quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Um drible do destino

O destino driblou as eleições brasileiras e a esperanças de muitos, mais do que se imagina. A morte do candidato Eduardo Campos enlutou politicamente uma região inteira – só em Pernambuco tinha uma aprovação recorde superior a 90%. Não era pouca coisa a que se destinava em sua corrida presidencial. 

Articulador nato e perito em compor aliados, Campos foi o diferencial na campanha, que agora volta ao cotidiano exaustivo do dilema entre PT e PSDB. O brasileiro perdeu uma grande chance, por culpa de um acidente aéreo, de contar com uma grande influência, mesmo perdendo as eleições, para agitar uma renovação política indispensável, quando é grande o desinteresse popular pelos rumos políticos.

Resta-nos retomar a bandalha politiqueira, que já era grande, monstruosa, com a incógnita da performance de Marina Silva. A saída de cena de Campos deixou o cenário eleitoral mais pobre do que parecia. Infelizmente o país ainda terá de conviver com essa miserabilidade política por mais tempo. Miserabilidade que já se vê com canalhas costumeiros se aproveitando do momento para crescer diante da morte do candidato. Um sinal de quanto há de podridão, crescida nos últimos anos, na política brasileira. 

Agora o eleitor vai tentar acertar, quase às cegas, em meio ao analfabetismo eleitoral e a sujeira politiqueira, os caminhos de renovação. Que o destino, desta vez, ajude.       

Imagem de pelaí


O crime é o mesmo

Aqueles que corrompem a opinião pública são tão funestos como aqueles que roubam as finanças públicas
Adlai Stevenson (1835–1914) foi vice-presidente dos Estados Unidos entre 1893 e 1897 

A Opinião em Palácio


O Rei fartou-se de reinar sozinho e decidiu partilhar o poder com a Opinião Pública.

― Chamem a Opinião Pública ― ordenou aos serviçais.

Eles percorreram as praças da cidade e não a encontraram. Havia muito que a Opinião Pública deixara de frequentar lugares públicos. Recolhera-se ao Beco sem Saída, onde, furtivamente, abria só um olho, isso mesmo lá de vez em quando. Descoberta, afinal, depois de muitas buscas, ela consentiu em comparecer ao Palácio Real, onde Sua Majestade, acariciando-lhe docemente o queixo, lhe disse:

― Preciso de ti.

A Opinião, muda como entrara, muda se conservou. Perdera o uso da palavra ou preferia não exercitá-lo. O Rei insistia, oferecendo-lhe sequilhos e perguntando o que ela pensava disso e daquilo, se acreditava em discos voadores, horóscopos, correção monetária, essas coisas. E outras. A Opinião Pública abanava a cabeça: não tinha opinião.

― Vou te obrigar a ter opinião ― disse o Rei, zangado. ― Meus especialistas te dirão o que deves pensar e manifestar. Não posso mais reinar sem o teu concurso. Instruída devidamente sobre todas as matérias, e tendo assimilado o que é preciso achar sobre cada uma em particular e sobre a problemática geral, tu me serás indispensável.

E virando-se para os serviçais:

― Levem esta senhora para o Curso Intensivo de Conceitos Oficiais. E que ela só volte aqui depois de decorar bem as apostilas.
Carlos Drummond de Andrade, "Contos plausíveis"