segunda-feira, 13 de novembro de 2017
Sangue por nada
O que esmaga é a consciência do desperdício que essa tragédia é. Não há dúvidas transcendentais em debate, ninguém que precise ser convencido do que quer que seja. Não fazer é morte certa. Todas as contas estão feitas. Todas as respostas estão dadas, todos os remédios são conhecidos. Nós não os tomamos por deliberação soberana de quem manda no Brasil. Nada está oculto. Tudo é sexo explícito. Tudo é imposição e força. Ver quem faz barulho mais alto.
O mundo que domesticou seus políticos, que lhes tira os mandatos com mais facilidade que os põe, que premia o esforço para exorcizar o privilégio despede-se da pré-história da humanidade com carências materiais na velocidade da inteligência artificial. Nós damos marcha-a-ré na necessidade para que a casta que nos dita as leis que criminalizam como “desacato” qualquer cobrança que ousemos dirigir-lhe não se tenha de abalançar da eterna imunidade às crises que fabrica.
Em um século a partir de 1950 a população global terá crescido 3,7 xs. A de 60 anos para cima, 10 xs. A de 80 anos e mais 27 xs. Mas nós nos deparamos com esse salto da humanidade ainda cavalgados pelo modelo de opressão que a democracia pós fora da lei pelo mundo afora. O mais acabado retrato dele aparece nas contas da previdência. Um milhão de funcionários da União, todos eles na faixa dos 1% mais ricos do país, e entre esses os juízes e os promotores, campeões dos campeões, na faixa dos 0,1% mais ricos do país (Ipea), geraram um deficit nas contas da previdência (R$ 90,7 bi) maior que o da soma dos 33 milhões de plebeus aposentados do setor privado (R$ 85 bi) em 2016. Quase 60% da metade do PIB de que o estado se apropria vai para os funcionários aposentados e não basta. Outros 12% pagam os que ainda nos “prestam serviços”. Um cálculo baseado no mesmo critério do Indice Gini, que mede as desigualdades de renda e qualidade de vida de um determinado grupo (quanto mais próximo de 1 mais desigual) é terminativo. O indice geral de desigualdade do Brasil é de 0,563 pontos e o do universo inteiro de aposentados privados de 0,474 (na aposentadoria somos igualados na pobreza). Mas o do universo dos funcionários públicos aposentados é de 0,822.
Isto quer dizer matemática e resumidamente o seguinte: dentro daquela minoria do milhão de aposentados do setor público que pesam mais que os 33 milhões de aposentados do setor privado somados, uma minoria ainda mais ínfima distancia-se dos demais numa proporção que, se ja é obscena comparada à de seus pares, é abissal quando posta ao lado da dos miseráveis cá de fora. Automatizando a multiplicação de despesas pelos expedientes de “petrificar” novos “direitos aquiridos” auto-atribuídos numa sequência sem fim, de desdobrar salários tributaveis numa infinidade de “auxílios” não tributáveis anualmente “corrigidos” por índices maiores que a inflação, de estender tudo isso para funcionários ativos e inativos mas deixando sempre aberta a cova rasa que nos cabe no latifundio do orçamento público aos “ajustes” que cada golpe desses matematicamente implica; foi assim que o Brasil foi sendo empurrado para o presente quadro de desastre nacional. Entre 2014 e 2016, os dois anos mais sufocantes da história da miséria brasileira, essa corte confiscou ao favelão nacional mais R$ 8,8 bilhões em “cortes de despesas dos estados” com educação, saúde e segurança publica enquanto embolsava R$ 8,6 bilhões em aumentos automáticos “imexíveis” de proventos variados. Uma coisa pela outra. Na União e nos municípios foi ainda pior.
Agora é rever essa divisão ou morrer. E como não existe argumento capaz de deixar a menor dúvida sobre quem tem o que entregar e quem tem o que receber, a saida dos devedores foi reduzir o debate político a essa gritaria que ele virou. Literalmente na véspera de ser aprovada no Congresso a primeira reforma a tocar de leve os “direitos adquiridos” da privilegiatura emerge do Ministério Publico do dr. Janot a gravação que, hoje está provado, apagou a ultima fronteira entre “mocinhos” e “bandidos” do faroeste brasileiro, para enterrar, junto com a reforma da previdência, o mais eletrizante capitulo da Lava Jato que acabara de ser aberto – o da Operação Greenfield que revelaria ao país, daqui até à eleição do tudo ou nada de 2018, como foi que, muito além dos “pequenos furtos” dos tempos em que ainda era preciso fazer uma obra publica ou comprar uma plataforma de petróleo para roubar o Brasil, o lulismo fez da familia Batista e mais meia duzia de genocidas e párias do mundo civilizado sócios dos Fundos de Pensão das estatais, primeiro, e do BNDES, do Banco do Brasil e do Tesouro Nacional, depois, para montar uma lavanderia já devidamente abarrotada para lavar dinheiro sujo espalhada por 30 países do mundo.
Por maiores que sejam as culpas no passado do presidente provisório, trocar a Operação Greenfield e o futuro do Brasil por elas não é só um péssimo negócio, é um negócio leonino. O jogo que corre, de ocultar ou expor pedaços do banco de grampos do rei dos bandidos é a descrição do fulcro da doença e não o caminho da cura. O último sinal de saúde no ar é, aliás, o pouco que tal expediente engana a esta altura. Mas a impotência do brasileiro como cidadão faz dessa clareza prostração … ou esse mergulho no nada que são os nossos 62 mil trucidados a bala por ano e subindo.
Toda essa carnificina é um trágico desperdício. É inadmissivelmente anacrônico fazer-se pobre desse tanto e absurdamente estúpido morrer pelo nada por que se mata aqui. Quem tem vivido do sistema de exploração que custa esse preço é o que é, não tem remissão. Mas é sobre a cabeça de todos quantos sabem que é disso que se trata e não o dizem; é sobre a cabeça de todos quantos fingem que esse é um problema “do governo Temer” e não um problema do Brasil; é sobre a cabeça de quem tem o poder de fazer isso cessar e não faz que recairá o sangue todo que vai custar darmos mais uma volta nesse circulo infernal, mesmo sabendo todos qual é a única saída que existe.
O mundo que domesticou seus políticos, que lhes tira os mandatos com mais facilidade que os põe, que premia o esforço para exorcizar o privilégio despede-se da pré-história da humanidade com carências materiais na velocidade da inteligência artificial. Nós damos marcha-a-ré na necessidade para que a casta que nos dita as leis que criminalizam como “desacato” qualquer cobrança que ousemos dirigir-lhe não se tenha de abalançar da eterna imunidade às crises que fabrica.
Em um século a partir de 1950 a população global terá crescido 3,7 xs. A de 60 anos para cima, 10 xs. A de 80 anos e mais 27 xs. Mas nós nos deparamos com esse salto da humanidade ainda cavalgados pelo modelo de opressão que a democracia pós fora da lei pelo mundo afora. O mais acabado retrato dele aparece nas contas da previdência. Um milhão de funcionários da União, todos eles na faixa dos 1% mais ricos do país, e entre esses os juízes e os promotores, campeões dos campeões, na faixa dos 0,1% mais ricos do país (Ipea), geraram um deficit nas contas da previdência (R$ 90,7 bi) maior que o da soma dos 33 milhões de plebeus aposentados do setor privado (R$ 85 bi) em 2016. Quase 60% da metade do PIB de que o estado se apropria vai para os funcionários aposentados e não basta. Outros 12% pagam os que ainda nos “prestam serviços”. Um cálculo baseado no mesmo critério do Indice Gini, que mede as desigualdades de renda e qualidade de vida de um determinado grupo (quanto mais próximo de 1 mais desigual) é terminativo. O indice geral de desigualdade do Brasil é de 0,563 pontos e o do universo inteiro de aposentados privados de 0,474 (na aposentadoria somos igualados na pobreza). Mas o do universo dos funcionários públicos aposentados é de 0,822.
Isto quer dizer matemática e resumidamente o seguinte: dentro daquela minoria do milhão de aposentados do setor público que pesam mais que os 33 milhões de aposentados do setor privado somados, uma minoria ainda mais ínfima distancia-se dos demais numa proporção que, se ja é obscena comparada à de seus pares, é abissal quando posta ao lado da dos miseráveis cá de fora. Automatizando a multiplicação de despesas pelos expedientes de “petrificar” novos “direitos aquiridos” auto-atribuídos numa sequência sem fim, de desdobrar salários tributaveis numa infinidade de “auxílios” não tributáveis anualmente “corrigidos” por índices maiores que a inflação, de estender tudo isso para funcionários ativos e inativos mas deixando sempre aberta a cova rasa que nos cabe no latifundio do orçamento público aos “ajustes” que cada golpe desses matematicamente implica; foi assim que o Brasil foi sendo empurrado para o presente quadro de desastre nacional. Entre 2014 e 2016, os dois anos mais sufocantes da história da miséria brasileira, essa corte confiscou ao favelão nacional mais R$ 8,8 bilhões em “cortes de despesas dos estados” com educação, saúde e segurança publica enquanto embolsava R$ 8,6 bilhões em aumentos automáticos “imexíveis” de proventos variados. Uma coisa pela outra. Na União e nos municípios foi ainda pior.
Agora é rever essa divisão ou morrer. E como não existe argumento capaz de deixar a menor dúvida sobre quem tem o que entregar e quem tem o que receber, a saida dos devedores foi reduzir o debate político a essa gritaria que ele virou. Literalmente na véspera de ser aprovada no Congresso a primeira reforma a tocar de leve os “direitos adquiridos” da privilegiatura emerge do Ministério Publico do dr. Janot a gravação que, hoje está provado, apagou a ultima fronteira entre “mocinhos” e “bandidos” do faroeste brasileiro, para enterrar, junto com a reforma da previdência, o mais eletrizante capitulo da Lava Jato que acabara de ser aberto – o da Operação Greenfield que revelaria ao país, daqui até à eleição do tudo ou nada de 2018, como foi que, muito além dos “pequenos furtos” dos tempos em que ainda era preciso fazer uma obra publica ou comprar uma plataforma de petróleo para roubar o Brasil, o lulismo fez da familia Batista e mais meia duzia de genocidas e párias do mundo civilizado sócios dos Fundos de Pensão das estatais, primeiro, e do BNDES, do Banco do Brasil e do Tesouro Nacional, depois, para montar uma lavanderia já devidamente abarrotada para lavar dinheiro sujo espalhada por 30 países do mundo.
