sexta-feira, 1 de dezembro de 2017
O 'ex-ministro'
Houve um tempo em que fugitivos da justiça, em geral, eram criminosos endurecidos pela áspera vida no sub-mundo dos fora-da-lei – gente de cara ruim e sem gravata, capazes de trocar tiros com a polícia e de meter medo em todo mundo. Mas o Brasil, como se sabe, passou por um notável processo de ascensão social nos últimos anos – e um dos resultados talvez tenha sido um up-grade, como se diz, no tipo de indivíduo que aparece atualmente na imprensa na condição de foragido das autoridades. Para começar, já não são revelados ao público no noticiário policial — migraram para o noticiário político. Podem viajar de avião, têm casa própria e compraram o seu carrinho. Também não são mais aqueles sujeitos sinistros que em geral povoam o mundo do crime (esses continuam existindo, claro, mas suas fotos já nem chegam mais à imprensa – são tantos, que acabaram perdendo a graça). Hoje o tipo clássico do fugitivo da polícia é um desses Antonio Carlos Rodrigues da vida, para citar o exemplo mais recente, que acaba de entregar-se à PF de Brasília após passar uns quatro ou cinco dias escondido. Seu crime é exatamente aquilo que você imagina: ladroagem, no caso um esquema de propinas despachadas pelos cofres do inevitável empresário Joesley Batista (campeão nacional dos ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff) que no momento trafega entre as operações “Chequinho” e “Caixa d’Água” da Polícia Federal. É coisa em que também está metido o ex-governador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho, outro grande nome da política que no momento mantém residência no sistema carcerário nacional.
O foragido da vez era até há pouco tempo um transeunte no baixo clero da política brasileira, na condição de presidente do PR – um desses bandos que se formam para vender apoio aos governos, quaisquer que sejam, em troca de cargos públicos, dinheiro e outros benefícios materiais. Também operam no lucrativo mercado da venda de minutos no “programa eleitoral” obrigatório no rádio e TV — esta fortaleza que defende o acesso dos menos favorecidos às informações políticas e garante as eleições livres neste país. Como as outras gangues partidárias que vivem no mesmo ecossistema, são tratados como essenciais para a sobrevivência da democracia no Brasil, segundo o entendimento dos mais ilustrados cérebros do nosso Direito, Ciências Políticas e demais disciplinas que se dedicam a nos ensinar o que é uma sociedade de justiça social, igualdade e respeito às minorias. Antonio Carlos — que foi preso, mas pode perfeitamente estar negociando daqui a pouco, de dentro ou de fora da cadeia, o seu apoio a algum futuro candidato à presidência da República – apareceu no noticiário, mais do que tudo, como chefe de “um partido que apoia Michel Temer”. Foi citado também como “ex-ministro”. Fora isso, pouco mais foi dito nas notícias.
Tudo bem, mas “ex-ministro” do que? De que governo? Durante quanto tempo? Se tiver paciência para fazer uma rápida pesquisa, o cidadão descobre que esse Antonio Carlos foi ministro dos Transportes. Foi ministro da ex-presidente Dilma Rousseff, e de mais ninguém nessa vida. Foi ministro durante todo o segundo mandato de Dilma – do dia 1º. de janeiro de 2015, quando ela tomou posse, até 12 de maio de 2016, quando foi afastada do cargo pelo Senado Federal e começou a contagem regressiva até a sua deposição definitiva. Ninguém é ministro por acaso durante um governo inteirinho – se ficou lá do primeiro ao último dia é porque a presidente gostava muito dele. Seu partido ficou grudado no osso do governo até o caixão baixar à cova. A soma de todas as suas realizações em benefício dos Transportes no Brasil chegou ao total de zero.
Culpa do governo Temer, sem dúvida.
Tudo bem, mas “ex-ministro” do que? De que governo? Durante quanto tempo? Se tiver paciência para fazer uma rápida pesquisa, o cidadão descobre que esse Antonio Carlos foi ministro dos Transportes. Foi ministro da ex-presidente Dilma Rousseff, e de mais ninguém nessa vida. Foi ministro durante todo o segundo mandato de Dilma – do dia 1º. de janeiro de 2015, quando ela tomou posse, até 12 de maio de 2016, quando foi afastada do cargo pelo Senado Federal e começou a contagem regressiva até a sua deposição definitiva. Ninguém é ministro por acaso durante um governo inteirinho – se ficou lá do primeiro ao último dia é porque a presidente gostava muito dele. Seu partido ficou grudado no osso do governo até o caixão baixar à cova. A soma de todas as suas realizações em benefício dos Transportes no Brasil chegou ao total de zero.
Culpa do governo Temer, sem dúvida.
Mea culpam mea culpa, mea maxima culpa...
