domingo, 18 de novembro de 2018

Cortar despesas é importante, porém mais importante ainda é elevar as receitas

A equipe econômica do presidente eleito Jair Bolsonaro, liderada por Paulo Guedes, futuro ministro, tem dedicado suas pesquisas na tarefa de levantar despesas com as quais o governo se defronta e propondo eliminar gastos ociosos. Tudo bem. Essa tarefa é essencial no esforço que o futuro governo vai desenvolver na busca do equilíbrio das contas públicas. Muita atenção vem sendo dada aos gastos com o funcionalismo federal e menor atenção se observa com relação ao aumento das receitas, decorrente de uma ação concreta para cobrar débitos das empresas privadas e também das estatais.

Despesas são colocadas em foco e , com base em seus números, assustam. É verdade. Mas é verdade também que estamos falando num orçamento que este ano oscila em torno de 3,5 trilhões de reais. Aliás, nos três últimos anos as leis de meio situavam-se entre 2,9 trilhões e 3,1 trilhões de reais.

Cito esses números na tentativa de chamar atenção para o peso das despesas, com base na média algébrica e não apenas na média aritmética.


Para a média algébrica tem que se estabelecer os percentuais que revelam peso de cada despesa no total geral. A partir daí pode se ter uma visão mais clara da batalha a ser enfrentada. O orçamento da Previdência, por exemplo, situa-se na escala de 860 bilhões de reais, com um déficit aproximadamente de 160 bilhões. Mas colocando-se a questão na balança algébrica verifica-se que a Previdência Social tem um peso de apenas 25% do total orçamentário.

Até agora a equipe de Paulo Guedes não dirigiu suas lentes críticas para identificar o montante das dívidas de empresas para com a União. Calcula-se, por exemplo, que na área do INSS a sonegação acumulada através das décadas produziu um passivo superior a 1 trilhão de reais. Muita coisa, tanto para o Orçamento de 3,5 trilhões quanto em função do PIB, que é de 6,5 trilhões de reais.

Muitas despesas podem ser cortadas, como os termos aditivos em licitações e a contratação de agências de publicidade, que representam altas cifras e uma produtividade em torno de menos de 5%. Tudo isso precisa ser levado em conta.

Quanto tempo o Brasil tem para ficar 'rico' antes de ficar 'velho'?

Imagine uma casa onde vive uma família formada por pai, mãe e cinco filhos. Com o decorrer dos anos, os pais se aposentam. As crianças, já adultas, trabalham. Mas só uma delas decide ter filhos. Ou seja, se no passado duas pessoas sustentavam cinco, o quadro se inverteu: agora, cinco (filhos) sustentam três pessoas: os dois avós e o neto.

Com mais pessoas trabalhando e menos dependentes, a situação financeira da família melhora consideravelmente.

É mais ou menos como nessa analogia que funciona o chamado "bônus demográfico", termo usado por acadêmicos e estudiosos para definir o período mais favorável da estrutura etária de um país para o crescimento econômico. Nesse período, a proporção de jovens que trabalham e contribuem para a Previdência é maior que a de inativos que usufruem dos benefícios como a aposentadoria.


Basicamente, o bônus demográfico ocorre quando a população em idade ativa para o trabalho (de 15 a 64 anos) passa a crescer num ritmo mais acelerado do que a população total (que inclui crianças e idosos).

Esse impacto demográfico gerado pela combinação da queda na fecundidade (menos crianças nascendo) e do aumento do número de pessoas ingressando no mercado de trabalho tende a fazer a economia de um país prosperar.

Foi o que aconteceu com o Brasil - e com outros países da América Latina - nas últimas décadas.

Especialistas dizem que os países precisam aproveitar esse "empurrão" decorrente da mudança da estrutura etária da população para alavancar sua condição socioeconômica.

Em outras palavras: ficar "rico" antes de "velho".

