A hora de Sergio Moro vai chegar. A injustiça nunca triunfou na história. Como se acovarda, vai se refugiar na embaixada dos USA que lhe ensinaram o farelaw, como distorcer o direito para condenar inocentesLeonardo Boff
terça-feira, 5 de junho de 2018
Santa mediocridade
Da greve ao terrorismo social
Talvez uma das características mais difíceis do amadurecimento seja o fato dele exigir uma certa “paciência do conceito”. Esta paciência significa a capacidade de resistir ao desespero diante da lentidão da construção versus a rapidez da destruição. Tudo demora a ser construído (às vezes 2.000 anos ou mais), enquanto a destruição atinge a velocidade da luz em segundos. Assim é no amor, na vida em família, no trabalho, na economia, em sociedade, na política.
Ter raiva do governo e dos políticos brasileiros é um clássico e não há dúvida que a lida do governo com os bens derivados do petróleo tem sido da pior espécie. Deviam vender a Petrobras e pronto. O governo Temer foi de uma irresponsabilidade nesse tema dos caminhoneiros que merecia receber o troféu Canalha do Ano. Todos que pensam minimamente sabem que chegamos à beira de uma ruptura institucional. E aí chegamos ao ponto que me parece importante hoje.
Gostaria de analisar três frases ditas por vários tipos de pessoas nesses dias, em reuniões de amigos, no trabalho, nas redes, na mídia em geral. Antes de tudo, esclareçamos algo.
Em política, quando fazemos uma crítica sem oferecer uma solução, estamos no âmbito da “metafísica delirante”. Não adianta dizer “vamos acabar com esses ladrões do país” sem dizer como.
E a política odeia o vácuo: ou você oferece representatividade institucionalizada ou a violência preenche esse vácuo. A política é o campo da violência. Quando se brinca com a ruptura institucional, brinca-se com a violência livre.
Todo regime político é um sistema que busca conter essa violência (seja para o bem ou para o mal, tanto a contenção quanto a violência). No meu entender, aqueles que tentam dar uma conotação política “revolucionária” positiva ao movimento dos caminhoneiros flertam com o vácuo político e, portanto, com a violência. Da greve fomos ao terrorismo social.
Portanto, a pergunta que nós brasileiros devemos fazer é: quanto estamos dispostos a pagar pela violência que movimentos como o dos caminhoneiros e similares podem trazer para o nosso cotidiano? Porque política é violência sempre, depende apenas das formas em que se materializa. Acho que muita gente aqui quer brincar de Oriente Médio ou Venezuela. Ou África.
Mas, vamos a mais duas dessas frases que, ao meu ver, demonstram uma certa imaturidade política que beira o retardo mental. Os idiotas da política tomaram conta do Brasil nesses dias.
“Vamos devolver o Brasil ao povo brasileiro”. Quem vai devolver? O que é exatamente “o Brasil” que esse sujeito quer devolver? E o povo brasileiro é o quê? O imaturo deve pensar nele, no seu tio e no seu cachorro, mas, quem é esse “povo brasileiro”? A pátria de chuteiras? Como esse “povo” vai governar “esse Brasil”? Uma frase como essa carrega toda a imaturidade travestida de consciência política que se pode imaginar em poucas palavras.
Mas, o que pode ser lido nessa frase que signifique algo para além da imaturidade crua? Há nela a expectativa de que um milagre aconteça e o “Brasil seja devolvido ao povo brasileiro”. Esse milagre se chama intervenção militar, o que significa um episódio de gestão da violência de forma que a violência fique mais ameaçadora e explícita. De novo, imaturidade. E aqui nada vai contra a importância ou a dignidade das Forças Armadas no país.
Outra pérola: “Quero que falte comida na sua casa pra você se juntar a nós e derrubarmos os três Poderes”. O que essa frase quer dizer por “falte comida na sua casa”? Por acaso quem diz uma pérola dessa tem ideia do que é uma ordem social dissolvida no cotidiano? Sei, inteligentinhos dirão que há fome no país. Mas, esses mesmos inteligentinhos enchem os restaurantes gourmets com seus menus saudáveis.
Quando as pessoas passam fome e passam à violência, o cotidiano se desmancha em todos os níveis. Da ida à escola ao supermercado, da dissolução dos mecanismos de contenção da violência à instauração de mecanismos mais violentos ainda de contenção dessa mesma violência.
E “derrubar os três Poderes”? Vamos colocar um tanque de guerra no lugar?
Luiz Felipe Pondé
Projeto tenta devolver vida ao Mar de Aral, destruído por planos de irrigação
"A história do povo karakalpak começa com o mar", diz Tolvashev, um ex-pescador. "Pescar era a primeira coisa que um pai ensinava a seu filho. Havia 250 barcos aqui, e eu costumava pescar de 600 a 700 quilos de peixes por dia. Agora, não temos mais mar."
