domingo, 20 de novembro de 2016

Quem vive numa bolha?

Nestes dias de análises pós-eleitorais, em que você pode dar uma de perspicaz porque conta com a vantagem de saber o resultado, fala-se de bolhas. São dias borbulhantes. Fala-se dessas pessoas ingênuas, que vivem em seus mundinhos confortáveis, que consomem cultura para se sentirem elevadas, que participam de organizações humanitárias sem sair de casa para serenar o coração. E que não veem a vida real.

Os que vivem numa bolha costumam ser urbanoides, vão ao cinema com certa frequência, leem vários jornais por dia para tentar entender o mundo e acreditam que a base da justiça social está em igualar a partir de baixo, da educação primária. Os “bolhinhas” são da opinião de que a TV pública precisa ter forma e conteúdo diferenciados em relação à comercial. Acham que o bom jornalismo cria cidadãos, esse jornalismo local que conhece o terreno onde pisa e bate à porta para perguntar.

aí eu me afogo numa taça de champanhe...:
Quando um sujeito como Donald Trump vence as eleições norte-americanas, os inimigos da cultura apontam jocosos para os habitantes da bolha como se fossem idiotas, inocentes, bobos. Os reacionários fazem chacota daqueles que olham o mundo com profunda preocupação; e uma certa esquerda acusa tais pessoas de viver borbulhando, com seus suplementos de jornais e seus documentários, sem sair dos seus bairros para ver como é a classe trabalhadora real. Ser um “bolha” hoje, segundo nos rotulam, é algo que precisamos manter em segredo porque a cultura começa a ser algo mal visto. Como se fizéssemos parte de uma loja maçônica.

E o fato é que, perfeitamente cândidos, vemos nesta semana, na TV pública dos EUA, um documentário sobre Rikers – uma ilha-presídio ao norte de Nova York, onde os presos são amontoados de forma preventiva, alguns deles detidos por entrar no metrô sem pagar ou por um roubo na rua, esperando que chegue o julgamento. Como suas famílias não têm dinheiro para a fiança, eles esperam, às vezes durante anos. E os que não sabiam o que era a violência, as gangues ou a droga, aprendem ali mesmo para sobreviver. Todos os que aparecem no documentário são negros ou latinos. Não surpreende, já que 37% da população carcerária nos EUA é negra, embora os afro-americanos sejam apenas 12% do total do país.
O poder limpa até o mais repulsivo
Qual é a conclusão desses pequenos burgueses que vivem na bolha urbana sobre o grande documentário? Que a questão dos negros não foi resolvida, que continua havendo racismo e segregação, que não por acaso a exclusão social atinge sobretudo as populações não brancas. Inesgotáveis em seu afã por olhar o mundo a partir de sua vida aveludada, os bolhinhas vão ao cinema para assistir a um documentário que acaba de estrear contando a vida de John Coltrane. É uma vida parecida com a de tantos negros que cresceram na segregação, mas que salva seu destino graças a um originalíssimo talento musical. Houve um momento de silêncio quase religioso na sala: quando Coltrane compõe e interpreta Alabama, honrando aquelas quatro meninas que morreram em 1963 durante um serviço religioso numa igreja de Birmingham (Alabama) por uma bomba detonada pela Ku Klux Klan, na época muito ativa. Enquanto ouvíamos a melodia, que é a expressão da dor, víamos na tela os encapuzados brancos, suas fogueiras, seus biocos recortados no azul da noite.

O cinema estava lotado, uma sala grande abarrotada desses bolhas que, segundo se comenta, não querem saber do que ocorre lá fora. O eloquente silêncio continha não apenas a dor por incidentes que têm a minha idade, que ocorreram há não muito tempo; o silêncio estava lá também porque, tenho certeza, todos os espectadores são conscientes de que essa organização racista, antissemita, de supremacia branca, é hoje legal e apoiou Trump em sua campanha. Ao voltar para casa eu procurei no Google. Não fui a única. Esse nome, Ku Klux Klan, tem sido um dos mais buscados nos últimos tempos com uma pergunta: “A KKK é legal?” Como sempre ocorre, aos poucos vai tudo dando na mesma. O senhor Trump legitimará sua presidência fazendo fotos com dirigentes internacionais que encontrarão nele um pragmático, um cara simples. O poder limpa até o mais repulsivo. Mas o que eu me pergunto é: quem vive hoje na bolha? Somos nós, que procuramos desesperadamente uma explicação para essa deriva do mundo? Ou são os que alimentam seu espírito com páginas mentirosas e sectárias, que consolidam sua incapacidade de compreensão e os fazem viver temendo e abominando qualquer um que não lhe seja parecido?

Paisagem brasileira

A três curvas da cidade , José Rosário

Para sair desta maré

Seria uma longa reflexão, menos urgente do que pensar algumas ideias para sair desta maré. Maré brava que desafia a imaginação coletiva, mas que pode começar na cabeça do indivíduo, por mais precárias que sejam nossas ideias ou mais ingênuas que possam parecer. Considero um passo inicial ter os dados exatos sobre o impacto da corrupção nos últimos governos, sobretudo os que surfaram na onda do petróleo. Essa necessidade me pareceu mais necessária ainda quando recebi o bilhete de um amigo lembrando que a missão da sonda Juno, que começou em 2011 e deve terminar em 2017, custou US$ 1,1 bilhão. A sonda viajou 2,3 bilhões de quilômetros e no momento está na órbita de Júpiter. Na mesma época, o Rio implantou a linha 4 do metrô, com 16 quilômetros de extensão e cinco estações. A linha custou US$ 3 bilhões, quase o triplo da Missão Juno.

Era preciso um balanço geral. A Lava-Jato e outras operações policiais trataram até aqui de corrupção em obras da Petrobras e de Angra 3. O único político do PMDB preso era Eduardo Cunha, também por seu papel nacional. Existe uma operação, a Saqueador, que poderia puxar um dos fios da meada. O empresário Fernando Cavendish já oferece um anel de R$ 800 mil, mas ainda não esposou a delação premiada. Com a prisão de Sérgio Cabral talvez se possa ter uma visão aproximada do peso que a corrupção teve nos últimos anos e também da fração de recursos que possam ser restituídos ao Rio.

