Antes de responder à pergunta, filosofou o avô: “A mentira é sempre ruim. Ela não constrói nada, mas destrói, sobretudo, o caráter, que é o que distingue uma pessoa de outra. Destrói reputações e pode levar alguém a perder a vida. Mas me diga, antes de mais nada, qual seria essa mentira que hoje o preocupa tanto”.
“Tipo assim, vovô, por exemplo: dizer à minha mãe, no fim de semana, que eu não tinha dever de casa, mas tinha. Entendeu?”
“Sim. Essa não é uma mentira grave, mas é mentira”, afirmou o avô. “Na realidade, é pouco ou nada inteligente, burra mesmo. Acontece, às vezes, com meninos da sua idade, que sempre têm dever de casa para fazer. Só prejudica a quem a comete. Na segunda-feira, de volta da escola, sua mãe será avisada pela professora de sua falta… Já a mentira grave é aquela que prejudica terceiros inocentes. Entendeu?”
“Sim, entendi, vovô, e já sei, vou ser ferrado”.
“Agora”, continuou o avô, “e antes de começar a sofrer com a bronca que você receberá em casa, trato de sua pergunta: para não mentir, a gente tem que falar a verdade, em qualquer circunstância. O mal só será evitado pela prática do bem. E fazer o bem é mais difícil que fazer o mal. Ninguém será correto pela vida toda sem se esforçar. Há uma exceção: dizer a verdade quando se sabe que ela poderá provocar, na pessoa que deveria tomar ciência dela, algum problema de saúde, por exemplo, nem sempre é o melhor caminho. Nesse caso, e só nesse caso, pode-se aguardar um pouco mais, pedir auxílio aos mais velhos, ou proceder assim: nem se diz a verdade, nem se diz mentira, entendeu? Preste atenção: só se deve fazer assim se não houver, da parte de quem deveria falar a verdade, um dever de consciência”.
“Não entendi direito, vovô”, retrucou o neto. “Essa coisa de dever de consciência... Nunca tinha pensado nisso que você falou”.
“Nisso o quê?”, perguntou o avô, “na consciência?”
“Não. É que a mentira, sobre o dever de casa, é burra mesmo. Nunca tinha pensado nisso. Por isso é que outro dia você me disse que meu bisavô dizia a seus filhos que ‘mais depressa se pega um mentiroso do que um coxo’. Agora entendi direito o que meu bisavô – era seu pai, não era? – gostava de ensinar aos filhos e netos”.
O episódio aqui relatado é muito comum entre avôs e netos de 10 anos. Referi-lo é oportuno. Nosso país vive sob as consequências terríveis desse grande pecado da humanidade. A Lava Jato é produto dele. E, na política, a mentira comanda o espetáculo. Não podemos tratá-la como se fosse algo banal e corriqueiro, embora o seja.
O presidente interino Michel Temer precisa dizer rápido ao país a verdade sobre a possibilidade de ser candidato à reeleição em 2018. Fala-se isso sem sequer saber se, em setembro, será, enfim, empossado na Presidência da República.
A nota que publicou, em resposta à entrevista do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, a “O Estado de S. Paulo”, é puro escapismo, além de perigoso jogo de cena.
Conduzir o país até 2018 poderá ser sua única missão. E ainda terá que provar que tem condições de governá-lo até lá.
Esse é seu (último) dever de casa.
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