“Antes de tudo isso começar, temos a obrigação de pensar cuidadosamente sobre o futuro e conceber regras éticas para que essas tecnologias sejam usadas para o bem da humanidade”, enfatiza o cientista, que trabalha na Universidade de Columbia, em Nova York. “Precisaremos proteger nossos direitos cerebrais como se fossem um direito humano”, ressalta.
A tecnologia de que fala Yuste, juntamente com a edição genética, a computação ou a inteligência artificial, pode ser decisiva para o futuro da nossa espécie. Nesta reportagem, especialistas internacionais nesses campos fazem suas previsões sobre o mundo em 2050.
Edição genética
Em Berkeley, na Califórnia, se trabalha com a ferramenta de edição genética CRISPR. Desenvolvida em 2012, permite editar o genoma de muitos seres vivos, inclusive os humanos, com tanta facilidade que é comparada com um editor de texto.
“É muito provável que em 2050 nasçam bebês geneticamente modificados com CRISPR ou outra técnica”, explica Kevin Doxzen, do Instituto de Genômica Inovadora e ex-colaborador de Jennifer Doudna, uma das inventoras dessa técnica. A edição genética também permitirá conceber crianças com qualidades selecionadas como altura ou capacidade visual, garante.
Em 2050, a população mundial estará próxima dos 10 bilhões de pessoas – o país mais populoso será a Índia – de acordo com as Nações Unidas. Será necessário aumentar 70% a produção agrícola em relação aos níveis atuais. As mudanças climáticas obrigarão a usar culturas mais resistentes à seca e às inundações, que serão mais frequentes, e as novas tecnologias de edição genética serão fundamentais para a produção de plantas modificadas que possam resistir a essas ameaças.
O guru da genômica George Chruch está desenvolvendo uma nova tecnologia que poderia ser a sucessora do CRISPR. Trata-se das recombinases, enzimas que permitem modificar a estrutura do genoma produzindo menos erros e de forma ainda mais simples, explica esse pesquisador da Universidade de Harvard. Com essa técnica, sua equipe criou uma bactéria com 67% do genoma editado, que é resistente a muitos vírus. “Agora queremos criar imunidade a todos os vírus conhecidos em todas as espécies que nos interessam, micróbios industriais como aqueles que produzem produtos lácteos, plantas e animais utilizados na agricultura, e células humanas para transplantes e terapias”, resume. Sobre os riscos que esses avanços podem implicar se forem mal utilizados, o especialista exige conhecimento e participação. “Para ter impacto, precisamos de que mais muito mais cidadãos comecem a dialogar sobre essa revolução genética, assim como em 1992 precisávamos de mais atenção das pessoas antes que a revolução da Internet decolasse”.
A decolagem dessas e de outras tecnologias, como a inteligência artificial e a robotização, coincide com níveis de desigualdade nunca vistos nos países ricos. Alguns especialistas, inclusive os do Banco Mundial, atribuem parte do problema à tecnologia. A Europa registra um fosso crescente entre os mais ricos e os mais pobres, de acordo com um relatório da OCDE publicado neste ano. Países como Espanha ou Grécia, com o problema adicional do desemprego, estão entre os que mais sofrem com isso. “Muitos europeus estão cada vez mais pessimistas sobre as possibilidades de seus filhos terem uma vida melhor do que eles”, alerta o estudo. “Há mais gente que pensa que o esforço individual não serve para chegar ao topo ou que o trabalho duro não pode bastar para a ascensão de uma família pobre”, um caldo de cultura perfeito para os populismos, acrescenta o trabalho. Os pais querem dar aos filhos as melhores vantagens possíveis em relação ao resto, melhor alimentação, educação e herança material. Se no futuro também existir a possibilidade de lhes dar vantagens por meio da genética ou da neurociência, alguém duvida do que farão?
“A inovação tende a aumentar as diferenças de renda em uma sociedade, então as sociedades mais desiguais terão um aumento maior desse problema e, provavelmente, mais resistência à inovação”, adverte Calestous Juma, especialista em inovação e cooperação internacional da Universidade de Harvard (EUA) que estudou como, nos últimos 600 anos, governos, autoridades religiosas e empresas fizeram todo o possível para impedir a chegada do café, dos transgênicos, das geladeiras ou da música gravada, entre outras inovações A maneira de reduzir a “ansiedade” provocada por todas essas mudanças é facilitar o acesso universal a essas tecnologias e promover a educação. “A chave para que sejam aceitas é ser algo compartilhado”, ressalta Juma.
Um dos lugares onde essa diferença é mais sentida é o Silicon Valley, sede da Google, Apple e outras gigantes da tecnologia. Nessa região da Califórnia, o salário médio anual do 1% mais rico atinge os 4,2 milhões de dólares (cerca de 13,76 milhões de reais), quase 50 vezes o dos 99% mais pobres, de acordo com o Centro de Orçamento e Política da Califórnia. De alguns anos para cá, grupos de manifestantes apedrejam os ônibus de algumas dessas empresas em protesto contra a gentrificação asfixiante.
“A classe de trabalhadores com um nível médio de formação – administrativos, por exemplo – é a mais afetada”, explica Ramón López de Mántaras, diretor do Instituto de Pesquisas em Inteligência Artificial do CSIC. “Enquanto isso”, acrescenta, “os trabalhadores de nível mais elevado ganham cada vez mais dinheiro. As empresas de tecnologia estão pagando até meio milhão de dólares por ano a recém-doutores em inteligência artificial, porque existem muito poucos”, explica. As pessoas com salários mais baixos continuam a ter emprego, embora com salários cada vez menores. “Esse é um problema a resolver, porque uma sociedade capitalista de consumo não pode se sustentar apenas com os mais ricos, é um tiro no pé, embora seja provável que o problema seja resolvido e apareçam novos empregos em que ninguém pensa agora, como ninguém pensava há 10 anos em ganhar a vida como community manager”, diz López de Mántaras.
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