quarta-feira, 10 de agosto de 2016
Crimes da terra
Sexta-feira passada, enquanto as atrizes Fernanda Montenegro e Judi Dench davam um tom lírico à festa dos Jogos, fazendo ecoar pelo mundo os belos versos de “A flor e a náusea”, escritos por Carlos Drummond de Andrade, o brasileiro Murilo Ferreira, 64 anos, e o escocês Andrew Mackenzie, 59 anos, completavam nove meses atolados num rio de lama despejado a 400 quilômetros do Maracanã, em Mariana (MG).
Ferreira e Mackenzie comandam as maiores empresas de mineração do mundo, Vale e BHP Billiton, somando vendas anuais de US$ 60 bilhões. São os principais executivos por trás da mineradora Samarco, subsidiária Vale-BHP, responsável pela mutação da paisagem e da vida numa área de 70 mil quilômetros quadrados, entre Minas Gerais e Espírito Santo, com graves sequelas para três milhões de pessoas às margens da bacia do Rio Doce.
Trinta e seis semanas depois da tragédia, Ferreira e Mackenzie permanecem inertes, atolados no rio de 34 milhões de metros cúbicos de lama de rejeitos despejado pela Samarco.
Desde o desastre, em novembro, resguardaram-se sob a camuflagem da responsabilidade jurídica da subsidiária. Ferreira (Vale) foi explícito, por exemplo, em entrevista à repórter Míriam Leitão: “A Samarco tem toda a responsabilidade. A Vale e a BHP, como acionistas da Samarco, são responsáveis em decorrência do que houve com a Samarco. Não diria que são corresponsáveis, elas são responsáveis como acionistas.”
Na sequência, ele e Mackenzie resgataram um encardido manual de procedimentos para contenção de danos à imagem dos grupos controladores — o mesmo que a BHP Billiton usou em Papua Nova Guiné, nos anos 80, quando inundou com rejeitos os rios Ok Tedi e Fly.
Em abril viram uma oportunidade no mercado político, onde Vale, BHP e Samarco consolidaram vasta “clientela”, inclusive com doações às campanhas de 166 dos 513 deputados federais e 14 dos 81 senadores. Ferreira e Mackenzie acertaram com a presidente Dilma Rousseff e os governadores Fernando Pimentel (Minas Gerais) e Paulo Hartung (Espírito Santo) o desembolso de U$S 2 bilhões em indenizações. Tropeçaram no Ministério Público, que foi à Justiça lutar pela reparação dos danos em valor 23 vezes maior (US$ 46 bilhões).
O acordo político foi suspenso pela Justiça. Restaram incertezas, destruição e mortes (a última das 19 vítimas foi localizada em março, quatro meses depois, sob a lama). O legado nas 230 cidades atingidas é o aumento da pobreza e do desemprego — alcançou um terço da força de trabalho na área onde a mineração é a principal atividade desde a Colônia.
Sobra ceticismo sobre o futuro da bilionária joint venture da Vale de Ferreira com a BHP de Mackenzie. Múltiplos processos no Brasil e nos EUA lançam “dúvidas substanciais sobre a continuidade operacional da companhia”, ressaltaram auditores da Pricewaterhouse no mais recente balanço.
Os executivos, agora, parecem inclinados apostar na “solução” mais fácil, a via burocrática judicial. Ela prevê um cipoal de recursos legítimos, com potencial protelatório suficiente para não atrapalhar planos e bônus de aposentadoria — eventualmente, embalados no ritmo lírico de obras como “A flor e a náusea”, onde se lê: “Crimes da terra, como perdoá-los?/ Tomei parte em muitos, outros escondi.”
Ferreira e Mackenzie comandam as maiores empresas de mineração do mundo, Vale e BHP Billiton, somando vendas anuais de US$ 60 bilhões. São os principais executivos por trás da mineradora Samarco, subsidiária Vale-BHP, responsável pela mutação da paisagem e da vida numa área de 70 mil quilômetros quadrados, entre Minas Gerais e Espírito Santo, com graves sequelas para três milhões de pessoas às margens da bacia do Rio Doce.
Trinta e seis semanas depois da tragédia, Ferreira e Mackenzie permanecem inertes, atolados no rio de 34 milhões de metros cúbicos de lama de rejeitos despejado pela Samarco.
Desde o desastre, em novembro, resguardaram-se sob a camuflagem da responsabilidade jurídica da subsidiária. Ferreira (Vale) foi explícito, por exemplo, em entrevista à repórter Míriam Leitão: “A Samarco tem toda a responsabilidade. A Vale e a BHP, como acionistas da Samarco, são responsáveis em decorrência do que houve com a Samarco. Não diria que são corresponsáveis, elas são responsáveis como acionistas.”
Na sequência, ele e Mackenzie resgataram um encardido manual de procedimentos para contenção de danos à imagem dos grupos controladores — o mesmo que a BHP Billiton usou em Papua Nova Guiné, nos anos 80, quando inundou com rejeitos os rios Ok Tedi e Fly.
Em abril viram uma oportunidade no mercado político, onde Vale, BHP e Samarco consolidaram vasta “clientela”, inclusive com doações às campanhas de 166 dos 513 deputados federais e 14 dos 81 senadores. Ferreira e Mackenzie acertaram com a presidente Dilma Rousseff e os governadores Fernando Pimentel (Minas Gerais) e Paulo Hartung (Espírito Santo) o desembolso de U$S 2 bilhões em indenizações. Tropeçaram no Ministério Público, que foi à Justiça lutar pela reparação dos danos em valor 23 vezes maior (US$ 46 bilhões).
