sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

Onze pessoas e um destino

Onze integrantes da equipe econômica se reuniram com o presidente da República e tiraram uma foto. Dias atrás. Todos eles sem máscara no meio de uma pandemia. É o retrato de uma equipe que se rendeu ao presidente. Aos seus erros. Economistas sabem ler as curvas de tendências e elas mostram aumento dos casos e das mortes. Economistas também sabem o que é hedge, seguro contra o risco. Os equipamentos de proteção individual têm esse papel. Equipe econômica que acerta é aquela que defende suas convicções contra as conveniências políticas ou os equívocos do chefe do governo.

Os gestos de pessoas públicas induzem comportamentos. O não uso de máscara estimula uma atitude perigosa que tem feito vítimas. Render-se a essa imposição do presidente pode parecer apenas um detalhe, mas representa muito mais. Resume o principal erro desta equipe econômica, que é a rendição incondicional ao presidente. Mesmo quando ele está completamente errado.

Até agora, a equipe não entregou o programa que prometeu e não o fez exatamente pelo mesmo motivo que a leva a não usar a máscara para agradar o presidente. O ministro Paulo Guedes não tem sido capaz de convencer Bolsonaro das etapas indispensáveis do seu programa. Não há nada de liberal no atual governo. Guedes não fez a abertura do comércio, mas aceitou estimular a importação de armas. Não livros, não computadores, nenhum outro bem ficou dispensado de impostos. O comércio livre de tributos ficou apenas para revólveres e pistolas.


Um momento importante que salvou o projeto de consolidação do Plano Real foi quando todos os integrantes da equipe econômica, em 1995, foram ao Palácio do Alvorada à noite avisar que pediriam demissão coletiva caso o presidente Fernando Henrique cedesse no meio da crise bancária. Havia pressão política contra a intervenção no Banco Econômico, vinda de um aliado do presidente, o poderoso Antônio Carlos Magalhães. A bancada da Bahia era grande e havia propostas econômicas importantes dependendo de aprovação. A reunião terminou de madrugada, mas a equipe garantiu a autonomia para fechar o banco e continuar enfrentando a crise.

Bolsonaro já demitiu secretário da Receita, presidente do BNDES, mandou arquivar ideias, desidratou reformas. O país está há nove meses em uma pandemia e a equipe não formulou uma proposta sustentável de ampliação da rede de proteção social, nem uma proposta crível para o futuro das contas públicas. As ideias são bombardeadas pelo presidente, e o ministro as recolhe.

A PEC emergencial atropelou uma proposta maior e melhor feita no legislativo, a do deputado Pedro Paulo. Teve uma tramitação confusa e foi perdendo consistência. Foi misturada a outras duas medidas e o que economizaria bilhões vai na verdade poupar alguns milhões. Se for aprovada. A reforma administrativa foi engavetada por um tempo e depois esvaziada por Bolsonaro. Quando chegou no Congresso era uma sombra da que havia sido concebida.

O ministro Paulo Guedes com uma frequência monótona defende ideias abstratas, em vez de formular propostas concretas. Desiste de projetos, diante da primeira cara feia do presidente. E vive no mesmo estado de negação de Bolsonaro. Primeiro achava que o Brasil não seria atingido pela pandemia, um equívoco de avaliação que atrasou a adoção de medidas. Agora diz que não haverá a segunda onda, quando as curvas de mortes e contaminações já estão subindo. Os bons gestores trabalham com o princípio da precaução. Economistas fazem cenário e se preparam para as contingências.

Essa foto do ministro e seus assessores ao lado de Jair Bolsonaro sem máscaras é um detalhe eloquente. Eles sorriem num país que vive uma tragédia sanitária, que está de novo se agravando, e que não tem um plano de vacinação. É fundamental que o Ministério da Economia se prepare para esse novo agravamento da Covid-19 e que faça tudo o que for da sua alçada para garantir o melhor cenário na economia, que só acontecerá com a vacinação em massa da população brasileira.

Presidentezinho vira um problemão sem solução


A má notícia é que Jair Bolsonaro ignora a gravidade da pandemia do século. A péssima notícia é que, embora os números apontem para o avanço da covid-19 no Brasil, com um incremento do número de diagnósticos e de mortes, o presidente se recusa a compreender que ignorar não é o melhor remédio para a ignorância.

Em visita ao Rio Grande do Sul, Bolsonaro declarou que "estamos vivendo o finalzinho de pandemia". Gripezinha, conversinha, finalzinho... O que mais assusta na preferência por vocábulos com sufixos diminutivos é a sensação de que o capitão executa uma marcha resoluta rumo à autodesmoralização. Desce ao verbete da enciclopédia como um presidentezinho bem menor do que a crise que engolfa a sua Presidência.

