domingo, 29 de outubro de 2017

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George Owen Wynne Apperley - Calle del Albaycín (granada, spain)
Calle del Albaycín (Granada, Espanha), George Owen Wynne Apperley

Políticos imperfeitos

Na conhecida conferência A política como vocação, proferida em 1919, o sociólogo alemão Max Weber sugeriu que o verdadeiro homem político deveria possuir ao menos três qualidades essenciais: precisaria combinar a paixão por uma causa, o sentimento de responsabilidade e o senso de proporção. Poderia ter uma dessas qualidades em maior dose, mas não poderia deixar de ter as três. Com elas, entre outras coisas, haveria como controlar a vaidade, o desejo de permanecer sempre no primeiro plano, e dar o devido peso à missão política propriamente dita.

A sugestão é útil para que se discuta, por exemplo, a conduta de parlamentares e governantes, seu maior ou menor sucesso, seu estilo de liderança, as razões que os fazem mais eficientes na representação política e na gestão e lhes dão maior capacidade pedagógica de interagir democraticamente com as massas.

Há governantes que se seguram tão somente na paixão pela causa, conseguindo compensar a ausência (relativa) das outras qualidades mediante a organização de uma boa equipe de auxiliares. Enquanto o chefe faz política e enfatiza sua causa, os assessores cuidam da administração e garantem alguma margem de responsabilidade e senso de proporção no processo de tomada de decisões. Lula pode ser aqui tomado como exemplo positivo. Dilma seria um exemplo negativo.

Em seus dois mandatos, o ex-presidente não deixou um minuto sequer de fazer política e reverberar sua causa. Conseguiu terminar seus governos nos braços do povo, sua equipe de auxiliares se encarregou, com eficiência, de fazer a máquina administrativa funcionar e estabilizar a base política, que forneceu ao governo a necessária sustentação. As circunstâncias nacionais e internacionais foram-lhe favoráveis e o beneficiaram com os ventos da Fortuna, mas é evidente que houve Virtù e bom desempenho entre 2013 e 2010.

Com Dilma Rousseff ocorreu o contrário. Apresentada ao mundo como “gestora rigorosa e técnica competente”, não mostrou aptidão particular para a política, não conseguiu expressar causa alguma nem exibiu a exaltada competência administrativa. Seu senso de proporção e responsabilidade foi reduzido, o que impulsionou a crise. Em decorrência, entrou em atrito com amigos, aliados e auxiliares, não estruturou uma equipe leal e eficiente, teve de aceitar a contragosto a transferência da operação política para outros personagens e não conseguiu organizar um Estado administrativo vigoroso. As circunstâncias não a beneficiaram e passaram, em decorrência, a exigir sempre mais talento político, que lhe era escasso. Dilma plantou, assim, os ventos que iriam transformar-se na tempestade perfeita do impeachment. A desgraça configurou-se quando ela, em 2014, bateu pé e fez questão de concorrer à reeleição. Sua vitória nas urnas foi de Pirro e só serviu para bloquear as chances que o PT teria de ajustar o curso do navio.

Faltaram a Dilma, portanto, as três qualidades essenciais estabelecidas por Weber, com o que ela foi devorada pela vaidade e pela dificuldade de interagir democrática e pedagogicamente com as massas. Sua queda foi uma espécie de profecia que se autorrealizou.

Trazendo o argumento para os dias correntes, encontramos Michel Temer como exemplo de político com dificuldades para combinar as três qualidades. Falta-lhe antes de tudo a devoção a uma causa, já que a ideia de fazer de seu governo um artífice da retomada do crescimento econômico e do ajuste fiscal não aquece mentes e corações. Com o tropeço nas pedras que surgiram pelo caminho (Joesley e Janot), Temer viu evaporar o que tinha de força para aprovar reformas, sobretudo porque não soube reunir os consensos sociais necessários para fazê-las e foi sendo desconstruído pelo próprio Congresso, que esperava ver apoiá-lo. O presidente também não demonstra possuir um apurado senso de proporção e responsabilidade, o que fez com que vacilasse na composição de seu Ministério, para o qual convocou pessoas que pouco o ajudam e têm opaca imagem pública, e se entregasse desmesuradamente ao jogo político miúdo e fisiológico. Foi, assim, sendo devorado por predadores de várias espécies, perdendo condições de fazer política abrangente, a ponto, por exemplo, de influenciar sua própria sucessão. Tornou-se um governante inercial, refém do Congresso e sustentado pelos relacionamentos que amealhou durante a longa carreira parlamentar. Seus baixíssimos índices de aprovação e popularidade fecham a moldura.