O acordo político foi suspenso pela Justiça. Restaram incertezas, destruição e mortes (a última das 19 vítimas foi localizada em março, quatro meses depois, sob a lama). O legado nas 230 cidades atingidas é o aumento da pobreza e do desemprego — alcançou um terço da força de trabalho na área onde a mineração é a principal atividade desde a Colônia.
Sobra ceticismo sobre o futuro da bilionária joint venture da Vale de Ferreira com a BHP de Mackenzie. Múltiplos processos no Brasil e nos EUA lançam “dúvidas substanciais sobre a continuidade operacional da companhia”, ressaltaram auditores da Pricewaterhouse no mais recente balanço.
Os executivos, agora, parecem inclinados apostar na “solução” mais fácil, a via burocrática judicial. Ela prevê um cipoal de recursos legítimos, com potencial protelatório suficiente para não atrapalhar planos e bônus de aposentadoria — eventualmente, embalados no ritmo lírico de obras como “A flor e a náusea”, onde se lê: “Crimes da terra, como perdoá-los?/ Tomei parte em muitos, outros escondi.”
Credo esquerdista nasceu dogmático, cresceu totalitário, caducou na idade adulta
Desde que me entendo por gente interessada em política, li pichado nos muros do país o comando “Fora Figueiredo” no Brasil asfixiado pela ditadura; depois, vieram o “Fora Sarney” para o coronel arcaico que foi um péssimo presidente, mas representava a solução constitucional depois da morte do Tancredo; o “Fora Collor” para o coronel repaginado que me fez votar pela única vez em Lula acreditando que separava o joio do joio; o “Fora Itamar” contra o presidente que não fazia mal (ou bem!) nem a uma passista sem calcinha e concretizou o Plano Real, a melhor e maior janela que tivemos para o futuro; o “Fora FHC” lançado pelo PT que ama odiar Fernando Henrique; e agora o “Fora Temer”.
Contudo, o que sempre caiu fora foi a pobre coitada da vírgula requerida entre o verbo e o vocativo. Os Brasis de cada “Fora, Fulano” variaram e todos se encontram na crescente e avassaladora pichação contra a língua portuguesa. Há casos em que a vírgula é poderosa questão de escolha e é preciso compreendê-los para escolher; sei não, mas país que não sabe escolher quando usar a vírgula, talvez não saiba escolher governantes. Ainda que uma coisa, claro, não garanta a outra.
Caetano Veloso sabe usar vírgulas, seus tons e outros tons geniais na própria grande arte; fora dela, ele devota tudo ao credo traduzido na placa com erro gramatical (a vírgula ausente), no rompimento da institucionalidade (o desrespeito à Constituição que exige a posse do vice) e na vigarice intelectual (negando a legitimidade de Temer validada na eleição da chapa com Dilma). O grande artista, feito pensador num país intelectualmente desvitalizado e sucateado, professa o credo que, quase sem devotos na população brasileira, tem devoção quase unânime entre intelectuais, na academia e fora dela, e entre os artistas tornados crentes fanáticos.
O sombrio grupo de intelectuais e de artistas que submete a verdade – não a intangível verdade absoluta, mas aquela verificável na realidade observada – ao credo esquerdista é patética quando situa o PSDB no espectro ideológico de direita. Ora, só mesmo abaixo do Equador a social-democracia do hesitante PSDB não é considerada esquerdista; mas, de fato, o PT e Lula não são de esquerda, nem de direita – são oportunistas, a roupagem populista e carismática de que as “esquerdas puras” precisavam para finalmente chegar ao poder.
Assim, o PT, sem uma teoria política definida, mas com uma práxis política anômala e aberrante, amalgamou os esquerdismos mais rombudos nessa igreja de credo arcaizante – e, por isso e não por ser direitista, o PSDB como um partido democrático e sem tais deformações ficou de fora. Esse amálgama floresce com um protuberante antissemitismo, reforçada pelo antiamericanismo bocó e contemplando bandeiras estranhas à esquerda tradicional, como o feminismo e a igualdade racial, que se valem delas quando ficou claro que o proletariado se unia, sim, mas para comprar a casa própria e viajar nas férias com os pacotes da CVC. Preferindo o credo à liberdade, a academia coagulou o pensamento, imolando-o num altar das imposturas ideológicas que aboliu a especulação intelectual e a investigação sobre a verdade.
Esse credo esquerdista não seria problema se não fosse um credo, mas ele nasceu dogmático, cresceu totalitário, caducou na idade adulta e deu errado somente onde foi tentado. Como credo, está a salvo da realidade, imune à empiria e alheio ao contraditório. Os respectivos devotos submetem as artes, o gosto, a beleza e até mesmo o sexo a ele. Tudo bem, isso é lá com eles, só que também submetem a política/gestão pública à ética interna do credo. Aí não dá. Ora, a moral interna desse credo não só redime os governantes a ele alinhados das imoralidades na gestão pública regida por moral mais ampla e contrária (a legislação, a Constituição, valores consolidados ainda que não escritos, etc.), mas espera deles justamente essa conduta porque cobra ao mundo exterior que se se abra em devoção.
Daí o “Fora Itamar/FHC/Temer”; daí pretenderem que os eventuais crimes de Temer, Serra e Aécio na delação anunciada de Marcelo Odebrecht redimam os crimes provados de Lula, Dilma e do resto da súcia que, sustentando o credo que a sustenta, erigiu-se seita guardiã cujo sacerdote expandiu a catequese autoritária para o que o Brasil tinha de pior numa elite capitalista avessa a um dos fundamentos do capitalismo – a concorrência – e numa elite política marcada pela ideologia do atraso.
