Na verdade, a péssima imagem do Poder Legislativo deriva, em grande parte, da vinculação de atores políticos aos esquemas de corrupção, objeto da Operação Lava Jato. A saída do deputado Eduardo Cunha do comando da Câmara dos Deputados não foi suficiente para amenizar a apreciação negativa que a população tem dos representantes.
Ademais, nas últimas semanas, as matérias em discussão no Senado, que teriam como fundamento aliviar a situação de pessoas e empresas envolvidas nas investigações sobre desvios – Lei do Abuso de Autoridade, Acordo de Leniência etc -, contribuem ainda mais para deteriorar a imagem da representação.
É bem verdade que o Legislativo se esforça para deixar de ser um poder invertebrado, manobrado, predisposto a convalidar posições dos outros Poderes. Mas conserva certa razão a crítica de que a judicialização da política ocorre na esteira da omissão do Parlamento sobre matérias de alto interesse, o que abre condições para o Judiciário legislar. (Quem não se lembra que, por falta de clareza normativa, foi o Supremo que decretou a “morte” da cláusula de barreira, esse dispositivo que volta ao debate no bojo da reforma política e que é fundamental para a racionalização da vida partidária?)
O fato é que o corpo congressual, ao deixar de legislar sobre importantes temáticas, abre espaço para a Suprema Corte dar a sua interpretação sobre a Carta Magna, suprindo, assim, a ausência de leis infraconstitucionais.
Já o presidencialismo de cunho imperial começa a receber tratamento inusitado por parte do presidente Michel Temer. Ao decidir governar com o Parlamento, ele institui um estilo de governo compartilhado, uma espécie de “semi-parlamentarismo”.
Por seu perfil de conciliador e pela larga experiência no Parlamento, tendo sido três vezes presidente da Câmara, compreende a necessidade de dividir o poder do Executivo com o Legislativo. Dessa forma, provê o conceito de que partilhar o poder não significa apenas distribuir cargos com aliados, mas transferir e delegar decisões sobre políticas públicas.
Essa visão difere completamente do estilo petista de governar, centrado na ideia de não ceder aos aliados decisões sobre programas de governo.
Em suma, os representantes no Parlamento têm se omitido em matéria legislativa, não preenchendo vazios deixados pela Carta de 88. Há inúmeros aspectos ainda em aberto no aguardo de marcos regulatórios. Se não há regra explícita, o Judiciário põe a mão na massa, interpreta a lei e adentra o terreno legislativo.
A constatação de que a representação política tem se apequenado desmonta a equação tripartite do barão de Montesquieu. O Poder Legislativo é formado por representantes do povo soberano; por conseguinte, a lei constitui um produto direto da democracia representativa.
E os juízes? Ora, segundo o autor de O Espírito das Leis, constituem “senão a boca que pronuncia as palavras da lei, seres inanimados que não podem moderar-lhe a força nem o vigor”. Resulta como paradigma liberal do Estado de Direito a submissão do Judiciário à lei e, nesse caso, sob o abrigo do Parlamento, já que este Poder exprime a vontade geral.
Ao longo do tempo, as funções clássicas dos Poderes foram se distinguindo de funções atípicas, passando a dominar, cada um, escopos delimitados nos campos legislativo, administrativo e judiciário. Nem por isso a invasão do espaço de um Poder por outro deixa de ocorrer. Quando há espaços não preenchidos por falta de legislação, a invasão acontece de maneira natural. Justificativa: preservar a vida institucional.
O Poder Legislativo amorteceu tanto sua força que na atualidade receia legislar, por exemplo, sobre temas que podem ser entendidos como afrontamento ao Judiciário ou ao Ministério Público. É o caso da Lei de Abuso de Autoridade, acima citada. Trata-se de instrumento que pode servir ao aperfeiçoamento das instituições na medida em que define limites e evita situações arbitrárias.
Mas, no ciclo de intensas investigações em que o país vive, uma lei com o escopo de traçar limites aos procuradores, juízes ou policiais federais, pode ser considerada como tentativa de esmaecer a tarefa de procurar a verdade, defender a sociedade e fazer justiça.
Hoje, apenas 5% dos brasileiros acham que os parlamentares merecem confiança. Esta imagem desgastada do Parlamento é velha. Na tribuna, Rui Barbosa, em junho de 1899, descrevia “um Congresso de mendicantes, janízaros do chefe do Estado e de agentes de negócios dos governadores. Em suma, a decomposição parlamentar na sua extrema fase”.
Onde está a saída para o Parlamento resgatar seu vetor de força? Disposição para mudar de atitude. Como? Avançando em matérias altamente prioritárias. Reforma política é uma delas.
Há um sentimento de que os parlamentares temem avançar em temas complexos. Agem de maneira corporativa. Veja-se a cláusula de barreira. É instrumento de moralização da política. Não se pode permitir que um partido sem votos exista e tenha direito a recursos do fundo partidário e a espaços na mídia eleitoral. Muitos acabam servindo ao interesse de grandes partidos.
Invoca-se o fator ideológico dos pequenos partidos. Ora, que ideologia é essa que não consegue cooptar simpatizantes e militantes? Por que não se juntam em uma Confederação de Partidos?
Resumo do imbróglio: a imagem do Parlamento depende da ação de seus participantes. Sem reforma da política, não haverá luz no fim do túnel.
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