Mas a crítica a ele deve ser bem calibrada. Temer é produto do quadro político atual, que está majoritariamente ocupado por políticos imperfeitos. Alguns têm causas, outros se declaram responsáveis, mas há poucos que se dediquem a unir uma qualidade à outra. Não porque não as tenham, mas porque não se dispõem a confrontar as bandas podres do sistema e recuperá-lo.

Bons políticos existem e continuarão a existir sempre. O que falta é que eles se reúnam, se articulem, se imponham nos espaços políticos institucionais e dialoguem abertamente com a sociedade. Sem a paixão que promove a entrega a uma causa e sem um sentido superior de responsabilidade (pública), os políticos são atraídos mais pelo brilho do que pela realidade do poder; e terminam por usufruir o poder pelo poder, sem cumprirem funções positivas. Precisam romper com isso.

Constatar que um país como o Brasil esteja entregue nos últimos 15 anos às desventuras de políticos “imperfeitos” – e imperfeitos porque “incompletos” – certamente levaria Max Weber a tremer no silêncio sepulcral em que repousa.

Quanto a nós, pobres seres viventes, a constatação provoca pasmo e uma perturbadora inquietação. O momento é exigente, pede empenho e discernimento. Não precisamos de “chefes”, mas de políticos dispostos ao sacrifício e vocacionados para colocar os dedos nas engrenagens da História, assumindo compromissos claros com uma agenda corajosa.

Marco Aurélio Nogueira

A fórmula da simplicidade

Se multiplicarmos 853 (municípios de Minas) por 40 cargos, “cabides de emprego”, em média, por cada prefeitura, número que pode ser subestimado, teremos 34.120 salários inúteis pagos com recursos públicos. Quer dizer que, com um desembolso médio unitário de R$ 1.500, multiplicado por 12 meses mais um mês de 13º, chega-se a encontrar um rombo de R$ 665 milhões a cada ano, ou R$ 2,6 bilhões por mandato.

Cada município tem assim uma perda por mandato de cerca de R$ 3 milhões.

Essa montanha de dinheiro pode ser, segundo uma avaliação menos conservadora, até três vezes superior, passando de R$ 10 bilhões por mandato. Apenas em Minas Gerais.

Esse batalhão de gente à toa, de regra, é inevitável para “quitação” de apoios eleitorais, que são pagos com recursos públicos subtraídos da saúde, educação e assistência social.

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Também se o governo do Estado cumprisse com metade de sua responsabilidade de repasses de saúde pública, que a cada ano descumpre com maior gravidade, Minas Gerais seria exemplo de saúde para o mundo.

Os recursos existem sem aumentar impostos, mas o grave é que são desviados.

Resolver o problema: cada um cumprir com o dever de casa.

A equação é tão simples quanto impossível no Brasil em vista dos vícios do sistema político-eleitoral e da indigência moral em geral.

Não paira dúvida de que investimentos de alcance difuso em benefícios da população são surrupiados para quitar a fatura eleitoral, grande pecado original que deixa de “rabo preso” os vencedores. Aí sem moral a coisa se generaliza, descarrilhando em mensalões e quadrilhões.

Embora haja exceções, a vergonha encobre quase tudo.

Encontram-se multidões de prefeitos peregrinando em corredores do Estado, da União, de gabinetes de deputados à procura de verbas para sustentar as contas municipais, quando, para muitos deles, ficar no município arrumando a casa seria de maior valia, com resultados imediatos.

Os R$ 750 mil por prefeitura, em média, pagos por ano em manutenção de cabides de emprego, seriam suficientes para zerar a fila de cirurgias, de 200 mil, que se alonga em sofrimentos e até mortes de inocentes. Esse laço de causalidade, não enxergado, é real, e pecaminoso.

Apesar das dificuldades nacionais, a moralização do uso dos recursos públicos é a solução mais rápida e imediata, ao alcance da mão dos bem-intencionados.

Outra praga que se abate sobre o povo vem da burocracia, irmã siamesa da corrupção.

A caterva de normas de nosso ordenamento jurídico, sua indecente sofisticação, é um insulto à inteligência, e um grave obstáculo, na contramão de tudo aquilo que vem dando certo pelo mundo afora.

