terça-feira, 18 de julho de 2017

Lá vamos de novo, como tolos?

No Brasil há debates repetitivos e cansativos. Um deles é o que opõe como extremos o desconjuntado governo Michel Temer e o de sua antecessora, de quem Temer era vice, Dilma Roussef.

Quem olhar o cenário do nosso passado recente sem paixão vai reparar que algumas propostas de política econômica de Joaquim Levy – notadamente o ajuste fiscal, o dogma do superávit primário, o corte de gastos e mesmo o discurso de “excesso de direitos” – não diferiam das de Meirelles (que, de resto, foi o homem forte da economia nas gestões Lula).

Muitas das figuras palacianas – e investigadas – de hoje tinham força também nos governos de Lula e Dilma, como Moreira Franco, Geddel, Padilha e Jucá, entre outros. É o PMDB realizando sua vocação de estar sempre no poder.


A propósito do derrame de recursos públicos através do empenho de emendas parlamentares para salvar Temer na CCJ, um deputado da base, Fausto Pinatto (PP/SP), foi franco: “liberar emendas para quem apoia o governo é correto, tanto que o PSDB e o PT também fizeram”.

Daí que, ao invés de visão de mundo, projeto de país, plano de governo e modo de fazer política, a peleja parlamentar tem se dado em torno de quem roubou menos (ou mais). Na areia movediça do compromisso com a ética pública, a contenda entre os governantes atuais e pretéritos confirma o dito popular: “em casa onde falta pão, todo mundo grita e ninguém tem razão”.

Nos discursos da tribuna do Congresso Nacional trava-se uma “olimpíada da corrupção”, em torno de quem afanou mais (ou menos): privataria X mensalão, trensalão X petrolão... Um maniqueísmo superficial que cansa, por inautêntico.

Nessa toada do sujo falando do mal lavado, o PSOL reafirma seu repúdio tanto ao velho “rouba mas faz” quanto ao “rouba mas é pela causa” ou ao “rouba mas toca o que o mercado quer”.

Para nós, a superação da corrupção sistêmica e estrutural, também arraigada no hábito cotidiano do “levar vantagem em tudo”, pressupõe uma verdadeira revolução social. Ela passa por uma profunda reforma do Estado, pela radical transformação do modelo político e por um novo padrão de política econômica, a começar por uma reforma tributária progressiva. Ela exige uma nova cultura, desde as famílias e os bancos escolares, com viés solidário e fraterno.

O Brasil existe além de sua casta política e do atual condomínio do poder.

Para quem não quer ficar na cômoda zona de conforto do desencanto, do “não tem jeito, pois são todos iguais”, recomendo o que movimentos sociais e especialistas independentes já elaboraram, na generosa perspectiva de buscar saídas para a crise nacional de sentido e de destino.

Há uma fecunda riqueza de propostas para Reforma Urbana, Agrária, Política, Tributária. E de Democratização da Comunicação, Auditoria da Dívida e Combate à Corrupção. Está também em curso uma Campanha Nacional pela Redução da Desigualdade Social. Tudo ao alcance de um clique, para conhecimento.

Tudo realizável não por mágica, mas por uma mobilização popular consciente e organizada, partindo da base. Sem isso, as mudanças pelas quais tanto se clama serão só de aparência, para que, na essência, tudo continue como está.

Imagem do Dia

chasingrainbowsforever: “Cypress Trees with Spanish Moss ”
Pântanos, Louisiana (EUA)

Caminhamos para uma eleição falsa?

No seu Aventuras da Dialética, de 1955, ao examinar o dilema das revoluções quanto à liberdade e à emancipação do homem, Merleau-Ponty profere uma sentença que foi vista como bastante audaciosa: “As revoluções são verdadeiras como movimento e falsas como regimes”. Os regimes políticos derivados do comunismo soviético eram o alvo imediato. Mas a frase tinha pretensões de universalidade: diante de um fenômeno histórico, o filósofo francês formulava uma tese que atribuía à “verdade” e à “falsidade” peso definitivo na sua compreensão.

