terça-feira, 29 de março de 2022

Nenhuma guerra é simples

Numa das minhas últimas colunas chamei a atenção para o perigo e o absurdo de se aceitar como normal que forças neonazis combatam ao lado dos ucranianos contra os invasores russos, inclusive integradas no aparelho militar do governo. Desde então venho recebendo mensagens de leitores. Alguns, os mais fiéis, enviam-me cartas indignadas, porém respeitosas; outros, os que apenas leram aquela coluna, insultam-me e ameaçam-me.

“Você está complicando algo que é bem simples”, explicou-me um dos leitores fiéis: “A Rússia invadiu a Ucrânia. Então, a Rússia é o lado mau. Você quer ficar do lado do Putin?”

Obviamente, não estou do lado de Putin, o qual, aliás, conta também com o apoio de forças da extrema direita, incluindo mercenários. 

Gostamos de pensar que numa guerra as escolhas são simples, um lado é bom e o outro ruim. Dessa forma nos sentimos autorizados a odiar o lado mau, sem freio e sem remorsos. Infelizmente, nenhuma guerra é simples. Nem a mais insignificante. Nem sequer uma guerra entre marido e mulher. 


Desejar que uma determinada situação seja simples é como desejar que um unicórnio irrompa, do nada, no jardim em frente. A realidade não simpatiza com unicórnios — nem com ideias simples.

Somos seres complexos, com um profundo horror à complexidade. 

Em primeiro lugar, o fato de um lado ser mau não significa que o outro seja bom. Além disso, o fato de alguém ter razão num determinado conflito não torna melhores as suas ideias más. Finalmente, a maldade do meu inimigo em nada me aprimora. Já a maldade dos meus aliados, essa sim, me degrada e diminui.

Ouço dizer que o Batalhão Azov está combatendo os invasores russos, em Mariupol, com extraordinária bravura. Aliás, foi graças a essa mesma ferocidade, lutando contra os independentistas de etnia russa do Donbass, que o referido batalhão acabou integrado à Guarda Nacional. 

Há certas virtudes que engrandecem as pessoas boas, mas pioram as pessoas perversas. A coragem é uma delas. Um racista corajoso é muito pior do que um racista covarde. Um neonazi intrépido é muitíssimo mais perigoso do que aquele que foge e se esconde. 

A Ucrânia pagará um preço elevadíssimo por ter institucionalizado movimentos neonazis. E o que dizer dos países ocidentais, que hoje fingem não ver a dimensão e o poder desses movimentos, e a sua ligação íntima ao atual governo ucraniano?

Em 2018, o Congresso dos EUA aprovou um projeto de lei que proibia a venda de armas ao Batalhão de Azov. Com a invasão russa, porém, tanto os EUA quanto a Europa começaram a fornecer toneladas de armamento aos ucranianos, sendo difícil acreditar que uma larga parte deste armamento não vá parar às mãos dos neonazis, tanto mais que são estes nas linhas da frente, batendo-se contra as tropas russas. 

E amanhã, quando os russos deixarem a Ucrânia, derrotados, ou na sequência de um qualquer acordo de paz? O que é que os americanos e europeus pensam fazer com os neonazis que armaram até aos dentes, e que entretanto ganharam força, credibilidade, e expressão internacional?

Já vimos algo assim acontecer no Afeganistão. Triste mundo.

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