Pesquisas divulgadas esta semana mostram que a Assembleia do Rio custa mais caro que a de São Paulo e que o Judiciário custa uma vez e meia o do estado de Minas. Minas tem 853 municípios, o Rio, 92. É preciso uma revisão geral do custo da máquina. Ela passa pelos salários, mas envolve outras dimensões, sobretudo o sistema estadual de aposentadoria. Se as instituições mostrassem o quanto se perdeu com a corrupção e o governo demonstrasse que ajustou os custos da máquina à realidade de um estado quebrado, talvez pudesse surgir daí uma centelha de legitimidade. Esta centelha é a única esperança de conduzir um processo pacífico. É evidente que não existe projeto de reconstrução que não desperte protestos, mas num clima mais produtivo.

Se o estado, em todos os níveis, se ajusta à sua realidade falimentar, o diálogo com os funcionários torna-se menos áspero e a própria confiança da sociedade talvez reacenda. Esta semana li uma longa entrevista de Henry Kissinger porque queria saber de sua visão sobre o futuro da política externa americana. No meio do caminho, deparei-me com uma frase em que ele diz que todas as sociedades humanas, num determinado momento de sua história, decaem. É uma arrogância supor que os Estados Unidos escapariam desse destino. Mas observa em seguida: a perda de confiança em si próprio é um sintoma que pode precipitar a decadência.

Embora tenha feito as escolhas políticas, não foi a sociedade, mas os dirigentes que jogaram o Rio neste buraco. De um lado, a exuberância do petróleo, de outro, o estímulo federal para que o estado se endividasse. E, no meio, a corrupção. Não há razão para que ela perca a confiança em si própria. O que faliu foi uma visão política, o que se vive é uma ressaca do petróleo, a descoberta de uma caríssima e incapaz máquina de governo. O corte decisivo nos gastos públicos, a punição dos corruptos, a canalização dos recursos salvos do desastre para a saúde e a educação podem ser um roteiro geral. Sem falar na urgência de manter programas como o aluguel social e restaurante popular.

O estado vive uma situação tão grave que aquela frase de Kennedy, tantas vezes citada, por força da realidade, aplica-se aqui: não me pergunte o que Rio pode fazer por você, mas sim o que você pode fazer pelo Rio. Desde que haja confiança de que um outro rumo está sendo trilhado. Não vejo outras saídas, exceto a energia e a criatividade das pessoas, sobretudo quando as coisas estão desmoronando. Uma época chega ao fim e os que estão por cima são incapazes de iniciar uma nova.

É apenas uma opinião na esperança de que a intensa troca de ideias possa nos ajudar a sair dessa maré. Estamos sós, o cenário é desolador, mas é preciso prosseguir. Mesmo sem saber precisamente para onde e por que, é preciso prosseguir.

Fernando Gabeira

Leis demais em um país sem lei

Para coibir safadezas com o dinheiro público, o Brasil precisa de leis específicas e rigorosas. Essa foi a inspiração do Ministério Público Federal ao propor as 10 medidas contra a corrupção, que, seguramente, serão desfiguradas no cabo de guerra em que se tornou a apreciação da matéria na Câmara. Tanto ali quanto no Senado, todos defendem, da boca para fora, as investigações da Lava Jato e adjacentes. Mas no confronto com a realidade tudo muda de figura. E uma lei a mais pode ser a salvação de quem quer fugir da lei.

No país em que leis são feitas para anular outras leis ou simplesmente para não serem cumpridas, é difícil ter otimismo quanto à batalha final em torno da lei anticorrupção. Até porque, no avesso da intenção, a proposta do MPF abriu possibilidades infindas para que os parlamentares adicionassem no projeto incisos de perdão para crimes cometidos. Além disso, sabe-se, de antemão, que não há garantia de que a lei vingue. Mesmo se aprovada.

Resultado de imagem para leis demais charge

Lei no Brasil nem sempre é lei. Ironicamente, há as que pegam e as que não pegam. E ninguém faz nada a respeito disso. Por exemplo: desde 1995, a lei 9.503 obriga o uso de cinto de segurança para o motorista e todos os passageiros de um veículo. Uma lei que pegou. Mas parcialmente: só vale para quem está nos bancos da frente. E não há santo que a faça viger para o assento traseiro.

Tudo que abunda não prejudica, diz o dito popular. Com as leis, vale o inverso. São tantas -- muitas delas contraditórias -- que, em vez de contribuir, não raro agem contra o cidadão.

Ninguém sabe com segurança quantas leis existem no país. Segundo o Grupo de Trabalho de Consolidação das Leis, instituído pela Câmara em 2009 -- até hoje com sua tarefa inconclusa --, o país acumula 1,7 milhão de leis. Dessas, 53 mil estariam em vigor. Levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário em 2008, quando a Constituição completou 20 anos, aponta que o país tem 3,7 milhões de normas jurídicas, uma média de 517 normas criadas por dia.

Existe lei para tudo. Há duplicidade e triplicidade de leis. Se tiver de cumprir todas elas o cidadão não se mexe. Só se mexem os que estão acima da lei.

Lei não é empecilho para quem, como o ex Lula dizia sobre o ex José Sarney, não pode ser tratado como “pessoa comum”. Ou para o próprio Lula, que não admite nem mesmo ser considerado como réu nos processos em que já foi denunciado. Para esses privilegiados, se toda a rede de proteção ameaçar falhar, tergiversa-se com a criação de novas leis em cima de leis que já existem.

É disso que se trata a punição ao abuso de poder de promotores e juízes que o presidente do Senado, Renan Calheiros, quer votar. Na verdade, legislação para tal existe há mais de 50 anos (lei 4898/65), com punições para servidores públicos de todos os níveis. Está, inclusive, sendo usada pelos advogados de Lula na queixa-crime que protocolaram no Tribunal Regional Federal contra o juiz Sérgio Moro. Prova cabal que a iniciativa de Renan não passa de tridente para espetar o MP e a Justiça, que já autorizou 12 investigações contra ele. Nada mais do que bravata cozida ao molho de ameaça.