Alguém poderia sugerir a Bolsonaro a leitura de um bom livro: "Why Things Bite Back", de Edward Tenner. O diabo é que a tradução para o português ("A Vingança da Tecnologia", editora Campus, 1997) ocupa 474 páginas. Algo intransponível para um presidente que maldiz auxiliares que ousam entregar-lhe relatórios com mais de duas folhas.

Melhor, talvez, que algum assessor resuma para Bolsonaro a parte do livro que pode lhe ser mais útil. Vai da página 22 até a 25. Conta a experiência do major John Paul Stapp. Médico e biofísico, Stapp foi selecionado pela Força Aérea dos Estados Unidos como cobaia de testes para medir a resistência humana a grandes acelerações. Desafiou a velocidade pilotando um trenó com propulsão de foguete.


Em 1949, Stapp bateu o recorde de aceleração. Não pôde, porém, festejar o feito. Os acelerômetros do trenó-foguete simplesmente não funcionaram. Desolado, Stapp encomendou ao engenheiro que o ajudava, o capitão Edward Murphy Jr., diligências para identificar a falha. Descobriu-se que um técnico ligara os circuitos do veículo ao contrário.

No relatório em que informa sobre o malfeito, o capitão Murphy Jr. anotou: "Se há mais de uma forma de fazer um trabalho e uma dessas formas redundará em desastre, então alguém fará o trabalho dessa forma". Numa conversa com jornalistas, o major Stapp batizou de "Lei de Murphy" o diagnóstico do auxiliar. Resumiu-o assim: "Se alguma coisa pode dar errado, dará".

Aplicada ao governo Bolsonaro, a "Lei de Murphy" ajuda a entender por que o governo está sempre dez passos atrás do problema. Podendo administrar a encrenca de várias maneiras, o presidente optou por ligar os fios do seu governo ao contrário. Plugou a administração federal na tomada do negacionismo. Para cada jeito de fazer as coisas, o presidente encontrou dezenas de desculpas para não fazer.

Bem administrados, os desastres podem se transformar em poderosos instrumentos de mudança. Certas coisas, disse o capitão Edward Murphy Jr., às vezes só podem dar certo se derem errado primeiro.

A despeito da falha que o desconsolou em 1949, o major John Paul Stapp continuou testando, por mais cinco anos, a resistência do organismo humano à alta velocidade. No seu último teste, em dezembro de 1954, desacelerou de 1.011 quilômetros por hora para zero em 1,4 segundo.

Stapp iniciou, em seguida, uma vitoriosa campanha para que os cintos de segurança se tornassem obrigatórios nos automóveis. A "Lei de Murphy", escreveu Edward Tenner, o autor de "A Vingança da Tecnologia", "não é um princípio fatalista, mas um apelo para que todos se mantenham atentos".

Se quisesse levar o que lhe resta de mandato a bom termo, Bolsonaro, assim como o major Stapp, teria de testar a sua própria resistência à alta velocidade. Não dispõe de cinco anos. No seu caso, é preciso cuidar dos minutos, porque as horas passam.

Na passagem pelo Rio Grande do Sul, Bolsonaro voltou a se comportar como um gênio sem comprovação científica. Num instante em que o mundo corre atrás das vacinas, insistiu em mencionar a hidroxicloroquina.

"Não temos notícias dos nossos irmãos da África, abaixo do deserto do Saara, grande quantidade de mortes por causa da covid. E todos esperavam justamente o contrário: que pessoas com alguma deficiência alimentar, pessoas mais pobres, fossem ser em maior quantidade vitimadas. E não foram. Por quê? Porque lá eles tratam, há muito, infelizmente, a malária, e o elemento chegava com malária e covid e era tratado com hidroxicloroquina e ficava bom."

Bolsonaro arrematou: "Precisa ser muito inteligente para entender que a hidroxicloroquina serve para as duas coisas? Não precisa ser muito inteligente, é uma coisa óbvia. E aqueles que me criticavam —'não tem comprovação científica'. Sim, sempre disse que não tinha. Mas é um remédio usado há 70 anos no Brasil para a malária e para lúpus. Por que a politização disso?".

Bolsonaro ainda não se deu conta. Mas a diferença entre a sua genialidade e a estupidez é que a genialidade presidencial tem limites. O capitão do Planalto tornou-se uma evidência viva da efetividade da lei do capitão Murphy: se há mais de uma forma de fazer um trabalho e uma dessas formas redundará em desastre, então Bolsonaro fará o trabalho dessa forma.

Incapaz de elevar a própria estatura, Bolsonaro reduz o pé-direito do seu mandato. Presidentezinho incorrigível, virou um problemão sem solução. Para complicar, surgiu um agravante. Até aqui, morria-se de covid. A partir do instante em que o Reino Unido inaugurou a fase da vacinação, morre-se por falta de vacina. Faltam a Bolsonaro vacinas, seringas e bom senso. As pessoas não tardarão a vincular o excesso de mortes à inépcia que o negacionismo produziu.