Claro: se um deputado é processado por uma declaração em plenário ou por um voto, vai para o STF. Se bate uma carteira ou agride a mulher, Justiça comum, primeira instância, como todos os demais cidadãos.
Muito bem, só que não vale nada.
O ministro tem prazo para dar “vistas” no processo? Tem. Algum juiz do STF respeita? Não.
Aliás, o pessoal lá diz assim: em tese, tem prazo, mas na prática não funciona.
E quanto a isso de um ministro solitário barrar a decisão da maioria? É assim mesmo, respondem. Mesmo que o tema esteja mais do que debatido? Mesmo assim.
Em bom português: uma decisão importante, tomada solenemente, é letra morta, papel inútil.
Todo mundo lá sabe desses, digamos, defeitos na produção de justiça.
E fica por isso mesmo. No caso, deputados e senadores podem ficar tranquilos. Em qualquer caso, de corrupção a roubo de carro, serão julgados no STF, onde a probabilidade de demora e prescrição é muito grande.
E aquela decisão do STF era justamente para barrar esse privilégio.
Segue a ciranda. Ainda ontem, o Superior Tribunal de Justiça, instância logo abaixo do STF, suspendeu o julgamento do governador de Minas, Fernando Pimentel. Aliás, não é ainda o julgamento. A Corte decide se o governador deve ser tornado réu em crime de corrupção cometido cinco anos atrás. Quer dizer, julga se deve ser julgado. Por que não vão direto?
Ora, porque não.
Pois então, quando dois juízes já haviam votado pela aceitação da denúncia, um terceiro pediu vistas. Mesma coisa. Tem prazo para devolver? Tem. Vale? Não.
E lá segue o governador, a caminho de terminar seu mandato e, mais, candidatar-se à reeleição.
Agora, se é assim, a gente deveria estender esse direito aos cidadãos. Já pensou? Você é intimado pela Receita Federal. Pede vistas.
O fiscal da Receita: olha lá, tem que devolver, hein?
E você, como um ministro das cortes: ok, deixa comigo. (No duplo sentido: deixa que eu resolvo, deixa comigo mesmo).
E os supersalários do funcionalismo? Também caem no departamento do “fica por isso mesmo".
A coisa está no seguinte ponto: a imprensa já descobriu e publicou que um juiz do Mato Grosso recebeu mais de R$ 500 mil em um único mês; que a maioria dos desembargadores dos tribunais estaduais recebe acima do teto de R$ 33 mil, não sendo raros os vencimentos que ultrapassam os 100 mil reais; idem para funcionários da elite do Judiciário e Legislativo federais; que vereadores de pequenas cidades recebem mais de R$ 3 mil por mês para duas sessões anuais.
No caso dos supersalários, também já foi mais do que divulgado o truque utilizado: tem o salário, sempre abaixo do teto, e depois as vantagens pessoais e verbas indenizatórias, que são fora do teto. Na verdade, não têm limite.
Era legal que valesse também para o cidadão. Você diria à Receita: ganho mil reais por mês. E os outros 50 mil? Dinheiro pessoal e indenizatório.
Pode haver fraude mais clara?
Tome-se o auxílio-moradia. É prática normal na empresa privada quando o empregado é transferido para outra cidade. Recebe uma verba para mudar e se estabelecer. Isso feito, a verba desaparece, claro. É eventual.
No Judiciário, não. É permanente. E pago inclusive a desembargadores aposentados, inativos que já ganharam a vida e estão lá nas suas casas... pagas pelo contribuinte. E muitos aposentados trabalham como advogados.
Mas se tem preso ganhando auxílio-moradia, o que se pode esperar? Pois é, o deputado Celso Jacob (PMDB-RJ) está preso na Papuda, caso único de parlamentar federal julgado, condenado e encanado, e recebe R$ 4.200 mensais da Câmara de auxílio-moradia. A Mesa Diretora da Casa ainda está discutindo se um deputado preso tem ou não esse direito. Qualquer um sabe que não. Mas, sabe como é, é tão raro um deputado em cana....
Parece que a presidente Cármen Lúcia não quer que tudo fique por isso mesmo, ao menos no Judiciário. Decidiu que vai publicar os vencimentos de todos os juízes do país, especificando salário, verbas e vantagens. O que passar do teto, vai para o Conselho Nacional de Justiça.
Para cancelar o extrateto?
Não. Para discutir se pode ou não pode ficar por isso mesmo.
A transparência pode constranger.
A ver, mesmo.
Carlos Alberto Sardenberg
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