A punição à corrupção de entes públicos também conta com um cardápio de leis claríssimas que, no máximo, poderiam ter suas punições apimentadas.

O mesmo acontece com o caixa 2 para campanhas eleitorais, como bem lembrou à época do julgamento do mensalão a ministra Cármen Lúcia, hoje presidente da Suprema Corte – “Caixa 2 é crime; caixa 2 é uma agressão à sociedade brasileira”. Agora, no bojo da discussão das 10 medidas anticorrupção, abriu-se uma brecha para o Parlamento introduzir um parágrafo, um artigo, ou uma simples alínea específica para punir a execrável prática. Uma criação perfeita para os criadores: duras penalidades para o futuro com o dom de perdoar o passado.

Enquanto os que fazem as leis buscam se proteger por meio de novas leis, a maioria que cumpre as leis convive com o Brasil sem lei, ditado pelos acima da lei.

Sobre escritas imóveis

1. Logo nas primeiras páginas de “A paixão segundo G. H.” (1964) Clarice Lispector nos apresenta uma sentença iluminadora: “Talvez desilusão seja o medo de não pertencer mais a um sistema. No entanto se deveria dizer assim: ele está muito feliz porque finalmente foi desiludido”. A personagem em transe no quarto de empregada nos indica uma saída vitalista para o sentimento que nos abate quando as coisas parecem ter chegado a impensáveis limites. Mesmo quando a desilusão nos deixa imóveis, ainda devemos inventar mundos. Até porque sabemos que o limite nunca chegará.

2. Alguns dos pensamentos mais radicais sobre nossos impasses foram traçados na literatura. Ela, aliás, permanece entre nós em seu estágio paradoxal de afasia e exuberância. Segue seu fluxo através de gerações e classes sociais. Em uma era de youtubers, a poesia ainda come tudo e a escrita se espalha em múltiplas plataformas. Mesmo com a hegemonia da imagem, um contrafluxo da palavra se faz presente. O livro, esse objeto ainda pulsante, está em pleno vigor através de novas editoras com diferentes vocações e propostas. Para quem escreve e trabalha com a literatura, sempre parece que algo imenso está ocorrendo e, simultaneamente, que isso não faz diferença para a cidade, o país e o mundo. As duas perspectivas, talvez, estejam certas. Mesmo crescendo, parecemos imóveis.

suggestiva biblio-arca!  [Michael Lassel, Die Arche]:
Michael Lassel, Die Arche
3. Aí você abre o livro — abrir livros em qualquer parte como se você pegasse fôlego para mergulhar no meio de um mar. E aí você encontra novamente G.H. lhe explicando que “o mundo só não me amedrontaria se eu passasse a ser o mundo. Se eu for o mundo, não terei medo. Se a gente é o mundo, a gente é movida por um delicado radar que guia”. Ser mundo é ser vasto nos mínimos gestos. A literatura é um mínimo gesto nos dias de hoje?

4. Lendo a obra de Franz Kafka, Walter Benjamin chama atenção para suas passagens velozes que vão do detalhe de uma cena ao destino da Humanidade. São trechos em que o crítico sugere uma narrativa que se move por “períodos cósmicos”. Movimentos de escritas em que a literatura ganha a espessura do mundo. Nas horas em que escrevemos (ou lemos), nos tornamos outros e perdemos os medos. Ou, pelo menos, ampliamos a perspectiva dos nossos problemas.

5. Até mesmo um personagem imóvel pode mover “períodos cósmicos”? Para o escritor mexicano Mario Bellatin, sim. Em seu livro de 2011 intitulado “Cães heróis”, temos no seu longo subtítulo esse desejo de mover o mundo através do mínimo gesto: “Tratado sobre o futuro da América Latina visto através de um homem imóvel e seus trinta pastores belgas malinois”. Quase funcionando como um resumo da história, o livro traz uma trama que envolve um enfermeiro-treinador de cães, além da mãe e da irmã do homem imóvel. Em uma rotina perturbadora vivida dentro de um quarto cujas visitas diárias dos trinta pastores belgas pontuam as relações complexas com o enfermeiro e sua família, o homem imóvel grunhe sons com um gancho de telefone preso em sua cabeça. Ele traz dentro de si uma obsessão: saber quantos pastores belgas malinois cabem dentro de uma nave espacial. Pede aos outros que recortem imagens de naves e cães para colar os segundos dentro das primeiras. Liga diariamente para a Central de Informações buscando esclarecer a questão cósmica — sem nunca ser atendido.

6. O homem imóvel tem na parede de seu quarto um grande mapa da América Latina. Algumas cidades apresentam círculos misteriosos que apontam os melhores lugares para se criar pastores belgas malinois. É ali que reside o mistério sobre o futuro de sua população. Os parcos visitantes que vão ouvir o especialista em cães se instalam na frente do mapa e “são levados a pensar no futuro do continente”. A obsessão do homem imóvel com o espaço sideral, porém, nos indica que ele pode estar de fato esperando uma invasão massiva de pastores belgas malinois extraterrestres. O futuro da América Latina, talvez, seja uma população de cães treinados e homens imóveis.

7. Mas não. O narrador nos afirma que uma memória de mais de 30 anos é o que realmente mantém vivo o homem imóvel. Quando pequeno, retirado dos braços de uma mãe incapaz de cuidar dele com o devido zelo e recolhido em instituições que se dedicavam a casos raros como o seu, ele recebeu em outubro de 1967 a visita de um menino que viu seus recortes de cachorros na parede e lhe disse que escrevia relatos sobre cães heróis. Após esse encontro decisivo, o homem imóvel quis para sempre rever o escritor e, principalmente, conseguir uma máquina de escrever. Faria uma escrita imóvel? Criaria uma imobilidade que escreve? Seja como for, ele nunca obteve seu objeto de desejo.

