento precisou se contentar com mais uma encenação indecente. Bolsonaro pôs um imitador diante das câmeras e o estimulou a se comportar como um pateta malcriado. Depois que o presidente se recusou a falar sobre os apertos da economia, o comediante atirou bananas aos jornalistas.

Além de levar a um novo patamar de insulto suas afrontas à imprensa, Bolsonaro criou um retrato vergonhoso de si mesmo e do governo. A cena revelou um presidente sem capacidade de liderança sobre um tema delicado, disposto a apelar para distrações cada vez mais infantis.

A caricatura tosca feita na porta do Palácio da Alvorada era tão verossímil que repetia o nome de Paulo Guedes para fugir de explicações sobre o crescimento. O ministro, no entanto, corre o risco de se tornar uma boia de salvação esvaziada, demonstrando a auxiliares desconforto com as dificuldades impostas pelo presidente à sua agenda de reformas.

Bolsonaro só quis falar dos números do PIB no fim do dia. Disse apenas que a recuperação estava em curso e que esperava um 2020 melhor.

Ao se recusar a prestar contas sobre assuntos difíceis, um governante também desrespeita aqueles que precisam de solução. A brincadeira de Bolsonaro pode ser encarada como um desrespeito às milhões de pessoas que procuram emprego ou veem suas rendas corroídas há anos.

O humor da população é especialmente sensível ao giro da economia. Sem sinal da prometida recuperação milagrosa, o presidente tenta oferecer um espetáculo de circo sem pão.

O triunfo da injustiça

Gabriel Zucman e Emmanuel Saez são dois economistas franceses que lecionam no campus de Berkeley da Universidade da Califórnia. Zucman foi aluno de outro economista francês, Thomas Piketty, que ficou famoso e rico como autor de “O capital no século 21”, em que, entre outras heresias, mostrava como o capitalismo desenfreado dos sonhos neoliberais não traria felicidade geral, mas desigualdade e miséria crescentes. Saez segue a linha de Zucman, e eles acabam de lançar um livro expondo suas ideias — que ganharam relevância especial porque os dois são conselheiros para assuntos econômicos dos candidatos mais progressistas do Partido Democrata à Presidência dos Estados Unidos, Bernie Sanders e Elizabeth Warren.


A dupla francesa se junta a outros economistas do contra, como os americanos Paul Krugman e Joseph Stiglitz, para citar apenas os nomes mais conhecidos, que desafiam a ortodoxia neoliberal e suas “verdades” estabelecidas. A ideia mais chocante para os ortodoxos é a da taxação progressiva de grandes fortunas para assegurar uma melhor distribuição de renda e dar ao Estado os meios de combater as mil maneiras que os muito ricos e as grandes corporações têm de esconder seus lucros imorais. A desigualdade é uma questão moral antes de ser uma questão de economia ou política, ou simplesmente estética, de simetria.

Bernie Sanders tem se saído melhor, nas “primárias” e nas pesquisas de intenção de votos, do que Elizabeth Warren. Tem contra si a idade, quase 80, e o fato de “socialismo”, mesmo que só signifique taxar os ricos e garantir programas universais de saúde, ainda ser palavrão para muitos americanos. Joe Biden, que tem o carisma de uma couve-flor, está subindo nas “primárias” e nas pesquisas e talvez acabe sendo a opção sensata para enfrentar o Trump. 

O livro recém-lançado de Zucman e Saez é intitulado “The Triumph of Injustice”, o triunfo da injustiça, um nome perfeito para o que acontece em países como o Brasil, em que a austeridade é um disfarce para o predomínio do capital financeiro, cujo poder persiste através dos anos no que pode ser descrito como um longo, interminável, desfile triunfal.

Brasil de ciência avançada


A arrogância dos fortes

À falta de um presidente que respeite a sociedade e compreenda a natureza de sua função, o Brasil precisa muito de um ministro da Justiça. Autêntico, daqueles que cuidam dos assuntos do equilíbrio político, econômico e social do povo e das instituições que o governam. E, no caso de acumular a Segurança Pública, cuide do ambiente da criminalidade descontrolada e impune em todos os grupos, inclusive o policial, sob seu comando.