Por maiores que sejam as culpas no passado do presidente provisório, trocar a Operação Greenfield e o futuro do Brasil por elas não é só um péssimo negócio, é um negócio leonino. O jogo que corre, de ocultar ou expor pedaços do banco de grampos do rei dos bandidos é a descrição do fulcro da doença e não o caminho da cura. O último sinal de saúde no ar é, aliás, o pouco que tal expediente engana a esta altura. Mas a impotência do brasileiro como cidadão faz dessa clareza prostração … ou esse mergulho no nada que são os nossos 62 mil trucidados a bala por ano e subindo.
Toda essa carnificina é um trágico desperdício. É inadmissivelmente anacrônico fazer-se pobre desse tanto e absurdamente estúpido morrer pelo nada por que se mata aqui. Quem tem vivido do sistema de exploração que custa esse preço é o que é, não tem remissão. Mas é sobre a cabeça de todos quantos sabem que é disso que se trata e não o dizem; é sobre a cabeça de todos quantos fingem que esse é um problema “do governo Temer” e não um problema do Brasil; é sobre a cabeça de quem tem o poder de fazer isso cessar e não faz que recairá o sangue todo que vai custar darmos mais uma volta nesse circulo infernal, mesmo sabendo todos qual é a única saída que existe.
Onde está todo mundo?
No vestiário da piscina, cumprimento um amigo.
— Tudo bem — responde.
— Família?
—Tudo bem conosco, família, amigos. Mas o país…
Mesmo entre as pessoas que passam bem e tocam seu barco cotidiano, as conversas tendem a terminar assim, com um lamento sobre o Brasil. Isso acontece também em diálogos na rede social. Mas é diferente. Com a presença física do outro, sentimos mais fortemente o desencanto com o país.
Não sei se por nostalgia dos tempos de manifestações, passeatas, assembleias, às vezes sinto um vazio que a internet não preenche. Era como se estivesse numa sala e perguntasse: onde estão todos nesse momento? Sei que posso encontrá-los num simples clique. Mas não é a mesma coisa. A respiração ofegante, olhares, o suor escorrendo, gritos — tudo isso faz parte do mundo que convencionamos chamar de presencial.
Creio que 2018 será diferente. Eu mesmo já me desloco para ouvir amigos, conversar com eles sobre o buraco em que nos metemos. Não tenho grandes certezas, nem um discurso acabado. Ambos não ajudam numa boa conversa. De que adianta falar com quem acha que sabe tudo?
Suspeito, no entanto, que um período se fechou com os 13 anos do governo de esquerda. Suas políticas, no campo econômico, mostraram-se insustentáveis no sentido mais elementar do termo: o Brasil praticamente quebrou. Na dimensão ética, a passagem da esquerda pelo governo foi uma catástrofe maior que os desastres do passado. Um período fora do governo fará bem a ela. Os conservadores ingleses tendem a considerar bem-vindos os momentos de oposição. Podem descansar do poder e refletir sobre o período em que estiveram lá. A esquerda continuará lutando para voltar ao governo, como ponto central de sua agenda. Não é dada a longos períodos de reflexão e tem uma dependência física do poder, seus cargos e benesses. No quadro brasileiro, suponho que haverá uma alternância e deve se seguir uma etapa em que forças liberais e conservadoras ocupem o espaço na direção do país. Ignoro ainda como vão combinar essas duas tendências, que tipo de arranjo surgirá daí. Constato apenas que existe uma contradição bastante nítida entre preservar os valores da família e comunitários e apoiar a revolução do mercado global.
Tenho ouvido falar de Margaret Thatcher como um exemplo luminoso. Se analisarmos a experiência da Dama de Ferro, veremos que as profundas mudanças que provocou na Inglaterra enfraqueceu os conservadores. Sua tese de que o importante era impedir que os trabalhistas voltassem um dia ao governo tinha um tom de arrogância que acabou resultando em Tony Blair, com propostas liberais e um rótulo de terceira via, inventado pelo marketing politico. Em ambos os casos, as forças de mercado cresceram e se espraiaram por serviços públicos. As organizações quase governamentais tornaram-se um forte setor da economia.
No Brasil, existe uma simpatia maior pelo papel do Estado. O processo será mais difícil. Thatcher, ao assumir, revelou que gostaria de um retorno aos rígidos valores vitorianos. Mas isso parece ter escapado de suas mãos, pois a Inglaterra tornou-se mais tolerante, inclusive com uma maior aceitação do homossexualismo. O que quero dizer com isso é que assim como a realidade mostra-se um pouco irredutível, sempre colocando armadilhas na trajetória da esquerda, ela o fará também com o sonhos das forças que tendem a substituí-la.
Todas essas interrogações que tenho sobre o futuro, respeitando os que têm certezas acabadas, tornam o quadro mais complexo com a septicemia nos órgãos públicos. Nesta semana ficou mais clara ainda como o processo se espalhou pelas milhares de prefeituras brasileiras. Em Porto Seguro, Cabrália e Eunápolis, os prefeitos foram afastados por corrupção. Circulou um vídeo em que a prefeita de Porto Seguro confessa, alegremente, sua propensão a roubar 50% dos investimentos numa obra pública. Em Teresópolis, o prefeito Mario Tricano, ele mesmo já afastado, denunciou um esquema de corrupção que envolve todos os 12 vereadores.
No Rio, a Polícia Federal revela que Cabral comprou dossiês para atacar o juiz Marcelo Bretas. Até aí nada de surpreendente. O que surpreende é a Justiça, na pessoa de Gilmar Mendes, recusar-se tão ostensivamente a aceitar as evidências das ameaças de Cabral. O que importa mais alguns casos de corrupção e gangsterismo num país que já viveu tantos deles, ao longo dos anos?
A tese central é que o povo espera as eleições para corrigir os erros. Recentemente, surgiu uma notícia de que os militares duvidam desse roteiro. Temem que a crise econômica se aprofunde, o Estado quebre mais completamente e traga com sua ruína grandes inquietações sociais. A reforma da Previdência foi para o espaço, ao que tudo indica. O chamado Centrão vai controlar os ministérios. As hienas prosseguem seu banquete devorando o que resta dos recursos públicos.
É hora de conversar, trocar ideias, criar vínculos. Candidatos fazem caravanas; amigos fazem visitas. Com todo respeito pelo intenso debate na internet, suspeito que é hora de levantar da cadeira.
— Tudo bem — responde.
— Família?
—Tudo bem conosco, família, amigos. Mas o país…
Mesmo entre as pessoas que passam bem e tocam seu barco cotidiano, as conversas tendem a terminar assim, com um lamento sobre o Brasil. Isso acontece também em diálogos na rede social. Mas é diferente. Com a presença física do outro, sentimos mais fortemente o desencanto com o país.
Não sei se por nostalgia dos tempos de manifestações, passeatas, assembleias, às vezes sinto um vazio que a internet não preenche. Era como se estivesse numa sala e perguntasse: onde estão todos nesse momento? Sei que posso encontrá-los num simples clique. Mas não é a mesma coisa. A respiração ofegante, olhares, o suor escorrendo, gritos — tudo isso faz parte do mundo que convencionamos chamar de presencial.
Suspeito, no entanto, que um período se fechou com os 13 anos do governo de esquerda. Suas políticas, no campo econômico, mostraram-se insustentáveis no sentido mais elementar do termo: o Brasil praticamente quebrou. Na dimensão ética, a passagem da esquerda pelo governo foi uma catástrofe maior que os desastres do passado. Um período fora do governo fará bem a ela. Os conservadores ingleses tendem a considerar bem-vindos os momentos de oposição. Podem descansar do poder e refletir sobre o período em que estiveram lá. A esquerda continuará lutando para voltar ao governo, como ponto central de sua agenda. Não é dada a longos períodos de reflexão e tem uma dependência física do poder, seus cargos e benesses. No quadro brasileiro, suponho que haverá uma alternância e deve se seguir uma etapa em que forças liberais e conservadoras ocupem o espaço na direção do país. Ignoro ainda como vão combinar essas duas tendências, que tipo de arranjo surgirá daí. Constato apenas que existe uma contradição bastante nítida entre preservar os valores da família e comunitários e apoiar a revolução do mercado global.
Tenho ouvido falar de Margaret Thatcher como um exemplo luminoso. Se analisarmos a experiência da Dama de Ferro, veremos que as profundas mudanças que provocou na Inglaterra enfraqueceu os conservadores. Sua tese de que o importante era impedir que os trabalhistas voltassem um dia ao governo tinha um tom de arrogância que acabou resultando em Tony Blair, com propostas liberais e um rótulo de terceira via, inventado pelo marketing politico. Em ambos os casos, as forças de mercado cresceram e se espraiaram por serviços públicos. As organizações quase governamentais tornaram-se um forte setor da economia.
No Brasil, existe uma simpatia maior pelo papel do Estado. O processo será mais difícil. Thatcher, ao assumir, revelou que gostaria de um retorno aos rígidos valores vitorianos. Mas isso parece ter escapado de suas mãos, pois a Inglaterra tornou-se mais tolerante, inclusive com uma maior aceitação do homossexualismo. O que quero dizer com isso é que assim como a realidade mostra-se um pouco irredutível, sempre colocando armadilhas na trajetória da esquerda, ela o fará também com o sonhos das forças que tendem a substituí-la.