O futuro da América Latina são homens imóveis sem poder escrever suas histórias? São seres finalmente felizes na sua desilusão? São sobreviventes que esperam naves espaciais no meio do medo do mundo? São personagens cósmicos entre cães e baratas que nos arremessam no oco dos dias?

Homens imóveis do mundo, uni-vos em livros.

Fred Coelho

Ocaso de um ex

Prisão de Cunha e Garotinho mostra a evangélico que Deus não é 'full time'

No Rio de Janeiro, os três políticos mais identificados com o eleitorado evangélico são Marcelo Crivella (PRB), bispo licenciado da igreja Universal; Anthony Garotinho (PR), fiel da igreja Presbiteriana; e Eduardo Cunha (PMDB), adepto da igreja Sara Nossa Terra. Crivella acaba de se eleger prefeito do Rio. Garotinho e Cunha estão presos. Essa conjuntura demonstra que Deus existe. Mas não é ‘full time’.

Denominações religiosas que se opõem à Universal, igreja de Edir Macedo, tio de Crivella, se articulam para produzir novos candidatos. Avalia-se que Garotinho está condenado à decadência política mesmo que se livre da acusação de chefiar um esquema de compra de votos na cidade de Campos dos Goytacazes. Quanto a Cunha, teme-se que a Lava Jato o torne um ficha-suja, afastando-o das urnas.

Resultado de imagem para deus e os políticos charge

A despeito de seus alentados prontuários, Garotinho e Cunha se autoproclamam evangélicos desde a década de 1990. Em tempos de campanha, são auxiliados por uma legião de pastores, que fazem as vezes de cabos-eleitorais. Ambos utilizaram programas de rádio como palanques eletrônicos. Mais arrojado, Garotinho notabilizou-se por distribuir utensílios domésticos a donas de casa.

Ex-aliados, Garotinho e Cunha tornaram-se inimigos políticos. Um se refere ao outro como “ladrão”. Embora suas fichas indiquem que os dois talvez estejam certos, os líderes evangélicos que buscam novos talentos políticos não parecem preocupados com a debilidade ética, mas com a incapacidade momentânea da dupla de disputar espaço com Crivella e a sua Universal. Os supostos representantes de Deus fazem política com tal descompromisso moral que às vezes passam a impressão de que Ele não merece existir.

Começar de baixo, pelos municípios

Ninguém mora na União, nem no Estado, mas todos no Município. Ou no Distrito Federal. Quem assim dizia era o dr. Ulysses Guimarães. Para ele, as eleições municipais estavam no cerne das decisões nacionais.

Num período de tantas sugestões sobre a reforma política, a hora seria de o país voltar-se para reformular suas primeiras estruturas. Para começar, ampliando as atribuições dos prefeitos. Dando-lhes maiores obrigações em saúde, educação e segurança, claro que aumentando os recursos e evitando a superposição de tarefas nos estados e na União. “Sua Excelência o prefeito” ganharia mais encargos e, certamente, maior cobrança de seus eleitores.


A participação do cidadão comum na administração municipal seria o corolário da responsabilidade, com frequentes aferições do desempenho das autoridades municipais. Uma vez por ano, durante seus mandatos, os prefeitos responderiam por sua atuação, podendo receber votos de rejeição ou aprovação, mas votos mesmo, capazes de mantê-los ou despedi-los de suas funções. Às Câmaras de Vereadores caberia referendar a decisão, dentro de rigorosa vigilância da Justiça. Essa participação popular levaria o eleitorado a começar debaixo o exercício da cidadania. Custos haveria, ainda que compensados pela eficiência do julgamento.

Começar pelos municípios serviria para aprimorar o processo político, quem sabe levando a aferição de competência aos planos estadual e federal. Hoje, depois de árdua campanha, os eleitos ganham carta de alforria para fazer o que bem entendem, tendo sua performance apreciada apenas quatro anos depois, durante os quais a ninguém respondem.

...o teu sofrer, o teu penar

Schadenfreude (IPA: [/ˈʃɑː.dənˌfrɔɪ.də/], literalmente, alegria ao dano) é um empréstimo linguístico da língua alemã também usado em outras línguas do Ocidente para designar o sentimento de alegria ou satisfação perante o dano ou infortúnio de um terceiro.
Prenúncios sugeriam uma semana aguda. Como se não bastassem as já cansativas notícias dessa molecada autoritária, na prática títeres dispostos a atropelar o direito alheio para forçar a sanha de seus guias, o plenário da Câmara fora invadido por idólatras de militares — os mesmos que chegaram a organizar um ato em apoio a Donald Trump na Paulista. Isto tudo sem falar nos protestos pela extinção do Uber que tumultuaram a Alerj.

Pois azar dos prenúncios. Foi uma semana genial.

Capital do império e também federal, cidade que dita moda, modos e o sotaque ao restante do país, não é de hoje que o Rio de Janeiro está habituado a ser o centro das atenções. E mesmo assim, com tanto traquejo para momentos dignos de registro, em sua história política recente nada pode ser comparado às 48 horas em que dois de seus mais populares ex-governadores foram presos.


Dito isto, tanto Anthony Garotinho quanto Sérgio Cabral, sabidamente crápulas e cada vez mais próximos de terem suas famas confirmadas pela Justiça, nem de longe receberam a quantidade de apupos que merecem. Muito pelo contrário, bastou um canastrão chilique do ex-governador quando deixou o hospital para que aflorassem sinais de compaixão desmedida.

Decifrar o que leva o sujeito a nutrir ternura por políticos corruptos não é simples. Passado o estupor pelo inusitado da reação, e no meu caso também um profundo desconforto, comumente associamos este comportamento à cegueira provocada pela paixão política, à ignorância ou ainda à desfaçatez do dito cujo.

Não desta vez.

Arrisco-me a dizer, são duas as hipóteses em condições de destrinchar tão bizarra manifestação, robusta ao ponto de fazer o sujeito ignorar a dificuldade em pagar as contas no fim do mês, ou pelo menos de sensibilizar-se com os apertos do povo para seguir em frente: vaidade e identificação.