Quanto mais burocrático é o ordenamento (caos), supostamente em defesa do bem comum, mais abertura se concede à burocracia. Gerou-se no Brasil um emaranhado perverso de leis contraditórias que leva ao pagamento de vantagens e de propinas.

Nos últimos 20 anos o Brasil, alardeando modernização e outras balelas, se transformou no país mais burocrático e corrupto do planeta. Engavetou milhões de empregos, que aguardam um carimbo de poderosos burocratas, que costumam em muitos casos esfolar quem quer produzir e gerar oportunidades, empregos, receitas públicas e desenvolvimento.

O PIB brasileiro ficou 15% em três anos e meio; Minas Gerais, cerca de 18% no mesmo período. Passamos de 13 milhões de desempregados desesperados.

Ainda das centenas de bilhões drenados pela corrupção se recuperou uma parte ínfima; os acordos de leniência com os bandidos, além de lhes garantir sobrevida e passaporte para voltar a arrombar o país, são insignificantes. Num país civilizado estariam impedidos por cem anos de continuar nas atividades econômicas em solo nacional. Seus bens seriam confiscados e leiloados.

Tirar a burocracia e a corrupção, praticadas na forma mais ardilosa e sofisticada, bastaria para produzir um portentoso e imediato desenvolvimento sem recorrer a qualquer medida mais ousada ou mirabolante ditada por um banqueiro.

Deixar a economia e o mercado em paz.

Em Betim, a prefeitura, endividada e arrebentada, zerou seus cabides de emprego, podou a burocracia, castigou e aniquilou as origens da corrupção. Obrou para apoiar os pedidos de novas atividades e, em apenas sete meses, deu sinais de resultados retumbantes.

Em agosto o Caged, do Ministério do Trabalho, divulgou uma saldo positivo de 688 empregos gerados no município. Já em setembro Betim aumentou e chegou a ser o município – na contramão do aumento do desemprego na região Sudeste (São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Minas Gerais) – que registrou saldo negativo de 9.000 empregos. Betim teve saldo positivo de 769 empregos, deixando atrás o município de São Paulo, com 732, seguido de Guarulhos, com 704, e Santo André, com 540.

Proporcionalmente, Betim, com seus 430 mil habitantes, gerou 24 vezes mais empregos que o segundo colocado, o maior município do país, e registrou um aumento de 266% na geração de empregos em relação a setembro de 2016.

A fórmula mágica está aí. Apagar o inferno da burocracia mais corrupção, sem sofisticadas medidas. Isso se aplica às economias civilizadas mais modernas e dá certo em qualquer governo, nacional, estadual ou municipal.

No buraco da Infraero

Não tem mandato, função pública ou cargo partidário, mas circula pelos palácios com a desenvoltura de quem desfruta de intimidade com o poder. Conhece os corredores do Planalto, do Alvorada e do Congresso como o chão da cela onde viveu por um ano, com cama de aço e chuveiro de água quente, na ala VIP do presídio da Papuda, a 20 quilômetros da Praça dos Três Poderes.

Alto, sorriso afável, não aparenta 68 anos de idade, mas conserva hábitos de chefão à moda antiga no beija-mão diário dos diretores de agências reguladoras, como ANTT, e de empresas estatais, como Valec e Infraero.

Ex-presidiário do mensalão, sentenciado e perdoado, Valdemar Costa Neto administra 37 votos no plenário da Câmara. Novamente investigado por corrupção, agora na Operação Lava-Jato, é um homem de negócios com década e meia de experiência nos subterrâneos dos governos Lula, Dilma Rousseff e Michel Temer.

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Semana passada, ouviu um pedido de favor do presidente, o segundo nos últimos quatro meses: assegurar o apoio do Partido da República na votação de amanhã, decisiva à suspensão do inquérito por corrupção e formação de quadrilha aberto contra Temer. Como tudo deu certo, Temer e Costa Neto continuarão sócios no poder até dezembro 2018.

Para o chefe do PR, atender a um presidente significa investimento. Foi assim em 2002, quando Lula pediu-lhe para ajudar a transformar José Alencar no seu candidato a vice-presidente. Até hoje Costa Neto se apresenta como o “principal artífice” dessa aliança. Cobrou R$ 8 milhões, negociados com Delúbio Soares e José Dirceu no quarto do senador Paulo Rocha (PT-PA), em Brasília. Lula e Alencar aguardaram na sala.