Porém, o atual ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, vai lapidando seu perfil político apenas com o culto à personalidade, como se tivesse vindo ao governo só para ser homenageado. A sua arma principal de ação no Executivo é a popularidade que brande ao menor sinal de crítica. Ela lhe dá direito a erros sucessivos e o último foi exemplar.

Na crise de segurança com o motim da Polícia Militar do Ceará, mostrou-se perdido e contraditório. Nunca Moro foi menos ministro da Justiça do que nesse labirinto em que se meteu. Foi ao local, mas disse não ter visto descontrole onde tinham sido assassinados 240 cidadãos, um recorde. A seguir, fez uma distinção que até agora carece de exegese: o motim é ilegal, mas os policiais não são criminosos. Quando juiz em Curitiba, era mais preciso nas tipificações.

Não providenciou a prorrogação da medida de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), era sua função convencer o presidente a despolitizar a questão e manter o apoio ao Estado governado pelo PT. Ao contrário, recrudesceu: quando governadores ameaçaram suprir a tarefa do governo federal, o ministro da Justiça acusou-os de politizar a movimentação. Já ultrapolitizada pelo governo federal.

Os amotinados foram líderes da campanha de Bolsonaro no Estado. O coronel que Moro enviou para chefiar seus homens da Força Nacional é subordinado ao general cearense secretário da Segurança Pública do Ministério da Justiça. O mesmo que, candidato ao governo cearense, disputou e perdeu a eleição para o atual governador em apuros. O coronel elogiou, em assembleia de amotinados, a coragem dos revoltosos, numa aprovação reverente aos grevistas armados. Isso deve ser científico, e não político, no conceito Moro de administração.

E, para encerrar, uma troca de insultos com o ex-governador do Ceará Ciro Gomes, cujo irmão, senador e ex-governador Cid Gomes, foi baleado no confronto. A retórica dos Gomes é conhecida, um ministro fazer duelo verbal de baixo nível sobre ação de sua pasta, não. Só com a popularidade no coldre, Moro enfrenta o presidente, o Congresso, o Supremo, os governadores. Não aceita decisões e mobiliza um poder contra o outro para modificá-las a seu gosto.

A figura do juiz de garantias é outro exemplo clássico: não conseguindo suprimi-la pelo veto do presidente, correu por fora e foi salvo por manobra expressa de um ministro do Supremo com quem tinha ligação anterior, com firma reconhecida: “In Fux we trust”. O juiz de garantias é importante no sistema jurídico, mas uma questão pessoal para Moro e sua corporação, que refutam qualquer tipo de revisão e controle.

Para corrupção no governo e ameaças à integridade constitucional, fatores muito presentes no primeiro ano de mandato, não há ministro da Justiça. Moro está se perdendo pela autossuficiência, diz uma autoridade. Ou pela arrogância dos fortes, quem sabe. O apoio incondicional dos militares deixa o ministro à vontade. Moro foi salvo da demissão, duas vezes, pelos generais (Fernando Azevedo (Defesa), Augusto Heleno (GSI) e Luiz Ramos (Governo). A aversão ao PT e a Lula os une no apoio irrestrito ao ministro juiz.

O presidente vive o dilema insolúvel de ter um ministro, de quem desconfia, irremovível. Moro sabe disso e parece disposto a manter o jogo. Não há bola de cristal que projete Bolsonaro dormindo com o inimigo num eventual segundo mandato.

Malabarista do circo

Temos 15 semanas para mudar o Brasil
Paulo Guedes, ministro da Economia

Terraplanismo

O Texas recebeu a 3ª. Flat Earth International Conference (FEIC) em Novembro do ano passado, na cidade de Dallas. Todas as palestras e tópicos abordados se relacionavam com a teoria de que a Terra é plana. Nelas se defendia a ideia de que o espaço sideral é falso ou inexistente e se esboçava uma interpretação do planeta através de textos bíblicos, à mistura com acusações de inconsistência à NASA, subscrevendo a teoria da conspiração, pois a agência espacial estaria apostada em ocultar que o planeta não é esférico mas plano. Como se isso não bastasse, as temáticas passavam ainda por tentar explicar o terraplanismo segundo métodos “científicos” com recurso a textos bíblicos.


