Agora, mesmo com a declaração de Temer de que vetará qualquer anistia ao caixa 2, os malandros estão na navalha entre o medo de serem presos e a vergonha de votar pelo roubo. E torcem pelo voto secreto.
Não há mais o que analisar, criticar, debater nada. A única coisa que há a se fazer é o protesto.
Os canalhas do Congresso estão em pé de guerra. Estava demorando muito essa reação dos velhacos. Há dois anos, foram pegos de surpresa. Só agora entenderam que eles têm de reagir como, digamos, honrados ladrões orgulhosos, que sabem esconder suas cumbucas e mãos grandes. Querem arrasar tudo que o MPF e a PF fizeram, numa onda inédita de eficiência, ao revelar o esgoto político do país, onde nadam esses caretas, esses medíocres criados na sombra. Eles se refazem como rabo de lagarto, liderados por Renan Calheiros, camaleão do atraso, lugar-tenente do Sarney. E Renan tem pressa porque, dois dias depois, ele será julgado no STF e pode virar réu.
Eles estão indignados como se defendessem uma cultura: eles continuam achando que um país não se governa com esses inócuos slogans purificadores; para eles, fomos progredindo por séculos de hábitos e cacoetes sagrados, com a doce mistura do público com o privado. Eles pensam: “Esse adultério movimentou nossa história. Como agora vêm esses Moros querendo interromper esse ciclo vicioso, mas muito virtuoso?”
Eles acreditam na beleza do clientelismo, com séculos de formação ibérica, no qual um amigo vale mais do que a dura impessoalidade dos cruéis saxões. Eles parecem querer a preservação do imaginário nacional!
Eles querem o impensável – o Congresso julgar o Judiciário. Seria genial, pensam eles, o Legislativo dono do país, para eles roubarem em paz. Eles têm saudade do grande Lula, que fê-los florescer como nunca, desde Cabral.
Eles têm um tempo diferente do nosso. Sabem que os brasileiros vivem angustiados, com sensação de urgência. Mas, para eles, isso é problema nosso: apressadinhos comem cru. Que lhes interessa a pressa nacional? É doce morar lentamente dentro dessas cúpulas redondas, não apenas para maracutaias tão “coisas nossas” – é um vago sentimento de poesia brasileira. Querem apenas saber se seu curralzinho está satisfeito. Eles só desejam exercer seus mandatos com mansidão, pastoreando eleitores, sentindo o frisson dos ternos novos, dos bigodes pintados, das amantes nos contracheques, das imunidades para humilhar garçons e policiais. Detestam que os obriguemos a “governar”. Não é preguiça – porque gastam mil horas em comissões e conchavos tortos –, é por amor ao fixo, ao eterno. Eles têm a fantasia erótica de “ser” a sociedade.
Sua ideia de democracia é um vago amor pelos amigos, um quebranto para a camaradagem, a troca de favores, sempre com gestos risonhos, abraçando-se pela barriga, na doce pederastia de uma sociedade secreta. Eles não dão a mínima bola por serem chamados de “patifes” ou “larápios” – eles têm o prazer narcísico de se sentirem superiores a xingamentos, superiores à ridícula moralidade de classe média. Sua única moralidade é vingar-se de inimigos, cobrar lealdade dos corruptores ativos, exigir pagamentos de propina em dia.
Para eles, a efusiva (e hipócrita) amizade é mais importante que essa bobagem de interesse nacional! O que nós chamamos de “irresponsabilidade e corrupção”, para eles é quase a resistência de uma originalidade brasileira.
Por isso, hoje é um dia decisivo.
Os articulistas, como minha pobre pessoa, não têm mais o que analisar. Está tudo aberto como uma grande galinha destrinchada.
E o dia de hoje é fundamental, não apenas para enquadrar os responsáveis, como também para entendermos que mais importante do que apenas denunciar a corrupção é impedir os terríveis danos ao país que ela promove: descaso pela República e incompetência, como foi na era Lula-Dilma.
E já sabemos também que só a pressão da opinião pública pode impedir a dissolução da operação Lava Jato. Espero que o Congresso seja cercado pela sólida presença dos brasileiros contra a anistia dos “amigos do alheio”.
Por isso, perdoem-me o ardor ingênuo de um romantismo militante, perdoem-me erguer o braço e, como um velho revolucionário, berrar: “Avante, povo!”