Não há como negar a vergonha que se abateu sobre os eleitores fluminenses, em especial os cariocas. É só verificar a lista dos presos recentes e ver os nomes que lá estão. Nós, cidadãos comuns, estamos aborrecidos e envergonhados. Mas eles, os antigos inquilinos do Palácio Guanabara e da Alerj, eles parecem que ainda não caíram na real. Comportam-se como se estivessem em férias num hotel de veraneio.
Reconheço, e faço mea culpa, que não sei o que me levou a votar em x no ano tal ou em y naquele outro ano. E não é de hoje que carrego essa culpa. Copio aqui uns trechos de artigo que publiquei aqui em 2006:
“Quais foram os critérios que usei? Deixei-me levar pelos artigos dos articulistas que admiro? O horror e ódio à ditadura influenciaram as escolhas? O aspecto físico? Os bons modos? O currículo? A campanha bem feita? O estado de origem? A oratória? A simpatia? A fé? Afinal, o que move o eleitor?”
Eu lastimava na ocasião os modismos que pairavam nos debates e nas conversas: a glorificação da ignorância, o desprezo pela elite. Ou outro modismo, a meu ver ridículo: “mulher votar em mulher, ou vibrar quando alguma se elege ou é escolhida para algum alto cargo. Para mim, não há maior machismo do que esse feminismo às avessas. Dá no mesmo do que votar naquele ali por que é alto, ou neste aqui porque tem boa postura, ou nesse porque é moreno. Nasceram assim. Isso os torna melhores candidatos?”
Temos ainda – ou será que vão sumir nas brumas do passado? – os marqueteiros que transformam os sapos em príncipes. Fazem do tolo um sábio, do sábio um tolo, do arrogante um suave, do suave um arrogante. São mágicos (a depender do que recebem, são a magia personificada!).
Feito o mea culpa, faço um apelo: como votar melhor se os mil partidos políticos não se dão ao trabalho de escolher com extremo critério os nomes que lançam? Para votar, dependemos dos partidos, ou não é assim? Temos partidos demais e todos muito diferentes daquilo que os partidos políticos deveriam ser. São meras agremiações, não são partidos políticos.
Tenho meia dúzia de nomes que sei seriam o que o Rio precisa. Não vou colocar aqui minha listinha, pois não tenho autorização deles. Além do que, lhes consagro imensa admiração e, portanto, não lhes desejo mal algum. Enfrentar o Rio como está... francamente, é trabalho para um Hercules envolto na pele do leão da Neméia.
Está tudo tão feio que só me resta pedir, a mim mesma e a todos que me leem, vamos ficar mais atentos. Ler muito, nos informar diariamente, procurar ouvir os que sabem mais do que nós, evitar os palanques montados por marqueteiros e, se possível, não reeleger ninguém...
Vamos torcer para que o Rio de Janeiro saia do sufoco. Boa Sorte, querido Rio!
Reconheço, e faço mea culpa, que não sei o que me levou a votar em x no ano tal ou em y naquele outro ano. E não é de hoje que carrego essa culpa. Copio aqui uns trechos de artigo que publiquei aqui em 2006:
“Quais foram os critérios que usei? Deixei-me levar pelos artigos dos articulistas que admiro? O horror e ódio à ditadura influenciaram as escolhas? O aspecto físico? Os bons modos? O currículo? A campanha bem feita? O estado de origem? A oratória? A simpatia? A fé? Afinal, o que move o eleitor?”
Eu lastimava na ocasião os modismos que pairavam nos debates e nas conversas: a glorificação da ignorância, o desprezo pela elite. Ou outro modismo, a meu ver ridículo: “mulher votar em mulher, ou vibrar quando alguma se elege ou é escolhida para algum alto cargo. Para mim, não há maior machismo do que esse feminismo às avessas. Dá no mesmo do que votar naquele ali por que é alto, ou neste aqui porque tem boa postura, ou nesse porque é moreno. Nasceram assim. Isso os torna melhores candidatos?”
Temos ainda – ou será que vão sumir nas brumas do passado? – os marqueteiros que transformam os sapos em príncipes. Fazem do tolo um sábio, do sábio um tolo, do arrogante um suave, do suave um arrogante. São mágicos (a depender do que recebem, são a magia personificada!).
Feito o mea culpa, faço um apelo: como votar melhor se os mil partidos políticos não se dão ao trabalho de escolher com extremo critério os nomes que lançam? Para votar, dependemos dos partidos, ou não é assim? Temos partidos demais e todos muito diferentes daquilo que os partidos políticos deveriam ser. São meras agremiações, não são partidos políticos.