Todas essas interrogações que tenho sobre o futuro, respeitando os que têm certezas acabadas, tornam o quadro mais complexo com a septicemia nos órgãos públicos. Nesta semana ficou mais clara ainda como o processo se espalhou pelas milhares de prefeituras brasileiras. Em Porto Seguro, Cabrália e Eunápolis, os prefeitos foram afastados por corrupção. Circulou um vídeo em que a prefeita de Porto Seguro confessa, alegremente, sua propensão a roubar 50% dos investimentos numa obra pública. Em Teresópolis, o prefeito Mario Tricano, ele mesmo já afastado, denunciou um esquema de corrupção que envolve todos os 12 vereadores.
No Rio, a Polícia Federal revela que Cabral comprou dossiês para atacar o juiz Marcelo Bretas. Até aí nada de surpreendente. O que surpreende é a Justiça, na pessoa de Gilmar Mendes, recusar-se tão ostensivamente a aceitar as evidências das ameaças de Cabral. O que importa mais alguns casos de corrupção e gangsterismo num país que já viveu tantos deles, ao longo dos anos?
A tese central é que o povo espera as eleições para corrigir os erros. Recentemente, surgiu uma notícia de que os militares duvidam desse roteiro. Temem que a crise econômica se aprofunde, o Estado quebre mais completamente e traga com sua ruína grandes inquietações sociais. A reforma da Previdência foi para o espaço, ao que tudo indica. O chamado Centrão vai controlar os ministérios. As hienas prosseguem seu banquete devorando o que resta dos recursos públicos.
É hora de conversar, trocar ideias, criar vínculos. Candidatos fazem caravanas; amigos fazem visitas. Com todo respeito pelo intenso debate na internet, suspeito que é hora de levantar da cadeira.
Inimigo do povo
A maior parte dos meios de comunicação do Brasil, com a Rede Globo disparada na frente, está se transformando num serviço de polícia do pensamento livre. É repressão pura e simples. Ou você pensa, fala e age de acordo com a atual planilha de ideias em vigor na mídia ou, se não for assim, você está fora. Os chefes da repressão não podem mandar as pessoas para a cadeia, como o DOPS fazia antigamente com os subversivos, mas podem lhes tirar o emprego. É isso, precisamente, que o comando da Globo acaba de fazer com o jornalista William Waack, estrela dos noticiários da noite, afastado das suas funções por suspeita de racismo. Por suspeita , apenas – já que a própria emissora não garante que ele tenha mesmo feito as ofensas racistas de que é acusado, numa conversa particular ocorrida um ano atrás nos Estados Unidos. Mas, da mesma forma como se agia no Comitê de Salvação Pública da velha França, que mandava o sujeito para a guilhotina quando achava que ele era um inimigo do povo, uma acusação anônima vale tanto quanto a melhor das provas.
William não foi demitido do seu cargo por ser racista, pois ele não é racista. Em seus 21 anos de trabalho na Globo nunca disse uma palavra que pudesse ser ofensiva a qualquer raça. Também nunca escreveu nada parecido em nenhum dos veículos de imprensa em que trabalha há mais de 40 anos. Nunca fez um comentário racista em suas numerosas palestras. O público, em suma, jamais foi influenciado por absolutamente nada do que ele disse ou escreveu durante toda a sua carreira profissional. O que William pensa ou não pensa, na sua vida pessoal, não é da conta dos seus empregadores, ou dos colegas, ou dos artistas que assinam manifestos. O princípio é esse. Não há outro. Ponto final.
William Waack foi demitido por duas razões. A primeira é por ser competente – entre ele, de um lado, e seus chefes e colegas, de outro, há simplesmente um abismo. Isso, no bioma que prevalece hoje na Globo e na mídia em geral, é infração gravíssima. A segunda razão é que William nunca ficou de quatro diante da esquerda brasileira em geral e do PT em particular – é um cidadão que exerce o direito de pensar por conta própria e não obedece à atitude de manada que está na alma do pensamento “politicamente correto”, se é que se pode chamar a isso de “pensamento”. Somadas, essas duas razões formam um oceano de raiva, ressentimento e neurastenia.
A punição a William Waack tem tudo para se tornar um clássico em matéria de hipocrisia, oportunismo e conduta histérica. A Rede Globo,como se sabe, renunciou à sua história tempos atrás, apresentando – sem que ninguém lhe tivesse solicitado nada – um pedido público de desculpas por ter apoiado “a ditadura militar”. Esse manifesto, naturalmente, foi feito com o máximo de segurança. Só saiu vários anos depois da “ditadura militar” ter acabado e, sobretudo, depois da morte do seu fundador, que não estava mais presente para dizer se concordava ou não em pedir desculpas pelo que fez. A emissora, agora, acredita estar na vanguarda das lutas populares – não falta gente para garantir isso aos seus donos, dia e noite. William Waack, com certeza, só estava atrapalhando.
William não foi demitido do seu cargo por ser racista, pois ele não é racista. Em seus 21 anos de trabalho na Globo nunca disse uma palavra que pudesse ser ofensiva a qualquer raça. Também nunca escreveu nada parecido em nenhum dos veículos de imprensa em que trabalha há mais de 40 anos. Nunca fez um comentário racista em suas numerosas palestras. O público, em suma, jamais foi influenciado por absolutamente nada do que ele disse ou escreveu durante toda a sua carreira profissional. O que William pensa ou não pensa, na sua vida pessoal, não é da conta dos seus empregadores, ou dos colegas, ou dos artistas que assinam manifestos. O princípio é esse. Não há outro. Ponto final.
William Waack foi demitido por duas razões. A primeira é por ser competente – entre ele, de um lado, e seus chefes e colegas, de outro, há simplesmente um abismo. Isso, no bioma que prevalece hoje na Globo e na mídia em geral, é infração gravíssima. A segunda razão é que William nunca ficou de quatro diante da esquerda brasileira em geral e do PT em particular – é um cidadão que exerce o direito de pensar por conta própria e não obedece à atitude de manada que está na alma do pensamento “politicamente correto”, se é que se pode chamar a isso de “pensamento”. Somadas, essas duas razões formam um oceano de raiva, ressentimento e neurastenia.
A punição a William Waack tem tudo para se tornar um clássico em matéria de hipocrisia, oportunismo e conduta histérica. A Rede Globo,como se sabe, renunciou à sua história tempos atrás, apresentando – sem que ninguém lhe tivesse solicitado nada – um pedido público de desculpas por ter apoiado “a ditadura militar”. Esse manifesto, naturalmente, foi feito com o máximo de segurança. Só saiu vários anos depois da “ditadura militar” ter acabado e, sobretudo, depois da morte do seu fundador, que não estava mais presente para dizer se concordava ou não em pedir desculpas pelo que fez. A emissora, agora, acredita estar na vanguarda das lutas populares – não falta gente para garantir isso aos seus donos, dia e noite. William Waack, com certeza, só estava atrapalhando.
Para entender 2018 convém olhar a luta entre os dois cansaços: com os políticos e com a confusão
É cômodo caracterizar a disputa interna do PSDB como uma luta de éticos contra fisiológicos, puros contra impuros, tucanos originais contra tucanos perdidos. Uma guerra em que todos sairão mais fracos. Nesta era de ditadura das narrativas e de opressão sobre os fatos, é uma narrativa confortável. Como toda narrativa confortável, convém desconfiar, ao menos para testar.
Também teria sido razoável desconfiar da ideia de que o governo Michel Temer tinha desistido da reforma da previdência. Pela simples razão de que a única razão de o governo Temer existir é tentar fazer as reformas assepticamente chamadas de pró-mercado. Sem apontar para elas, ele não teria ultrapassado as duas votações na Câmara.
O contra-ataque do establishment tucano e o apego do governo Temer às reformas são os dois movimentos fundamentais na dança-tentativa de construir uma candidatura antipetista capaz de ganhar a eleição e também governar. Diferentemente de outras ocasiões em que se buscou um “novo”, é provável que desta vez o segundo vetor tenha um protagonismo relevante.
A sucessão presidencial será decidida num combate entre candidatos, partidos e blocos, sim. Mas também num braço de ferro entre dois cansaços: o cansaço com os políticos e o cansaço com a confusão. Seria um erro subestimar tanto um como outro. O Brasil parece querer livrar-se de ambos num único movimento, num único voto. Mas, e se não for possível?
Se, na eleição, o cansaço com os políticos estiver maior que o cansaço com a confusão, é provável que o eleitor decida por mais confusão para finalmente tentar dar cabo da atual elite política. Mas, se o cansaço com a confusão prevalecer, é possível que ele se incline para um dito político, na esperança de acabar com a confusão, ou impedir sua volta.
O apelo pelo “novo” é periodicamente sexy, mas enfrentará agora pelo menos dois problemas. 1) Os dois últimos presidentes, cada um à sua moda, “novos” foram derrubados e 2) a economia parece ter saído do estado de depressão profunda. Se o medo sempre tem um papel a desempenhar em campanhas eleitorais, não é tão difícil projetar que ele terá aqui uma oportunidade. Inflação baixa e algum crescimento não são de se jogar fora.
Eis por que há espaço para a movimentação de Lula e de Alckmin. Ambos buscam o perfil ideal, cada um em seu campo. Tentam consolidar a ideia de que conseguirão governar, sem entretanto deixar de se colocar como força de renovação. O tucano cultiva suas conexões com os cabeças-pretas, enquanto o petista lança sinais de que governará com menos compromissos.
Claro que a vida real é mais complicada. Nem Alckmin pode simplesmente lançar o velho PSDB ao mar, nem Lula pode se dar ao luxo de desprezar possíveis alianças. Sendo ele próprio candidato ou com outro nome, Lula sabe que uma coisa é ir ao segundo turno numa onda vermelha, outra coisa é fechar a eleição com metade mais um do voto válido. A lembrança de 1989 está disponível.
