Em fins de 2005, Antonio Palocci estava alinhavando um plano para atingir e manter elevado superávit nos anos por vir. Jornais da época ajudam a lembrar o fato. O superávit primário já fora 4,5%, beirava os 5%, e o ministro queria manter a pressão sobre o gasto público. Dilma Rousseff, porém, como chefe da Casa Civil, fuzilou as intenções de longo prazo com uma frase que entrou para a História: "...despesa corrente é vida: ou você proíbe o povo de nascer, de morrer, de comer ou de adoecer, ou vai ter despesas correntes". Em dose errada, essa receita mata. A partir de então, o Brasil traçou seu rumo para um lugar de destaque no quadro de fracassos keynesianos e desenvolvimentistas. A economia afundou e o superávit virou déficit de 2,8% do PIB neste já histórico 2016.
O PIB real brasileiro está 7% abaixo do que era em 2013! Se somarmos a isso o que deveríamos ter crescido, caso mantivéssemos a média das últimas décadas (parcos 2,5% ao ano), constataremos que a perda efetiva se eleva a algo como 15% nesses três anos. Mas as despesas correntes, aquela peculiar forma de vida, continuaram crescendo. É o número que falta hoje, a grosso modo, no caixa de todos os governantes. Buraco dessa fundura não se preenche sequer em médio prazo. Precisaríamos prover condições que não temos para um crescimento padrão chinês.
Governos perdulários atendem demandas, colhem afetos e sorrisos. São vistos como benevolentes e amorosos. Mas é um amor bandido. Dá com uma das mãos o que, ali adiante, tomará com as duas, levando empregos, destroçando esperanças, comprometendo o futuro e incapacitando o Estado para o cumprimento de funções essenciais. Aprender dos próprios erros, pela pedagogia do desastre, é a mais sofrida aprendizagem. Mas sinto que está sendo bem-sucedida. Se Sartori dispusesse de tempo e submetesse seu pacote a um referendo, receberia amplo respaldo popular. A sociedade entendeu a lição na sala de aula da realidade.
O amor bandido faz da irresponsabilidade fiscal instrumento de sedução. Pulsa coraçõezinhos com ambas as mãos. Coleciona gratidões passageiras. E semeia tempestades cujos maiores danos incidem sobre os mais miseráveis entre os pagadores de impostos. No setor público, em suas mais importantes esferas, não há razoabilidade na pretensão de viver fora da crise. Não é justo que recebam primeiro os funcionários que ganham mais, nem que os poderes do Estado cobrem, em valor real, duodécimos de receita virtual. Quando um avião entra em zona de turbulência, não podem os passageiros da primeira classe pretender que sua cabine não sacoleje.
Percival Puggina
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