Tenho meia dúzia de nomes que sei seriam o que o Rio precisa. Não vou colocar aqui minha listinha, pois não tenho autorização deles. Além do que, lhes consagro imensa admiração e, portanto, não lhes desejo mal algum. Enfrentar o Rio como está... francamente, é trabalho para um Hercules envolto na pele do leão da Neméia.
Está tudo tão feio que só me resta pedir, a mim mesma e a todos que me leem, vamos ficar mais atentos. Ler muito, nos informar diariamente, procurar ouvir os que sabem mais do que nós, evitar os palanques montados por marqueteiros e, se possível, não reeleger ninguém...
Vamos torcer para que o Rio de Janeiro saia do sufoco. Boa Sorte, querido Rio!
A síndrome da honestidade
Quando o paciente entrou, a psicanalista não conseguiu conter a expressão de surpresa.
Um senhor de terno bege, sem graça, com uma gravata pálida, solta no pescoço como num fim de dia.
A expressão era de derrota, olheiras profundas e cabelos brancos mal cuidados.
Assustada, a psicanalista o encaminhou direto para o divã, sem nem mesmo uma introdução.
Sentou-se a seu lado, numa poltrona, e após uma pequena pausa perguntou:
– Então, o que trouxe você aqui?
O homem olhava fixamente para o teto procurando a resposta na luminária.
– Bom doutora… eu sou deputado federal. Quarto mandato…
– Compreendo…
– …e acontece, doutora, que minha orientação foi sempre a honestidade.
A mulher revira os olhos.
Há 15 anos atendendo em Brasília cansou de atender pacientes “honestos”.
– Ou melhor, eu era honesto, mas há uns dez anos comecei a tentar novas experiências e acabei recebendo uns recursos por fora, nas minha contas. Eu sabia que aquilo não era eu, mas fui gostando mais e mais…a senhora sabe como é. O meio influencia…
– Entendo…
– Fui gastando em carros, mansões, mulheres, viagens. Virou uma obsessão pegar 10% ou 15% de tudo que aparecia na frente. Uma tara incontrolável! Dia e noite.
– E agora o senhor precisa de ajuda para largar esse vício, certo? – depois da Lava Jato esse era o problema mais comum em seu consultório. Corruptos arrependidos.
– Não doutora! É justamente o contrário.
– Como assim?
O deputado envergonhado, admitiu:
– Eu tô broxa doutora.
– Ah! Mas isso na sua idade eventualmente acontece, não prec…..
– Não doutora! Broxa de pegar meus 10%!
– Oi?
– Sei lá o que aconteceu. Foram tantas orgias financeiras, Ferraris, Paris, dólares nas malas da Suíça, que enjoei, entende?
– Mas isso é ótimo! Então você está livre da sua obsessão!
– Ótima notícia? Não doutora! A senhora não sabe como é Brasília. Se eu não voltar a comparecer vão começar a desconfiar da minha virilidade corrupta! Aí acabou para mim. Não serei chamado nem para a comissão de ética, que não paga nada.
Quando a sessão terminou, a psicanalista deixou escapar para si mesma:
– Fascinante.
No instante seguinte surgiu a questão moral.
Será que ela poderia ajudá-lo a retornar a sua vida de promiscuidade corrupta?
Decidiu que sim. Não cabia a ela julgar e sim cuidar da felicidade de seu paciente.
Verdade que ela estranhou a própria decisão, mas relevou.
Uma semana depois, nova sessão.
O deputado entra angustiado.
– E então, doutora? Meu caso tem solução???
A psicanalista estava diferente, ele notou.
Tirou os óculos lentamente e olhou bem no fundo dos olhos do deputado:
– Solução? Claro que tem, querido – ela falou num tom de voz cúmplice – Aqui a gente tem um jeitinho para tudo.
– O que então? O que eu devo fazer?
A psicanalista jogou os cabelos para traz e, num tom malicioso, disparou:
– Antes precisamos combinar que, se eu curar você, podemos acertar aí um presentinho por fora, não? Quem sabe uns 10% das suas próximas “conquistas”, hein? hein?
Foi nessa hora que o deputado, vendo a psicanalista transfigurada, finalmente compreendeu de onde veio a sua doença.
A maldita síndrome era contagiosa.
Um senhor de terno bege, sem graça, com uma gravata pálida, solta no pescoço como num fim de dia.
A expressão era de derrota, olheiras profundas e cabelos brancos mal cuidados.
Assustada, a psicanalista o encaminhou direto para o divã, sem nem mesmo uma introdução.
Sentou-se a seu lado, numa poltrona, e após uma pequena pausa perguntou:
– Então, o que trouxe você aqui?
O homem olhava fixamente para o teto procurando a resposta na luminária.
– Bom doutora… eu sou deputado federal. Quarto mandato…
– Compreendo…
– …e acontece, doutora, que minha orientação foi sempre a honestidade.