As imoralidades dos políticos de oposição, se provadas, fazem-nos iguais perante a lei, mas não os igualam à substância aberrante e anômala do PT, partido que rouba nossa grana por um projeto de poder; saqueia a institucionalidade para se manter acima da lei; castra o debate público atrelando-o àquele credo; aparelha o Estado para dobrá-lo ao credo; demoniza a dissidência; é autoritário; e faz tudo isso e mais impondo-se como tradução do bem.
Na infância, fiz da literatura meu refúgio contra muitas privações; era criança e não questionava causas ou consequências, só queria sonhar com outra realidade. Na adolescência, o questionamento incendiou minha rebeldia e o desejo de compreender; era jovem e, na minha prepotência juvenil, capacitava-me para a minha singela ambição recém adquirida de mudar o mundo, começando pelo Brasil.
A leitura de alguns intelectuais do século 20 os revelava, para mim, como transformadores políticos da realidade no combate a tiranos e, portanto, na defesa da liberdade e de um mundo mais justo. Muitos deles foram marxistas militantes nos diversos perfis da doutrina e, por isso, me afeiçoei a ela. O que durou pouco até eu me dar conta de que se trata de uma tirania brutal e minha desilusão com a intelectualidade só não foi generalizada porque os intelectuais alinhados com a tirania foram denunciados por outros intelectuais. É clássica, por exemplo, a obra do intelectual Julien Benda “A traição dos intelectuais”, de 1927, para quem o intelectual alinhado é traidor da liberdade com que deve se dar a especulação do pensamento.
Curada das doenças da juventude, me engano comigo mesma e ainda consigo me iludir e me desiludir com uma ou outra coisa, mas não com os artistas e intelectuais que preferem defender uma súcia a se libertar de um credo. Nem me espanta registrarem isso numa plaquinha moral e gramaticalmente mutilada.
Contudo, o que sempre caiu fora foi a pobre coitada da vírgula requerida entre o verbo e o vocativo. Os Brasis de cada “Fora, Fulano” variaram e todos se encontram na crescente e avassaladora pichação contra a língua portuguesa. Há casos em que a vírgula é poderosa questão de escolha e é preciso compreendê-los para escolher; sei não, mas país que não sabe escolher quando usar a vírgula, talvez não saiba escolher governantes. Ainda que uma coisa, claro, não garanta a outra.
Caetano Veloso sabe usar vírgulas, seus tons e outros tons geniais na própria grande arte; fora dela, ele devota tudo ao credo traduzido na placa com erro gramatical (a vírgula ausente), no rompimento da institucionalidade (o desrespeito à Constituição que exige a posse do vice) e na vigarice intelectual (negando a legitimidade de Temer validada na eleição da chapa com Dilma). O grande artista, feito pensador num país intelectualmente desvitalizado e sucateado, professa o credo que, quase sem devotos na população brasileira, tem devoção quase unânime entre intelectuais, na academia e fora dela, e entre os artistas tornados crentes fanáticos.
Assim, o PT, sem uma teoria política definida, mas com uma práxis política anômala e aberrante, amalgamou os esquerdismos mais rombudos nessa igreja de credo arcaizante – e, por isso e não por ser direitista, o PSDB como um partido democrático e sem tais deformações ficou de fora. Esse amálgama floresce com um protuberante antissemitismo, reforçada pelo antiamericanismo bocó e contemplando bandeiras estranhas à esquerda tradicional, como o feminismo e a igualdade racial, que se valem delas quando ficou claro que o proletariado se unia, sim, mas para comprar a casa própria e viajar nas férias com os pacotes da CVC. Preferindo o credo à liberdade, a academia coagulou o pensamento, imolando-o num altar das imposturas ideológicas que aboliu a especulação intelectual e a investigação sobre a verdade.
Esse credo esquerdista não seria problema se não fosse um credo, mas ele nasceu dogmático, cresceu totalitário, caducou na idade adulta e deu errado somente onde foi tentado. Como credo, está a salvo da realidade, imune à empiria e alheio ao contraditório. Os respectivos devotos submetem as artes, o gosto, a beleza e até mesmo o sexo a ele. Tudo bem, isso é lá com eles, só que também submetem a política/gestão pública à ética interna do credo. Aí não dá. Ora, a moral interna desse credo não só redime os governantes a ele alinhados das imoralidades na gestão pública regida por moral mais ampla e contrária (a legislação, a Constituição, valores consolidados ainda que não escritos, etc.), mas espera deles justamente essa conduta porque cobra ao mundo exterior que se se abra em devoção.
Daí o “Fora Itamar/FHC/Temer”; daí pretenderem que os eventuais crimes de Temer, Serra e Aécio na delação anunciada de Marcelo Odebrecht redimam os crimes provados de Lula, Dilma e do resto da súcia que, sustentando o credo que a sustenta, erigiu-se seita guardiã cujo sacerdote expandiu a catequese autoritária para o que o Brasil tinha de pior numa elite capitalista avessa a um dos fundamentos do capitalismo – a concorrência – e numa elite política marcada pela ideologia do atraso.
As imoralidades dos políticos de oposição, se provadas, fazem-nos iguais perante a lei, mas não os igualam à substância aberrante e anômala do PT, partido que rouba nossa grana por um projeto de poder; saqueia a institucionalidade para se manter acima da lei; castra o debate público atrelando-o àquele credo; aparelha o Estado para dobrá-lo ao credo; demoniza a dissidência; é autoritário; e faz tudo isso e mais impondo-se como tradução do bem.
Na infância, fiz da literatura meu refúgio contra muitas privações; era criança e não questionava causas ou consequências, só queria sonhar com outra realidade. Na adolescência, o questionamento incendiou minha rebeldia e o desejo de compreender; era jovem e, na minha prepotência juvenil, capacitava-me para a minha singela ambição recém adquirida de mudar o mundo, começando pelo Brasil.