O primeiro deles é óbvio. Aparentemente desesperada por autopromoção e, quem sabe, ainda suspirando pelos tempos de adolescência, é cada vez mais comum a figura do indivíduo disposto a embarcar no primeiro discurso disponível desde que este lhe confira a capa da moralidade superior. E quanto mais improvável for a causa em questão, quanto maior for o alarido geral em reação ao posicionamento defendido, mais recompensador será o êxtase deste personagem.

Esta, porém, é a sugestão menos alarmante. Grave mesmo é constatar nosso apreço pela carteirada. Um cacoete ainda mais explícito em casos assim, quando estabelecemos conexão quem detém o poder.

Quando nos compadecemos pela figura maltrapilha de Garotinho sendo forçado a permanecer em uma maca, involuntariamente cedemos a uma espécie de reconhecimento. Não com próprio, claro, mas com o chefia. Endossamos ainda que sem perceber, insisto, o famigerado questionamento: você sabe com quem está falando?

Está tudo certo, nenhum cidadão deve sofrer com ilegalidades, mesmo políticos corruptos quando estiverem sendo presos. Aliás, principalmente nessas horas, sob pena de favorecer artimanhas com o intuito de contornar suas penas. Entretanto, não cabe a tentativa de desumanizar um sentimento tão sincero quanto o apreço do cidadão pela derrocada de seus algozes.

Cabe, isto sim, agradecer a cada uma das instituições que estão dando provas de absoluto compromisso com o país, apoiar suas operações com nomes pitorescos e fiscalizar a classe política desesperada para obstruir a Lava-Jato.

E festejar muito. Sem culpa.

Domingo é alegria

Inveja

Dizem que ela mata. Triste morte. Otimistas de nascença afirmam que, se bem-dosada, estimula. Mas sem dúvida adoece aos que dela se inoculam, envenenando suas vidas, à medida que impotentes assistem ao sucesso alheio. Numa inversão kafkiana, sucesso vira pecado capital, enquanto inveja, um indulto ao bem viver.

Os invejosos ganharam. Tomaram de assalto as redes. Insignificantes, se agigantam desafiando ídolos, odiando ícones da cultura, das artes, dos esportes e de todas as áreas públicas. Odeiam, caluniam, mentem, quando estão escondidos em falsos perfis, nomes e blogs. Eles são chamados de “haters”, “ciberterroristas”, “vaiadores de intimidades alheias”, “hackers”, e por aí vai…

Inveja é paralisante, viciante e delirante. O invejoso não vive a própria vida. Ele vigia a do outro. Deseja muito o insucesso de quem no fundo admira, embora odeie e jamais admita isso. Incapaz de conquistar, o invejoso torce, vibra com o fracasso do seu alvo. Ele saliva com a possibilidade da derrocada de quem está acima na pirâmide social. Sádico, quer ver ao vivo a tragédia, a morte e a falência do "amigo", do irmão, do colega de trabalho. É como uma carpideira, aquela que mais chora as lágrimas de crocodilo no velório, enquanto, na esquina próxima, solta uma piada imprópria ou uma fofoca do defunto ainda fresco.

A inveja impede a paz de espírito, a valorização de si mesmo, o usufruto das próprias vitórias. De tanto ter o outro como parâmetro, o invejoso deixa ou esquece de construir os próprios sonhos. Deixa de curtir o mundo que está a seu lado, de escrever sua própria história. Ele quer ser o ator na ribalta, mas paga um ingresso caro pelo prazer de vaiar.

...:
É triste saber que herdamos esse traço. A inveja é tão antiga quanto humana e, se investigarmos comportamentos animais, lá estará essa característica. Talvez negar a inveja seja uma armadilha que nos condenará a um confronto com nosso orgulho, com nossa vaidade, com nossa arrogância e com nossa falsa humildade.

O que proponho é que possamos nos diagnosticar quando estamos sendo infectados pela inveja em cada ação ou local que frequentamos. Olhe a seu redor, em seu ambiente de trabalho. Abra o seu coração. E aí, sente inveja? Aproveite um encontro familiar, o Natal, o Réveillon... quem sabe? Sente uma ponta da inveja do primo, do tio, do irmão, da cunhada? E na praia? Na piscina? No Facebook, no Instagram. Sei lá…

Quanta gente existe mais jovem, mais rica, mais inteligente e mais poderosa que você, não é?! E quantos mais feios, mais ferrados, mais acabados, mais infelizes... Concorda?

Somos únicos, incomparáveis, escrevendo nossa própria história. E dela cuido eu da primeira à última linha. É meu dever e arbítrio. Um dia, se me tornar maduro e sábio, quem sabe transmutando inveja em admiração, não poderá você, amigo e leitor, sentir a alegria que o vencedor sente? Saborear o sucesso dos bem-sucedidos.

É indescritível o prazer de compartilhar a energia positiva dos que constroem. Assim como é doentio o sadismo de reagir destruindo o altruísmo, o humanismo e a fraternidade.

A Força dos diabos

Resultado de imagem para força política ilustração
Toda a política se reduz a isto: aquele que tem a força ou que julga tê-la, pode fazer o que quiser
Paul Valéry

O rabo de foguete

O presidente nacional do PPS, Roberto Freire, ao assumir o Ministério da Cultura, segurou um rabo de foguete maior do que a crise armada pelo pedido de demissão de Marcelo Calero, diplomata de carreira que comandava a pasta, após uma trombada com o secretário de Governo, ministro Geddel Vieira Lima. O episódio desnudou dois dos grandes conflitos que envolvem a gestão da pasta: o choque entre a cultura tradicional nordestina e a urbana contemporânea, envolvendo o eventual veto do presidente Michel Temer à nova lei que regulamenta a vaquejada, tema da versão inicial do Palácio do Planalto à saída de Calero; e a especulação imobiliária nas áreas de preservação do patrimônio histórico e arquitetônico nacional, cujo estopim foi o escandaloso lobby de Geddel, em Salvador, para liberar a construção de um prédio acima do gabarito, no qual comprou um apartamento, verdadeira razão do pedido de demissão.