A sentença ensejava um risco imenso. A própria França carregava em sua História, que tinha em 1848 um dos seus epicentros, a mais “verdadeira” das revoluções, depois de 1789. Dela resultou a Segunda República, um regime político que, longe de ser falso e apesar dos seus limites, inovou a forma do Estado burguês no seu nascedouro. Foi um momento heurístico na fundação do Estado democrático e da política moderna. Se, depois dele, aí, sim, emergiria a “falsidade”, com o golpe de Luís Napoleão, restaurando o Império, tal fato não lhe retira a marca histórica, fixando a revolução e seu regime do mesmo lado da “verdade”.

Difícil não acolher a observação sobre quão temerário é falar de verdade e falsidade, especialmente no âmbito da política. Contudo, da mesma forma que o filósofo, é possível cogitar de que, em dose adequada, tal artifício pode resultar sugestivo do ponto de vista analítico.

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Como países ou sociedades podem construir, em momentos específicos, notadamente nas eleições, referenciais de “verdade” que expressem o equacionamento possível das suas questões mais dilemáticas, evitando desenlaces destrutivos? Em regimes democráticos legitimados, o critério das eleições livres e periódicas estabelece o terreno no qual a sociedade é convocada a decidir entre uma aproximação à “verdade” ou o estabelecimento do seu contrário. Atualmente, a Venezuela é um caso exemplar em que as eleições não são senão o falseamento do que vive o país, sob o domínio cada vez mais brutal do “espírito de facção” imposto pelo bolivarianismo.

Com toda a precaução que esse tipo de recurso analítico exige, pode-se dizer que há eleições verdadeiras e falsas. As primeiras realizam-se no interior da legitimidade democrática e expressam o embate real em torno dos desafios que a sociedade vive. As segundas, mesmo que realizadas no interior da mesma legitimidade, bloqueiam essa dinâmica e o resultado é o afastamento da sociedade em relação ao “grande debate” que precisaria ser realizado. Uma eleição verdadeira convoca o país para a resolução efetiva de seus problemas, guarda uma relação forte com o presente e um sentido de futuro. Uma eleição falsa afasta-se disso ao impor à sociedade um embate irrealista, geralmente alimentado pela demagogia. Nesta as paixões não estabelecem nenhum diálogo com a dimensão racional da política e depois de contados os votos as energias se esvaem, o oportunismo se instaura e a inércia valida seus métodos.

Ante essa disjuntiva, pode-se dizer que foi verdadeira a eleição presidencial vencida por Emmanuel Macron, na França, e confirmada semanas depois em âmbito parlamentar. A centralidade do europeísmo e da modernização das relações entre Estado e sociedade definiram o quadro de embates reais e, além de os eleitores darem a vitória a Macron, aniquilaram a extrema direita, subalternizaram o republicanismo conservador e empurraram a velha esquerda para uma posição residual.

Pode-se dizer que, no Brasil, a eleição presidencial de 1989 foi uma eleição falsa, uma vez que os dois contendores do segundo turno, Collor e Lula, não representavam as estratégias políticas que guiaram o curso da transição para a democracia e que, atualizadas, dariam nova orientação para o futuro do País. O resultado não expressou o equacionamento dos problemas que então se viviam. Se Lula tivesse vencido, provavelmente se veria o mesmo. O resultado não tinha como ser positivo para o País.

As eleições subsequentes, ambas de FHC e de Lula, não podem ser vistas como falsas. O mesmo não se pode dizer das eleições que consagraram Dilma, interposta pessoa sob comando de Lula. A despeito do julgamento do Tribunal Superior Eleitoral, a eleição de 2014 esteve eivada de corrupção e o embate que se travou dispensou os problemas reais do País, todos eludidos e abordados via marketing. Em 2014 o País entrou em perigosa deriva, perceptível na desconsideração das manifestações do ano anterior tanto pelos governantes de turno como por parte da oposição, que não compreenderam nem assimilaram a crítica da sociedade à falência dos serviços públicos e o seu repúdio à corrupção.

