domingo, 26 de maio de 2024
O que Porto Alegre ensina para Belém
O cientista José Marengo do Cemaden, Centro de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais, usa uma expressão forte para explicar o que está acontecendo agora no clima, após o aquecimento simultâneo do Pacífico e do Atlântico. “A América Latina está como num sanduíche entre dois oceanos quentes”. É o retrato do tempo atual que tem provocado a inundação tão prolongada do Rio Grande do Sul. Marengo acha que a situação no território gaúcho deve durar um mês ainda para se normalizar e, depois, o clima pode ir para o extremo oposto. “Da enchente para a seca”.
— O clima no Sul é meio radical, pode-se ter um ano muito úmido e depois um muito seco. Sabemos que La Niña está se configurando e isso deve aparecer em agosto e poderemos dizer se será intensa. Se for intensa haverá uma situação de estiagem. O Sul pode sair de um período de enchente para o oposto, a estiagem, a seca.
As chuvas no Rio Grande do Sul, que começaram a cair pesadamente em 30 de abril, foram previstas no dia 26 de abril. Ele lembra que o pior foi até o dia 5 de maio. Na quinta-feira da semana passada, voltou a chover forte. Segundo Marengo, ainda que as chuvas parem agora, as águas vão continuar altas. Pode demorar um mês até essa água toda baixar.
Ele define também com uma expressão eloquente a falta de compromissos do mundo com as metas de redução das emissões.
— O Acordo de Paris já foi para o ralo. Em algumas regiões do mundo, passamos de um grau e meio. Então os países estão preparando planos de adaptação, como o Brasil neste momento. Está em processo de elaboração porque o assunto ficou parado por quatro anos no governo anterior.
O que o mundo está vendo agora é o resultado em grande parte do aquecimento global, que levou os oceanos Atlântico e Pacífico a ficarem quentes ao mesmo tempo durante esse período do El Niño. No La Niña, que está para entrar agora, haverá o esfriamento dos oceanos e a consequência no Brasil será chuva no Norte e Nordeste e seca no Sul do Brasil.
Há outras situações extremas previstas, como uma “temporada extraordinária de furacões no hemisfério norte”, com pelo menos 25 furacões. Há, também, o que Marengo define como “uma irregularidade das chuvas”. Em tudo isso, como ele diz, “o sinal humano está presente” como uma das causas.
Ouvir os cientistas do clima sempre impressiona, porque mostra que temos feito uma marcha insensata em direção a um desequilíbrio que não podemos consertar. Pode-se atenuar os efeitos dessa gangorra do clima com medidas de preparação dos locais onde vivem as populações.
— A chuva não mata. A chuva não mata as pessoas. Se a chuva cai num lugar onde as pessoas estão vulneráveis, expostas, aí acontece o desastre. O Cemaden trabalha com os extremos, emite os alertas de risco de desastres que são deflagrados pelos extremos, das chuvas intensas à falta de chuvas, as secas severas. O desastre é a mistura dos eventos extremos e a vulnerabilidade e a exposição da população.
Então, a solução parece óbvia, trabalhar para reduzir essa vulnerabilidade. Não é simples como parece.
— A agenda ambiental começa em um governo e só vê resultados bons em dois ou três governos adiante. Não aparece o produto em quatro anos de mandato. A prevenção, um governo começa, mas quem leva crédito é a próxima administração. Já a reconstrução, pode-se terminar a obra em um período de quatro anos.
O Cemaden monitora 1.133 municípios considerados os mais vulneráveis e expostos a desastres e agora pediu à Casa Civil para elevar esse número para 1.942. São esses que o Ministério do Meio Ambiente está considerando os municípios-piloto para um plano de prevenção contra desastres provocados pela mudança do clima. Mas há muita coisa que poderia melhorar imediatamente.
— Precisa haver a profissionalização da Defesa Civil. Em alguns municípios, há vagas ocupadas por parentes do prefeito, por exemplo. E tem que haver mais investimento, só que as estatísticas mostram que o investimento federal tem caído. O Brasil deveria ser proativo, mas parece que está cada vez mais reativo. E no mundo também é assim. Nas COPs, todo mundo vira ambiental, se veste de verde, tem apertos de mão e poses para as fotos.
Que Porto Alegre sirva de alerta para Belém. Na COP 30, o mundo precisa sair daqui com compromissos de realmente enfrentar a tragédia climática mundial.
— O clima no Sul é meio radical, pode-se ter um ano muito úmido e depois um muito seco. Sabemos que La Niña está se configurando e isso deve aparecer em agosto e poderemos dizer se será intensa. Se for intensa haverá uma situação de estiagem. O Sul pode sair de um período de enchente para o oposto, a estiagem, a seca.
