terça-feira, 31 de agosto de 2021

Pensamento do Dia

 


Bolsonaro treina para o autogolpe

Eu preferia falar do coxão do Lula, dos discursos promissores. Tentador imaginar o que a vida nos reserva para além de janeiro de 2023. Mas como ignorar o abismo de doença, fome, miséria, desemprego e inflação em que Bolsonaro, Paulo Guedes e sua turma mergulharam o Brasil?

No linguajar ordinário de Bolsonaro, somos todos idiotas. Idiotas os que preferem comprar feijão a fuzil. Os que ficam em casa na pandemia, chancelam o voto eletrônico, protestam contra o negacionismo. Claramente, o genocida incita a turba. Empenha-se no confronto.

Expulso do Exército, o capitão desafia as Forças Armadas, ao convocar seguidores para o 7 de Setembro. Toca o chifre (assim é conhecido o berrante), instiga o gado, intima crentes de pastores sórdidos, atiça policiais militares, causando apreensão entre os governadores.

Num dia em que o país assistiu perplexo aos ataques de bandidos fortemente armados a bancos em Araçatuba, interior de São Paulo, aterrorizando a população, fazendo reféns amarrados aos carros, espalhando bombas pela cidade, assassinando dois jovens moradores, a intimação de Bolsonaro a seus adeptos, para manifestação em beneficio próprio, soou ainda mais leviana.


O risco é grande. Bolsonaro vai reunir milhões de enfurecidos Brasil afora no Dia da Independência. Dois milhões? Quatro milhões? Pastores espalham o ato em favor de Bolsonaro pelas redes sociais e por grupos de WhatsApp. Evento da Igreja Universal juntou, de uma só vez, em 2010, 3 milhões de pessoas em São Paulo e no Rio.

Bolsonaro inflama seguidores, põe combustível na fogueira do ódio e da intimidação. É da sua índole. Quer encolerizar a multidão contra os que não rezam na sua cartilha. Está atormentado pelas pesquisas eleitorais. Lula ganharia em todos os cenários. O povaréu que vai aplaudi-lo não o fará mais forte.

Mais de 70% dos eleitores não votariam em Bolsonaro em 2022. E os “idiotas” não cairão na armadilha do Dia da Independência. Por tudo que representa – ignorância, crueldade, tosquice -, se não houver impeachment, com tantos descalabros nesse governo, sua hora está chegando: 31/1/2022. Não haverá mais cercadinho no Alvorada para emporcalhar a história.
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Sua derrota, capitão, será retumbante.

PS: Viva a diversidade. Alana, Thalita, Julyana, Lúcia, Cátia, Ana Karolina, Débora… Daniel, Gabriel, Felipe, Rene … É sucesso o Brasil nas Paralimpíadas de Tóquio-2020. Estamos na sexta posição, entre 139 países, com 35 medalhas, 12 de ouro. Emociona a dedicação dos nossos atletas. Disputamos 20 dos 22 esportes do programa paralímpico. Enquanto isso, por aqui, um ser ignóbil ocupa o cargo de ministro da educação (assim mesmo, em letras minúsculas) e diz que crianças especiais “atrapalham” nas salas de aula. Sabe o que atrapalha, ministro? Sua ignorância, sua podridão intelectual. Fora, Milton Ribeiro!

Golpe pra quê?

O mundo está cada vez mais complicado. A partir da guinada econômica de Deng Xiaoping na China nos anos 1970 e da queda do Muro de Berlim em 1989, parecíamos caminhar para um futuro de paz e prosperidade. E, de fato, houve muito progresso material e social, sem grandes guerras ou acidentes.

Mas não durou muito. Na virada do século veio um primeiro alerta, pelas mãos do terrorismo de origem religiosa, que mostrou sua força derrubando as Torres Gêmeas, episódio que completa 20 anos nos próximos dias.

Em outra frente, a mudança climática aponta para um desastre global de enormes proporções. Em que pese a solidez da base científica do diagnóstico, as respostas até agora parecem modestas.