Hoje, a Operação Lava Jato é elemento-chave do cenário político. Além da notória inabilidade de Dilma, dos erros e crimes fiscais, a Lava Jato foi essencial para o clima que levou ao seu afastamento, assim como tem fustigado o presidente Temer, retirando-lhe a iniciativa política e boa parcela da sua sustentação parlamentar. Seguramente, o ethos de intransigência republicana da Lava Jato terá seu peso nas eleições de 2018, embora ainda não se vejam atores homólogos a ele no plano político-eleitoral, excetuando-se a retórica de agrupamentos residuais.

Vivemos um ambiente político angustiante, a despeito de parcos êxitos econômicos do governo. A expectativa de chegarmos a bom porto em 2018 esvai-se a cada dia, aproximando-nos de uma transição mitigada em suas principais tarefas, com Temer ou sem ele.

O pior que nos poderá acontecer é caminharmos para uma eleição falsa – provável, conforme muitos sinais –, que poderá mergulhar o País num poço de autoenganos. Reviver 1989 representará um retorno inconsequente e infeliz. É um momento em que o “pessimismo da razão” é essencial. Resta saber se haverá “otimismo da vontade” para enfrentar um desafio dessa monta.

Novo golpe no bolso

As torcidas do “Fora Temer” e do “Lula na cadeia” nem perceberam, mas PMDB e PT uniram-se nos bastidores num projeto para 2018. Não resultaria, necessariamente, na repetição da aliança política dos últimos 15 anos, mas ajudaria a sobrevivência na travessia eleitoral sob a tempestade da Lava-Jato.

Com sólido apoio da maioria dos outros 26 partidos no Congresso, querem mais dinheiro e imunidade para futuros candidatos.

O PMDB de Temer e o PT de Lula avisaram, com projetos de lei, que em agosto haverá uma ofensiva para aumento exponencial no repasse de dinheiro público aos partidos.

Charge do dia 17/07/2017

Trata-se de um “extra” de RS$ 6 bilhões, sob o irônico nome de Fundo de Financiamento da Democracia — a mordacidade está no fato de obrigar pessoas a pagar pela propaganda de ideias com as quais sequer precisam concordar.

É um novo e bilionário golpe no bolso dos contribuintes, que já sustentam um Legislativo dos mais caros do planeta. Ele consome R$ 8 bilhões — em média, R$ 13,4 milhões por parlamentar. Essa conta não inclui R$ 1 bilhão para o Fundo Partidário, partilhado entre 35 partidos, os quais 26 em funcionamento no Congresso. Há muito mais em formação: até as 18h30m de ontem eram 61 novos na fila da Justiça Eleitoral.

Simultaneamente, prepara-se o 31º refinanciamento de dívidas empresariais dos últimos 16 anos. Os principais beneficiários são conhecidos, habituais financiadores de campanhas eleitorais. Para eles, fez-se um Refis a cada sete meses na última década e meia, segundo a Receita. A proibição de financiamento privado de campanhas, pelo Judiciário, só contribuiu para aumento do caixa dois na última eleição.

Nesse jogo de interesses sobre o dinheiro público acertou-se, também, a recriação do Imposto Sindical. Pretende-se a reposição de recursos (cerca de R$ 2,5 bilhões ao ano) retirados das organizações filiadas às 13 centrais trabalhistas existentes. As maiores são a CUT, vinculada ao PT, e a Força Sindical, vinculada ao Partido Solidariedade, aliado do PMDB.

Para a miríade de entidades empresariais, o prêmio à vista é a intocabilidade da receita parafiscal numa etapa de absoluta escassez de recursos públicos. Projeta-se manter incólume a contribuição empresarial compulsória que sustenta o chamado Sistema S (Sesi, Senac, Senai e assemelhados), repassada aos preços.

São R$ 20 bilhões por ano, administrados pela elite sindical patronal há décadas no comando da CNI, CNA, CNC, CNT, Fiesp, Fecomércio, Faesp e similares. Tudo à margem do controle público e da transparência sobre os gastos. É longo o histórico de críticas à suposta manipulação desses recursos com interesses eleitorais e para lobby parlamentar.

A imunidade é a cereja do bolo desse acordo partidário. Planeja-se criar uma espécie salvo-conduto eleitoral. O privilégio recebeu o apelido de “emenda Lula”: poderia disputar um mandato eletivo em 2018, mesmo se condenado em segunda instância, protegido por uma salvaguarda de oito meses antes das eleições válida para todos os candidatos.