Observemos os fatos. Já disse algumas vezes: eles costumam ser teimosos.
A reforma da previdência será aprovada. Agora. Ou em 2018. Ou em 2019. Nenhum futuro governo escapará de fazê-la, ou continuá-la, pela simples razão de que se alguma reforma da previdência não for feita o teto de gastos garroteará o orçamento e não será possível governar. O teatro da política talvez imponha ao eleitor um novo estelionato. Com os riscos nele embutidos.
É da política que se tente aproveitar a fragilidade jurídica de Lula para recolher parte do capital político dele, eventualmente desgarrado. Vêm desse fato tanto ensaios como Luciano Huck, com sua suposta penetração entre os pobres, como as candidaturas de esquerda supostamente críticas ao PT.
É da política, mas tanto num como noutro caso será preciso avaliar se foi a tática mais inteligente. Dispersar forças não costuma ser inteligente.
Também teria sido razoável desconfiar da ideia de que o governo Michel Temer tinha desistido da reforma da previdência. Pela simples razão de que a única razão de o governo Temer existir é tentar fazer as reformas assepticamente chamadas de pró-mercado. Sem apontar para elas, ele não teria ultrapassado as duas votações na Câmara.
A sucessão presidencial será decidida num combate entre candidatos, partidos e blocos, sim. Mas também num braço de ferro entre dois cansaços: o cansaço com os políticos e o cansaço com a confusão. Seria um erro subestimar tanto um como outro. O Brasil parece querer livrar-se de ambos num único movimento, num único voto. Mas, e se não for possível?
Se, na eleição, o cansaço com os políticos estiver maior que o cansaço com a confusão, é provável que o eleitor decida por mais confusão para finalmente tentar dar cabo da atual elite política. Mas, se o cansaço com a confusão prevalecer, é possível que ele se incline para um dito político, na esperança de acabar com a confusão, ou impedir sua volta.
O apelo pelo “novo” é periodicamente sexy, mas enfrentará agora pelo menos dois problemas. 1) Os dois últimos presidentes, cada um à sua moda, “novos” foram derrubados e 2) a economia parece ter saído do estado de depressão profunda. Se o medo sempre tem um papel a desempenhar em campanhas eleitorais, não é tão difícil projetar que ele terá aqui uma oportunidade. Inflação baixa e algum crescimento não são de se jogar fora.
Eis por que há espaço para a movimentação de Lula e de Alckmin. Ambos buscam o perfil ideal, cada um em seu campo. Tentam consolidar a ideia de que conseguirão governar, sem entretanto deixar de se colocar como força de renovação. O tucano cultiva suas conexões com os cabeças-pretas, enquanto o petista lança sinais de que governará com menos compromissos.
Claro que a vida real é mais complicada. Nem Alckmin pode simplesmente lançar o velho PSDB ao mar, nem Lula pode se dar ao luxo de desprezar possíveis alianças. Sendo ele próprio candidato ou com outro nome, Lula sabe que uma coisa é ir ao segundo turno numa onda vermelha, outra coisa é fechar a eleição com metade mais um do voto válido. A lembrança de 1989 está disponível.
Observemos os fatos. Já disse algumas vezes: eles costumam ser teimosos.
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A reforma da previdência será aprovada. Agora. Ou em 2018. Ou em 2019. Nenhum futuro governo escapará de fazê-la, ou continuá-la, pela simples razão de que se alguma reforma da previdência não for feita o teto de gastos garroteará o orçamento e não será possível governar. O teatro da política talvez imponha ao eleitor um novo estelionato. Com os riscos nele embutidos.
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É da política que se tente aproveitar a fragilidade jurídica de Lula para recolher parte do capital político dele, eventualmente desgarrado. Vêm desse fato tanto ensaios como Luciano Huck, com sua suposta penetração entre os pobres, como as candidaturas de esquerda supostamente críticas ao PT.
É da política, mas tanto num como noutro caso será preciso avaliar se foi a tática mais inteligente. Dispersar forças não costuma ser inteligente.
Temer vira miniatura às voltas com minirreformas
Transformado pelas circunstâncias numa autoridade com poderes diminutos, Michel Temer virou a miniatura de um presidente. Seu bloco de apoio congressual reduzir-se dramaticamente. E o pedaço do Legislativo que supostamente lhe seria fiel o chantageia. No momento, o minipresidente negocia uma minirreforma ministerial que lhe permita aprovar a metade das mexidas que planejara fazer na Previdência. E talvez não consiga aprovar nem isso.
Antes de ser abalroado por denúncias criminais, Michel Temer enxergava horizontes promissores até na própria impopularidade. O presidente planejava aproveitar o desapreço que a sociedade sente por ele para aprovar reformas impopulares que recolocariam o país nos trilhos. O trabalho ficará inconcluso. A ideia de que Temer dirige os rumos do país nesta ou naquela direção tornou-se ilusória.
Estreitaram-se as margens de manobra do presidente. A política vive um daqueles momentos em que os agentes políticos começam a dar as costas para o poder hipotético de quem está no Planalto para se concentrar na perspectiva de poder que surgirá na próxima disputa presidencial.
Michel Temer alterou a prioridade de sua presidência. A prioridade anterior era não cair. A nova prioridade é passar a impressão de que ainda governa. Pode obter um ou outro remendo. Mas as reformas foram foram transferidas para o próximo inquilino do Planalto.
Vamos discutir ideias e não pessoas
Estamos ainda a 11 meses das eleições presidenciais mas, com um presidente com baixíssima popularidade, com inúmeros políticos envolvidos em denúncias de corrupção, com as contas públicas desequilibradas e com a alta taxa de desemprego, é natural que o debate sobre as próximas eleições tenha sido antecipado. O enorme aparelhamento do Estado brasileiro – em benefício de projetos partidários – e a maior recessão da história do país são fatos que trouxeram importantes lições que devem nortear as escolhas que faremos em 2018.
Apesar de alguns sinais de leve recuperação da economia, o modelo de Estado que temos hoje está falido e precisa ser revisto. Essa revisão começa com o diagnóstico, passa pela definição de valores e princípios, pelo debate de propostas e termina no perfil das pessoas que queremos no comando, com uma análise das suas competências.
Temos questões práticas a serem resolvidas: quais princípios irão nortear as nossas decisões? Qual a forma mais eficaz de combate à pobreza? Qual o modelo de previdência sustentável? Como termos uma representatividade política adequada? Como manter e aprimorar a independência entre os Poderes?
As respostas passam, necessariamente, pela definição de conceitos. O principal deles é saber qual caminho escolheremos: acreditar que as pessoas são capazes e responsáveis pelo seu destino ou apostar em uma classe política superior que, por meio de um Estado intervencionista, determinará o que devemos, podemos e estamos aptos a fazer.
Sou totalmente convicto de que o caminho para a construção de um país admirado e com qualidade de vida para todos é o primeiro, a definição de conceitos.
Infelizmente a discussão antecipada sobre 2018 está deixando esse debate de fora. Ela está muito concentrada na avaliação de nomes, quando deveria estar – neste momento e nos próximos meses – direcionada ao debate de ideias.
Ao discutirmos, prioritariamente, a viabilidade eleitoral de candidatos e não as suas competências para a reforma do Estado brasileiro, corremos o risco de – mais uma vez – adotarmos uma solução medíocre.
É lamentável que boa parte dos formadores de opinião e da elite brasileira se mantenha omissa do debate de ideias e continue a adotar o velho roteiro de procurar alguém que possa assumir o papel de salvador da pátria.
Nesse cenário, a consequência é que vários candidatos passam a se utilizar das pesquisas, e não mais de suas convicções, para definirem os seus discursos. Porém, não podemos nos enganar, as suas práticas serão definidas pelas suas crenças.
A antecipação da discussão sobre o processo eleitoral deveria ser uma ótima ocasião para refletirmos sobre os valores e princípios necessários para a construção de um país desenvolvido, seguro e próspero. Não faltam exemplos pelo mundo.
Não podemos abrir mão dessa oportunidade, cabe a cada um de nós defender e adotar essa agenda para o Brasil.
Apesar de alguns sinais de leve recuperação da economia, o modelo de Estado que temos hoje está falido e precisa ser revisto. Essa revisão começa com o diagnóstico, passa pela definição de valores e princípios, pelo debate de propostas e termina no perfil das pessoas que queremos no comando, com uma análise das suas competências.
Temos questões práticas a serem resolvidas: quais princípios irão nortear as nossas decisões? Qual a forma mais eficaz de combate à pobreza? Qual o modelo de previdência sustentável? Como termos uma representatividade política adequada? Como manter e aprimorar a independência entre os Poderes?
As respostas passam, necessariamente, pela definição de conceitos. O principal deles é saber qual caminho escolheremos: acreditar que as pessoas são capazes e responsáveis pelo seu destino ou apostar em uma classe política superior que, por meio de um Estado intervencionista, determinará o que devemos, podemos e estamos aptos a fazer.
Infelizmente a discussão antecipada sobre 2018 está deixando esse debate de fora. Ela está muito concentrada na avaliação de nomes, quando deveria estar – neste momento e nos próximos meses – direcionada ao debate de ideias.
Ao discutirmos, prioritariamente, a viabilidade eleitoral de candidatos e não as suas competências para a reforma do Estado brasileiro, corremos o risco de – mais uma vez – adotarmos uma solução medíocre.
É lamentável que boa parte dos formadores de opinião e da elite brasileira se mantenha omissa do debate de ideias e continue a adotar o velho roteiro de procurar alguém que possa assumir o papel de salvador da pátria.
Nesse cenário, a consequência é que vários candidatos passam a se utilizar das pesquisas, e não mais de suas convicções, para definirem os seus discursos. Porém, não podemos nos enganar, as suas práticas serão definidas pelas suas crenças.