A leitura de alguns intelectuais do século 20 os revelava, para mim, como transformadores políticos da realidade no combate a tiranos e, portanto, na defesa da liberdade e de um mundo mais justo. Muitos deles foram marxistas militantes nos diversos perfis da doutrina e, por isso, me afeiçoei a ela. O que durou pouco até eu me dar conta de que se trata de uma tirania brutal e minha desilusão com a intelectualidade só não foi generalizada porque os intelectuais alinhados com a tirania foram denunciados por outros intelectuais. É clássica, por exemplo, a obra do intelectual Julien Benda “A traição dos intelectuais”, de 1927, para quem o intelectual alinhado é traidor da liberdade com que deve se dar a especulação do pensamento.
Curada das doenças da juventude, me engano comigo mesma e ainda consigo me iludir e me desiludir com uma ou outra coisa, mas não com os artistas e intelectuais que preferem defender uma súcia a se libertar de um credo. Nem me espanta registrarem isso numa plaquinha moral e gramaticalmente mutilada.
The Wall Street Journal reconhece que caiu no golpe do Brasil Maravilha
Em 2009, quando o Comitê Olímpico Internacional anunciou que o Rio seria a sede dos Jogos de 2016, Lula imaginou que durante a festa de abertura seria alvo dos aplausos da multidão e dos olhares de admiração de todos os governantes estrangeiros presentes à cerimônia. Errou feio. Passados sete anos, o alvo da Lava Jato nem deu as caras no Maracanã.
“Como Lula enganou o mundo”, resumiu o título de uma análise do Brasil olímpico publicada há dois dias pelo Wall Street Journal, escrita pela editora Mary Anastasia O’Grady. Depois de exumar algumas das incontáveis tapeações forjadas por Lula e Dilma Rousseff, a autora destaca a chegada do padrinho ao banco dos réus e a iminente consumação do impeachment da afilhada.
“Se a fraude política que leva uma nação à ruína fosse crime, ambos já estariam na cadeia”, conclui o texto. Demorou, mas a imprensa internacional acordou. E descobriu que, no faroeste à brasileira, o bandido se disfarça de mocinho. Depois de ter caído no golpe do Brasil Maravilha, ficou suficientemente esperta para não cair no golpe do golpe.
Augusto Nunes
“Se a fraude política que leva uma nação à ruína fosse crime, ambos já estariam na cadeia”, conclui o texto. Demorou, mas a imprensa internacional acordou. E descobriu que, no faroeste à brasileira, o bandido se disfarça de mocinho. Depois de ter caído no golpe do Brasil Maravilha, ficou suficientemente esperta para não cair no golpe do golpe.
Augusto Nunes
Temer é só o que temos para o jantar
Por que Michel Temer foi vaiado na abertura da Olimpíada Rio 2016? Porque no Maracanã “vaia-se até minuto de silêncio”, como constatou Nelson Rodrigues? Porque ele é o mais poderoso membro da impopular elite dirigente política nacional? Porque está comandando um “golpe branco e manso” contra a presidente reeleita em 2014? Das hipóteses acima é possível apostar apenas na última, não por ser verdadeira, pois não é, mas porque 32% da população brasileira, ou seja, menos de um terço, acredita nessa bazófia. Os fatos conspiram contra as outras: Médici foi aplaudido unanimemente por torcidas antagonistas na época mais brutal e menos democrática da História de nossa insana República. E na noite de 5 de agosto houve aplausos de delírio para Giselle Bündchen, ídolos da Música Popular Brasileira ou para a pira olímpica que virou sol.
Saiba quem ouviu a vaia e calou (consentindo-a?), mesmo sem considerar os aplausos, que os houve, que Temer é só o que “temos para o jantar”. Se Dilma Rousseff, do PT, for mesmo impedida, o vice, do PMDB, eleito juntamente com ela pelos mesmos 54 milhões de eleitores que a preferiram a Aécio Neves, do PSDB, em novembro de 2014, assume seu lugar por ser essa sua obrigação funcional, conferida na Constituição vigente. Apenas se voluntariamente ele se negar a cumprir seu dever se considerará a hipótese de substituição pelo vencedor de uma eventual eleição, direta se for este ano e indireta (ou seja, pelo Congresso) se convocada a partir de 2017. Talvez essa seja uma boa causa para os apupos, se se considerar que ele foi cúmplice da má gestão da titular da chapa, responsabilizada pela maior crise ética, econômica e política da História.
Desobrigada pelo afastamento, Dilma, ela mesma vaiada e xingada na abertura do Mundial da Fifa de 2014, ausentou-se do estádio para evitar esse dissabor. Do qual, aliás, não escaparia nenhum mandatário de nenhum dos Poderes republicanos. Nem mesmo alguns colegas de ofício do popular Sergio Moro seriam poupados.
Salvo a exceção, que inspira imitadores, do citado Moro, o Judiciário também não goza de boa fama, mormente após seu ápice de popularidade, durante a transmissão pelas TVs por assinatura das sessões do julgamento do chamado mensalão. Joaquim Barbosa, então herói, antecipou a aposentadoria, deixou sem justa causa seus fãs órfãos e os dispersou ao assumir a defesa da causa mais impopular da História republicana, “Fica, Dilma”, não defendida sequer pelos militantes contra o “golpismo”, que só usam como cavalo de batalha o “Fora, Temer”. Para complicar, o desacreditado antagonista do relator no mensalão, Ricardo Lewandowski, assumiu a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF).