As chuvas no Rio Grande do Sul, que começaram a cair pesadamente em 30 de abril, foram previstas no dia 26 de abril. Ele lembra que o pior foi até o dia 5 de maio. Na quinta-feira da semana passada, voltou a chover forte. Segundo Marengo, ainda que as chuvas parem agora, as águas vão continuar altas. Pode demorar um mês até essa água toda baixar.
Ele define também com uma expressão eloquente a falta de compromissos do mundo com as metas de redução das emissões.
— O Acordo de Paris já foi para o ralo. Em algumas regiões do mundo, passamos de um grau e meio. Então os países estão preparando planos de adaptação, como o Brasil neste momento. Está em processo de elaboração porque o assunto ficou parado por quatro anos no governo anterior.
O que o mundo está vendo agora é o resultado em grande parte do aquecimento global, que levou os oceanos Atlântico e Pacífico a ficarem quentes ao mesmo tempo durante esse período do El Niño. No La Niña, que está para entrar agora, haverá o esfriamento dos oceanos e a consequência no Brasil será chuva no Norte e Nordeste e seca no Sul do Brasil.
Há outras situações extremas previstas, como uma “temporada extraordinária de furacões no hemisfério norte”, com pelo menos 25 furacões. Há, também, o que Marengo define como “uma irregularidade das chuvas”. Em tudo isso, como ele diz, “o sinal humano está presente” como uma das causas.
Ouvir os cientistas do clima sempre impressiona, porque mostra que temos feito uma marcha insensata em direção a um desequilíbrio que não podemos consertar. Pode-se atenuar os efeitos dessa gangorra do clima com medidas de preparação dos locais onde vivem as populações.
— A chuva não mata. A chuva não mata as pessoas. Se a chuva cai num lugar onde as pessoas estão vulneráveis, expostas, aí acontece o desastre. O Cemaden trabalha com os extremos, emite os alertas de risco de desastres que são deflagrados pelos extremos, das chuvas intensas à falta de chuvas, as secas severas. O desastre é a mistura dos eventos extremos e a vulnerabilidade e a exposição da população.
Então, a solução parece óbvia, trabalhar para reduzir essa vulnerabilidade. Não é simples como parece.
— A agenda ambiental começa em um governo e só vê resultados bons em dois ou três governos adiante. Não aparece o produto em quatro anos de mandato. A prevenção, um governo começa, mas quem leva crédito é a próxima administração. Já a reconstrução, pode-se terminar a obra em um período de quatro anos.
O Cemaden monitora 1.133 municípios considerados os mais vulneráveis e expostos a desastres e agora pediu à Casa Civil para elevar esse número para 1.942. São esses que o Ministério do Meio Ambiente está considerando os municípios-piloto para um plano de prevenção contra desastres provocados pela mudança do clima. Mas há muita coisa que poderia melhorar imediatamente.
— Precisa haver a profissionalização da Defesa Civil. Em alguns municípios, há vagas ocupadas por parentes do prefeito, por exemplo. E tem que haver mais investimento, só que as estatísticas mostram que o investimento federal tem caído. O Brasil deveria ser proativo, mas parece que está cada vez mais reativo. E no mundo também é assim. Nas COPs, todo mundo vira ambiental, se veste de verde, tem apertos de mão e poses para as fotos.
Que Porto Alegre sirva de alerta para Belém. Na COP 30, o mundo precisa sair daqui com compromissos de realmente enfrentar a tragédia climática mundial.
Humanidade
Na tarde calma e fria que circula
por entre os eucaliptos e a distância,
olhando as nuvens quase nada rubras
e a névoa consentida pelos montes,
névoa não subindo por não ser
fumo da vida que trabalha e teima,
e olhando uma verdura fugitiva
que a noite no céu queima tão depressa,
esqueço-me que há gente em cada parte,
gente que, de sempre, sofre e morre,
e agora morre mais ou sofre mais,
esqueço-me que a esperança abandonada,
a não ser de ninguém, é sempre minha,
esqueço-me que os homens a renovam,
que o fumo de seus lares sobe nos ares.
Esqueço-me de ouvir cheirar a Terra,
esqueço-me que vivo… E anoitece.
Jorge de Sena
por entre os eucaliptos e a distância,
olhando as nuvens quase nada rubras
e a névoa consentida pelos montes,
névoa não subindo por não ser
fumo da vida que trabalha e teima,
e olhando uma verdura fugitiva
que a noite no céu queima tão depressa,
esqueço-me que há gente em cada parte,
gente que, de sempre, sofre e morre,
e agora morre mais ou sofre mais,
esqueço-me que a esperança abandonada,
a não ser de ninguém, é sempre minha,
esqueço-me que os homens a renovam,
que o fumo de seus lares sobe nos ares.
Esqueço-me de ouvir cheirar a Terra,
esqueço-me que vivo… E anoitece.