A antecipação da discussão sobre o processo eleitoral deveria ser uma ótima ocasião para refletirmos sobre os valores e princípios necessários para a construção de um país desenvolvido, seguro e próspero. Não faltam exemplos pelo mundo.
Não podemos abrir mão dessa oportunidade, cabe a cada um de nós defender e adotar essa agenda para o Brasil.
Inspirações golpistas
“Tanto os velhos partidos como os novos, em que os velhos se transformaram sob novos rótulos, nada exprimem ideologicamente, mantendo-se à sombra de ambições pessoais ou de predomínios localistas, a serviço de grupos empenhados na partilha dos despojos e nas combinações oportunistas em torno de objetivos subalternos”.Dita há exatos 80 anos, a frase cabe como luva aos dias de hoje. Com um agravante de arrepiar: com ela, o então presidente Getúlio Vargas justificava o fechamento do Congresso Nacional, ato primeiro do Estado Novo, golpe de 10 de novembro de 1937.
Com o poder de cassar mandatos, suspender eleições, vigiar e censurar a imprensa, prender comunistas – entre eles o jovem escritor Jorge Amado --, a ditadura Vargas prosperou com a conjunção demoníaca de economia em frangalhos e ausência de lideranças capazes de dialogar com a população pobre e descrente.
Ambiente similar ao que vemos hoje, ainda que as condições objetivas de agora, na economia, e, especialmente, da maturidade institucional do país, estabeleçam e evidenciem a distância histórica.
Líder inconteste da extrema direita nacionalista, Getúlio misturou seu imenso carisma a modelagens fascistas que tanto sucesso faziam na Itália de Benito Mussolini, na Espanha franquista e na Alemanha nazista.
Mas, ao contrário da ojeriza que esses ditadores provocam em seus países de origem e em todo o mundo democrático, Getúlio virou ícone de partidos ditos da esquerda nacional, que deram a ele o status de divindade – o pai dos pobres. Até os neocomunistas tupiniquins o vangloriam.
Por ignorância, má-fé, ou ambos, esse segmento apagou da história o golpismo getulista e pesou as tintas no criador da Petrobras e da Consolidação das Leis do Trabalho, editada por decreto, em 1943, com inspiração na Carta del Lavoro (1927), da lavra de Mussolini.
Pode ser coincidência – aquela que dizem não existir – ou traquinagem da história o fato de as novas leis trabalhistas, desta vez aprovadas pelo Congresso Nacional, terem entrado em vigor no sábado, um dia depois do golpe octogenário.
Presidente do país de 1930 a 1945 e de 1951 a 1954, único período para o qual foi eleito, Getúlio orientava-se pela premissa de que os fins justificam os meios, parâmetro usual entre populistas, extremistas e fundamentalistas. Não tinha limites. E demonstrou isso até na dramaticidade de sua morte.
Ainda hoje sua herança é disputada a tapa. Já foi pendenga entre o PDT e o PTB no período da redemocratização, está no discurso de todos os matizes, antagoniza e une extremos.
Sem tirar nem pôr, Getúlio cabe em qualquer manequim.
Lula, outrora reencarnação, e que já teria superado Getúlio segundo a sua tropa, usa e abusa das “conquistas” dos anos 1940 nos palanques e da popularidade do golpista que ele diz admirar. Na outra ponta, Jair Bolsonaro arrebata os getulistas saudosos dos vínculos do ditador com os militares, com a extrema direita e os anticomunistas.
Ambos partilham outra adoração: o modelo Ernesto Geisel.
Bolsonaro exibe a foto do general em sua sala e Lula elogia, com vigor, o modelo nacional-desenvolvimentista do penúltimo presidente militar, aplicado ao pé-da-letra por sua pupila Dilma Rousseff, com consequências nefastas para o país: recessão e desemprego recordes.
Os dois – Lula e Bolsonaro – também disputam aconselhamentos de Delfim Neto, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento do regime militar.
Ainda que pareça estranho ao paladar e irrite aos fundamentalistas de um lado e de outro, Lula e Bolsonaro tentam cozinhar o público com os mesmos ingredientes: a unção divina de ser o salvador da pátria, o falso moralismo e o apelo por nacionalismo de ocasião. Usam e abusam do falseamento da História, dos exemplos de Getúlio, Geisel e até JK. Tudo temperado por populismo barato.
Resta saber se o eleitor vai engolir ou não essa gororoba.
O barulho dos teclados
Hoje em dia, o importante é documentar. Tudo. Absolutamente todos os aspectos da vida privada. Se o sujeito vai ao restaurante e não fotografa o prato, fica na dúvida e o almoço aconteceu.
Se não está fotografado ou gravado, não está nem nunca esteve no mundo. Por consequência, só existe, só tem relevância, o que foi fotografado ou gravado. O resto, o conjunto da obra, não tem sentido. Vira apenas detalhe a ser ignorado.
Consequentemente, vivemos sobrecarregados de fotos e gravações sem meios para analisar detalhadamente cada uma, e, portanto, fazendo julgamentos definitivos e muitas vezes importantes, baseados em informações superficiais.
Fotografias e vídeos curtos são os fatores principais na tomada de decisões, que, hoje em dia, demora menos de 5 segundos. Tanto assim que a gente começou a achar que é possível conhecer uma pessoa através de quase nenhuma informação.
Escolhe-se parceiros em sites de relacionamento em segundos, baseados em uma fotografia. Basta virar a página para a direita ou para a esquerda que lá vem a próxima fotografia. É assim com tudo. Tudo virou um grande Tinder. Viver não está mais simples, mas a vida virou uma grande simplificação.
Seleciona-se profissionais com base na primeira linha do curriculum. Julga-se amigos por posts de algumas linhas. E julga-se o caráter de alguém baseado em uma sentença ou palavra mal colocada.
Uma vez gravado o vídeo ou gerada a fotografia, o julgamento é instantâneo, irreparável, inapelável. Com direito a fúria e execração pública nas mídias sócias. Baseados em somente alguns segundos de imagem, ou em uma linha, ou em uma foto, define-se uma vida. Vida que sofrera permanentemente todas as consequências deste julgamento.
Se não está fotografado ou gravado, não está nem nunca esteve no mundo. Por consequência, só existe, só tem relevância, o que foi fotografado ou gravado. O resto, o conjunto da obra, não tem sentido. Vira apenas detalhe a ser ignorado.
Consequentemente, vivemos sobrecarregados de fotos e gravações sem meios para analisar detalhadamente cada uma, e, portanto, fazendo julgamentos definitivos e muitas vezes importantes, baseados em informações superficiais.
Fotografias e vídeos curtos são os fatores principais na tomada de decisões, que, hoje em dia, demora menos de 5 segundos. Tanto assim que a gente começou a achar que é possível conhecer uma pessoa através de quase nenhuma informação.
Escolhe-se parceiros em sites de relacionamento em segundos, baseados em uma fotografia. Basta virar a página para a direita ou para a esquerda que lá vem a próxima fotografia. É assim com tudo. Tudo virou um grande Tinder. Viver não está mais simples, mas a vida virou uma grande simplificação.
Seleciona-se profissionais com base na primeira linha do curriculum. Julga-se amigos por posts de algumas linhas. E julga-se o caráter de alguém baseado em uma sentença ou palavra mal colocada.
Uma vez gravado o vídeo ou gerada a fotografia, o julgamento é instantâneo, irreparável, inapelável. Com direito a fúria e execração pública nas mídias sócias. Baseados em somente alguns segundos de imagem, ou em uma linha, ou em uma foto, define-se uma vida. Vida que sofrera permanentemente todas as consequências deste julgamento.
A vida digital virou terra de ninguém onde todos estão à procura de candidatos a linchamentos. Regredimos aos tempos em que execuções eram comuns, por vezes injustas, mas sempre razão de entretenimento para a plateia.Isto é perigoso.
A democracia existe baseada em dois conceitos gêmeos: a liberdade de expressão, e a liberdade religiosa. Ou seja, na democracia, crer, pensar e acreditar não somente não são (ou não deveriam ser) punidos, mas sim incentivados.
Daí que o regime democrático pressupõe que mesmo pessoas com ideias retrogradas, absurdas, desumanas, tem o direito de expressa-las. Por isso, redações no vestibular não devem ser censuradas pelo avaliador, nem pessoas deveriam ser execradas por suas posições, por mais desagradáveis ou inaceitáveis.
Por outro lado, conversas privadas deveriam ser protegidas de devassa. Tiradas do contexto e colocadas sob microscópio, segmentos de conversas privadas oferecem visão distorcida do caráter e das ideias das pessoas envolvidas.
Nesta época de julgamentos instantâneos baseados em fragmentos de realidade associados a selvageria das mídias sociais, nunca o equilíbrio e o bom senso foram tão necessários. Os diretos a privacidade, a expressão, e as crenças precisam ser defendidos. Mesmo aqueles pensamentos ou ideologias abjetas, ofensivas ou intolerantes. Este é o preço da democracia e da diversidade.
É melhor poder se exprimir sem censura, falar em privado, ou acreditar no que preferir. O resto leva a involução civilizatória, manifestada em intolerância sistemática. É caminho rápido rumo a barbárie. Sempre em marcha batida em direção ao atraso tendo ao fundo o barulho incessante dos teclados.
A democracia existe baseada em dois conceitos gêmeos: a liberdade de expressão, e a liberdade religiosa. Ou seja, na democracia, crer, pensar e acreditar não somente não são (ou não deveriam ser) punidos, mas sim incentivados.
Daí que o regime democrático pressupõe que mesmo pessoas com ideias retrogradas, absurdas, desumanas, tem o direito de expressa-las. Por isso, redações no vestibular não devem ser censuradas pelo avaliador, nem pessoas deveriam ser execradas por suas posições, por mais desagradáveis ou inaceitáveis.
Por outro lado, conversas privadas deveriam ser protegidas de devassa. Tiradas do contexto e colocadas sob microscópio, segmentos de conversas privadas oferecem visão distorcida do caráter e das ideias das pessoas envolvidas.