Após ser tido pelo público como defensor avançado da causa dos petistas acusados de corrupção, o ministro indicado pelo amigo de longa data em São Bernardo do Campo Luiz Inácio Lula da Silva, sob cuja égide foi eleito e reeleito o poste Dilma e uma organização criminosa perpetrou o saque ao Tesouro, passou a comportar-se como chefão sindical de pares e servidores. Porta-bandeira de reivindicações salariais de funcionários e ministros em plenos quebradeira de empresas e desemprego de operários, ele se permitiu funcionar como supremo árbitro de todas as querelas, deixando a impressão de abusar das próprias prerrogativas de chefe de Poder.
Nesse afã, omitiu sutilezas do passado, ao assumir o comando do processo de impeachment da presidente afastada, que devia ser aberto pela Câmara e julgado no Senado. A inércia dos parlamentares o ajudou: por 66 anos, estes nada fizeram para reformar uma circunstância específica da Constituição de 1946, que transferiu o comando do julgamento do processo político de impedimento do presidente para o chefão do Judiciário, já que o vice era presidente do Senado e, como parte interessada, não poderia comandar a votação.
Para tanto contou com cumplicidade generalizada. Como ninguém atentou para o detalhe, ele não se fez de rogado em rebaixar a encarregada apenas de dirimir dúvidas de técnica processual a árbitra intrometida de questiúnculas regimentais. Sob sua presidência, os colegas do STF massacraram o direito democrático elementar da candidatura avulsa de parlamentares, tão eleitos pelo povo quanto a chefe do Executivo, para atender aos interesses dela na composição da comissão da Câmara que decidiu sobre a abertura do processo.
E não precisou de cumplicidade dos outros dez colegas para se intrometer em questões internas da comissão do Senado, ao decretar o sugestivo total de 40 testemunhas de defesa, decretando uma paródia de “abre-te, Sésamo”, que acaba de repetir ao ampliar de cinco para seis o novo número de testemunhos em prol da acusada, depois da aprovação de sua pronúncia pela maioria simples dos senadores.
Em nome do precedente Collor, que adotou a lei sem nexo à falta de outra, atua como mordomo diligente, a conferir a despensa do palácio, cuidando de cada minúcia, sem repetir o exemplo discreto de Sydney Sanches, presidente do STF em 1992. A comissão da Câmara, composta no figurino de Dilma-Cardozo, derrotou essa dupla por 38 a 27. As 40 testemunhas não evitaram o 14 a 5 da comissão do Senado a favor do voto do relator, Antonio Anastasia. Mas o causídico da “presidenta” conta com novas intervenções do STF para desautorizar a maioria de dois terços no julgamento final, apesar de Lewandowski presidi-lo, a pretexto de evitar nova enxurrada de recursos. Por essa razão, o julgamento de Dilma só será realizado após decorrer o triplo dos 90 dias usados para depor o Carcará Sanguinolento.
Os caprichos de Lewandowski ainda podem alongar esse prazo para setembro. Para alívio de pelo menos dois terços de Câmara, Senado e cidadãos, ele não poderá postergá-lo para depois de 10 de setembro, quando já terá empossado Cármen Lúcia em seu lugar.
José Nêumanne
Saiba quem ouviu a vaia e calou (consentindo-a?), mesmo sem considerar os aplausos, que os houve, que Temer é só o que “temos para o jantar”. Se Dilma Rousseff, do PT, for mesmo impedida, o vice, do PMDB, eleito juntamente com ela pelos mesmos 54 milhões de eleitores que a preferiram a Aécio Neves, do PSDB, em novembro de 2014, assume seu lugar por ser essa sua obrigação funcional, conferida na Constituição vigente. Apenas se voluntariamente ele se negar a cumprir seu dever se considerará a hipótese de substituição pelo vencedor de uma eventual eleição, direta se for este ano e indireta (ou seja, pelo Congresso) se convocada a partir de 2017. Talvez essa seja uma boa causa para os apupos, se se considerar que ele foi cúmplice da má gestão da titular da chapa, responsabilizada pela maior crise ética, econômica e política da História.
Salvo a exceção, que inspira imitadores, do citado Moro, o Judiciário também não goza de boa fama, mormente após seu ápice de popularidade, durante a transmissão pelas TVs por assinatura das sessões do julgamento do chamado mensalão. Joaquim Barbosa, então herói, antecipou a aposentadoria, deixou sem justa causa seus fãs órfãos e os dispersou ao assumir a defesa da causa mais impopular da História republicana, “Fica, Dilma”, não defendida sequer pelos militantes contra o “golpismo”, que só usam como cavalo de batalha o “Fora, Temer”. Para complicar, o desacreditado antagonista do relator no mensalão, Ricardo Lewandowski, assumiu a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF).
Após ser tido pelo público como defensor avançado da causa dos petistas acusados de corrupção, o ministro indicado pelo amigo de longa data em São Bernardo do Campo Luiz Inácio Lula da Silva, sob cuja égide foi eleito e reeleito o poste Dilma e uma organização criminosa perpetrou o saque ao Tesouro, passou a comportar-se como chefão sindical de pares e servidores. Porta-bandeira de reivindicações salariais de funcionários e ministros em plenos quebradeira de empresas e desemprego de operários, ele se permitiu funcionar como supremo árbitro de todas as querelas, deixando a impressão de abusar das próprias prerrogativas de chefe de Poder.
Nesse afã, omitiu sutilezas do passado, ao assumir o comando do processo de impeachment da presidente afastada, que devia ser aberto pela Câmara e julgado no Senado. A inércia dos parlamentares o ajudou: por 66 anos, estes nada fizeram para reformar uma circunstância específica da Constituição de 1946, que transferiu o comando do julgamento do processo político de impedimento do presidente para o chefão do Judiciário, já que o vice era presidente do Senado e, como parte interessada, não poderia comandar a votação.