Li recentemente que o ex-prefeito de Nova York Michael Bloomberg considera um absurdo as metas chinesas de emissões de carbono mirarem em 2050. Ele tem toda razão. É muito longe. Ainda no front de nossa relação com a natureza, vivemos hoje uma catastrófica pandemia, que ameaça se transformar em endemia, também a despeito dos esplêndidos avanços da ciência.

Esses e outros desafios, como a estagnação do comércio internacional, as crescentes ameaças cibernéticas e a guerra modelo século 21 entre China e Estados Unidos, sugerem que a governança global do planeta anda mal.


Chama a atenção a guinada interna em andamento na China de Xi Jinping. O que parecia ser uma suave transição a um regime mais aberto passou a ser hoje uma grande reafirmação da ditadura do Partido Comunista, que visa se perpetuar no poder. Destacam-se a perenização de seu líder, a onipresença de seus membros nos conselhos das principais empresas, o amplo acesso a cada passo da vida das pessoas —enfim, um grande e repressivo mecanismo, fonte de incerteza.

Em outras partes, proliferam cada vez mais regimes políticos autoritários e populistas, turbinados pelo uso competente das redes sociais, que favorecem esse tipo de liderança. O custo da transmissão massiva de informações é hoje relativamente baixo e permite a ampla difusão de todo tipo de fake news, que criam uma enganosa “realidade” paralela.

Vivemos hoje no Brasil uma situação com essas características. No início, o atual governo parecia ter adotado “apenas” uma versão da estratégia desenvolvida por Steve Bannon para Trump: atacar as defesas da democracia.

O tema é objeto de Jonathan Rauch em seu brilhante e recém-lançado livro “The Constitution of Knowledge”, ainda não traduzido, que estende artigo de mesmo nome publicado há três anos.

Rauch usa o termo “constituição” no sentido de carta de princípios — no caso, de defesa do conhecimento, motor fundamental do progresso e antídoto contra as fake news. Ele defende ampla liberdade de expressão, acompanhada de um sistema livre, independente e rigoroso de crítica às ideias que são apresentadas, especialmente as que embasam decisões públicas.

O sistema de defesa é composto pela academia, pela imprensa e, cada vez mais, pelo terceiro setor, todos atuando a partir de filtros rigorosos de apuração, de informação e de análise. Inclui também o mundo artístico e cultural, que de forma lúdica representa anseios de liberdade e mais igualdade. Seria como um enorme funil por onde entram livremente muitas ideias, mas relativamente poucas sobrevivem à crítica e aos valores da sociedade.

No Brasil de hoje, o descaso com as consequências da pandemia e do desmatamento da Amazônia vem sendo objeto de resposta vigorosa da sociedade, felizmente. Os efeitos desse esforço ainda não se fizeram sentir, mas boas sementes estão sendo plantadas.

No entanto, e infelizmente, os ataques do governo têm ido além da agenda Bannon. Hoje está em risco o sistema de pesos e contrapesos, que é parte fundamental de nossa democracia.

Acusações ocas e ameaças aos demais Poderes têm sido frequentes, sobretudo ao Judiciário, e em especial à higidez do sistema eleitoral. Não parece ser o caso hoje ainda, mas mais adiante a relação com o Legislativo pode azedar também, como ocorreu recentemente.

Um fator adicional de tensão advém da postura do presidente com relação a armamentos e a quem os porta. A noção de armar o povo para defender a liberdade não faz sentido algum, mas vem sendo repetida. Tampouco faz sentido qualquer tolerância com a existência de grupos informais armados operando à margem da lei.

Desde o início de seu mandato o presidente vem dando especial atenção às Forças Armadas e às polícias militares. Militares (inclusive da ativa) ocupam inúmeros postos-chave na administração pública, o que começa a comprometer a imagem das Forças Armadas.