Como Delúbio e Dirceu não pagaram no prazo combinado, Costa Neto chegou às vésperas daquela eleição geral sem caixa para sustentar seus candidatos a deputado federal. Recorreu a Lúcio Funaro, intermediário financeiro do PMDB de Temer, Eduardo Cunha, Geddel Vieira e Henrique Alves — os três últimos estão presos. Tomou R$ 6 milhões de Funaro, a quem chama de “agiota” por causa dos juros de R$ 200 mil ao mês.

O PT retribuiu-lhe na dúzia de anos seguintes. Com Lula e Dilma, ele obteve o poder de influir nas contratações de obras como a Ferrovia Norte-Sul, 4,1 mil quilômetros de trilhos através de dez estados, e a Ferrovia Oeste-Leste, com 1,5 mil quilômetros entre Tocantins e Bahia.

Esses projetos continuam no papel, mas renderam dividendos a Costa Neto e sua facção política. Agora, estão sob investigação com base em provas e depoimentos de executivos da Odebrecht e Andrade Gutierrez, além de agentes como Funaro.

Costa Neto avança em negócios na política. Prometeu um punhado de votos a Temer e virou donatário com poder de influir nas concessões de aeroportos, como o de Congonhas (SP), e em transações de lojas e balcões da Infraero.

Combalida, a estatal abriga sete mil empregados — muitos sem ter o que fazer —, e acumula R$ 9 bilhões em prejuízos. Depende do socorro do Tesouro (mais R$ 1,4 bilhão) para fechar as contas de 2017.

Escavada nesse buraco, a parceria Temer-Costa Neto pode vir a ser o começo de uma longa amizade.
José Casado

Paisagem brasileira

Voltando da lida, João Bosco Campos

Supremo vive sob clima de churrasco na laje

A última sessão do Supremo Tribunal Federal terminou num arranca-rabo. De um lado, Luís Roberto Barroso. Do outro, Gilmar Mendes. No ápice da toga justa, Barroso acusou Gilmar de ser leniente com os corruptos de colarinho branco. Esse episódio foi a radicalização do clima de churrasco na laje que se instalou na Suprema Corte brasileira. Quem paga a picanha é você. Por isso, convém prestar atenção.

O Supremo está organizado em duas turmas de cinco ministros. Em tese, isso deveria desafogar o plenário do tribunal. O problema é que as duas turmas começaram a tomar decisões divergentes sobre temas análogos. O pano de fundo das controvérsias é a Operação Lava Jato.

A música que toca na Segunda Turma do Supremo é o pagode da cela vazia. Ali, Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski se juntaram para fazer de Edson Fachin, relator da Lava Jato, um ministro minoritário. Na Primeira Turma, Luís Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux rodam o pagode da linha dura. Quando a picanha passa do ponto, o espeto vai ao plenário do Supremo.

No último embate, ganhou Aécio Neves. O próximo embate envolverá as prisões em segunda instância. Uma turma quer adiar a cadeia de poderosos como Lula. A outra quer consolidar a jurisprudência anti-impunidade. A tensão que descambou para o bate-boca entre Barroso e Gilmar faz exalar da suprema laje um insuportável cheiro de queimado.

Os perigos de outsiders

O ser humano só atinge sua essência dentro da comunidade política, hoje entendida como o Estado. E sua missão, como cidadão e animal cívico, é o de poder interferir na vida do Estado para alcançar o bem comum, não sendo suficiente, portanto, bastar-se a si mesmo. Essa é a inclinação natural que conduz os homens a conviver em sociedade.

Sob essa arquitetura aristotélica, qualquer cidadão pode ser chamado para servir à polis (O Estado), donde se infere que a política não é um compartimento reservado a uns poucos. Ou, em outros termos, a política não se esconde em quatro paredes. Não tem margens.

Dito isto, analisemos os fenômenos políticos de nosso cotidiano, a partir das questões que beiram às margens do absurdo: Luciano Huck, o jovem empresário e animador do Caldeirão do Huck, programa semanal de uma rede de TV, poderia ser candidato e se eleger presidente da República? Nessa mesma vertente, poderiam concorrer figuras como Silvio Santos, Edir Macedo, Roberto Carlos, Pelé, Faustão e, por que não (?), Gisele Bundchen?

Os nomes citados compõem uma galeria das mais influentes e conhecidas personalidades brasileiras. São os outsiders (perfis fora da política). Huck, aliás, já manifestou apoio a uma campanha de renovação da política, para a qual investirá esforços e recursos, também escrevendo artigos para jornais.