Pode atender a Lula, mas serviria, também, à centena e meia de parlamentares que hoje compõem a maior bancada do Legislativo: a de investigados e denunciados no Supremo.

Nesse acordão, liderado pelo PMDB de Temer e o PT de Lula, o público só está convidado a pagar a conta de interesses privados.

José Casado

Temer mantém 100 mil cargos, funções de confiança e gratificações

Apesar das promessas, há pouco mais de um ano na presidência, Michel Temer praticamente não mudou o número de cargos, funções de confiança e gratificações do governo federal. A quantidade de funcionários nessas funções se manteve em cerca 100 mil funções de confiança no último ano.

A maior parcela dos cargos está concentrada no Ministério da Educação, que possui 47.252 cargos, funções de confiança e gratificações. A Pasta é responsável diversas unidades orçamentárias e gestoras espalhadas pelo país, como universidades e institutos de educação federais, por exemplo.


Na segunda colocação, está o Ministério da Fazenda com 6.688 cargos, funções de confiança e gratificações. A maioria dos cargos estão alocados em unidades do Distrito Federal e de São Paulo.

Na Presidência da República existem 6.293 mil cargos, funções de confiança e gratificações. Esses cargos representam cerca de 30% dos 20 mil funcionários que estão lotados na Pasta.

Em setembro do ano passado, uma lei federal extinguiu 10,4 mil cargos de chefia no governo federal que podiam ser ocupados por qualquer pessoa indicada e os substituiu por gratificações que só podem ser dadas a funcionários públicos de carreira, as chamadas Funções Comissionadas do Poder Executivo (FCPE).

Em maio do ano passado, existiam 20.934 cargos de Direção e Assessoramento Superior (DAS). Atualmente, as funções de DAS e FCPE somam 19.829, isto é, apenas 1.105 cargos a menos.

A promessa do governo com a publicação do Decreto nº 8.785/2016 e da Medida Provisória 731/2016 era a extinção de 3.384 cargos de DAS, além da transformação de 10.462 cargos DAS em FCPE.

Segundo o ministro do Planejamento, Dyogo de Oliveira, a medida visava gerar economia da ordem de R$ 230 milhões por ano. O próprio ministro admitiu que a redução de custos é "baixa" diante do gasto anual do governo com folha de pagamento dos servidores ativos e inativos, que é de R$ 250 bilhões anuais.

Para Gil Castello Branco, secretário-geral da Contas Abertas, priorizar os funcionários foi uma decisão acertada, mas quantitativamente o governo praticamente só alterou nomes de cargos e funções. “O governo ainda tem quase 100 mil cargos, funções e gratificações, o que mostra que ainda há muito o que cortar nas despesas na administração pública federal”, afirma.

Paisagem brasileira

MAURO FERREIRA - Arredores de Conselheiro Lafaiete -46 x 75MAURO FERREIRA - Arredores de Conselheiro Lafaiete,MG. Óleo sobre tela - 46 x 75
Arredores de Conselheiro Lafaiete (MG), Mauro Ferreira (1958)

Gestão e governo

Morar fora é ficar por fora. A linguagem local evolui, palavras adquirem outros significados. Tenho notado um aumento de manchetes sobre gestão Fulano, gestão Sicrano. Quando peguei meu Ita voador para o Norte, lá se vão centenas de luas, nós, da imprensa, escrevíamos governo Fulano ou governo Sicrano. Governo vem do grego kybernan, pilotar, dar direção. Gestão, embora tenha origem no latim e signifique também administração, gerência, passou a substituir governo como um tique antipolítico. É uma promessa de aplicar lições tamanho único de MBAs como sinecura para a vida pública.

Vivi 12 anos sob Michael Bloomberg, o bilionário self-made man que se apresentava como gestor e chegou com a teatralidade usada por políticos que dizem não ser políticos. Bloomberg estreou tomando o metrô de sua mansão espetacular na Rua 79 para a prefeitura e foi capa de tabloides. Poucos prestaram atenção ao detalhe de que, na Nova York pós-11 de setembro, ter um prefeito espremido nos vagões na hora do rush implicava mais despesa com segurança. Enquanto ele sugeria, com rudeza notória, que os nova-iorquinos parassem de reclamar de um dos piores sistemas de metrô do mundo desenvolvido, um S.U.V. blindado apanhava o prefeito na porta de casa e o depositava numa estação 20 quarteirões adiante, a que tinha a linha expressa. 