Esse quadro geral é extremamente prejudicial à economia. Em tese, não faltam oportunidades de investimento ao Brasil, da infraestrutura à educação e à saúde. Mas a incerteza encurta os horizontes e inibe o investimento.

Não seria surpresa se pipocassem mais e mais focos de tensão, como se viu semana passada na Polícia Militar de São Paulo. Não é impossível imaginar cenários de violência à democracia.

Na medida em que as defesas da democracia se mostrem eficazes, aumentará a pressão sobre o governo atual, que vem fazendo água nas pesquisas. O presidente parece disposto a dobrar a aposta, pelo visto contando com o apoio de uma minoria agressiva.

No entanto, tenho convicção de que as lideranças das Forças Armadas e (espero) das polícias, além de defenderem a Constituição, entendem que estariam apoiando um projeto de desconstrução da nação.

O bicentenário

Ao resenhar a obra do historiador José Honório Rodrigues, Conciliação e reforma no Brasil (Senac), de 1965, o embaixador Alberto Costa e Silva destacou que a chave para entender a história do Brasil é a conciliação: “Entre os que se foram tornando o povo brasileiro — os índios convertidos e os selvagens; os negros escravos, libertos, africanos e crioulos; os brancos reinóis e os mazombos; os mamelucos; os mulatos e os cafuzos; tão diversos entre si, tantas vezes conflitantes e, na aparência, irredutíveis —, venceram os conciliadores sobre a violência dos intransigentes”.

Pelourinhos, quilombos, motins, revoltas, repressões sangrentas, fuzilamentos, enforcamentos, esquartejamentos, guerras e mais guerras, desde a Independência, foram 200 anos sangrentos, mas prevaleceu a unidade nacional e a conciliação no seio do povo, à qual devemos “o fato de ter o Brasil, desde cedo, deixado de ser uma caricatura de Portugal nos trópicos” e possuir um substrato novo, “apesar do europeísmo e lusitanismo vitorioso e dominante na aparência das formas sociais”, como destacou Honório Rodrigues.

Não haveria futuro com recusa ao diálogo, desrespeito aos opositores, intolerância mútua e intransigência. Muito mais do que às elites, ao povo se deve a integridade territorial; a unidade linguística; a mestiçagem; a tolerância racial, cultural e religiosa; e as acomodações que acentuaram e dissolveram muitos dos antagonismos grupais e fizeram dos brasileiros um só povo que, como se reconhece e autoestima, delas também recebeu as melhores lições de rebeldia contra uma ordem social injusta e estagnada, avalia.


Hoje, o Brasil vive um cenário de incertezas, tendo como falso deadline o próximo 7 de Setembro, no qual o presidente Jair Bolsonaro promete armar um grande barraco político, em manifestações convocadas para a Avenida Paulista, em São Paulo, e a Esplanada dos Ministérios, em Brasília, enquanto as Forças Armadas se recolherão às cerimônias de quartel, à margem da política, sem os populares. desfiles militares. A contagem regressiva para o bicentenário da Independência começa numa encruzilha do seu destino: não temos um projeto de futuro nem consensos sobre o presente.

Não será um ano fácil. Num país com rumo, o presidente da República anunciaria grandes comemorações, uma proposta de desenvolvimento e a convocação de um debate nacional sobre os próximos 100 anos, envolvendo toda a sociedade. O objetivo seria nos tornarmos um país desenvolvido (ou quase) pelo esforço continuado de quatro gerações. Entretanto o que estamos vendo é a desesperança na sociedade e o desejo de volta ao passado, de uma minoria reacionária e extremista, saudosista do sesquicentenário, comemorado durante o governo do general Emílio Garrastazu Médici.

Naquela época, em plena ditadura, o ponto alto das comemorações foi o seu encerramento, na colina do Ipiranga, em São Paulo, local onde foi proclamada a Independência, em 1822, e onde ocorreria a inumação dos despojos mortais de D. Pedro I, ao lado da imperatriz Leopoldina, após peregrinação por todo o país. Um tour de necropolítica, à sombra da censura prévia e da suspensão do habeas corpus. Os órgãos de segurança do regime sequestravam, torturavam e desapareciam com oposicionistas.