"O bônus demográfico é o momento ideal para um país dar um salto no desenvolvimento humano e na qualidade de vida da população", diz à BBC News Brasil José Eustáquio Diniz, professor do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Ence/IBGE).

"Todos os países que atingiram um IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) acima de 0,900 passaram pela transição demográfica e aproveitaram adequadamente essa janela de oportunidade. Não há exceção, pois todo país rico em qualidade de vida de sua população passou e aproveitou o bônus demográfico".

"Não existe exemplo de país que tenha desperdiçado o bônus demográfico e tenha avançado para o bloco de cima do IDH", conclui Diniz.

Sendo assim, quanto tempo o Brasil e outros países latino-americanos ainda têm?

No caso brasileiro, a resposta não é muito alentadora, estimam demógrafos.

Segundo as últimas projeções da população do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), essa janela de oportunidade vai se fechar no fim deste ano, cinco mais cedo do que o previsto. Na projeção anterior, divulgada em 2013, o bônus demográfico terminaria apenas em 2023.

Isso marca o começo da trajetória de aumento do grau de dependência econômica de quem gera renda.

Em 2010, por exemplo, havia 47,1 pessoas na faixa etária de dependência para cada 100 que estavam em idade economicamente ativa. Em 2017, essa proporção caiu para 43,9, o menor índice já registrado. No entanto, segundo o IBGE, a partir do ano que vem, o indicador vai subir para 44 - o primeiro de uma sequência de 42 anos projetados de crescimento.

Em 2060, por exemplo, deve chegar a 67,2 (67,2 pessoas dependendo de 100 trabalhando), quando os idosos vão formar 25,5% da população brasileira, ou 58,2 milhões de pessoas. Atualmente, essa taxa é de 9,2% (19,2 milhões).

Diferentemente do Brasil, outros países da América Latina têm mais tempo para aproveitar os benefícios do bônus demográfico.

Na Argentina, por exemplo, essa janela de oportunidades só deve se fechar em 2038, enquanto no México, em 2033, segundo dados da divisão de população da ONU.

Brasil de lado novo


Nem por decreto

A sociedade brasileira é conservadora, afirma-se à boca pequena, e a prova seria a eleição de Bolsonaro, que nunca escondeu sua ojeriza às liberdades no campo das escolhas de vida. Será? Ou o resultado das eleições estaria induzindo a conclusões equivocadas? Como se ele tivesse sido eleito pelas suas opiniões retrógradas e não, como foi o caso para muitos de seus eleitores, apesar delas.

Elegeram-no a exasperação com a violência, a indignação com a corrupção e o maciço apoio das igrejas, estas sem dúvida interessadas na pregação moralista. Uma eleição pode ser um termômetro que, em determinado momento e circunstâncias, indique uma febre que pode ter várias causas, não uma alteração orgânica profunda.

Afirmar que a sociedade é conservadora autoriza o conservadorismo a assumir um protagonismo de suposta maioria, justiceira, transformando quem não se enquadre em suas convicções em inimigo do povo. Serve à intimidação.


O governo terá que respeitar a Constituição, o Congresso e os tribunais. Já a vertente retrógrada da sociedade age por si e se propõe a censurar e reprimir os “dissidentes”. Aí reside uma ameaça real. Manter o clima de polarização da campanha eleitoral só interessa aos que alimentam suas hostes com o nós contra eles.

Passada a eleição, a população volta à realidade multifacetada de suas vidas. A liberdade de cada um ser o que é, antes de ser reconhecida como direito, estava presente na vida dos que por ela lutaram e dos que apoiaram essa luta. Essas forças continuam vivas.

O Supremo Tribunal Federal já se pronunciou sobre questões controversas. A ministra Cármen Lúcia, referindo-se atual“onda perigosamente conservadora”,disse,com razão,que“de direitos fundamentais agente não recua”.