Há 15 anos atendendo em Brasília cansou de atender pacientes “honestos”.
– Ou melhor, eu era honesto, mas há uns dez anos comecei a tentar novas experiências e acabei recebendo uns recursos por fora, nas minha contas. Eu sabia que aquilo não era eu, mas fui gostando mais e mais…a senhora sabe como é. O meio influencia…
– Entendo…
– Fui gastando em carros, mansões, mulheres, viagens. Virou uma obsessão pegar 10% ou 15% de tudo que aparecia na frente. Uma tara incontrolável! Dia e noite.
– E agora o senhor precisa de ajuda para largar esse vício, certo? – depois da Lava Jato esse era o problema mais comum em seu consultório. Corruptos arrependidos.
– Não doutora! É justamente o contrário.
– Como assim?
O deputado envergonhado, admitiu:
– Eu tô broxa doutora.
– Ah! Mas isso na sua idade eventualmente acontece, não prec…..
– Não doutora! Broxa de pegar meus 10%!
– Oi?
– Sei lá o que aconteceu. Foram tantas orgias financeiras, Ferraris, Paris, dólares nas malas da Suíça, que enjoei, entende?
– Mas isso é ótimo! Então você está livre da sua obsessão!
– Ótima notícia? Não doutora! A senhora não sabe como é Brasília. Se eu não voltar a comparecer vão começar a desconfiar da minha virilidade corrupta! Aí acabou para mim. Não serei chamado nem para a comissão de ética, que não paga nada.
Quando a sessão terminou, a psicanalista deixou escapar para si mesma:
– Fascinante.
No instante seguinte surgiu a questão moral.
Será que ela poderia ajudá-lo a retornar a sua vida de promiscuidade corrupta?
Decidiu que sim. Não cabia a ela julgar e sim cuidar da felicidade de seu paciente.
Verdade que ela estranhou a própria decisão, mas relevou.
Uma semana depois, nova sessão.
O deputado entra angustiado.
– E então, doutora? Meu caso tem solução???
A psicanalista estava diferente, ele notou.
Tirou os óculos lentamente e olhou bem no fundo dos olhos do deputado:
– Solução? Claro que tem, querido – ela falou num tom de voz cúmplice – Aqui a gente tem um jeitinho para tudo.
– O que então? O que eu devo fazer?
A psicanalista jogou os cabelos para traz e, num tom malicioso, disparou:
– Antes precisamos combinar que, se eu curar você, podemos acertar aí um presentinho por fora, não? Quem sabe uns 10% das suas próximas “conquistas”, hein? hein?
Foi nessa hora que o deputado, vendo a psicanalista transfigurada, finalmente compreendeu de onde veio a sua doença.
A maldita síndrome era contagiosa.
Seu ilustre representante
O juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal, responsável pelo enjaulamento de Sérgio Cabral, descreveu outro dia a diferença entre a condenação de um político corrupto e de um empresário idem. "Os políticos corruptos são parasitas, não têm vida própria", disse. "Um empresário [...] consegue se reerguer. Mas o político sem poder morre de fome".
Imagino que o juiz tenha se referido à maior ou menor capacidade desses elementos de, cumpridas suas condenações, retomar uma vida profissional fora do crime e da política. Marcelo Odebrecht, por exemplo, formou-se em engenharia civil e deve saber tudo de construção pesada, indústria petroquímica e engenharia ambiental. Mas meteu-se em sinistros projetos governamentais, com o dinheiro da Petrobras e do BNDES, e a Lava Jato o pegou. Fora das grades, no entanto, Odebrecht talvez consiga limpar seu nome e o de sua empresa.
Já os membros dos nossos Senado, Câmara dos Deputados e Assembleias Legislativas, em grossa maioria, só se sustentam porque, depois de uma eleição paroquial que lhes conferiu um mandato de vereador ou coisa assim, promoveram-se a federais e se colocaram em posição de encaminhar projetos de poderosos das várias áreas, por um dinheiro nunca sequer sonhado. Falando português claro, sua função na política é esta: lesar, digo, usar o país em proveito próprio.
Como passam três dias em Brasília e os demais em seus grotões, nunca se livraram da craca provinciana. Há pouco, um deles confundiu a proclamação da República com o grito da Independência; outro chamou Bertold Brecht de Bertoldo Brecha —e não os veja como exceções. Muitos mal sabem ler. Mas são bons de negociatas e protegidos pelo foro privilegiado.
Bretas tem razão. Tire o poder de um desses gajos e descubra quem você elegeu para representá-lo.