Na sede da prefeitura, ele derrubou paredes e sentava no meio de uma sala cheia de mesas para promover transparência. Mas, quando chegava sexta-feira, o alcaide-gestor sumia. Pegava o jato particular e não sabíamos se estava descansando numa praia pública de Long Island ou na sua mansão espetacular nas Bahamas. Adivinhem onde estava. A metrópole ocidental então mais visada pelo terrorismo tinha um prefeito que saía do país frequentemente sob o argumento de que sua folga, no Bronx ou nas Bahamas, não era da conta de ninguém. Até que a mãe natureza, quiçá ciente de que governo não é gestão, despejou aqui uma nevasca épica, destas que requerem alertas constantes sobre medidas de emergência e fecham aeroportos. E o prefeito, como os leitores já deduziram, não estava no Bronx. Decolou um dia depois e enfrentou as câmeras com um sorriso amarelo.

Mas, se o desprezo do bilionário Bloomberg pela política lhe custou a candidatura à presidência com a qual sonhou até 2012, o homem tinha um talento óbvio de gerente. Seu antecessor, o untuoso neotrumpista Rudolph Giuliani, vivia às turras com os líderes negros locais e tratava o Harlem como nação estrangeira. Bloomberg desprezava drama e logo saiu conversando com os esnobados por Giuliani. Não chamava ninguém de safado. Engolia sapos de demagogos populistas que havia de desprezar, desde que manter canais abertos produzisse resultados tangentes. Quando era criticado e, convenhamos, o nova-iorquino faz exigência até de defunto, não recorria a um espantalho, fazendo discurso grosseiro contra um ex-presidente fora do cargo há anos. Bloomberg sabia a diferença entre campanha e governo. Ele se dirigia a todos os nova-iorquinos porque, uma vez eleito, é o que se espera do governante.

A desconfiança da política produz abstinência eleitoral crescente e apatia. Entram em cena os profetas da antipolítica, neopopulistas que usam a rede social para se manter em campanha permanente, testam a etiqueta tradicional dos cargos que ocupam, demitem membros do gabinete pelo Facebook. Com acesso fácil a recursos digitais, atacam jornalistas pessoalmente. A gritaria do ex-presidente contra uma rede de TV e os ataques do atual prefeito paulistano a este ou aquele jornalista têm origem no mesmo impulso. Estamos na era do partidarismo negativo, o governar contra algo ou alguém. Se tática similar fosse aplicada numa empresa, o aprendiz certamente não ouviria a frase, “Você está contratado.”
Lúcia Guimarães

Os surrealistas Lula e Temer

O termo castiço é contubérnio, ou a familiaridade para delinquir e enganar. Dele brotaram ou convergiram outros similares, há muito tempo (e hoje mais do que nunca) em moda no Brasil: conluio, conjura e tudo o que esconda o crime dentro de si.

Entre nós, o crime está à mostra. O processamento do presidente Michel Temer pelo Supremo Tribunal e a condenação do ex-presidente Lula da Silva a nove anos e meio de prisão, por exemplo, têm a mesma origem e surgem do mesmo sigiloso contubérnio, que até no som já é explosivo. Tanto o caso de Lula (que se proclama a pessoa “mais honesta do Brasil”) quanto o de Temer (que se diz “a caravana que passa”) surgem do conluio que tenta disfarçar ou ocultar o delito.


No caso de Lula, o detalhe financeiro que levou à condenação é quase insignificante – uns R$ 3 milhões – diante das centenas de milhões de dólares dos roubos apurados na Lava Jato e outras estripulias. O apartamento no Guarujá, porém, desponta como o rabo do gato que surge pela fresta da porta e revela os multimilionários ninhos de rato gerados no conluio entre grandes empresas e o poder enquanto ele estava no poder.