Para tanto contou com cumplicidade generalizada. Como ninguém atentou para o detalhe, ele não se fez de rogado em rebaixar a encarregada apenas de dirimir dúvidas de técnica processual a árbitra intrometida de questiúnculas regimentais. Sob sua presidência, os colegas do STF massacraram o direito democrático elementar da candidatura avulsa de parlamentares, tão eleitos pelo povo quanto a chefe do Executivo, para atender aos interesses dela na composição da comissão da Câmara que decidiu sobre a abertura do processo.
E não precisou de cumplicidade dos outros dez colegas para se intrometer em questões internas da comissão do Senado, ao decretar o sugestivo total de 40 testemunhas de defesa, decretando uma paródia de “abre-te, Sésamo”, que acaba de repetir ao ampliar de cinco para seis o novo número de testemunhos em prol da acusada, depois da aprovação de sua pronúncia pela maioria simples dos senadores.
Em nome do precedente Collor, que adotou a lei sem nexo à falta de outra, atua como mordomo diligente, a conferir a despensa do palácio, cuidando de cada minúcia, sem repetir o exemplo discreto de Sydney Sanches, presidente do STF em 1992. A comissão da Câmara, composta no figurino de Dilma-Cardozo, derrotou essa dupla por 38 a 27. As 40 testemunhas não evitaram o 14 a 5 da comissão do Senado a favor do voto do relator, Antonio Anastasia. Mas o causídico da “presidenta” conta com novas intervenções do STF para desautorizar a maioria de dois terços no julgamento final, apesar de Lewandowski presidi-lo, a pretexto de evitar nova enxurrada de recursos. Por essa razão, o julgamento de Dilma só será realizado após decorrer o triplo dos 90 dias usados para depor o Carcará Sanguinolento.
Os caprichos de Lewandowski ainda podem alongar esse prazo para setembro. Para alívio de pelo menos dois terços de Câmara, Senado e cidadãos, ele não poderá postergá-lo para depois de 10 de setembro, quando já terá empossado Cármen Lúcia em seu lugar.
José Nêumanne
Um partido à deriva
Ganha o PT a medalha de ouro na disputa pelas aspirações frustradas e os objetivos invertidos. Dilma Rousseff sobe as escadas do cadafalso e em poucos dias estará decapitada. O Lula procura salvar-se do precipício e Rui Falcão obrigou-se a vender a mansão que possuía. José Dirceu conforma-se em envelhecer na prisão, Jacques Wagner sumiu. Os ex-tesoureiros do partido lamentam as condenações que os privaram da liberdade e antigos dirigentes buscam o anonimato. Até as convenções municipais para a escolha de candidatos a prefeito não se realizaram, ou transcorreram em segredo. Suas bancadas no Congresso desistiram de tentar salvar o mandato de Madame, mas nem cogitam da reconstrução, lançando tênues esperanças apenas na sucessão de 2018, caso o Lula decida disputar o retorno.
A campanha pelas eleições municipais não começou, o melhor que os companheiros pretendem é ser esquecidos. Se elegerem um único prefeito de capital, no caso de Rio Branco, no Acre, dar-se-ão por satisfeitos.
O partido que um dia aspirou mudar o Brasil agora recolheu-se e nem planos faz para sua renovação. Omite-se a juventude, indiferente à necessidade de deitar ao mar a carga que sobrou da tempestade.
Dirão os companheiros otimistas que a mesma pasmaceira tomou conta dos outros partidos. Mas acontece que o percentual de desânimo do PT supera os demais. Também, bem feito…
O partido que um dia aspirou mudar o Brasil agora recolheu-se e nem planos faz para sua renovação. Omite-se a juventude, indiferente à necessidade de deitar ao mar a carga que sobrou da tempestade.
Dirão os companheiros otimistas que a mesma pasmaceira tomou conta dos outros partidos. Mas acontece que o percentual de desânimo do PT supera os demais. Também, bem feito…
Mais depressa se pega um mentiroso do que um coxo
Numa manhã fria e de céu azul, sem uma nesga de nuvem branca, a caminho do clube, indagou o neto de 10 anos ao avô: “Vovô, como a gente faz para não mentir?”.
Antes de responder à pergunta, filosofou o avô: “A mentira é sempre ruim. Ela não constrói nada, mas destrói, sobretudo, o caráter, que é o que distingue uma pessoa de outra. Destrói reputações e pode levar alguém a perder a vida. Mas me diga, antes de mais nada, qual seria essa mentira que hoje o preocupa tanto”.
“Tipo assim, vovô, por exemplo: dizer à minha mãe, no fim de semana, que eu não tinha dever de casa, mas tinha. Entendeu?”
“Sim. Essa não é uma mentira grave, mas é mentira”, afirmou o avô. “Na realidade, é pouco ou nada inteligente, burra mesmo. Acontece, às vezes, com meninos da sua idade, que sempre têm dever de casa para fazer. Só prejudica a quem a comete. Na segunda-feira, de volta da escola, sua mãe será avisada pela professora de sua falta… Já a mentira grave é aquela que prejudica terceiros inocentes. Entendeu?”
“Sim, entendi, vovô, e já sei, vou ser ferrado”.