Já os membros dos nossos Senado, Câmara dos Deputados e Assembleias Legislativas, em grossa maioria, só se sustentam porque, depois de uma eleição paroquial que lhes conferiu um mandato de vereador ou coisa assim, promoveram-se a federais e se colocaram em posição de encaminhar projetos de poderosos das várias áreas, por um dinheiro nunca sequer sonhado. Falando português claro, sua função na política é esta: lesar, digo, usar o país em proveito próprio.
Como passam três dias em Brasília e os demais em seus grotões, nunca se livraram da craca provinciana. Há pouco, um deles confundiu a proclamação da República com o grito da Independência; outro chamou Bertold Brecht de Bertoldo Brecha —e não os veja como exceções. Muitos mal sabem ler. Mas são bons de negociatas e protegidos pelo foro privilegiado.
Bretas tem razão. Tire o poder de um desses gajos e descubra quem você elegeu para representá-lo.
Grandes novidades...
Os jornais estampam a última “novidade” deste Brasil feito por nós, mas que tende a ser visto como um ilustre desconhecido. Pois somos muito mais predispostos a nos ver como criadores do que como criaturas. Acreditamos criar relações que produzem grupos, os quais, por sua vez, inventam regras mas - eis a novidade das “crises’ - descobrimos como temos que prestar contas do que escolhemos e inventamos.
No momento, a grande novidade é descobrir que, sem fazer valer a lei a torto e a direito (sem trocadilho), o Brasil vai às brecas. Nosso problema corrente e premente é como desfazer os resíduos de nobreza embutidos em toda parte, mas imoral e desconfortavelmente visíveis nos cargos públicos de alto coturno.
Você não queria democracia? - agora chia... Nós nos perguntávamos quando veio o golpe militar para - diziam - democratizar o Brasil e vimos o passageiro se transformar em permanente, o democrático, em ditadura e o governo provisório, num regime.
Proclamamos uma República em 1889 somente para descobrir em 2017 que falta muito para sermos republicanos. Como igualar perante a lei se os porquinhos são mais iguais do que os cachorros? E se os leões eleitos para salvar o povo têm imunidade. Eis uma sobrevivência do passado imperial no presente republicano. De fato, quanto mais lutamos pela igualdade, mais criamos iniquidades. Ambiguidades ocorrem em toda parte, mas não viram valores. Os americanos, por exemplo, queriam evitar demagogos e, com suas eleições em dois turnos, elegeram Trump. Os alemães - cuja língua só os mais inteligentes conseguem falar, conforme dizia um dos meus professores -, inventaram o nazismo exatamente por serem compulsivamente corretos.
A ironia como um hóspede não convidado surge como um “inesperado” na mesma proporção de nossas intenções. “É a obra do artista, como escreveu Nietzsche, que inventa o homem que a criou. ‘Os Grandes Homens’, como eles são depois venerados, são o resultado subsequente de pequenas peças de ficção”.
O coletivo retorna ao jogo com a mesma potência com a qual ele foi ignorado. Uma matriz aristocrática - baseada em sucessão hereditária, programada para proteger parentes e amigos; uma sociedade na qual os “brancos” tinham como destino “não fazer nada” a não ser legislar, decretar e, acima de tudo, mandar enquanto os “negros-escravos” os complementavam praticando essa coisa terrível que é trabalhar - enfrenta hoje uma inexorável pressão igualitária.
Um sistema que teve como ideal afastar o trabalho das suas camadas dominantes resultou nessa novidade que hoje estamos enfrentando: trabalho dobrado. Trabalho adornado pela vergonha de ver a olho nu e sem convicções ideológicas como o viés aristocrático com seus penduricalhos estatais canibalizou a horizontalidade das posições políticas. A polaridade esquerda/direita foi engolida pela gradação tradicional do alto e do baixo, do pobre e do rico, por meio do aviltamento das políticas públicas transformadas em instrumentos de enriquecimento pessoal. A novidade é ver quadrilhas de “governantes” de um lado e do outro lotando as cadeias públicas.
E, dentro delas, eis a negação da negação, reproduzindo regalias. De fato, como impedir que uma gangue de governantes e ministros criminosos coma do bom e do melhor? Sobretudo quando vivemos uma epidemia de culinária cujos "chefs" têm sotaque francês?
O resultado direto, espera-se, será a melhoria das cadeias medievais agora preparadas para esses prisioneiros enobrecidos - esses vis batedores de carteira de ideais democráticos. Assim, em conformidade com o nosso surrealismo jurídico-político, tais prisões deveriam ser privatizadas e transformadas em “prisões-resort-especiais” destinadas aos que têm o direito antidemocrático a “prisão especial” - essa brutal contradição em termos. Nelas, os ladrões dos nossos sonhos de igualdade, honra, honestidade, trabalho e solidariedade coletiva - teriam a sua doce e legalíssima punição.