A VISÃO adiantava dez “provas” da planicidade da Terra defendidas pelos terraplanistas:

1 – O horizonte parece sempre plano, menos nas fotografias da NASA;

2 – Para ver o horizonte, não precisamos de olhar para baixo – e se a Terra fosse redonda precisávamos;

3- Se a Terra rodasse a grande velocidade pelo espaço, a água não se manteria quieta;

4 – Se a Terra fosse um globo, os rios precisavam de correr para cima para desaguar;

5 – Se a Terra fosse redonda, os helicópteros poderiam manter-se quietos no ar e esperar que o destino viesse até eles;

6 – Se a Terra fosse redonda, os carris dos comboios não podiam ser a direito;

7 – Se a Terra fosse redonda, os pilotos teriam de ajustar as trajetórias dos aviões constantemente, para não entrarem no espaço;

8 – Se houvesse biliões de estrelas no céu, o céu estaria sempre cheio de luz;

9 – Se a Terra rodasse a altas velocidades, os aviões nunca chegariam aos seus destinos graças aos ventos de milhares de quilómetros por hora;

10 – Se a Terra rodasse, as balas disparadas para o ar deveriam cair centenas de quilómetros na direção oposta à que a terra roda – e não caem.

Este tipo de argumentação é tão boçal e risível que seria alvo de chacota universal, se não fosse triste e indicador da menoridade mental dos seus promotores. De científico não tem nada, mas de infantil tem muito. A paranoia chega ao ponto de acusar não apenas a NASA mas os governos de todo o mundo de esconderem a “verdade” e insistirem no mito da esfericidade terráquea, com a motivação de “esconder Deus”. Mas não me dirão porque razão peregrina Deus não poderá coexistir com um planeta redondo, mas apenas plano?…

A ignorância das boas práticas da hermenêutica dos textos antigos, e em particular da hermenêutica bíblica, leva esta gente a fazer uma leitura literal dos escritos sagrados, descontextualizando-os, daí resultando necessariamente uma subversão de sentido. Antes de dizerem asneira deviam começar por entender qual era a cosmografia dos hebreus, para não falar de outros povos antigos. O problema é que os literalistas nem sequer têm condições para proceder a leituras ao pé da letra, visto normalmente desconhecerem as línguas em que os textos foram escritos, nem as culturas da época.

Nunca o terraplanismo foi predominante na fé cristã. Tomás de Aquino fala da esfericidade da Terra na sua Suma Teológica. A teoria terraplanista floresce em pessoas que não possuem conhecimentos científicos nem teológicos. Porque os defensores da Terra plana não entendem nem a Ciência nem a Bíblia é que querem voltar atrás dois mil e seiscentos anos, regressando ao modelo de Tales de Mileto (625-546 a.C.) que a idealizou assim. Já agora podiam esquecer a electricidade, os confortos da vida moderna, voltar a lavar a roupa à mão e a andar de burro. É que a concepção da Terra esférica de Pitágoras já vem do séc. VI a. C. e tem permanecido. E já agora vamos esquecer também a cientista Hipátia de Alexandria (séc. IV), e a circum-navegação de Fernão de Magalhães (séc. XVI).

A esdrúxula teoria não vale sequer a recente morte do temerário “Mad” Mike Hughes que construiu um foguete lançado com ele no deserto da Califórnia, para provar a planicidade do planeta. Só que a coisa correu mal e ele despenhou-se, tendo falecido na tentativa.

Mas não sejamos ingénuos. A teoria do planeta plano é intencional e motivada pela ideia de que a humanidade seria um conjunto de povos dispersos e separados, facilitando as tendências racistas e xenófobas, e uma geografia que afasta (sendo a Terra plana) em vez de aproximar (sendo redonda), combatendo assim ao princípio da casa comum (daí o desprezo pelo ambiente, os ecossistemas e os equilíbrios ecológicos).