“Agora”, continuou o avô, “e antes de começar a sofrer com a bronca que você receberá em casa, trato de sua pergunta: para não mentir, a gente tem que falar a verdade, em qualquer circunstância. O mal só será evitado pela prática do bem. E fazer o bem é mais difícil que fazer o mal. Ninguém será correto pela vida toda sem se esforçar. Há uma exceção: dizer a verdade quando se sabe que ela poderá provocar, na pessoa que deveria tomar ciência dela, algum problema de saúde, por exemplo, nem sempre é o melhor caminho. Nesse caso, e só nesse caso, pode-se aguardar um pouco mais, pedir auxílio aos mais velhos, ou proceder assim: nem se diz a verdade, nem se diz mentira, entendeu? Preste atenção: só se deve fazer assim se não houver, da parte de quem deveria falar a verdade, um dever de consciência”.
“Não entendi direito, vovô”, retrucou o neto. “Essa coisa de dever de consciência... Nunca tinha pensado nisso que você falou”.
“Nisso o quê?”, perguntou o avô, “na consciência?”
“Não. É que a mentira, sobre o dever de casa, é burra mesmo. Nunca tinha pensado nisso. Por isso é que outro dia você me disse que meu bisavô dizia a seus filhos que ‘mais depressa se pega um mentiroso do que um coxo’. Agora entendi direito o que meu bisavô – era seu pai, não era? – gostava de ensinar aos filhos e netos”.
O episódio aqui relatado é muito comum entre avôs e netos de 10 anos. Referi-lo é oportuno. Nosso país vive sob as consequências terríveis desse grande pecado da humanidade. A Lava Jato é produto dele. E, na política, a mentira comanda o espetáculo. Não podemos tratá-la como se fosse algo banal e corriqueiro, embora o seja.
O presidente interino Michel Temer precisa dizer rápido ao país a verdade sobre a possibilidade de ser candidato à reeleição em 2018. Fala-se isso sem sequer saber se, em setembro, será, enfim, empossado na Presidência da República.
A nota que publicou, em resposta à entrevista do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, a “O Estado de S. Paulo”, é puro escapismo, além de perigoso jogo de cena.
Conduzir o país até 2018 poderá ser sua única missão. E ainda terá que provar que tem condições de governá-lo até lá.
Esse é seu (último) dever de casa.
Antes de responder à pergunta, filosofou o avô: “A mentira é sempre ruim. Ela não constrói nada, mas destrói, sobretudo, o caráter, que é o que distingue uma pessoa de outra. Destrói reputações e pode levar alguém a perder a vida. Mas me diga, antes de mais nada, qual seria essa mentira que hoje o preocupa tanto”.
“Tipo assim, vovô, por exemplo: dizer à minha mãe, no fim de semana, que eu não tinha dever de casa, mas tinha. Entendeu?”
“Sim. Essa não é uma mentira grave, mas é mentira”, afirmou o avô. “Na realidade, é pouco ou nada inteligente, burra mesmo. Acontece, às vezes, com meninos da sua idade, que sempre têm dever de casa para fazer. Só prejudica a quem a comete. Na segunda-feira, de volta da escola, sua mãe será avisada pela professora de sua falta… Já a mentira grave é aquela que prejudica terceiros inocentes. Entendeu?”
“Sim, entendi, vovô, e já sei, vou ser ferrado”.
“Agora”, continuou o avô, “e antes de começar a sofrer com a bronca que você receberá em casa, trato de sua pergunta: para não mentir, a gente tem que falar a verdade, em qualquer circunstância. O mal só será evitado pela prática do bem. E fazer o bem é mais difícil que fazer o mal. Ninguém será correto pela vida toda sem se esforçar. Há uma exceção: dizer a verdade quando se sabe que ela poderá provocar, na pessoa que deveria tomar ciência dela, algum problema de saúde, por exemplo, nem sempre é o melhor caminho. Nesse caso, e só nesse caso, pode-se aguardar um pouco mais, pedir auxílio aos mais velhos, ou proceder assim: nem se diz a verdade, nem se diz mentira, entendeu? Preste atenção: só se deve fazer assim se não houver, da parte de quem deveria falar a verdade, um dever de consciência”.
“Não entendi direito, vovô”, retrucou o neto. “Essa coisa de dever de consciência... Nunca tinha pensado nisso que você falou”.
“Nisso o quê?”, perguntou o avô, “na consciência?”
“Não. É que a mentira, sobre o dever de casa, é burra mesmo. Nunca tinha pensado nisso. Por isso é que outro dia você me disse que meu bisavô dizia a seus filhos que ‘mais depressa se pega um mentiroso do que um coxo’. Agora entendi direito o que meu bisavô – era seu pai, não era? – gostava de ensinar aos filhos e netos”.
O episódio aqui relatado é muito comum entre avôs e netos de 10 anos. Referi-lo é oportuno. Nosso país vive sob as consequências terríveis desse grande pecado da humanidade. A Lava Jato é produto dele. E, na política, a mentira comanda o espetáculo. Não podemos tratá-la como se fosse algo banal e corriqueiro, embora o seja.
O presidente interino Michel Temer precisa dizer rápido ao país a verdade sobre a possibilidade de ser candidato à reeleição em 2018. Fala-se isso sem sequer saber se, em setembro, será, enfim, empossado na Presidência da República.
A nota que publicou, em resposta à entrevista do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, a “O Estado de S. Paulo”, é puro escapismo, além de perigoso jogo de cena.
Conduzir o país até 2018 poderá ser sua única missão. E ainda terá que provar que tem condições de governá-lo até lá.
Esse é seu (último) dever de casa.
A guinada à direita da internet no Brasil
Durante uma visita recente ao Brasil, o ativista espanhol Javier Toret Medina provocou: “os movimentos de esquerda daqui são inúteis na Internet”. Essa “inutilidade” teria ficado clara pela tímida presença de organizações como o Movimento Passe Livre na Internet durante os protestos de 2013.