Em circunstâncias normais, tudo seria resolvido com duas canetadas: a sanção da lei que normatiza e preserva a tradição sertaneja; e o veto à construção da torre de 30 andares, para preservar o patrimônio histórico e urbanístico de Salvador. O rabo de foguete, porém, é muito maior. Além dos interesses econômicos envolvidos nessas questões, existe um grande contencioso entre o mundo artístico e cultural e o governo Temer, em razão do impeachment da presidente Dilma Rousseff. Quando o ex-deputado Hélio Bicudo e a professora Janaína Paschoal entraram com o pedido, Freire os procurou para articular o apoio dos partidos de oposição à proposta.

Resultado de imagem para corrupcion

Veremos uma queda de braços entre Juca Ferreira, ex-ministro da Cultura dos governos Lula e Dilma, que nunca desencanou da pasta, e o novo ministro da Cultura. Isso já acontecera com a senadora Marta Suplicy, no primeiro mandato de Dilma, e com o próprio Calero, quando assumiu a pasta, após o presidente Michel Temer ser efetivado no cargo pelo Congresso. A Cultura é um terreno minado, que envolve grandes interesses privados e muita verba pública. Artistas e produtores culturais não podem ser apenas a massa de manobra desses interesses.

No Brasil, desde o governo de Getulio Vargas (1930-1945), há uma forte relação entre o Estado e o mundo da cultura. O maior exemplo está justamente na área de preservação do patrimônio, com a criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan), reivindicada desde a década de 1920 pelos intelectuais modernistas, que lutaram pela eservação das cidades históricas, principalmente por causa do barroco mineiro. Na mesma época, foram criados o Instituto Nacional de Cinema Educativo (Ince), o Instituto Nacional do Livro (INL) e o Conselho Nacional de Cultura, todos subordinados ao Ministério da Educação e Cultura. Nos anos 1970, foi criada a Secretaria de Assuntos Culturais, com duas áreas de atuação: uma patrimonial (Iphan e Pró-Memória) e outra de produção, circulação e consumo da cultura (Funarte). Em 1985, o presidente José Sarney finalmente criou o Ministério da Cultura, para o qual foi nomeado um político querido no meio artístico e cultural: o mineiro José Aparecido de Oliveira.

O atual Ministério da Cultura é uma construção de Gilberto Gil, o ministro cantor de Lula, que havia se preparado para o cargo pelas vicissitudes da vida, como compositor e músico, político ambientalista (PMDB e PV) e administrador formado pela Universidade Federal da Bahia. Desde a Tropicália, esteve na vanguarda musical do país; seu ativismo político levou-o à prisão e ao exílio na década de 1970. Juca Ferreira era seu braço direito na política. Gil promoveu uma ruptura com a gestão modernizadora de Francisco Weffort, que fora muito contingenciada pelo ajuste fiscal no governo de Fernando Henrique Cardoso.

Além de estabelecer a atual estrutura do Minc, Gil fez alterações radicais na lei de incentivo à cultura. Criou as secretarias de Políticas Culturais, de Articulação Institucional, da Identidade e da Diversidade Cultural, de Programas e Projetos Culturais e a de Fomento à Cultura, em sintonia com o projeto de poder do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua projeção internacional. Do ponto de vista da política cultural, adotou-se o conceito de “hibridização” no lugar da tradicional divisão entre cultura erudita, popular e de massas, mas isso não foi levado à prática.

Na gestão de Juca Ferreira, o novo conceito foi apenas um pretexto para a distribuição de recursos com objetivo de cooptar produtores, agentes e gestores culturais, além de artistas e intelectuais, para o projeto petista, o que foi feito com relativo sucesso. Uma certa esquizofrenia na relação entre eles e o chamado mercado cultural, cujo melhor exemplo são os artistas da TV Globo. Muitos gritam “Fora, Temer!” como uma forma de não serem “patrulhados”, nem passarem por situações como a enfrentada pelo jornalista Caco Barcelos, agredido por manifestantes no Rio de Janeiro na semana passada durante a produção de seu programa. Num ambiente político muito radicalizado e maniqueísta, duas questões estão no centro da pauta cultural: a sua diversidade e a economia da cultura.

Nem imunes, nem impunes

 Garotinho Cama Hospital Ministra do TSE determina retorno de garotinho a hopital
O roubo não explica todo o rombo. A má gestão dá indigestão nos estados. Mas acabar com a imunidade e a impunidade é um bom começo. Um bom presságio
Ruth de Aquino

Hora de avanço no parlamento

O sistema de representação está com a imagem nas profundezas do descrédito. Mesmo aceitando-se a ideia de que a produção legislativa é densa, pontilhada de projetos de alto interesse para o país, como a aprovação da PEC dos gastos, a lei da repatriação, a renegociação da dívida dos Estados, a abertura da exploração do pré-sal, a PEC dos precatórios e outros temas que entrarão em breve na agenda, como a reforma da Previdência e a modernização da legislação trabalhista.

Na verdade, a péssima imagem do Poder Legislativo deriva, em grande parte, da vinculação de atores políticos aos esquemas de corrupção, objeto da Operação Lava Jato. A saída do deputado Eduardo Cunha do comando da Câmara dos Deputados não foi suficiente para amenizar a apreciação negativa que a população tem dos representantes.

Ademais, nas últimas semanas, as matérias em discussão no Senado, que teriam como fundamento aliviar a situação de pessoas e empresas envolvidas nas investigações sobre desvios – Lei do Abuso de Autoridade, Acordo de Leniência etc -, contribuem ainda mais para deteriorar a imagem da representação.

Imagem relacionada

É bem verdade que o Legislativo se esforça para deixar de ser um poder invertebrado, manobrado, predisposto a convalidar posições dos outros Poderes. Mas conserva certa razão a crítica de que a judicialização da política ocorre na esteira da omissão do Parlamento sobre matérias de alto interesse, o que abre condições para o Judiciário legislar. (Quem não se lembra que, por falta de clareza normativa, foi o Supremo que decretou a “morte” da cláusula de barreira, esse dispositivo que volta ao debate no bojo da reforma política e que é fundamental para a racionalização da vida partidária?)