Já nos anos cinquenta aprendíamos na escola primária que o planeta é esférico através dum exercício simples de observação ao ver um navio a aproximar-se ao cais desde a linha do horizonte. Depois vieram os registos fotográficos e videográficos obtidos por sondas espaciais e foguetões tripulados. Só não vê quem não quer: o nosso planeta é redondo, azul e é lindo. As pessoas têm direito às suas alucinações mas, por favor, sejam higiénicos, tirem a Bíblia e a religião do assunto.

Pouco pão e muito circo

O truque já ficou manjado. Quando se vê diante de uma notícia ruim, Jair Bolsonaro apela à bizarrice para desviar a atenção. Ontem o presidente recrutou um humorista para substituí-lo no contato matinal com a imprensa. O objetivo era se esconder de perguntas sobre o pibinho do ano passado.

O dado mostrou que as promessas de recuperação econômica eram conversa fiada. No início de 2019, o Banco Central projetava um crescimento de 2,53%. O ministro Paulo Guedes arrochou salários e cortou aposentadorias, mas só conseguiu entregar 1,1%. Um desempenho pior que o do governo Michel Temer.


Para não comentar o resultado pífio, Bolsonaro cedeu o lugar a um comediante da TV Record. De terno escuro e faixa presidencial, o dublê tentou distribuir bananas e dar entrevista no lugar do presidente. Só arrancou risos dos puxa-sacos que amanhecem na porta do palácio para aplaudir o “Mito”.

A presepada consumiu tempo e estrutura do governo. O humorista desceu de um carro oficial com o secretário de Comunicação Social, o enrolado Fabio Wajngarten. Um ajudante de ordens filmou a cena para abastecer as redes sociais do chefe.

Bolsonaro ainda tentou participar do número. “PIB? O que é PIB? Pergunta para eles o que é PIB”, disse, apontando na direção dos repórteres. Ninguém achou graça, e ele foi embora sem dar explicações sobre o fiasco econômico.

O desrespeito tem sido rotina nas entrevistas no cercadinho do Alvorada. Em vez de prestar contas à sociedade, o presidente usa o espaço para fazer grosserias e insultar jornalistas. Os bolsonaristas pensam que os desaforos humilham a imprensa. Na verdade, eles só escancaram a falta de compostura do capitão.

Os romanos desenvolveram o método de governar com pão e circo. Distribuíam comida para evitar revoltas e promoviam espetáculos para distrair a plebe. Bolsonaro acha que é possível imitar a fórmula com pouco pão e muito circo. Se a economia continuar na lona, em algum tempo ele só conseguirá enrolar os seguidores mais fanáticos.

Três hipóteses alarmantes sobre as manifestações de 15 de março

As manifestações de protesto de 15 de março no Brasil a favor do presidente Jair Bolsonaro e contra o Congresso e o STF apresentam três hipóteses igualmente alarmantes. E já não são poucas as pessoas preocupadas com a simples convocação. A ideia do protesto já começou mal. Foi lançada pelo General Augusto Heleno, o importante ministro do Gabinete de Segurança Institucional localizado no Planalto. Foi ele quem pediu a Bolsonaro para convocar os brasileiros a sair às ruas contra o Congresso usando inclusive o palavrão de mau gosto “fodam-se”.

O presidente, em vez de refrear a ideia insensata do general, compartilhou com seus amigos a ideia da convocação em sua defesa e contra as instituições do Estado. A reação das instituições foi imediata e dura. O decano do STF, Celso de Mello, uma das figuras de maior prestígio da corte, chegou a dizer que, se a notícia fosse confirmada, tornaria o presidente “indigno do cargo que ocupa”. E soaram em seguida do outro lado as campanas do impeachment...


Em resposta à iniciativa do general e dos mais aguerridos seguidores de Bolsonaro, o PT também convocou para o dia 18, três dias depois, uma manifestação de protesto contra o Governo Bolsonaro, enquanto no dia 8 acontecerá a já clássica manifestação pelo Dia Internacional da Mulher, que no Brasil este ano será um claro protesto contra os abusos do Governo cometidos contra os direitos e contra a dignidade das mulheres.