Jorge de Sena
A realidade é um choque nas guerras e na tragédia no Sul
A fotógrafa americana Dorothea Lange, que documentou de forma indelével a essência da desolação humana na Grande Depressão do século passado, considerava o rosto humano uma língua universal.
— Suas expressões podem ser lidas e compreendidas em qualquer lugar do planeta — ensinava.
Na semana passada, o rosto opaco de uma gaúcha de meia-idade dizia o indizível. Estava simplesmente em choque, esvaziada da capacidade de sentir o que quer que fosse. Lembrava as imagens icônicas de soldados da Guerra da Crimeia, da Primeira e Segunda Guerras Mundiais, do Vietnã, retratados em momentos de total abstração da crueza em volta.
Foi em tom monocórdio que a gaúcha Elvira Polippo contou à reportagem do portal g1 pedaços do que vivera no início da enxurrada que continua a afundar seu estado. Ela morava com o marido e o filho João numa casa de dois pisos na região do Taquari quando a enchente ameaçou engolir o imóvel. Subiram todos ao telhado. Em vão. A casa ruiu e “desceu o rio feito bala”. Mãe e filho, agarrados em entulhos, galhos e uma tampa de geladeira, só foram encontrados por socorristas voluntários cinco dias e cinco noites depois. Haviam sido arrastados 60km rio abaixo. Para João, de 35 anos, a força do viver parece intacta.
— Vai dar tudo certo — diz ele, apesar de ainda não conseguir andar.
A cirurgia de coluna que fizera antes do dilúvio inflamou na água contaminada. Para Elvira, agora também com leptospirose, o retorno à realidade será um soco. Seu marido segue desaparecido. Talvez ele venha se somar aos 165 mortos computados até agora pelas autoridades gaúchas.
Do outro lado do mundo, o corpo do brasileiro-israelense Michel Nisenbaum — um dos cerca de 250 sequestrados pelo Hamas no ataque terrorista do 7 de outubro passado — foi recuperado pelas Forças de Defesa de Israel (FDI) na semana passada. Veio somar-se aos perto de 30 reféns que as FDI acreditam ter sido executados naquela ação morticida, enquanto outros cem talvez ainda vivos são usados pelo Hamas como moeda de troca para delongar ou negociar um cessar-fogo. É a barbárie plenamente escancarada que deveria nos deixar em estado de choque civilizatório. Não deixa.
Mas, como escreveu Leonard Cohen em “Beautiful losers”, “a realidade é uma possibilidade que não posso me dar ao luxo de ignorar”. E a realidade que finalmente começa a se impor no Oriente Médio foi assim resumida no jornal israelense Haaretz: “Uma coisa é certa: haverá um Estado Palestino. Local: na Palestina”.
Em artigo publicado no centenário diário, o colunista Alon Idan avisou a seus compatriotas: “Somos infantis... digo que somos tolos porque nos recusamos a aceitar o óbvio, a ver o que o mundo inteiro vê. Continuamos a agir como crianças que fecham os olhos e acreditam que, ao nada ver, a realidade não existe”. Referia-se às forças do sionismo nacional-religioso que teimam em negar a existência de um povo que se designa como palestino — isso, apesar dos 5 milhões de palestinos que vivem ali ao lado, na Cisjordânia ocupada, em Gaza, Jerusalém Oriental (além do 1,8 milhão de árabes que vivem em Israel).
Na próxima terça-feira, 28 de maio, três países europeus — Espanha, Noruega e Irlanda — deverão formalizar o reconhecimento da Palestina. Embora o ato não signifique reconhecimento a um Estado existente, apenas à possibilidade de ele vir a existir, o simbolismo será marcante por conferir legitimidade global à causa. Malta e a Eslovênia também entraram na fila, na rabeira dos 140 países (inclusive o Brasil) que já o fizeram. Por enquanto, nenhuma das grandes potências ocidentais — Estados Unidos, Reino Unido, França ou Alemanha — ainda saiu do pedestal.
Netanyahu, como esperado, sustenta que o reconhecimento da Palestina, ou um cessar-fogo, equivale a premiar as atrocidades terroristas cometidas pelo Hamas. Não é. Assim como o próprio Netanyahu, também o Hamas é oficialmente contra criar uma Palestina convivendo com Israel. O radicalismo de um se alimenta do outro. Quando a ministra israelense dos Assentamentos, Orit Strock, declara que a invasão a Gaza não deve cessar apenas “para salvar umas 22 ou 33 pessoas” — no caso, reféns há oito meses vivendo um horror —, ela se aproxima da lógica do custo-benefício em torno de vidas humanas praticada pelo Hamas.
A realidade é um choque.