O fato é que o corpo congressual, ao deixar de legislar sobre importantes temáticas, abre espaço para a Suprema Corte dar a sua interpretação sobre a Carta Magna, suprindo, assim, a ausência de leis infraconstitucionais.

Já o presidencialismo de cunho imperial começa a receber tratamento inusitado por parte do presidente Michel Temer. Ao decidir governar com o Parlamento, ele institui um estilo de governo compartilhado, uma espécie de “semi-parlamentarismo”.

Por seu perfil de conciliador e pela larga experiência no Parlamento, tendo sido três vezes presidente da Câmara, compreende a necessidade de dividir o poder do Executivo com o Legislativo. Dessa forma, provê o conceito de que partilhar o poder não significa apenas distribuir cargos com aliados, mas transferir e delegar decisões sobre políticas públicas.

Essa visão difere completamente do estilo petista de governar, centrado na ideia de não ceder aos aliados decisões sobre programas de governo.

Em suma, os representantes no Parlamento têm se omitido em matéria legislativa, não preenchendo vazios deixados pela Carta de 88. Há inúmeros aspectos ainda em aberto no aguardo de marcos regulatórios. Se não há regra explícita, o Judiciário põe a mão na massa, interpreta a lei e adentra o terreno legislativo.

A constatação de que a representação política tem se apequenado desmonta a equação tripartite do barão de Montesquieu. O Poder Legislativo é formado por representantes do povo soberano; por conseguinte, a lei constitui um produto direto da democracia representativa.

E os juízes? Ora, segundo o autor de O Espírito das Leis, constituem “senão a boca que pronuncia as palavras da lei, seres inanimados que não podem moderar-lhe a força nem o vigor”. Resulta como pa­radigma liberal do Estado de Direito a submissão do Judiciário à lei e, nesse caso, sob o abrigo do Parlamento, já que este Poder exprime a vontade geral.

Ao longo do tempo, as funções clássicas dos Poderes foram se distinguindo de funções atípicas, passando a dominar, cada um, escopos delimitados nos campos legislativo, administrativo e judiciário. Nem por isso a invasão do espaço de um Poder por outro deixa de ocorrer. Quando há espaços não preenchidos por falta de legislação, a invasão acontece de maneira natural. Justificativa: preservar a vida institucional.

O Poder Legislativo amorteceu tanto sua força que na atualidade receia legislar, por exemplo, sobre temas que podem ser entendidos como afrontamento ao Judiciário ou ao Ministério Público. É o caso da Lei de Abuso de Autoridade, acima citada. Trata-se de instrumento que pode servir ao aperfeiçoamento das instituições na medida em que define limites e evita situações arbitrárias.

Mas, no ciclo de intensas investigações em que o país vive, uma lei com o escopo de traçar limites aos procuradores, juízes ou policiais federais, pode ser considerada como tentativa de esmaecer a tarefa de procurar a verdade, defender a sociedade e fazer justiça.

Hoje, apenas 5% dos brasileiros acham que os parlamentares merecem confiança. Esta imagem desgastada do Parlamento é velha. Na tribuna, Rui Barbosa, em junho de 1899, descrevia “um Congresso de mendicantes, janízaros do chefe do Estado e de agentes de negócios dos governadores. Em suma, a decomposição parlamentar na sua extrema fase”.

Onde está a saída para o Parlamento resgatar seu vetor de força? Disposição para mudar de atitude. Como? Avançando em matérias altamente prioritárias. Reforma política é uma delas.

Há um sentimento de que os parlamentares temem avançar em temas complexos. Agem de maneira corporativa. Veja-se a cláusula de barreira. É instrumento de moralização da política. Não se pode permitir que um partido sem votos exista e tenha direito a recursos do fundo partidário e a espaços na mídia eleitoral. Muitos acabam servindo ao interesse de grandes partidos.

Invoca-se o fator ideológico dos pequenos partidos. Ora, que ideologia é essa que não consegue cooptar simpatizantes e militantes? Por que não se juntam em uma Confederação de Partidos?

Resumo do imbróglio: a imagem do Parlamento depende da ação de seus participantes. Sem reforma da política, não haverá luz no fim do túnel.

Imagem do Dia

The Art Of Animation, Kentaro Kanamoto:
Kentaro Kanamoto

Os males da corrupção

A edição do Estado de domingo passado trouxe mais uma reportagem da série A Reconstrução do Brasil, desta vez tratando do combate à corrupção. Mais do que um assunto entre outros da agenda nacional, pôr fim à impunidade é uma necessidade prioritária, já que a corrupção afeta negativamente todas as esferas da vida da sociedade e do Estado.

A corrupção não é um mal menor. Ela aumenta a desigualdade social, afasta os investimentos, piora o ambiente de negócios, dificulta a criação de empregos, prejudica a qualidade dos serviços públicos, entre outros danos.

Faz-se necessário relembrar os males da corrupção, pois – de forma similar ao que ocorreu nos anos 1960, com o bordão “rouba, mas faz”, dos apoiadores de Ademar de Barros, ex-governador de São Paulo – observa-se atualmente nova tentativa de justificar a corrupção. “Com a descoberta do mensalão, em meados da década passada, e de maneira mais enfática agora, com o petrolão, um contingente expressivo de militantes e simpatizantes do PT fechou os olhos para as acusações de corrupção sofridas pelo partido e continuou a apoiá-lo, com o argumento de que o principal é o que ele faz pelos mais pobres. Numa adaptação livre do velho bordão de Ademar, é como se dissessem que o PT ‘rouba, mas distribui’. Ou, então, que ‘rouba, mas faz obra social’. Na essência, são duas maneiras semelhantes de tentar justificar o mesmo fenômeno, que contamina o País e afeta a vida dos cidadãos e das empresas – a pilhagem de dinheiro público”, dizia a reportagem de José Fucs.

