segunda-feira, 13 de novembro de 2017

O barulho dos teclados

Hoje em dia, o importante é documentar. Tudo. Absolutamente todos os aspectos da vida privada. Se o sujeito vai ao restaurante e não fotografa o prato, fica na dúvida e o almoço aconteceu.

Se não está fotografado ou gravado, não está nem nunca esteve no mundo. Por consequência, só existe, só tem relevância, o que foi fotografado ou gravado. O resto, o conjunto da obra, não tem sentido. Vira apenas detalhe a ser ignorado.

Consequentemente, vivemos sobrecarregados de fotos e gravações sem meios para analisar detalhadamente cada uma, e, portanto, fazendo julgamentos definitivos e muitas vezes importantes, baseados em informações superficiais.

Fotografias e vídeos curtos são os fatores principais na tomada de decisões, que, hoje em dia, demora menos de 5 segundos. Tanto assim que a gente começou a achar que é possível conhecer uma pessoa através de quase nenhuma informação.

Escolhe-se parceiros em sites de relacionamento em segundos, baseados em uma fotografia. Basta virar a página para a direita ou para a esquerda que lá vem a próxima fotografia. É assim com tudo. Tudo virou um grande Tinder. Viver não está mais simples, mas a vida virou uma grande simplificação.

Seleciona-se profissionais com base na primeira linha do curriculum. Julga-se amigos por posts de algumas linhas. E julga-se o caráter de alguém baseado em uma sentença ou palavra mal colocada.

Uma vez gravado o vídeo ou gerada a fotografia, o julgamento é instantâneo, irreparável, inapelável. Com direito a fúria e execração pública nas mídias sócias. Baseados em somente alguns segundos de imagem, ou em uma linha, ou em uma foto, define-se uma vida. Vida que sofrera permanentemente todas as consequências deste julgamento.



A vida digital virou terra de ninguém onde todos estão à procura de candidatos a linchamentos. Regredimos aos tempos em que execuções eram comuns, por vezes injustas, mas sempre razão de entretenimento para a plateia.Isto é perigoso.

A democracia existe baseada em dois conceitos gêmeos: a liberdade de expressão, e a liberdade religiosa. Ou seja, na democracia, crer, pensar e acreditar não somente não são (ou não deveriam ser) punidos, mas sim incentivados.

Daí que o regime democrático pressupõe que mesmo pessoas com ideias retrogradas, absurdas, desumanas, tem o direito de expressa-las. Por isso, redações no vestibular não devem ser censuradas pelo avaliador, nem pessoas deveriam ser execradas por suas posições, por mais desagradáveis ou inaceitáveis.

Por outro lado, conversas privadas deveriam ser protegidas de devassa. Tiradas do contexto e colocadas sob microscópio, segmentos de conversas privadas oferecem visão distorcida do caráter e das ideias das pessoas envolvidas.

Nesta época de julgamentos instantâneos baseados em fragmentos de realidade associados a selvageria das mídias sociais, nunca o equilíbrio e o bom senso foram tão necessários. Os diretos a privacidade, a expressão, e as crenças precisam ser defendidos. Mesmo aqueles pensamentos ou ideologias abjetas, ofensivas ou intolerantes. Este é o preço da democracia e da diversidade.

É melhor poder se exprimir sem censura, falar em privado, ou acreditar no que preferir. O resto leva a involução civilizatória, manifestada em intolerância sistemática. É caminho rápido rumo a barbárie. Sempre em marcha batida em direção ao atraso tendo ao fundo o barulho incessante dos teclados.

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