Três hipóteses sobre o possível resultado dessas convocações à população são igualmente alarmantes e perigosas. Se a manifestação a favor do Governo e contra as outras instituições for menor que a da oposição do PT e se a manifestação de 8 de março das mulheres no Dia Internacional da Mulher for um sucesso, é bem possível que Bolsonaro e os seus se tornem mais agressivos contra a esquerda e contra Lula. O país continuaria mais dividido e crispado do que já está. É a única coisa de que o Brasil não precisa neste momento, com sua economia atolada e com os militares que começam a aparecer divididos frente ao Governo.

E se ambas as manifestações, as dos dias 15 e 18 fracassarem, uma vez que a das mulheres certamente será importante, se forem um fracasso de público; se na realidade todo o barulho que está sendo feito for mais obra dos robôs em ação nas redes do que de pessoas de carne e osso? Se apenas uma minoria sair à rua apoiando o golpe contra as instituições? Se o PT não conseguir encher as ruas e praças como no passado? Seria outra hipótese igualmente alarmante. Bolsonaro se sentiria mais motivado a endurecer suas posições autoritárias e não sabemos qual seria a reação dos generais que atuam no Governo. Uma fera ferida pode ser mais perigosa do que saudável.

Resta a terceira hipótese, a de um triunfo da manifestação a favor do Governo Bolsonaro, que ocorreria se conseguisse levar para a rua os dois milhões que saíram para pedir o impeachment de Dilma e o “fora Lula”. Esta é a hipótese mais alarmante, porque daria a Bolsonaro e seu Governo, e até aos militares, carta branca para tentar impor pela força um regime autoritário que sangre as outras instituições.

Dado que essa convocação do Governo, neste momento, seria no mínimo imprudente e ninguém sabe quais poderiam ser suas consequências para o futuro do país, o melhor seria que ambas as partes renunciassem a esse duelo nas ruas e trabalhassem democraticamente para devolver ao país a paz que está perdendo em vez de se arriscarem a uma guerra cujas consequências são fáceis de adivinhar. E mais uma vez, a última carta estaria nas mãos dos militares, especialmente daqueles que atuam hoje no Governo. Só eles poderiam ainda convencer Bolsonaro a parar a manifestação com sinais de vingança contra o Congresso. É inédito que um Governo com pouco mais de um ano no poder organize uma manifestação a seu favor. No mínimo, revela fragilidade e falta de confiança em seu trabalho.

Em um momento em que a sociedade continua dividida e crispada, desafios desse tipo com convocação para sair às ruas contra as instituições do Estado acabariam convencendo as forças democráticas, na expressão do decano do STF, de que o presidente Bolsonaro “se tornou indigno” de exercer a alta chefia do Estado. E os militares, se querem ser fiéis à sua lealdade ao Estado e à democracia, deveriam ser os primeiros a convencer Bolsonaro e os seus a recuar de uma iniciativa que, de qualquer lado que se olhe, só pode levar a uma nova crise, e desta vez gravemente ofensiva à essência da democracia, como é o respeito à divisão de poderes.

As guerras e tragédias da humanidade e dos povos começaram muitas vezes com um único tiro e com a centelha de um erro de cálculo. Quando perceberam, as guerras já estavam em andamento e eram imparáveis.

Queremos isso hoje para o Brasil em um clima mundial de crescimento de retorno aos tempos das piores ditaduras, as que produziram no mundo, em um passado ainda recente, tanta dor, morte e fome para milhões de pessoas?

De qualquer forma, neste momento de endurecimento mundial das direitas mais autoritárias e belicosas, o Brasil deveria ser no mundo um elemento de reflexão e de colaboração com os povos que se debatem para que a democracia conquistada com tantos sacrifícios, e que ofereceu riqueza e paz ao mundo, não morra por causa da loucura de um punhado de governantes que se tornaram indignos da responsabilidade que lhes foi outorgada pelas urnas.
Juan Arias