A diversidade é constitutiva da sociedade brasileira. Inscrita nos matizes de pele, sexualidades, nas múltiplas formas de religiosidade e de configurações familiares. É uma construção de gerações. Não se fez da noite para o dia, nem de cima para baixo. Não se destrói por decreto.

A reinvenção da esquerda

A esquerda quer se reinventar (o termo é o que tem sido usado por ela própria). O primeiro passo é descolar-se de Lula e do PT, providência já em curso, sob a batuta de Ciro Gomes, do PDT.

Frustrado em seu sonho de encabeçar, nas eleições de outubro passado, uma chapa única das esquerdas, tendo o PT como vice, Ciro não se cansa de acusar Lula de “traição” – e burrice.

O acordo chegou a ser selado verbalmente, na cadeia, mas, na hora H, Lula, temendo o protagonismo de Ciro, optou por Haddad.


Muita gente na esquerda (até no PCdoB), chocada com a vitória acachapante de Bolsonaro – e com a perspectiva de longo jejum de poder -, subscreve a análise de Ciro, que, para além da mágoa, age pragmaticamente. Tanto assim que já baixou o facho de sua retórica.

O raciocínio é simples: o PT desgastou-se demais, associou-se de modo irreversível a corrupção e incompetência e não tem mais condições de cobrar do governo (qualquer governo) o que quer que seja. Pior: perdeu seus quadros principais.

Seu líder, Lula, está preso, ao lado de outros protagonistas do partido – e outros mais, como José Dirceu, devem lhes fazer companhia em breve. A Lava Jato, fortalecida com a presença de Sérgio Moro no Ministério da Justiça, deve expor mazelas ainda ocultas dos 13 anos em que o partido reinou sobre o país.

Resumindo: o desgaste da sigla tende apenas a aumentar. O PT que hoje sobrevive é uma caricatura do original. O partido que, na sua origem, reunia a elite do sindicalismo e intelectuais da USP, Unicamp e PUC, hoje se vê reduzido a um baixo clero iletrado, que busca compensar suas limitações com pantomimas e insultos.

De Sérgio Buarque de Hollanda, Florestan Fernandes, Hélio Bicudo, Paul Singer, entre outros, o partido desembocou em Gleisi Hoffmann, Lindbergh Farias, Maria do Rosário e Dilma Roussef.

A decomposição qualitativa deu-se no curso do exercício do poder, em que o partido pôs em prática tudo o que condenara, com veemência, em mais de duas décadas de oposição: aliança com as oligarquias mais atrasadas e corrupção, muita corrupção.

O país que recebeu dos tucanos estava bem melhor que o que entregou a Temer, que, apesar de todos os pesares, conseguiu reduzir danos e o repassará a Bolsonaro em melhores condições que as em que o recebeu. A reinvenção parte deste princípio: é preciso mudar a fisionomia da esquerda, torná-la propositiva e idônea – tarefa gigantesca, para dizer o mínimo.

Não basta insultar os adversários, como o próprio Ciro tem o hábito de fazer. José Dirceu, esta semana, constatou que não será curta a passagem de Bolsonaro (e do que genericamente chama de direita) pelo poder. Reconheceu que o novo presidente tem base social e meios para pôr em cena os dois compromissos centrais de sua campanha: combate à corrupção e ao crime.

É cedo para saber a eficácia da estratégia da esquerda. O próprio Ciro, sem mandato, pode vir a ser ultrapassado por outras lideranças. O certo é que o primeiro passo – o descolamento de Lula e PT – indica que já está em curso um processo de autocrítica, indispensável à sobrevivência de quem sai politicamente nocauteado.
Ruy Fabiano

O Deus medieval que TYrump e Bolsonaro tentam desenterrar

Segundo Ernesto Araújo, o futuro ministro brasileiro de Relações Exteriores, Donald Trump e Jair Bolsonaro são dois deuses chamados para salvar a decadente civilização ocidental e com ela os Estados Unidos e o Brasil. Tudo sob o manto protetor do Deus medieval da ira. No Brasil, o país com o maior número de cristãos no mundo, os políticos usam e abusam da religião. Deus de repente se tornou algo perigoso, encarnado no slogan do novo presidente brasileiro, o capitão Jair Bolsonaro: "Deus acima de todos".