A norma crítica do republicanismo - o axioma da democracia é a igualdade perante a lei. Nele, o crime cometido, e não a prerrogativa do cargo ou a pessoa que o ocupa, é o fiel do julgamento. Se certos cargos neutralizam a igualdade, voltamos à nobreza que, como o “você sabe com quem está falando?”, jamais abandonamos inteiramente. Como, eis a questão, neutralizar o princípio em função de papéis sociais e pessoas. A própria discussão é a prova mais clara do nosso horror à igualdade.
No momento, a grande novidade é descobrir que, sem fazer valer a lei a torto e a direito (sem trocadilho), o Brasil vai às brecas. Nosso problema corrente e premente é como desfazer os resíduos de nobreza embutidos em toda parte, mas imoral e desconfortavelmente visíveis nos cargos públicos de alto coturno.
Você não queria democracia? - agora chia... Nós nos perguntávamos quando veio o golpe militar para - diziam - democratizar o Brasil e vimos o passageiro se transformar em permanente, o democrático, em ditadura e o governo provisório, num regime.
Proclamamos uma República em 1889 somente para descobrir em 2017 que falta muito para sermos republicanos. Como igualar perante a lei se os porquinhos são mais iguais do que os cachorros? E se os leões eleitos para salvar o povo têm imunidade. Eis uma sobrevivência do passado imperial no presente republicano. De fato, quanto mais lutamos pela igualdade, mais criamos iniquidades. Ambiguidades ocorrem em toda parte, mas não viram valores. Os americanos, por exemplo, queriam evitar demagogos e, com suas eleições em dois turnos, elegeram Trump. Os alemães - cuja língua só os mais inteligentes conseguem falar, conforme dizia um dos meus professores -, inventaram o nazismo exatamente por serem compulsivamente corretos.
A ironia como um hóspede não convidado surge como um “inesperado” na mesma proporção de nossas intenções. “É a obra do artista, como escreveu Nietzsche, que inventa o homem que a criou. ‘Os Grandes Homens’, como eles são depois venerados, são o resultado subsequente de pequenas peças de ficção”.
O coletivo retorna ao jogo com a mesma potência com a qual ele foi ignorado. Uma matriz aristocrática - baseada em sucessão hereditária, programada para proteger parentes e amigos; uma sociedade na qual os “brancos” tinham como destino “não fazer nada” a não ser legislar, decretar e, acima de tudo, mandar enquanto os “negros-escravos” os complementavam praticando essa coisa terrível que é trabalhar - enfrenta hoje uma inexorável pressão igualitária.
Um sistema que teve como ideal afastar o trabalho das suas camadas dominantes resultou nessa novidade que hoje estamos enfrentando: trabalho dobrado. Trabalho adornado pela vergonha de ver a olho nu e sem convicções ideológicas como o viés aristocrático com seus penduricalhos estatais canibalizou a horizontalidade das posições políticas. A polaridade esquerda/direita foi engolida pela gradação tradicional do alto e do baixo, do pobre e do rico, por meio do aviltamento das políticas públicas transformadas em instrumentos de enriquecimento pessoal. A novidade é ver quadrilhas de “governantes” de um lado e do outro lotando as cadeias públicas.
E, dentro delas, eis a negação da negação, reproduzindo regalias. De fato, como impedir que uma gangue de governantes e ministros criminosos coma do bom e do melhor? Sobretudo quando vivemos uma epidemia de culinária cujos "chefs" têm sotaque francês?
O resultado direto, espera-se, será a melhoria das cadeias medievais agora preparadas para esses prisioneiros enobrecidos - esses vis batedores de carteira de ideais democráticos. Assim, em conformidade com o nosso surrealismo jurídico-político, tais prisões deveriam ser privatizadas e transformadas em “prisões-resort-especiais” destinadas aos que têm o direito antidemocrático a “prisão especial” - essa brutal contradição em termos. Nelas, os ladrões dos nossos sonhos de igualdade, honra, honestidade, trabalho e solidariedade coletiva - teriam a sua doce e legalíssima punição.
A norma crítica do republicanismo - o axioma da democracia é a igualdade perante a lei. Nele, o crime cometido, e não a prerrogativa do cargo ou a pessoa que o ocupa, é o fiel do julgamento. Se certos cargos neutralizam a igualdade, voltamos à nobreza que, como o “você sabe com quem está falando?”, jamais abandonamos inteiramente. Como, eis a questão, neutralizar o princípio em função de papéis sociais e pessoas. A própria discussão é a prova mais clara do nosso horror à igualdade.
E fica por isso mesmo
O Supremo Tribunal Federal decidiu por sólida maioria (sete votos em 11) que o foro privilegiado de deputados e senadores deve ser interpretado de modo restritivo. Em voto bem definido, a Corte resolveu que os parlamentares só terão direito de serem julgados no STF por crimes cometidos durante o exercício do mandato e por atos referentes ao exercício.