Moynaq está localizada no coração de Karakalpaquistão, uma república semiautônoma dentro do Uzbequistão, na Ásia Central. Houve um tempo em que 98% dos peixes consumidos pelos uzbeques vinham dali.
Um desastre ambiental, no entanto, se instalou. O Mar de Aral secou, e substâncias tóxicas em seu leito ficaram expostas, causando sérios problemas de saúde na população karakalpak. Está em curso, agora, um ambicioso projeto, que envolve a plantação de milhões de árvores para tentar salvar essa comunidade e seu ambiente.
O Aral começou a secar nos anos 1960, quando a União Soviética, da qual o Uzbequistão fazia parte, desviou o curso da água dos dois principais rios que abasteciam o mar com o objetivo de irrigar novas plantações de algodão.
Como o algodão está em alta, o Kremlin ignorou o prolema ambiental decorrente da transposição das águas.
E, à medida que a água desaparecia do Aral, a concentração de sal aumentava, prejudicando a vida marinha.
"O estoque de peixes caía, e só conseguíamos pescar peixes mortos", conta Tolvashev. "Hoje, os mais jovens têm de mudar de país se quiserem conseguir emprego."
Atualmente, o Mar de Aral tem apenas 10% de seu tamanho original - perdeu-se uma área equivalente a quase o tamanho do Estado de Santa Catarina.
"Não está como antes", lamenta o ex-pescador. "O clima está ruim, há todo este pó no ar."
Quando o médico Yuldashbay Dosimov começou a trabalhar no hospital do porto de Moynaq, nos anos 1980, o litoral já estava encolhendo.
Ele lembra ter encontrado ali diversos pacientes com "doenças respiratórias, tuberculose, problemas renais". "Até recentemente, muitas crianças morriam de diarreia", relata.
As autoridades soviéticas que expandiram a indústria algodoreira uzbeque não previram que os herbicidas e pesticidas que usavam em suas plantações acabariam chegando aos rios ao redor e, consequentemente, ao leito do Aral, com duras consequências para a saúde da população.
A água contaminada fazia mal a quem a bebia, e o problema foi exacerbado à medida que o mar secava, uma vez que os produtos tóxicos das plantações ficaram exposto e se espalharam pelo ar por conta das tempestades de areia.
A população local passou a sofrer problemas de crescimento, de fertilidade, pulmonares e cardíacos, além de elevadas taxas de câncer. Um estudo acadêmico concluiu que a ocorrência de câncer de fígado dobrou entre 1981 e 1991 na região.
Outra pesquisa descobriu que, no fim dos anos 1990, a mortalidade infantil ao redor do Mar de Aral variou entre 60 e 110 a cada mil nascimentos, taxa muito maior do que no restante do Uzbequistão (48 a cada mil) e do que na Rússia (24 a cada mil).
Durante décadas, essa crise de saúde foi ignorada. As autoridades locais só admitiram que o Aral estava desaparecendo quando a União Soviética se desmantelou, no início dos anos 1990.
Agora, busca-se uma solução, e o médico Dosimov espera que ela melhore radicalmente a vida da população karakalpak.
"Eles (autoridades) precisam amenizar o impacto do ressecamento do mar na saúde das pessoas, e por isso estão plantando árvores."
Uma fraude amazônica
Muitas já identificadas não têm atividade real, só existem no papel e estão vinculadas a outras — registros de pessoas jurídicas em “camadas” servem para ocultar os donos.
O caso pode ser mais abrangente. Cruzamentos de dados federais e estaduais revelaram que, nos últimos sete anos, 82.013 empresas receberam isenções fiscais em volumes incompatíveis com sua capacidade operacional.
Na origem da investigação está uma dúzia de relatórios de auditoria interna da Suframa, agência responsável pela zona franca. Eles foram produzidos a partir de 2007 e ficaram engavetados. Outro mistério está no estoque de 1,3 milhão de notas fiscais que a Suframa acumulou, sem conferir, nos últimos 11 anos.
Há pelo menos 36 casos de empresas cujos sócios e diretores também recebem dinheiro público do Bolsa Família, destinado aos pobres.
Todo ano os cofres da União e do estado do Amazonas despejam em média R$ 20 bilhões na Zona Franca de Manaus sob a forma de incentivos. As isenções dadas às empresas locais nos últimos oito anos têm valor equivalente ao total do déficit previsto nas contas públicas neste 2018.
Hoje, completam-se 61 anos da criação desse enclave amazônico. Pelo retrovisor, tem-se uma experiência cara, porém bem-sucedida de fomento econômico no meio da selva, com preservação de mais de 90% da floresta.