Com certeza, haverá muita discussão sobre o que aconteceu nestes 200 anos e o que devemos projetar para o futuro, na academia e nos partidos, como o MDB, o PSDB, o DEM e o Cidadania, cujas fundações anunciam a realização de uma série de debates programáticos, com objetivo de repensar a realidade brasileira no contexto da globalização, a partir da segunda semana de setembro. O primeiro será em 15 de setembro, sobre a atual crise institucional e a democracia, tendo como conferencista o ex-presidente do Supremo Nelson Jobim e os ex-presidentes José Sarney, Fernando Henrique Cardoso e Michel Temer como debatedores, com a participação dos presidentes dos respectivos partidos: o deputado Baleia Rossi (MDB-SP); o presidente nacional do PSDB, Bruno Araujo; o ex-prefeito de Salvador ACM Neto (DEM); e o ex-deputado Roberto Freire (Cidadania).

Segundo o ex-governador Moreira Franco, mediador do debate e um dos curadores do evento, o objetivo é discutir um novo rumo para o país, em bases democráticas, modernas e inclusivas, antes de pensar em candidatura única, analisar uma nova agenda do país. O evento reunirá gente que pensa com Pê maiúsculo: Roberto Brant, Zeina Latif, José Roberto Afonso, Bernard Appy, Ricardo Paes de Barros, Ricardo Henriques, Cristovam Buarque, Raul Jungmann, Murilo Cavalcanti, Sérgio Besserman Vianna, Rubens Ricupero e José Carlos Carvalho, Milton Seligman, Gabriela Cruz Lima, Ivanir dos Santos, Luiz Antônio Santini, André Médice, Januário M Januário Montoni, Marta Suplicy e Luiz Roberto Mott, entre outros.

Todo dia é 7 a 1

Há uma música que ouço com frequência: “Every Day is Halloween”, da banda Ministry. A letra é sobre um personagem oprimido por ser visto como diferente. Os outros encaram-no e questionam sua identidade fora do padrão. É uma sensação sufocante, e de fácil identificação. Basta viver no Brasil de 2021, em que a população se dividiu em duas tribos inimigas. Aqui, todo dia é das bruxas, porém não no sentido libertador.


É como nos filmes americanos: um grupo de jovens fantasiados bate nas portas das casas da vizinhança e pedem para seus donos: “Doces ou travessuras”, à espera de guloseimas em troca. Na versão brasileira (que não é da Herbert Richers), o papel da turma seria representado pelo povo, e o governo faria o morador malvado da casa estranha, em atuação canhestra. Nada de doces, somente travessuras. E, pior, alguns se contaminaram com o veneno a ponto de se transformarem em zumbis devoradores de cérebros: “Mito! Mito!”, entoam enquanto se arrastam pela longa noite da democracia.

Como se não se bastasse, este ano o país terá uma data para chamar de assombrada. O feriado da independência se aproxima à medida que a autonomia das instituições periga. Mais do que olhares e insultos na internet, o país encara um jogo sujo cujo resultado pode ser inesperado e terrível. Observar uma seleção retrógrada dominar o placar é insensatez. Cada queimada, aumento na inflação, perseguição aos direitos individuais, morte por Covid… equivale a um gol adversário. Neste 7 (a 1) de setembro, é preciso dar um freio no projeto de destruição do Brasil pelos jogadores milicianos.

Retomo a canção, que deveria ser uma metáfora para góticos, porém ressignifica-se em meio ao sombrio pântano tupiniquim. Não tolerar os abuso servidos, lutar para viver uma vida que possamos chamar de nossa. A única diferença da letra é nós não somos idênticos. Chega de travessuras, queremos os doces direitos que a família criminosa nos retirou.