Claro: se um deputado é processado por uma declaração em plenário ou por um voto, vai para o STF. Se bate uma carteira ou agride a mulher, Justiça comum, primeira instância, como todos os demais cidadãos.
Muito bem, só que não vale nada.
O ministro Dias Toffoli, contrário a essa interpretação, pediu vistas do processo, quando o placar vencedor, os sete votos, já estava feito. O pedido interrompe o processo até que o ministro o devolva ao plenário. Ou seja, embora a decisão esteja tomada, o resultado não pode ser proclamado e entrar em vigor.
O ministro tem prazo para dar “vistas” no processo? Tem. Algum juiz do STF respeita? Não.
Aliás, o pessoal lá diz assim: em tese, tem prazo, mas na prática não funciona.
E quanto a isso de um ministro solitário barrar a decisão da maioria? É assim mesmo, respondem. Mesmo que o tema esteja mais do que debatido? Mesmo assim.
Em bom português: uma decisão importante, tomada solenemente, é letra morta, papel inútil.
Todo mundo lá sabe desses, digamos, defeitos na produção de justiça.
E fica por isso mesmo. No caso, deputados e senadores podem ficar tranquilos. Em qualquer caso, de corrupção a roubo de carro, serão julgados no STF, onde a probabilidade de demora e prescrição é muito grande.
E aquela decisão do STF era justamente para barrar esse privilégio.
Segue a ciranda. Ainda ontem, o Superior Tribunal de Justiça, instância logo abaixo do STF, suspendeu o julgamento do governador de Minas, Fernando Pimentel. Aliás, não é ainda o julgamento. A Corte decide se o governador deve ser tornado réu em crime de corrupção cometido cinco anos atrás. Quer dizer, julga se deve ser julgado. Por que não vão direto?
Ora, porque não.
Pois então, quando dois juízes já haviam votado pela aceitação da denúncia, um terceiro pediu vistas. Mesma coisa. Tem prazo para devolver? Tem. Vale? Não.
E lá segue o governador, a caminho de terminar seu mandato e, mais, candidatar-se à reeleição.
Agora, se é assim, a gente deveria estender esse direito aos cidadãos. Já pensou? Você é intimado pela Receita Federal. Pede vistas.
O fiscal da Receita: olha lá, tem que devolver, hein?
E você, como um ministro das cortes: ok, deixa comigo. (No duplo sentido: deixa que eu resolvo, deixa comigo mesmo).
E os supersalários do funcionalismo? Também caem no departamento do “fica por isso mesmo".
A coisa está no seguinte ponto: a imprensa já descobriu e publicou que um juiz do Mato Grosso recebeu mais de R$ 500 mil em um único mês; que a maioria dos desembargadores dos tribunais estaduais recebe acima do teto de R$ 33 mil, não sendo raros os vencimentos que ultrapassam os 100 mil reais; idem para funcionários da elite do Judiciário e Legislativo federais; que vereadores de pequenas cidades recebem mais de R$ 3 mil por mês para duas sessões anuais.
No caso dos supersalários, também já foi mais do que divulgado o truque utilizado: tem o salário, sempre abaixo do teto, e depois as vantagens pessoais e verbas indenizatórias, que são fora do teto. Na verdade, não têm limite.
Era legal que valesse também para o cidadão. Você diria à Receita: ganho mil reais por mês. E os outros 50 mil? Dinheiro pessoal e indenizatório.
Pode haver fraude mais clara?
Tome-se o auxílio-moradia. É prática normal na empresa privada quando o empregado é transferido para outra cidade. Recebe uma verba para mudar e se estabelecer. Isso feito, a verba desaparece, claro. É eventual.
No Judiciário, não. É permanente. E pago inclusive a desembargadores aposentados, inativos que já ganharam a vida e estão lá nas suas casas... pagas pelo contribuinte. E muitos aposentados trabalham como advogados.
Mas se tem preso ganhando auxílio-moradia, o que se pode esperar? Pois é, o deputado Celso Jacob (PMDB-RJ) está preso na Papuda, caso único de parlamentar federal julgado, condenado e encanado, e recebe R$ 4.200 mensais da Câmara de auxílio-moradia. A Mesa Diretora da Casa ainda está discutindo se um deputado preso tem ou não esse direito. Qualquer um sabe que não. Mas, sabe como é, é tão raro um deputado em cana....
Parece que a presidente Cármen Lúcia não quer que tudo fique por isso mesmo, ao menos no Judiciário. Decidiu que vai publicar os vencimentos de todos os juízes do país, especificando salário, verbas e vantagens. O que passar do teto, vai para o Conselho Nacional de Justiça.