É a imagem de um modelo de planificação estatal ultrapassado, assentado sobre uma indústria obsoleta em tecnologia, dedicada à montagem de hardware de eletrônicos numa época em que o valor de produção está no software.
Sua história se confunde com a de um dos mais influentes lobbies da República. Num país onde até o passado é incerto, a zona franca tem futuro garantido pelas próximas cinco décadas na Constituição. Está em curso manobra legislativa para que seja estendida a toda área metropolitana de Manaus.
Do MDB ao PCdoB apela-se pela socialização dos custos da política de redução dos preços dos combustíveis em plena crise orçamentária (o Amazonas mantém 25% de ICMS sobre a gasolina). Mas, hoje à tarde, parlamentares amazonenses recorrem a Michel Temer para suplicar pela manutenção da bilionária dádiva fiscal à zona de Manaus.
Entre privilegiados se destacam 67 grupos empresariais que há nove anos estão isentos de qualquer fiscalização. São supermercados, distribuidores de material de construção, pneus e veículos, entre outros, clientes do “Gulliver”. Trata-se de um algoritmo que libera automaticamente grandes volumes de mercadorias dessas empresas. Foi introduzido clandestinamente no banco de dados da Suframa em setembro de 2009. Auditores não encontraram razão, ordem, regra ou lei que justifique a regalia. É parte da paisagem de fraudes na Zona Franca de Manaus.
Retrocesso populista
Já no início da tarde da sexta-feira, 18, a Agência Estado reportou que o ministro de Minas e Energia, Wellington Moreira Franco, se permitira declarar que era preciso repensar a política de preços de combustíveis. Não foi uma manifestação isolada. Na manhã da segunda-feira, 21, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, cumprindo o que adiantara na véspera pelo Twitter, anunciou, em conjunto com o presidente do Senado, Eunício Oliveira, a criação de uma comissão geral do Congresso para debater “as sucessivas elevações de preços de combustíveis” Agência Estado. No mesmo dia em que os protestos de caminhoneiros começaram a ganhar corpo País afora.
Quaisquer que possam ter sido suas intenções, ao se dispor a reabrir a caixa de Pandora da política de preços de combustíveis, o governo logo perdeu controle da situação. Começou a semana acuado e terminou-a rendido.
Ainda é cedo para se avaliar com nitidez a real extensão do retrocesso populista em curso. Mas uma avaliação preliminar já revela uma perda devastadora de credibilidade da mudança do regime fiscal. A reconstrução da Petrobrás, fundada na institucionalização de uma política clara, coerente e duradoura de preços de derivados, era um dos pilares da credibilidade dessa mudança.
Tal política estava bem fundamentada na lógica de formação de preços de bens transacionados internacionalmente em uma economia aberta. Na ideia de que preços internos de derivados devem estar alinhados a preços externos. Exatamente como ocorre com outras commodities, como trigo, soja, alumínio ou celulose. Como derivados podem ser importados ou exportados, esse alinhamento tem a dupla virtude de gerar preços que dão a quem demanda tais produtos noção correta do que sua decisão custa à economia, e de manter o poder de mercado da Petrobrás sob controle.
Mas os caminhoneiros estão convencidos de que fazem jus a um subsídio. E o curioso é que querem que o diesel seja subsidiado para que possam amenizar as agruras que agora enfrentam, em decorrência de outro programa de subsídio: o generoso financiamento subsidiado de caminhões promovido pelo BNDES, durante o governo passado, por insistência das montadoras. Combinada à recessão, a expansão excessiva da frota deprimiu fretes. E muitos caminhoneiros vêm enfrentando dificuldades para pagar os caminhões que adquiriram a prazo.
Esse problema de excesso de oferta só será resolvido com a retomada do crescimento da economia. Subsídio não é a solução. E torna a retomada mais difícil. Nas atuais condições, o mais provável é que a concorrência acirrada entre os caminhoneiros faça com que o subsídio ao diesel acabe em boa parte repassado aos demandantes de serviços de transporte rodoviário, ao largo da absurda tabela de preços mínimos de frete exigida pelos grevistas.
Seja como for, o que agora se vê é um governo fragilizado, impotente diante da chantagem que foi imposta à sociedade, pronto a sacrificar avanços de grande importância na condução da política econômica, para conceder subsídios indefensáveis, em meio ao alarmante quadro fiscal que enfrenta o País. Subsídios que, só em 2018, deverão montar a cerca de R$ 14 bilhões.
O que ainda não se sabe é que novas pilhagens sofrerão o Tesouro e o País, nos próximos meses, na esteira do sucesso que tiveram os caminhoneiros.