No momento histórico em que os políticos brasileiros mais recorreram para sua sobrevivência aos votos das igrejas, nas últimas eleições, é curioso que tenham acabado se precipitando em sua maior crise de identidade. A velha política que se alimentava da religiosidade, sobretudo dos mais pobres, é hoje entregue a uma nova sacralização que coloca Deus no centro da sociedade. E não o Deus da liberdade e da compaixão, mas o Deus das armas, das velhas cruzadas religiosas.


Não é de estranhar que o capitão reformado eleito presidente do Brasil tenha escolhido para dialogar com o mundo um diplomata como Araújo, que pretende salvar o Ocidente voltando a colocar a religião cristã no centro da história. "Só Deus pode salvar o Ocidente", escreveu o futuro ministro de Relações Exteriores, e apresentou como o paladino dessa salvação o presidente norte-americano, Trump, o único que, segundo ele, "pode salvar o Ocidente". Os dois deuses, destinados, segundo o diplomata, a salvar a civilização ocidental em crise seriam nada mais e nada menos que Trump e Bolsonaro.

Vivemos, porém, em um mundo em plena evolução tecnológica, com os horizontes quase infinitos da inteligência artificial e com o Homo Sapiens prestes a dar um salto quântico na batalha final contra a doença, a fome e a violência no mundo. Restringir a rica e milenar cultura ocidental, com sua capacidade de "conduzir a história", na expressão de Lavisse, à volta dos deuses ao governo, com suas teologias castradoras e o peso do obscurantismo medieval, é ignorar o que representou para o mundo e representa ainda hoje a civilização ocidental. É a essa civilização que o mundo, e não apenas o Ocidente, deve as conquistas e os valores mais valiosos da história da humanidade.

Foi o Ocidente que elaborou todos os conceitos sobre os quais os Estados modernos são fundados, desde o Renascimento à Reforma protestante. Foi o Ocidente que elaborou os conceitos de democracia, do iluminismo, do humanismo, da arte e da cultura de vanguarda que nutriram gerações inteiras. Foi o Ocidente que forjou os conceitos da secularidade do Estado, das liberdades democráticas. Foi o Ocidente que sancionou os direitos humanos, incluindo o direito à liberdade, ao voto, ao respeito pelos diferentes e as minorias.

Querer hoje, no Brasil, voltar aos anos mais obscuros do Ocidente, proclamando como seus novos deuses políticos à la Trump ou Bolsonaro, é querer voltar aos tempos dominados pelos dogmas religiosos das igrejas que acorrentavam as consciências, convocavam para as guerras santas e impediam aproveitar a existência em liberdade, atemorizando com castigos e demônios, fogueiras e inquisições.

Será verdade que o jovem Brasil, que carrega em suas veias o sangue da miscigenação, da pluralidade de credos, do gosto pela vida desfrutado em liberdade, deseja ressuscitar os tempos sombrios e autoritários da Idade Média?

O Brasil vai querer voltar à era dos reis e vassalos, dos castelos e muralhas, das guerras religiosas e dos medos da modernidade? O Deus não manipulado pelo poder é aquele que proclamou que seriam felizes os semeadores da paz, e não da discórdia. O deus do Brasil, pelo que conheço deste país, só pode ser aquele dos braços abertos que acolhe sem perguntar em que você acredita, em quem você vota, qual é a cor da sua pele e como quer viver sua sexualidade e criar sua família. Difícil imaginar, apesar da crispação da sociedade, que o deus brasileiro seja o deus da ira. Não combina com o que sempre amou e sonhou.