Nesta época de julgamentos instantâneos baseados em fragmentos de realidade associados a selvageria das mídias sociais, nunca o equilíbrio e o bom senso foram tão necessários. Os diretos a privacidade, a expressão, e as crenças precisam ser defendidos. Mesmo aqueles pensamentos ou ideologias abjetas, ofensivas ou intolerantes. Este é o preço da democracia e da diversidade.
É melhor poder se exprimir sem censura, falar em privado, ou acreditar no que preferir. O resto leva a involução civilizatória, manifestada em intolerância sistemática. É caminho rápido rumo a barbárie. Sempre em marcha batida em direção ao atraso tendo ao fundo o barulho incessante dos teclados.
Ziquizira brasilis
Eles sempre existiram. Mas agora andam saindo das tocas inclusive de dia, atrás de comida para alimentar seus instintos torpes. E a comida deles – infelizmente - é a nossa liberdade, os princípios democráticos, a alegria. Não dá para calar porque a situação esquisita está numa crescente. Homens e mulheres cheios de ódio que parece estão gostando de nos irritar devem ser iluminados urgentemente. Não resistirão se formos firmes. Voltarão para as suas profundezas
Quer chamar atenção? Coloca uma melancia no pescoço! Capaz até de a gente achar engraçadinho porque pelo menos seria inofensivo. Mas não são nada inofensivas e nem brincadeiras as ações que temos presenciado espocar aqui e ali e que têm aumentado a frequência de uma forma preocupante. Do que vivem? Como conseguem dormir? Quem lhes deu tamanha ignorância e tanta ousadia? Onde estão os criadouros que os fermentam?
Tenho muito ouvido falar que é culpa da internet, das redes sociais que dá voz aos idiotas. Verdade. Dá mesmo. Mas encafifei que acabamos generalizando muito e o que é essencial nos escapa. O que temos de fazer é buscar os ninhos, os ovos de serpente chocados. Tipo localizar quem é a abelha rainha, a formiga mãe, o macho dominante. Quem é o enrustido problemático, o mentecapto cafajeste, o religioso doente, a mente do Mal. Nesses ninhos reside o mal que alimenta os boquirrotos, que comem as minhocas que lhe são servidas e as regurgitam nas redes. Esses são bem reais, orgulham-se de seus pensamentos e ações torpes, adoram dar entrevistas, aparecer na foto - e sempre com suas segundas intenções, acreditem.
Vergonha. Quantas vezes esses últimos dias li amigos meus falando que estavam com vergonha por conta de acontecimentos armados por essa gente nefasta. Vergonha! Vergonha do Brasil. De ser brasileiro, do papelão. Pior é realmente ruborizar e querer morrer diante das insanidades. A filósofa perseguida como bruxa, queimada como boneca, escorraçada no aeroporto. O cantor com cabelinhos de caracol, símbolo de uma era e da qualidade de nossas criações, achincalhado, tachado e #hashtagueadocomo pedófilo. Uns deputados obscuros e obscurantistas querendo levar à força um artista para depor lá no picadeiro deles – coitado, já pensaram você ser obrigado a ficar lá ouvindo e sendo agredido por aqueles “pelasaco”? Pelasacos são muito chatos. Os nossos, então, ainda por cima são muito burros.
Que dizer dos que, além de não nos deixarem andar para frente, com as mulheres decidindo o que fazer com seus corpos e úteros, quererem proibir o aborto das meninas e mulheres estupradas? Só pode ser gente muito ruim e sem sensibilidade para também querer ver nascer uma criança sem cérebro.
A coisa não pararia aí nos últimos dias. Houve o ápice. O absurdo da divulgação de um vídeo de um ano atrás no qual o mais do que conceituado jornalista William Waack aparece – fora do ar – resmungando e dizendo uma frase, sim, de cunho racista. Mas que é manjada até. E de maneira alguma isso querendo dizer que ele, William, seja racista, até por ser impossível - uma vez que vem de uma família de ascendência de negros; mas nunca fez disso pilar. Pois bem. William Waack foi decepado, decapitado, dissecado e, pior, demitido, desconsiderado. E claro com um monte de gente (até uns bem admiráveis) aplaudindo seu linchamento público em prol de seus ideais supostos politicamente corretos – ah, como eles são corretos! Só eles são os bons, os puros. Pior ainda descobrir a origem, que isso foi arte de dois jovens cheios de dreads, blablabá,piriri pororó! Justiceiros... Dá até palpitação. Pavor.
Mas devemos ter pisado muito no pescoço do padre e estamos pagando por isso. Para finalizar o coreto apareceu o conhecido designer austríaco Hans Donner querendo, sim, falando sério, com gente aplaudindo, mudar a bandeira do Brasil. Legal, né? Querendo acrescer a palavra amor. Ficaria Amor, Ordem e Progresso na tira, no arco central que mudaria a posição para ascendente, ao contrário da forma atual. O verde seria degradê. O amarelo. Digamos que é uma coisa super simples de ser desenhada, reproduzida... Degradê. Degradê! Um veeeeerde... Amareeeelo. Não é genial? As estrelinhas ficariam ali mesmo onde estão.
Vocês também não gostariam de dar um golinho nessa bebida que ele sorve?
Que o Brasil está precisando de Amor, não há dúvida. Que as bandeiras brancas hasteadas que já deveríamos estar fazendo tremular nas ruas deveriam trazer amor estampado, não há dúvida.
As coisas estão tão esquisitas que só pode estar havendo uma epidemia de ziquizira. Ziquizira Brasilis, suco de nossas jabuticabas.
Marli Gonçalves
Quer chamar atenção? Coloca uma melancia no pescoço! Capaz até de a gente achar engraçadinho porque pelo menos seria inofensivo. Mas não são nada inofensivas e nem brincadeiras as ações que temos presenciado espocar aqui e ali e que têm aumentado a frequência de uma forma preocupante. Do que vivem? Como conseguem dormir? Quem lhes deu tamanha ignorância e tanta ousadia? Onde estão os criadouros que os fermentam?
Tenho muito ouvido falar que é culpa da internet, das redes sociais que dá voz aos idiotas. Verdade. Dá mesmo. Mas encafifei que acabamos generalizando muito e o que é essencial nos escapa. O que temos de fazer é buscar os ninhos, os ovos de serpente chocados. Tipo localizar quem é a abelha rainha, a formiga mãe, o macho dominante. Quem é o enrustido problemático, o mentecapto cafajeste, o religioso doente, a mente do Mal. Nesses ninhos reside o mal que alimenta os boquirrotos, que comem as minhocas que lhe são servidas e as regurgitam nas redes. Esses são bem reais, orgulham-se de seus pensamentos e ações torpes, adoram dar entrevistas, aparecer na foto - e sempre com suas segundas intenções, acreditem.
Vergonha. Quantas vezes esses últimos dias li amigos meus falando que estavam com vergonha por conta de acontecimentos armados por essa gente nefasta. Vergonha! Vergonha do Brasil. De ser brasileiro, do papelão. Pior é realmente ruborizar e querer morrer diante das insanidades. A filósofa perseguida como bruxa, queimada como boneca, escorraçada no aeroporto. O cantor com cabelinhos de caracol, símbolo de uma era e da qualidade de nossas criações, achincalhado, tachado e #hashtagueadocomo pedófilo. Uns deputados obscuros e obscurantistas querendo levar à força um artista para depor lá no picadeiro deles – coitado, já pensaram você ser obrigado a ficar lá ouvindo e sendo agredido por aqueles “pelasaco”? Pelasacos são muito chatos. Os nossos, então, ainda por cima são muito burros.
Que dizer dos que, além de não nos deixarem andar para frente, com as mulheres decidindo o que fazer com seus corpos e úteros, quererem proibir o aborto das meninas e mulheres estupradas? Só pode ser gente muito ruim e sem sensibilidade para também querer ver nascer uma criança sem cérebro.
A coisa não pararia aí nos últimos dias. Houve o ápice. O absurdo da divulgação de um vídeo de um ano atrás no qual o mais do que conceituado jornalista William Waack aparece – fora do ar – resmungando e dizendo uma frase, sim, de cunho racista. Mas que é manjada até. E de maneira alguma isso querendo dizer que ele, William, seja racista, até por ser impossível - uma vez que vem de uma família de ascendência de negros; mas nunca fez disso pilar. Pois bem. William Waack foi decepado, decapitado, dissecado e, pior, demitido, desconsiderado. E claro com um monte de gente (até uns bem admiráveis) aplaudindo seu linchamento público em prol de seus ideais supostos politicamente corretos – ah, como eles são corretos! Só eles são os bons, os puros. Pior ainda descobrir a origem, que isso foi arte de dois jovens cheios de dreads, blablabá,piriri pororó! Justiceiros... Dá até palpitação. Pavor.
Mas devemos ter pisado muito no pescoço do padre e estamos pagando por isso. Para finalizar o coreto apareceu o conhecido designer austríaco Hans Donner querendo, sim, falando sério, com gente aplaudindo, mudar a bandeira do Brasil. Legal, né? Querendo acrescer a palavra amor. Ficaria Amor, Ordem e Progresso na tira, no arco central que mudaria a posição para ascendente, ao contrário da forma atual. O verde seria degradê. O amarelo. Digamos que é uma coisa super simples de ser desenhada, reproduzida... Degradê. Degradê! Um veeeeerde... Amareeeelo. Não é genial? As estrelinhas ficariam ali mesmo onde estão.
Vocês também não gostariam de dar um golinho nessa bebida que ele sorve?
Que o Brasil está precisando de Amor, não há dúvida. Que as bandeiras brancas hasteadas que já deveríamos estar fazendo tremular nas ruas deveriam trazer amor estampado, não há dúvida.
As coisas estão tão esquisitas que só pode estar havendo uma epidemia de ziquizira. Ziquizira Brasilis, suco de nossas jabuticabas.