“Nunca mais”, prometeram os sobreviventes do horror nazista. “Nunca mais para ninguém”, entoam seus descendentes ativistas da Jewish Voice for Peace. Assim se constroem humanidades.
— Suas expressões podem ser lidas e compreendidas em qualquer lugar do planeta — ensinava.
Na semana passada, o rosto opaco de uma gaúcha de meia-idade dizia o indizível. Estava simplesmente em choque, esvaziada da capacidade de sentir o que quer que fosse. Lembrava as imagens icônicas de soldados da Guerra da Crimeia, da Primeira e Segunda Guerras Mundiais, do Vietnã, retratados em momentos de total abstração da crueza em volta.
Foi em tom monocórdio que a gaúcha Elvira Polippo contou à reportagem do portal g1 pedaços do que vivera no início da enxurrada que continua a afundar seu estado. Ela morava com o marido e o filho João numa casa de dois pisos na região do Taquari quando a enchente ameaçou engolir o imóvel. Subiram todos ao telhado. Em vão. A casa ruiu e “desceu o rio feito bala”. Mãe e filho, agarrados em entulhos, galhos e uma tampa de geladeira, só foram encontrados por socorristas voluntários cinco dias e cinco noites depois. Haviam sido arrastados 60km rio abaixo. Para João, de 35 anos, a força do viver parece intacta.
— Vai dar tudo certo — diz ele, apesar de ainda não conseguir andar.
A cirurgia de coluna que fizera antes do dilúvio inflamou na água contaminada. Para Elvira, agora também com leptospirose, o retorno à realidade será um soco. Seu marido segue desaparecido. Talvez ele venha se somar aos 165 mortos computados até agora pelas autoridades gaúchas.
Do outro lado do mundo, o corpo do brasileiro-israelense Michel Nisenbaum — um dos cerca de 250 sequestrados pelo Hamas no ataque terrorista do 7 de outubro passado — foi recuperado pelas Forças de Defesa de Israel (FDI) na semana passada. Veio somar-se aos perto de 30 reféns que as FDI acreditam ter sido executados naquela ação morticida, enquanto outros cem talvez ainda vivos são usados pelo Hamas como moeda de troca para delongar ou negociar um cessar-fogo. É a barbárie plenamente escancarada que deveria nos deixar em estado de choque civilizatório. Não deixa.
Mas, como escreveu Leonard Cohen em “Beautiful losers”, “a realidade é uma possibilidade que não posso me dar ao luxo de ignorar”. E a realidade que finalmente começa a se impor no Oriente Médio foi assim resumida no jornal israelense Haaretz: “Uma coisa é certa: haverá um Estado Palestino. Local: na Palestina”.
Em artigo publicado no centenário diário, o colunista Alon Idan avisou a seus compatriotas: “Somos infantis... digo que somos tolos porque nos recusamos a aceitar o óbvio, a ver o que o mundo inteiro vê. Continuamos a agir como crianças que fecham os olhos e acreditam que, ao nada ver, a realidade não existe”. Referia-se às forças do sionismo nacional-religioso que teimam em negar a existência de um povo que se designa como palestino — isso, apesar dos 5 milhões de palestinos que vivem ali ao lado, na Cisjordânia ocupada, em Gaza, Jerusalém Oriental (além do 1,8 milhão de árabes que vivem em Israel).
Na próxima terça-feira, 28 de maio, três países europeus — Espanha, Noruega e Irlanda — deverão formalizar o reconhecimento da Palestina. Embora o ato não signifique reconhecimento a um Estado existente, apenas à possibilidade de ele vir a existir, o simbolismo será marcante por conferir legitimidade global à causa. Malta e a Eslovênia também entraram na fila, na rabeira dos 140 países (inclusive o Brasil) que já o fizeram. Por enquanto, nenhuma das grandes potências ocidentais — Estados Unidos, Reino Unido, França ou Alemanha — ainda saiu do pedestal.
Netanyahu, como esperado, sustenta que o reconhecimento da Palestina, ou um cessar-fogo, equivale a premiar as atrocidades terroristas cometidas pelo Hamas. Não é. Assim como o próprio Netanyahu, também o Hamas é oficialmente contra criar uma Palestina convivendo com Israel. O radicalismo de um se alimenta do outro. Quando a ministra israelense dos Assentamentos, Orit Strock, declara que a invasão a Gaza não deve cessar apenas “para salvar umas 22 ou 33 pessoas” — no caso, reféns há oito meses vivendo um horror —, ela se aproxima da lógica do custo-benefício em torno de vidas humanas praticada pelo Hamas.
A realidade é um choque.
“Nunca mais”, prometeram os sobreviventes do horror nazista. “Nunca mais para ninguém”, entoam seus descendentes ativistas da Jewish Voice for Peace. Assim se constroem humanidades.
Assinar:
Postagens (Atom)