A eleição de um outsider não é coisa muito fora de propósito no contexto da política pós-sociedade industrial, onde se amontoam as mazelas que corroem as democracias, como a desideologização, o declínio dos partidos, o declínio dos parlamentos, o declínio das oposições, a personalização do poder, a ascensão das tecno-estruturas e o aparecimento de novos circuitos de representação, como associações, sindicatos, federações, núcleos, grupos, movimentos de toda a ordem.

O deslocamento da política tradicional para outros espaços é uma realidade aqui e alhures. Aqui, esse fenômeno ganha impulso sob o clima de degradação da política, foco da mais aguda crise vivida pelo país na contemporaneidade. Os índices de pesquisas exibem protagonistas de todos os quilates e cores mergulhados em imenso lamaçal.

Portanto, o momento e as circunstâncias induzem a comportamentos inusuais da base política, do tipo eleição de um Cacareco. Lembremos: em 1959, com a morte de Getúlio Vargas, sob o governo de Adhemar de Barros, em São Paulo, o eleitorado estava indignado contra os vereadores da Câmara Municipal. Na campanha, apareceu o rinoceronte Cacareco, na verdade uma fêmea, vinda do Rio emprestada para abrilhantar a inauguração do Zoológico de São Paulo.

O empréstimo era por seis meses. Passado o tempo, os paulistanos fizeram um movimento para que o animal, de 230 quilos, aqui ficasse. Decidiu-se pela candidatura de Cacareco a vereador, com o slogan: “vale quanto pesa”. Um matreiro candidato saiu à rua carregando uma onça, apostando no slogan: “eleitor inteligente vota no amigo da onça”.

Na época o voto era num pedaço de papel que o eleitor colocava em envelope recebido do mesário. Gráficas imprimiram milhares de cédulas com o nome do bicho. Cacareco recebeu 100 mil votos, quando o candidato mais votado naquele ano não ultrapassou 110 mil votos.

O partido que elegeu a maior bancada obteve 95 mil. Infelizmente, Cacareco não pode comemorar. Foi devolvido ao zoológico do Rio, vindo a morrer poucos anos depois, antes de completar 10 anos. (O coração não resistiu a tanta emoção). A revista Time acabou dando ênfase à frase de um eleitor: “é melhor eleger um rinoceronte do que um asno”.

Não é que, em 2018, há muito eleitor querendo votar em Cacarecos?

Outra opção é a busca de perfis que encarnem a lei, a ordem, a disciplina, a postura militar. Bolsonaro entra nesse figurino. Outra banda, saturada dos velhos costumes políticos, volta-se na direção de perfis que encarnem assepsia, limpeza, inovação, gestão. João Doria ganhou a Prefeitura de São Paulo com essa vestimenta.

Por falta de lideranças novas, o eleitorado tende a buscar candidaturas nas bandas dos comunicadores de massa ou do futebol, pessoas que possuem grande visibilidade em atividades de entretenimento. Aqui entram Huck, Silvio Santos (que já acenou com uma candidatura presidencial no passado) e outros. Teriam chance?

Em tese, sim. A revolta do eleitorado se faz ver na frase que é comum em todos os rincões: “todo político é ladrão”. Infelizmente, o país corre esse risco.

Que o levaria a uma crise de proporções inimagináveis, porquanto um Luciano Huck ou outra celebridade do mundo do espetáculo não teria condição de “pôr o guizo no gato”, ou seja, de administrar a complexidade do nosso sistema político: 35 partidos, sistema bicameral com duas casas congressuais, presidencialismo de coalizão etc.

Teria de se submeter ao DNA de uma cultura política, cujas raízes estão fincadas nas roças do fisiologismo, do nepotismo, do grupismo, do coronelismo. Nem Marina Silva, com sua roupagem ética, ou mesmo Ciro Gomes, usando sua metralhadora expressiva, resistiriam ao poder de mando dos nossos representantes, 513 na Câmara e 81 no Senado.

Portanto, não devemos pensar que nomes fora da política terão condições de administrar um país com uma crise política crônica como a nossa. O que os perfis com oxigênio da inovação podem fazer é colaborar para a renovação das frentes políticas nas três instâncias federativas.