Marli Gonçalves
As invenções que nos aguardam em 2050
“Estamos prestes a ver uma revolução que mudará a condição humana”, diz o neurobiólogo espanhol Rafael Yuste. O ideólogo do Brain – o maior projeto de pesquisa do cérebro lançado pelos EUA – acredita que, dentro de aproximadamente duas décadas, possa ser decifrado “o código cerebral”, algo semelhante ao genoma humano e que revelará, pela primeira vez, como 85 bilhões os neurônios disparam e se conectam entre si para gerar ideias, memórias, emoções, imaginação e comportamento, a essência do que somos.
Com o tipo de escâneres cerebrais que já existem em qualquer hospital, estamos começando a “adivinhar o que as pessoas estão vendo, quase o que estão imaginando”, explica o cientista. Em 2050 será possível analisar a atividade cerebral de uma pessoa para saber o que ela está pensando e até mesmo manipulá-la para controlar seus atos. Provavelmente essas tecnologias se juntarão ao desenvolvimento da computação e da inteligência artificial. “O lado bom é que os seres humanos poderão aumentar as habilidades mentais” e “ajudar pacientes com doenças cerebrais, neurológicas ou mentais”, explica Yuste. Essas tecnologias também poderão alterar o cérebro de pessoas saudáveis, violar sua privacidade até limites insuspeitados, dinamitar conceitos como a identidade pessoal e questionar quem é responsável por um ato, o humano ou a máquina à qual ele está conectado. E se também houver um grupo de pessoas privilegiadas com cérebros conectados a computadores e acesso a informações que o resto das pessoas não possui?
“Antes de tudo isso começar, temos a obrigação de pensar cuidadosamente sobre o futuro e conceber regras éticas para que essas tecnologias sejam usadas para o bem da humanidade”, enfatiza o cientista, que trabalha na Universidade de Columbia, em Nova York. “Precisaremos proteger nossos direitos cerebrais como se fossem um direito humano”, ressalta.
A tecnologia de que fala Yuste, juntamente com a edição genética, a computação ou a inteligência artificial, pode ser decisiva para o futuro da nossa espécie. Nesta reportagem, especialistas internacionais nesses campos fazem suas previsões sobre o mundo em 2050.
Edição genética
Em Berkeley, na Califórnia, se trabalha com a ferramenta de edição genética CRISPR. Desenvolvida em 2012, permite editar o genoma de muitos seres vivos, inclusive os humanos, com tanta facilidade que é comparada com um editor de texto.
“É muito provável que em 2050 nasçam bebês geneticamente modificados com CRISPR ou outra técnica”, explica Kevin Doxzen, do Instituto de Genômica Inovadora e ex-colaborador de Jennifer Doudna, uma das inventoras dessa técnica. A edição genética também permitirá conceber crianças com qualidades selecionadas como altura ou capacidade visual, garante.
Em 2050, a população mundial estará próxima dos 10 bilhões de pessoas – o país mais populoso será a Índia – de acordo com as Nações Unidas. Será necessário aumentar 70% a produção agrícola em relação aos níveis atuais. As mudanças climáticas obrigarão a usar culturas mais resistentes à seca e às inundações, que serão mais frequentes, e as novas tecnologias de edição genética serão fundamentais para a produção de plantas modificadas que possam resistir a essas ameaças.
O guru da genômica George Chruch está desenvolvendo uma nova tecnologia que poderia ser a sucessora do CRISPR. Trata-se das recombinases, enzimas que permitem modificar a estrutura do genoma produzindo menos erros e de forma ainda mais simples, explica esse pesquisador da Universidade de Harvard. Com essa técnica, sua equipe criou uma bactéria com 67% do genoma editado, que é resistente a muitos vírus. “Agora queremos criar imunidade a todos os vírus conhecidos em todas as espécies que nos interessam, micróbios industriais como aqueles que produzem produtos lácteos, plantas e animais utilizados na agricultura, e células humanas para transplantes e terapias”, resume. Sobre os riscos que esses avanços podem implicar se forem mal utilizados, o especialista exige conhecimento e participação. “Para ter impacto, precisamos de que mais muito mais cidadãos comecem a dialogar sobre essa revolução genética, assim como em 1992 precisávamos de mais atenção das pessoas antes que a revolução da Internet decolasse”.
A decolagem dessas e de outras tecnologias, como a inteligência artificial e a robotização, coincide com níveis de desigualdade nunca vistos nos países ricos. Alguns especialistas, inclusive os do Banco Mundial, atribuem parte do problema à tecnologia. A Europa registra um fosso crescente entre os mais ricos e os mais pobres, de acordo com um relatório da OCDE publicado neste ano. Países como Espanha ou Grécia, com o problema adicional do desemprego, estão entre os que mais sofrem com isso. “Muitos europeus estão cada vez mais pessimistas sobre as possibilidades de seus filhos terem uma vida melhor do que eles”, alerta o estudo. “Há mais gente que pensa que o esforço individual não serve para chegar ao topo ou que o trabalho duro não pode bastar para a ascensão de uma família pobre”, um caldo de cultura perfeito para os populismos, acrescenta o trabalho. Os pais querem dar aos filhos as melhores vantagens possíveis em relação ao resto, melhor alimentação, educação e herança material. Se no futuro também existir a possibilidade de lhes dar vantagens por meio da genética ou da neurociência, alguém duvida do que farão?
“A inovação tende a aumentar as diferenças de renda em uma sociedade, então as sociedades mais desiguais terão um aumento maior desse problema e, provavelmente, mais resistência à inovação”, adverte Calestous Juma, especialista em inovação e cooperação internacional da Universidade de Harvard (EUA) que estudou como, nos últimos 600 anos, governos, autoridades religiosas e empresas fizeram todo o possível para impedir a chegada do café, dos transgênicos, das geladeiras ou da música gravada, entre outras inovações A maneira de reduzir a “ansiedade” provocada por todas essas mudanças é facilitar o acesso universal a essas tecnologias e promover a educação. “A chave para que sejam aceitas é ser algo compartilhado”, ressalta Juma.
Um dos lugares onde essa diferença é mais sentida é o Silicon Valley, sede da Google, Apple e outras gigantes da tecnologia. Nessa região da Califórnia, o salário médio anual do 1% mais rico atinge os 4,2 milhões de dólares (cerca de 13,76 milhões de reais), quase 50 vezes o dos 99% mais pobres, de acordo com o Centro de Orçamento e Política da Califórnia. De alguns anos para cá, grupos de manifestantes apedrejam os ônibus de algumas dessas empresas em protesto contra a gentrificação asfixiante.
“A classe de trabalhadores com um nível médio de formação – administrativos, por exemplo – é a mais afetada”, explica Ramón López de Mántaras, diretor do Instituto de Pesquisas em Inteligência Artificial do CSIC. “Enquanto isso”, acrescenta, “os trabalhadores de nível mais elevado ganham cada vez mais dinheiro. As empresas de tecnologia estão pagando até meio milhão de dólares por ano a recém-doutores em inteligência artificial, porque existem muito poucos”, explica. As pessoas com salários mais baixos continuam a ter emprego, embora com salários cada vez menores. “Esse é um problema a resolver, porque uma sociedade capitalista de consumo não pode se sustentar apenas com os mais ricos, é um tiro no pé, embora seja provável que o problema seja resolvido e apareçam novos empregos em que ninguém pensa agora, como ninguém pensava há 10 anos em ganhar a vida como community manager”, diz López de Mántaras.
“Antes de tudo isso começar, temos a obrigação de pensar cuidadosamente sobre o futuro e conceber regras éticas para que essas tecnologias sejam usadas para o bem da humanidade”, enfatiza o cientista, que trabalha na Universidade de Columbia, em Nova York. “Precisaremos proteger nossos direitos cerebrais como se fossem um direito humano”, ressalta.
A tecnologia de que fala Yuste, juntamente com a edição genética, a computação ou a inteligência artificial, pode ser decisiva para o futuro da nossa espécie. Nesta reportagem, especialistas internacionais nesses campos fazem suas previsões sobre o mundo em 2050.
Edição genética
Em Berkeley, na Califórnia, se trabalha com a ferramenta de edição genética CRISPR. Desenvolvida em 2012, permite editar o genoma de muitos seres vivos, inclusive os humanos, com tanta facilidade que é comparada com um editor de texto.
“É muito provável que em 2050 nasçam bebês geneticamente modificados com CRISPR ou outra técnica”, explica Kevin Doxzen, do Instituto de Genômica Inovadora e ex-colaborador de Jennifer Doudna, uma das inventoras dessa técnica. A edição genética também permitirá conceber crianças com qualidades selecionadas como altura ou capacidade visual, garante.
Em 2050, a população mundial estará próxima dos 10 bilhões de pessoas – o país mais populoso será a Índia – de acordo com as Nações Unidas. Será necessário aumentar 70% a produção agrícola em relação aos níveis atuais. As mudanças climáticas obrigarão a usar culturas mais resistentes à seca e às inundações, que serão mais frequentes, e as novas tecnologias de edição genética serão fundamentais para a produção de plantas modificadas que possam resistir a essas ameaças.
O guru da genômica George Chruch está desenvolvendo uma nova tecnologia que poderia ser a sucessora do CRISPR. Trata-se das recombinases, enzimas que permitem modificar a estrutura do genoma produzindo menos erros e de forma ainda mais simples, explica esse pesquisador da Universidade de Harvard. Com essa técnica, sua equipe criou uma bactéria com 67% do genoma editado, que é resistente a muitos vírus. “Agora queremos criar imunidade a todos os vírus conhecidos em todas as espécies que nos interessam, micróbios industriais como aqueles que produzem produtos lácteos, plantas e animais utilizados na agricultura, e células humanas para transplantes e terapias”, resume. Sobre os riscos que esses avanços podem implicar se forem mal utilizados, o especialista exige conhecimento e participação. “Para ter impacto, precisamos de que mais muito mais cidadãos comecem a dialogar sobre essa revolução genética, assim como em 1992 precisávamos de mais atenção das pessoas antes que a revolução da Internet decolasse”.