A greve e seu rescaldo, no país das aflições
Greves de transportes são temidas no mundo todo, quando prolongadas tornam-se dramáticas e aflitivas, pois tangenciam o risco do desabastecimento. E isto pode despertar ondas de revoltas e saques, violência e anomia social. É um pesadelo. Por isso, não se pode considerar os caminheiros apenas como uma corporação a mais, uma corporação qualquer.
Salvaram o país a serenidade e a clareza do povo que, mantendo-se calmo, não agravou a situação. Todavia, os prejuízos foram enormes. Muitos, de impossível quantificação. Como, por exemplo, contabilizar o drama de uma ambulância parada por falta de combustível ou a ausência de viaturas da polícia, nas ruas? Outros são mais explícitos.
A população, ao final, é quem pagará a conta, diretamente — com o aumento do preço dos combustíveis —, ou de modo indireto, com impostos desviados de outros fins para subsidiar o óleo diesel. Mas, perdeu também a Petrobrás, sobretudo, após o pedido de demissão de seu presidente, Pedro Parente. O executivo não foi e nem será substituído por alguém de igual estatura. A desconfiança do mercado financeiro em relação a novas interferências políticas afetará as ações da companhia, que tentava resgatar a credibilidade.
Já os caminhoneiros, que provaram a força que possuem, permanecem em condições precárias. Serão ainda as grandes transportadoras que darão as cartas no disputado mercado de fretes. E, além disso, a redução do preço do diesel pode não se concretizar nas bombas dos postos de gasolina; e nem isto alivia o sufoco de custos e riscos inerentes à atividade.
Perdem também o Estado, o governo e o sistema político. O Estado se mostrou desprovido de mecanismo de antecipação de crises: Ministério dos Transportes, Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Ministério de Minas e Energia, Agência Nacional do Petróleo (ANP) e, se não bastassem, o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), onde se encontra a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) falharam em não perceber, comunicar e acautelar o governo dos riscos do movimento. A sensação de vazio e ineficiência institucional é inevitável.
Já em relação ao governo, embora seja difícil imaginar Michel Temer ainda mais impopular do que já estava, o fundo do poço às vezes é falso: o governo ficou ainda um tanto mais desmoralizado e isolado. Simbólica é a entrevista concedida pelo ex-ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, na qual negou ser candidato do governo, desprezando Michel Temer. E se Meirelles o refuga, quem o abraçará na eleição? Provavelmente, ninguém.
Em política, isolamento é algo que alimenta a si próprio. Na esteira de Meirelles, os presidentes da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e do Senado, Eunício de Oliveira; junto deles, o afastamento da base governista que lavará ainda mais as mãos de qualquer responsabilidade em relação ao governo. Governos isolados tornam-se vítimas de parasitas e corporações do tipo. Virá mais desgaste por aí. O processo pode entrar em metástase.
Do ponto de vista eleitoral, quase todos os candidatos andaram sob o fio da navalha. Se não puderam apoiar abertamente a radicalização do movimento, tampouco tiveram liberdade para contrariar um processo que, pelo menos no primeiro momento, contava com a simpatia do eleitor de mau humor e revoltado contra o governo e o sistema político.
Ainda assim, de todas as opções do cardápio eleitoral, a que talvez tenha somado mais pontos foi a de Jair Bolsonaro. O ex Capitão viu seu pelotão de radicais aumentar nas manifestações de ódio e oposição ao sistema político, colocando-se com um outsider de ocasião. Bolsonaro viu suas bandeiras tremularem em faixas que se multiplicaram por vários quadrantes do país, apelando por gestos de força e intolerância contra o regime democrático.
Enquanto seus adversários seguem perdidos e fragmentados, sem encontrar nomes que os unifiquem, o deputado aglutina em torno de si o eleitor conservador e reacionário. Está na frente e talvez tenha se consolidado. Ao mesmo tempo, no Centro, a heterogeneidade de índoles e propósitos, somada à timidez e as dificuldades Geraldo Alckmin, atua como elemento de dispersão do campo moderado. À esquerda, a indefinição do PT promove um vácuo, que Ciro Gomes e Marina Silva, ainda sem muito sucesso, tentam ocupar.
A greve fez destroços e varreu ilusões. Quebrou a tênue segurança em que agentes de mercado imaginavam viver; expôs as fraturas do sistema político, revelou a fragilidade do Estado e a inviabilidade do governo Temer. Paradoxalmente, fortaleceu discursos de força e ordem que, em si, são diametralmente opostos à liberdade e à práticas trazidas pela própria ideia de uma greve. O Brasil é esse país dos paradoxos e das aflições, onde Alice perde e ninguém se encontra.
Carlos Melo
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