Resultado de imagem para corrupcion

Felizmente, nas ruas e nas urnas, a população não tem concordado com esse tipo de lassidão ética, manifestando clara oposição a qualquer sinal de tolerância com a corrupção. Sintoma desse cansaço com a impunidade é a adesão popular a toda proposta de combate à corrupção, como se viu com os mais de 2 milhões de assinaturas a favor das medidas anticorrupção propostas pelo Ministério Público Federal. Mais do que um aval definitivo e integral ao conteúdo da proposta – que exige cuidadoso estudo pelo Congresso Nacional –, o massivo apoio indica o grau de ojeriza da sociedade em relação à corrupção.

O clamor social pelo fim da impunidade não é uma reação histérica ou desproporcional. As investigações da Lava Jato dão inequívocas mostras de como a corrupção se instalou no Estado brasileiro, permeando de forma sistemática as relações entre a administração pública, os partidos políticos e a iniciativa privada. Segundo a Polícia Federal, o propinoduto montado na Petrobrás, envolvendo PT, PMDB e PP, deixou um prejuízo de R$ 42,8 bilhões.

Um estudo do Fórum Econômico Mundial indicou que o Brasil só fica à frente da Venezuela e do Chade, empatado com a Bolívia, na lista dos países mais corruptos do mundo. E os números internos corroboram a classificação internacional. Segundo estimativa da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), feita em 2010, as perdas geradas por corrupção no País alcançam entre 1,38% (R$ 80 bilhões) e 2,3% (R$ 140 bilhões) do Produto Interno Bruto (PIB).

“Em comparação com outros países, a corrupção no Brasil é bem diferente, por ser altamente concentrada na esfera política”, afirmou o professor Matthew M. Taylor, da Universidade Americana, em Washington, nos Estados Unidos. Longe de significar uma desculpa para a corrupção – coisa que, de forma nada isenta, agora desejam os adeptos do lulopetismo –, sua proximidade com a esfera política revela a profunda injustiça social que comporta todo e qualquer desvio de dinheiro público.

Ao diminuir a eficiência do setor público e desviar recursos dos contribuintes do destino que deveria ser dado a eles, a corrupção prejudica especialmente quem mais precisa dos serviços públicos. Por exemplo, ela afeta a qualidade da escola pública e do sistema público de saúde dos quais mais dependem os que dispõem de menos recursos. O combate à impunidade não é, portanto, uma bandeira elitista. Deve ser uma prioridade para todos que anseiam pela reconstrução do Brasil.

Editorial - Estdão

Tratamento policial a 'político' é exagero

Por que só o "exagero" na detenção preventiva de políticos, "instrumento jurídico excepcional", mas dentro da lei, provoca tanto bla-bla-blá de um tal comprometimento da vida democrática? Há o mesmo estardalhaço, e ganha até editoriais, quando o detido é tão cidadão, ficha limpa, quanto o político, no caso quilometricamente suja? 

Choram nas pretinhas contra uma certa violência e exposição dos tais detidos políticos com a mesma virulência com que bajuladores da lama na roupa dos nobres. Tudo em nome da vida democrática (brasileira, é claro).

O que não se vê é a mesma retumbância vernácula, no dia a dia, quando a vida democrática do cidadão é vilipendiada por atos desses mesmos tão imaculados. Será que seus delitos tão mais graves merecem uma outra Justiça só porque corre neles o sangue azul da nobreza política?

Bem pode ser. Aqui, há uma diversificada nobreza republicana imperando sobre a multidão de vassalos, que a sustenta em comes, bebes e crimes.
Luiz Gadelha

O camburão

Fosse eu o presidente da república, em minúsculas mesmo, estaria sim preocupado com os acontecimentos. Em primeiro lugar, sua única meta passou a ser ameaçada pelas contingências. Tirar o Brasil da crise é aparentemente simples, mas exige algo que ele não tem e vai jogando fora quando pode: credibilidade. Os índices de confiança num país que rouba até centavos dos seus aposentados subiram um pouquinho em meses anteriores, aliviados pelo impeachment da mulher barbada do palácio. Evidente que isso não bastou.

Era a prisão dos ladravazes, que inundaram o país de lama, a centelha de confiança de que o país precisava para mudar de rumo. Ao declarar que prefere o maior bandido de todos os tempos solto, por medo, Michel Temer vai mostrando de que lado está. De um lado que não vai conseguir enganar a plebe rude por muito tempo. Seriam necessárias mais que gomalina no cabelo, mesóclises e a tal temperança elegante para convencer o país a abandonar a guerrilha e voltar para o batente.

Imagem relacionada
Primeiro camburão surgiu em 1904 em Curitiba
O Rio de Janeiro é o primeiro e mais visível exemplo do que é ser governado e extorquido por bandidos, até o talo. Um Estado falido, sem dinheiro para honrar seus compromissos a na beira de uma crise sem precedentes, por não poder pagar pelo péssimo funcionalismo público que contratou, todo esse tempo. Um ex-governador celerado, exigindo ser transferido de Bangu para o Copa D’Or é o que temos pra hoje, naquela cidade, um dia, maravilhosa. O engraçado da coisa é que, aparentemente, forças opostas pelo vértice – uma ideologia tacanha – se reuniram para invadir o Congresso e atacar a Alerj, no Rio de Janeiro.

Tanto faz, percebem? Um governo que não agrada gregos nem baianos está a um passo de que todos se unam de novo para tirá-lo de onde está. Sabermos que mais da metade do Congresso é denunciada numa operação policial, que se esforçam para aprovar leis que livrem seus rabos sujos da punição iminente, que juízes em Berlim se esbaldam em supersalários que não deixam dúvidas de que estão de qualquer lado, menos do lado da lei, mostram de forma inequívoca que este governo que mal começou, já acabou.

Sinceramente? Mais uma vez eu queria que minha dissensão fosse meramente ideológica. Não é. É de caráter. De moral. De ética. De perceber que só poderíamos ser governados por bandidos de uma facção com a cumplicidade, cobertura e falta de oposição de todas as demais. A Lava Jato explicou tudo. Pro camburão com todos eles. Não vai sobrar nenhum.