O país estaria na beira do abismo ante a hipótese de eleger um perfil radical, seja de direita ou de esquerda, e ainda se decidisse por um quadro do mundo do espetáculo. Imaginar que Silvio Santos poderia reabrir a porta da esperança seria não um sonho, mas um pesadelo. Infelizmente, a moldura política começa a exibir sinais da carcomida polarização que cindiu nos últimos 15 anos a sociedade brasileira entre “nós e eles”, “bons e maus”, apartheid originado na era PT. Será que veremos novamente Lula em palanques prometendo mundos e fundos?

Os próximos tempos serão reveladores. Se a economia sair do fundo do poço, como dá sinais de ocorrer, podemos esperar a escolha de um figurante do centro, capaz de puxar alas da direita e da esquerda. Esta é a aposta deste consultor.

Apoio à democracia na América Latina cai pelo quinto ano consecutivo

Os latino-americanos estão cada vez menos satisfeitos com a saúde de suas democracias e, o que é pior, também acreditam menos nela como a melhor forma de governo. De acordo com o último Latinobarômetro, uma prestigiosa pesquisa regional que analisa 20.000 entrevistas realizadas em 18 países, o apoio caiu de 54% em 2016 para 53% este ano, a quinta queda consecutiva desde 2010, quando atingiu um pico de 61%. O relatório conclui que o declínio da democracia é lento e invisível “como o diabetes”. “Existem países que não são doentes terminais, mas sofrem de um diabetes democrático generalizado. Você não vê o mal, não há sintomas que chamem a atenção; mas se você não o tratar, acabará te matando”, diz a chilena Marta Lagos, diretora do Latinobarômetro, durante a apresentação do relatório na sede do BID em Buenos Aires.

Este ano, a pesquisa foi atrasada pela crise na Venezuela. Lagos comemora a oportunidade de analisar um país “quando está com febre alta”, mas advertiu que a situação em Caracas “fez muito mal para a região pelos problemas que esconde em outros países”. “Desde 2010, o apoio à democracia caiu oito pontos em média e os indiferentes aumentaram de 23% para 25% em apenas um ano. As pessoas se afastam dos governos e das ideologias. Também vemos uma enorme variação regional, porque temos 18 países, não uma região homogênea”, diz Lagos.

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Entre os cidadãos que menos apoiam a democracia como sistema de governo estão os brasileiros (43%) e os mexicanos (38%). No topo da lista, mas positivamente, estão os venezuelanos, com 78% de apoio. Como se explica isso? “Entendemos que é uma questão de aspiração. Os venezuelanos estão em crise, mas defendem a democracia como a melhor opção”, explica Lagos. Quando se trata de avaliar a saúde do sistema atual, os números se invertem: apenas 22% dos venezuelanos se declaram “muito satisfeitos” ou “satisfeitos” com a situação política e social. A curva de satisfação dos venezuelanos não parou de cair desde 2010, quando atingiu 57% de opiniões positivas, mas, apesar do que se possa acreditar, a Venezuela é mais otimista do que o Brasil e o México. Este ano, apenas 13% dos brasileiros se declararam satisfeitos, alinhados com os mexicanos, que mal alcançaram 18%.

Somente em três países as pessoas estão satisfeitas com a democracia: Uruguai(57%), Nicarágua (52%) e Equador (51%). A Argentina é a quinta depois da Costa Rica, com 38%. Mas “vistos em conjunto, os indicadores revelam a deterioração sistemática e crescente das democracias da região. Os governos sofrem a mesma sorte, a cada ano os latino-americanos os aprovam menos. O que hoje é a média, antes era o mínimo. Não há indicadores de consolidação, mas indicadores de desconsolidação”, adverte o estudo. A desconfiança no governo atinge 92% dos brasileiros e 85% dos mexicanos.

O relatório destaca um cenário que pode parecer contraditório à primeira vista: a queda dos indicadores políticos e sociais coincide com um aumento generalizado dos econômicos. Cerca de 54% dos latino-americanos disseram aos pesquisadores do Latinobarômetro que seu dinheiro é suficiente para chegar ao fim do mês, dois pontos a mais do que em 2016. No topo estão os brasileiros, com 68% e, no último lugar, os venezuelanos, com 21%. A conclusão do estudo é que existe “uma dissociação entre dois mundos, o mundo da economia e o mundo do poder político”. “A economia vai bem para um lado e a democracia para outro. Não há relação entre elas, porque, embora metade da população tenha se beneficiado, a outra metade está apenas assistindo. A região é bipolar: há sucesso econômico e pobreza, o aspecto econômico avança e os valores despencam”, diz Lagos, para quem hoje, mais do que nunca, “a democracia não tem nada a ver com a economia”.