No encontro promovido pelo PL, em Brasília, para filiar o presidente e alguns ministros, Bolsonaro, que planejou atentados a bomba a quartéis, apresentou-se como “o capitão do povo”. Reescrever a história é um mero detalhe, recurso comumente usado pelo marketing político para promover os candidatos. Ninguém liga.
Liga para o que o candidato fez, promete e diz. E o que disse Bolsonaro, em mais um ato escancarado de campanha, pode ter agradado aos seus seguidores, mas não lhe assegurou um voto fora da bolha. Quem vota nele continuará votando. Por ora, ele cresce com a volta dos que procuravam um candidato nem-nem.
Os ministros da ala política do governo, que sonham com a reencarnação do Jairzinho Paz e Amor, fantasia vestida por Bolsonaro depois do fracasso do golpe militar de 7 de setembro último, não gostaram quando ele disse que, por vezes, dá um embrulho no seu estômago ter que respeitar a Constituição.
Ao tomar posse, um presidente jura cumprir a Constituição. Bolsonaro jurou, assim como prometeu governar para todos os brasileiros, não só para aqueles que o elegeram. A Constituição pode ser mudada pelo Congresso, mas ela tem dispositivos que não podem ser mudados. São conhecidos como “cláusulas pétreas”.
Agrupam-se no artigo 60, parágrafo 4, da Constituição. São eles: a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação e independência dos Três Poderes da República (Executivo, Legislativo e Judiciário); e os direitos e garantias individuais.
Direitos individuais são aqueles que oferecem o básico aos cidadãos, como a liberdade de ir e vir, liberdade de expressão, livre trabalho, saúde e educação. Dá vontade de vomitar ouvir um presidente dizer que a Constituição, às vezes, embrulha o seu estômago. Se a Constituição falasse, talvez dissesse o mesmo dele.
Bolsonaro embrulhou o estômago alheio, mais uma vez, ao não deixar passar a oportunidade de exaltar a memória do seu amigo, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o único militar condenado pela Justiça por tortura de presos políticos à época da ditadura de 64. A presidente Dilma foi torturada por Ustra.
Embrulhou outra vez ao usar de tom belicoso, claramente armamentista, para proclamar:
“[Em defesa da nossa liberdade e da nossa democracia], eu tomarei a decisão contra quem quer que seja. E a certeza do sucesso é que eu tenho um exército do meu lado. E esse exército é composto por cada um de vocês.”
Os militares golpistas de 64 invocaram o direito à liberdade e a democracia ao depor um presidente legitimamente eleito e instalar uma ditadura que durou 21 anos, torturou, matou e instituiu a censura. Bolsonaro não esconde que sente saudades dela. Apenas lamenta que ela tenha matado tão poucos.
Se dependesse unicamente dele, liberdade só haveria a seu favor. Isso novamente ficou demonstrado quando o PL, agora sob sua orientação, e a pretexto de que era propaganda eleitoral antes da hora, tentou calar manifestações políticas de artistas no festival Lollapalooza, realizado em São Paulo.
Foi mais um tiro que Bolsonaro deu no próprio pé. Ele deve detestar o pé. Então, as manifestações se multiplicaram, o público aderiu com entusiasmo, e descobriu-se que o juiz que atendeu sua queixa, proibindo o que não deveria proibir, favoreceu-o há poucos dias ao impedir a remoção de um outdoor com o seu retrato.
Só os ucranianos, às voltas com os russos, ignoram que Bolsonaro está em campanha à reeleição desde o seu primeiro dia de governo, e mais ostensivamente do fim do ano passado para cá. E com todas as despesas pagas pela Presidência da República. O que são as motociatas? E as inaugurações de obras prontas?
É melhor já irem se acostumando os aliados de cabeça fria do presidente: Jairzinho Paz e Amor, invenção do ex-presidente Temer, foi abortado logo depois do seu nascimento. Não tem lugar para ele nos palanques de campanha de Bolsonaro. Tratem, portanto, de apelar a outras mentiras para enganar o povo.