A decolagem dessas e de outras tecnologias, como a inteligência artificial e a robotização, coincide com níveis de desigualdade nunca vistos nos países ricos. Alguns especialistas, inclusive os do Banco Mundial, atribuem parte do problema à tecnologia. A Europa registra um fosso crescente entre os mais ricos e os mais pobres, de acordo com um relatório da OCDE publicado neste ano. Países como Espanha ou Grécia, com o problema adicional do desemprego, estão entre os que mais sofrem com isso. “Muitos europeus estão cada vez mais pessimistas sobre as possibilidades de seus filhos terem uma vida melhor do que eles”, alerta o estudo. “Há mais gente que pensa que o esforço individual não serve para chegar ao topo ou que o trabalho duro não pode bastar para a ascensão de uma família pobre”, um caldo de cultura perfeito para os populismos, acrescenta o trabalho. Os pais querem dar aos filhos as melhores vantagens possíveis em relação ao resto, melhor alimentação, educação e herança material. Se no futuro também existir a possibilidade de lhes dar vantagens por meio da genética ou da neurociência, alguém duvida do que farão?
“A inovação tende a aumentar as diferenças de renda em uma sociedade, então as sociedades mais desiguais terão um aumento maior desse problema e, provavelmente, mais resistência à inovação”, adverte Calestous Juma, especialista em inovação e cooperação internacional da Universidade de Harvard (EUA) que estudou como, nos últimos 600 anos, governos, autoridades religiosas e empresas fizeram todo o possível para impedir a chegada do café, dos transgênicos, das geladeiras ou da música gravada, entre outras inovações A maneira de reduzir a “ansiedade” provocada por todas essas mudanças é facilitar o acesso universal a essas tecnologias e promover a educação. “A chave para que sejam aceitas é ser algo compartilhado”, ressalta Juma.
Um dos lugares onde essa diferença é mais sentida é o Silicon Valley, sede da Google, Apple e outras gigantes da tecnologia. Nessa região da Califórnia, o salário médio anual do 1% mais rico atinge os 4,2 milhões de dólares (cerca de 13,76 milhões de reais), quase 50 vezes o dos 99% mais pobres, de acordo com o Centro de Orçamento e Política da Califórnia. De alguns anos para cá, grupos de manifestantes apedrejam os ônibus de algumas dessas empresas em protesto contra a gentrificação asfixiante.
“A classe de trabalhadores com um nível médio de formação – administrativos, por exemplo – é a mais afetada”, explica Ramón López de Mántaras, diretor do Instituto de Pesquisas em Inteligência Artificial do CSIC. “Enquanto isso”, acrescenta, “os trabalhadores de nível mais elevado ganham cada vez mais dinheiro. As empresas de tecnologia estão pagando até meio milhão de dólares por ano a recém-doutores em inteligência artificial, porque existem muito poucos”, explica. As pessoas com salários mais baixos continuam a ter emprego, embora com salários cada vez menores. “Esse é um problema a resolver, porque uma sociedade capitalista de consumo não pode se sustentar apenas com os mais ricos, é um tiro no pé, embora seja provável que o problema seja resolvido e apareçam novos empregos em que ninguém pensa agora, como ninguém pensava há 10 anos em ganhar a vida como community manager”, diz López de Mántaras.
O deputado nu
Tem um deputado nu sendo manipulado. E quando tocam no seu pé ele dança e canta que tudo está no seu lugar, graças a Deus, para desespero do artista que compôs essa musica e não aceita que seja usada como trilha sonora de cena tão indecente.
A imprensa fotografa e filma o deputado nu com uma tatuagem no ombro em que ele diz temer, não se sabe o quê. Porque o deputado nu não teme nada, nem ninguém, ele pode fazer o que quiser.
Sua performance se completa com imagens pornográficas, que ele manipula no celular.
Proíba-se o artista com seu corpo nu no Masp, mas deixe-se livre o deputado nu, correndo nu com uma mala cheia de dinheiro que deve levar para o presidente nu.
O máximo de decoro: veste-se uma tornozeleira no deputado nu.
Não importa que faltem tornozeleiras, o deputado nu tem prioridades, prerrogativas, foros especiais, fura-se a fila das tornozeleiras, manipula-se a tornozeleira do deputado nu.
Para o deputado nu, estuprar é um prêmio, as mulheres se dividem entre as que merecem e as que não merecem ser estupradas.
O deputado nu, enquanto canta e dança, quer manter seu escravo preso a um tronco e açoitado.
O deputado nu tirou a roupa com que se disfarçava de ministro, para participar da grande exposição.
As portas estão abertas e nenhum aviso proíbe as crianças de entrarem no salão central do grande Museu da Republica das Bananas.
É arte de vanguarda, futurista, venha ver o deputado nu com o bolso cheio de dinheiro.
Um manifesto para o deputado nu! Que pode ser escrito com trechos de outros manifestos. Como do manifesto “Basta, pum, basta” do poeta Almada Negreiros: o deputado nu é horroroso! Ou do manifesto antropófago: o que atropelava a verdade era a roupa.
Vê quem quer: to see or not to see, that’s the question.
Vista-se a “Maja desnuda”, “As três graças”, as odaliscas de Matisse, as banhistas de Renoir, as taitianas de Gauguin, proíba-se Picasso, Courbet, queime-se a obra de Victor Arruda, comprem panos pretos para cobrir milhares de obras de artistas de todas as épocas. Será muito mais barato do que vestir o deputado nu.
A nudez do deputado nu custa mais do que os vestidos luxuosos de princesas, do que os ternos importados do ex-governador nu. A nudez do deputado nu está estimada em pelo menos R$ 12 bilhões.
O banco não retira o patrocínio da exposição do deputado nu. Muito pelo contrário.
Enquanto isso, no país invadido e achincalhado, os artistas podem dizer: por acaso, não sabem que foi o som da lira de Anfião que construiu os muros de Tebas, que foram artistas como Niemeyer que construíram as paredes que cercam essa exibição de imoralidade, que, sem Bach, Deus seria menor?
A pedofilia, o estupro e todas essas monstruosidades não estão muito mais presentes entre aqueles que estão distantes dos museus e dos teatros e das exposições da arte de todos os tempos?
Então, que os artistas representem peças de teatro, façam performances, pintem, componham canções, dancem com seus corpos de nudez cristalina, não a nudez de terno e gravata da hipocrisia e do cinismo.
Como disse o poeta romântico alemão Novalis, “não há mais do que um templo no mundo e esse templo é o corpo humano”.
Querem nos afastar da arte que nos criou, que construiu nossas cidades e nossa civilização. Dá nisso: num Brasil que a cada dia reconhecemos menos.
Aderbal Freire-Filho
A imprensa fotografa e filma o deputado nu com uma tatuagem no ombro em que ele diz temer, não se sabe o quê. Porque o deputado nu não teme nada, nem ninguém, ele pode fazer o que quiser.
Sua performance se completa com imagens pornográficas, que ele manipula no celular.
O máximo de decoro: veste-se uma tornozeleira no deputado nu.
Não importa que faltem tornozeleiras, o deputado nu tem prioridades, prerrogativas, foros especiais, fura-se a fila das tornozeleiras, manipula-se a tornozeleira do deputado nu.
Para o deputado nu, estuprar é um prêmio, as mulheres se dividem entre as que merecem e as que não merecem ser estupradas.
O deputado nu, enquanto canta e dança, quer manter seu escravo preso a um tronco e açoitado.
O deputado nu tirou a roupa com que se disfarçava de ministro, para participar da grande exposição.
As portas estão abertas e nenhum aviso proíbe as crianças de entrarem no salão central do grande Museu da Republica das Bananas.
É arte de vanguarda, futurista, venha ver o deputado nu com o bolso cheio de dinheiro.
Um manifesto para o deputado nu! Que pode ser escrito com trechos de outros manifestos. Como do manifesto “Basta, pum, basta” do poeta Almada Negreiros: o deputado nu é horroroso! Ou do manifesto antropófago: o que atropelava a verdade era a roupa.
Vê quem quer: to see or not to see, that’s the question.
Vista-se a “Maja desnuda”, “As três graças”, as odaliscas de Matisse, as banhistas de Renoir, as taitianas de Gauguin, proíba-se Picasso, Courbet, queime-se a obra de Victor Arruda, comprem panos pretos para cobrir milhares de obras de artistas de todas as épocas. Será muito mais barato do que vestir o deputado nu.
A nudez do deputado nu custa mais do que os vestidos luxuosos de princesas, do que os ternos importados do ex-governador nu. A nudez do deputado nu está estimada em pelo menos R$ 12 bilhões.
O banco não retira o patrocínio da exposição do deputado nu. Muito pelo contrário.
Enquanto isso, no país invadido e achincalhado, os artistas podem dizer: por acaso, não sabem que foi o som da lira de Anfião que construiu os muros de Tebas, que foram artistas como Niemeyer que construíram as paredes que cercam essa exibição de imoralidade, que, sem Bach, Deus seria menor?
A pedofilia, o estupro e todas essas monstruosidades não estão muito mais presentes entre aqueles que estão distantes dos museus e dos teatros e das exposições da arte de todos os tempos?
Então, que os artistas representem peças de teatro, façam performances, pintem, componham canções, dancem com seus corpos de nudez cristalina, não a nudez de terno e gravata da hipocrisia e do cinismo.
Como disse o poeta romântico alemão Novalis, “não há mais do que um templo no mundo e esse templo é o corpo humano”.
Querem nos afastar da arte que nos criou, que construiu nossas cidades e nossa civilização. Dá nisso: num Brasil que a cada dia reconhecemos menos.
Aderbal Freire-Filho
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