Ao fazer a crítica, o ativista espanhol exagera, claro. Mas, ao mesmo tempo, toca em um ponto que tem chamado muito a atenção dos estudiosos do ativismo nas mídias sociais no Brasil: a crescente presença de indivíduos e organizações auto-intitulados de direita. São várias organizações que chegam à casa do milhão (milhões!) de seguidores nas suas fan pages do Facebook, deixando para trás organizações com muito mais tempo de ativismo e com maior enraizamento na sociedade civil.
Se olharmos para partidos e, principalmente, para legisladores, a diferença também é gritante. Entre os deputados federais e senadores com maior presença na Internet, a grande maioria está filiada a partidos à direita do espectro político. São super usuários da Internet que utilizam as mídias sociais como plataformas para criar agenda, difundir informações, lançar campanhas e recrutar simpatizantes.
E a esquerda?
O que explica essa aparente indiferença de setores progressistas frente à Internet no Brasil? Ainda não temos boas pesquisas sobre o assunto, mas arrisco dizer que são várias as razões dessa diferença de comportamento com relação ao caso espanhol. Para começar, na Espanha a forte presença da esquerda na Internet era fruto de uma forte presença nas ruas e nas praças. No caso brasileiro, desde 2013 as ruas têm sido dominadas por setores mais conservadores.
Outra coisa importante, que separa o caso brasileiro do espanhol como um abismo, é que metade da população brasileira ainda não está conectada à Internet. Sem falar das limitações de acesso e uso daqueles que estão conectados. Portanto, qualquer comparação tem que ser feita com cuidado.
Exageros e diferenças à parte, o ativista espanhol tem razão na sua crítica, porque parte da ausência (ou melhor, da presença tímida) na Internet não tem a ver com a exclusão digital e nem com a crise da esquerda. Tem a ver com decisões tomadas por ativistas e por organizações, que refletem uma visão equivocada dos impactos da Internet. Por exemplo, é comum escutarmos um certo desprezo nas análises sobre os impactos das mídias sociais. O ativismo “de verdade” seria o velho ativismo das assembleias, das reuniões presenciais, do corpo-a-corpo das campanhas. O ativismo na Internet seria limitado ao “ativismo do sofá”, aquele que não passa do clique no teclado. E pior: o ativismo no Internet contribuiria para esvaziar as organizações e os espaços de debate presenciais.
Como já discutimos nesta coluna, a Internet não é a panacéia. Está longe de ser a solução para todos os problemas de ação coletiva. E nem dá para generalizar os seus impactos: as plataformas digitais são usadas de maneiras diferentes, e esse uso muda com uma rapidez que só as gerações mais jovens conseguem acompanhar, enquanto os mais velhos correm atrás do prejuízo.
No entanto, dar as costas para os novos tipos de ativismo que estão surgindo via Internet é tapar o sol com a peneira. É ignorar que a tecnologia pode, sim, ser instrumento de mudança social. É deixar de ocupar um campo de disputa, no qual o ativismo político está se reinventando.
Ao fazer a crítica, o ativista espanhol exagera, claro. Mas, ao mesmo tempo, toca em um ponto que tem chamado muito a atenção dos estudiosos do ativismo nas mídias sociais no Brasil: a crescente presença de indivíduos e organizações auto-intitulados de direita. São várias organizações que chegam à casa do milhão (milhões!) de seguidores nas suas fan pages do Facebook, deixando para trás organizações com muito mais tempo de ativismo e com maior enraizamento na sociedade civil.
Pawel Kuczynski |
E a esquerda?
O que explica essa aparente indiferença de setores progressistas frente à Internet no Brasil? Ainda não temos boas pesquisas sobre o assunto, mas arrisco dizer que são várias as razões dessa diferença de comportamento com relação ao caso espanhol. Para começar, na Espanha a forte presença da esquerda na Internet era fruto de uma forte presença nas ruas e nas praças. No caso brasileiro, desde 2013 as ruas têm sido dominadas por setores mais conservadores.
Outra coisa importante, que separa o caso brasileiro do espanhol como um abismo, é que metade da população brasileira ainda não está conectada à Internet. Sem falar das limitações de acesso e uso daqueles que estão conectados. Portanto, qualquer comparação tem que ser feita com cuidado.
Exageros e diferenças à parte, o ativista espanhol tem razão na sua crítica, porque parte da ausência (ou melhor, da presença tímida) na Internet não tem a ver com a exclusão digital e nem com a crise da esquerda. Tem a ver com decisões tomadas por ativistas e por organizações, que refletem uma visão equivocada dos impactos da Internet. Por exemplo, é comum escutarmos um certo desprezo nas análises sobre os impactos das mídias sociais. O ativismo “de verdade” seria o velho ativismo das assembleias, das reuniões presenciais, do corpo-a-corpo das campanhas. O ativismo na Internet seria limitado ao “ativismo do sofá”, aquele que não passa do clique no teclado. E pior: o ativismo no Internet contribuiria para esvaziar as organizações e os espaços de debate presenciais.
Como já discutimos nesta coluna, a Internet não é a panacéia. Está longe de ser a solução para todos os problemas de ação coletiva. E nem dá para generalizar os seus impactos: as plataformas digitais são usadas de maneiras diferentes, e esse uso muda com uma rapidez que só as gerações mais jovens conseguem acompanhar, enquanto os mais velhos correm atrás do prejuízo.
No entanto, dar as costas para os novos tipos de ativismo que estão surgindo via Internet é tapar o sol com a peneira. É ignorar que a tecnologia pode, sim, ser instrumento de mudança social. É deixar de ocupar um campo de disputa, no qual o ativismo político está se reinventando.
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