Para cancelar o extrateto?
Não. Para discutir se pode ou não pode ficar por isso mesmo.
A transparência pode constranger.
A ver, mesmo.
Carlos Alberto Sardenberg
Claro: se um deputado é processado por uma declaração em plenário ou por um voto, vai para o STF. Se bate uma carteira ou agride a mulher, Justiça comum, primeira instância, como todos os demais cidadãos.
Muito bem, só que não vale nada.
O ministro tem prazo para dar “vistas” no processo? Tem. Algum juiz do STF respeita? Não.
Aliás, o pessoal lá diz assim: em tese, tem prazo, mas na prática não funciona.
E quanto a isso de um ministro solitário barrar a decisão da maioria? É assim mesmo, respondem. Mesmo que o tema esteja mais do que debatido? Mesmo assim.
Em bom português: uma decisão importante, tomada solenemente, é letra morta, papel inútil.
Todo mundo lá sabe desses, digamos, defeitos na produção de justiça.
E fica por isso mesmo. No caso, deputados e senadores podem ficar tranquilos. Em qualquer caso, de corrupção a roubo de carro, serão julgados no STF, onde a probabilidade de demora e prescrição é muito grande.
E aquela decisão do STF era justamente para barrar esse privilégio.
Segue a ciranda. Ainda ontem, o Superior Tribunal de Justiça, instância logo abaixo do STF, suspendeu o julgamento do governador de Minas, Fernando Pimentel. Aliás, não é ainda o julgamento. A Corte decide se o governador deve ser tornado réu em crime de corrupção cometido cinco anos atrás. Quer dizer, julga se deve ser julgado. Por que não vão direto?
Ora, porque não.
Pois então, quando dois juízes já haviam votado pela aceitação da denúncia, um terceiro pediu vistas. Mesma coisa. Tem prazo para devolver? Tem. Vale? Não.
E lá segue o governador, a caminho de terminar seu mandato e, mais, candidatar-se à reeleição.
Agora, se é assim, a gente deveria estender esse direito aos cidadãos. Já pensou? Você é intimado pela Receita Federal. Pede vistas.
O fiscal da Receita: olha lá, tem que devolver, hein?
E você, como um ministro das cortes: ok, deixa comigo. (No duplo sentido: deixa que eu resolvo, deixa comigo mesmo).
E os supersalários do funcionalismo? Também caem no departamento do “fica por isso mesmo".
A coisa está no seguinte ponto: a imprensa já descobriu e publicou que um juiz do Mato Grosso recebeu mais de R$ 500 mil em um único mês; que a maioria dos desembargadores dos tribunais estaduais recebe acima do teto de R$ 33 mil, não sendo raros os vencimentos que ultrapassam os 100 mil reais; idem para funcionários da elite do Judiciário e Legislativo federais; que vereadores de pequenas cidades recebem mais de R$ 3 mil por mês para duas sessões anuais.
No caso dos supersalários, também já foi mais do que divulgado o truque utilizado: tem o salário, sempre abaixo do teto, e depois as vantagens pessoais e verbas indenizatórias, que são fora do teto. Na verdade, não têm limite.
Era legal que valesse também para o cidadão. Você diria à Receita: ganho mil reais por mês. E os outros 50 mil? Dinheiro pessoal e indenizatório.
Pode haver fraude mais clara?
Tome-se o auxílio-moradia. É prática normal na empresa privada quando o empregado é transferido para outra cidade. Recebe uma verba para mudar e se estabelecer. Isso feito, a verba desaparece, claro. É eventual.
No Judiciário, não. É permanente. E pago inclusive a desembargadores aposentados, inativos que já ganharam a vida e estão lá nas suas casas... pagas pelo contribuinte. E muitos aposentados trabalham como advogados.
Mas se tem preso ganhando auxílio-moradia, o que se pode esperar? Pois é, o deputado Celso Jacob (PMDB-RJ) está preso na Papuda, caso único de parlamentar federal julgado, condenado e encanado, e recebe R$ 4.200 mensais da Câmara de auxílio-moradia. A Mesa Diretora da Casa ainda está discutindo se um deputado preso tem ou não esse direito. Qualquer um sabe que não. Mas, sabe como é, é tão raro um deputado em cana....
Parece que a presidente Cármen Lúcia não quer que tudo fique por isso mesmo, ao menos no Judiciário. Decidiu que vai publicar os vencimentos de todos os juízes do país, especificando salário, verbas e vantagens. O que passar do teto, vai para o Conselho Nacional de Justiça.
Para cancelar o extrateto?
Não. Para discutir se pode ou não pode ficar por isso mesmo.
A transparência pode constranger.
A ver, mesmo.
Carlos Alberto Sardenberg
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