Algo similar acontece com Temer. O amistoso diálogo com Joesley Batista revela uma intimidade em que as frases ou ideias nem precisam ser concluídas para se entenderem. Basta que um inicie e o outro já complementa.

Quem imaginaria um presidente da República, em conversa com velho comparsa na calada da noite, mandando que continue a entrar, no futuro, pelos fundos do palácio para não ser identificado?

“Sempre pela garagem, viu?”, advertiu Temer a Joesley Batista, em sussurro, ao final da conversa daquele mês de março, hoje estopim de uma explosão inimaginável: o presidente da República investigado pela Polícia Federal e denunciado ao Supremo Tribunal pelo procurador-geral, dependendo apenas da licença dos deputados.

Quem imaginaria alguém como Lula, que há pouco perdeu a esposa, culpando (de fato) a mãe dos próprios filhos pelo obsessivo (ou mesquinho) interesse num apartamento triplex de frente para o mar?

Lula condenou-se a si próprio naquele depoimento ao juiz Sergio Moro, meses atrás. O Lula solto e falastrão sumiu. Surgiu um reticente, incapaz de ocultar que inventava e que, ao inventar, mentia. E se viu que tudo aquilo era apenas o rabo do gato pela fresta da porta...

Lula terá sido tão ausente da função de presidente da República que o assalto à Petrobrás prosperou de forma gigantesca em oito anos de seu governo? Ele nunca soube de desvios na maior empresa estatal, nem desconfiou que o então deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) estivesse envolvido em estrondosas falcatruas?

Temer tenta se livrar de ser julgado pelo Supremo. Compôs com servos fiéis a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados para que, a partir dali, se estanque o processo. Ora, se nada daquela aparente intimidade criminosa com o mafioso Joesley for verdadeiro, por que evitar a ampla atuação do Supremo? O execrável é que a fidelidade tenha raízes em nova orgia de liberação de verbas de “emendas ao Orçamento” para os currais eleitorais, ou nomeações no Dnit e noutros setores com polpudas verbas.

Temer continua com todos os poderes de governança da função presidencial. Mas já não é o chefe de Estado modelo de sensatez, equilíbrio e serenidade, acima de pequenezes, apto a mediar as disputas e decidir com isenção. Ao contrário, alinhou-se com o lado nebuloso e dele não se desgruda. Seus ministros mais íntimos e mais poderosos são réus na Justiça. E alguns ex-ministros e auxiliares estão presos.

Que bizarro modelo pode ser alguém que manda um emissário “de estrita confiança” receber uma mala com R$ 500 mil?

O jeito ousado e a cara de atrevida inocência dos políticos, empresários e figurões que desfilam pelas investigações fazem com que tudo pareça surgir de um romance surrealista de terror, imaginado por um ficcionista genial, mas doentio.

Os envolvidos (e são centenas) agem com a desenvoltura e naturalidade de personagens inventados, vestidos com fantasia grotesca, tal qual uma caricatura fatídica. E tão burlesca e terrorífica que ninguém se animaria sequer a esboçar um rabisco, por ir além do razoável, só admissível na literatura fantástica. Agora, porém, a crua realidade é que soa como fantástica, fruto da imaginação e da fantasia, quando apenas retrata o cotidiano.

A crise política imita um terremoto: tudo se abala ou despenca na superfície, mas, em realidade, as fissuras estão lá no fundo da Terra. Escondidas numa complicada geologia, são elas que provocam o horror.

Nosso terremoto dos últimos anos escancara, agora, o criminoso poder dos grandes figurões da política e da economia. Hoje conhecemos o rosto profundo da própria crise, tão nosso como um samba do Adoniran Barbosa, mas até aqui oculto e escondido – e que não nos amimávamos sequer a cantarolar.

Desde 2014 a Lava Jato e outras lavagens bilionárias, como a do ex-governador do Rio Sérgio Cabral, do PMDB, ou menores, como a do Metrô paulistano (com o PSDB à frente), revelam o monstro voraz que domina a área partidária. Quatro ex-presidentes da República vivos (Sarney, Collor, Lula e Dilma) aparecem envolvidos em algo ou são suspeitos de operações irregulares, em maior ou menor grau. Lula acaba de ser condenado no menor dos muitos enredos em que aparece ou aparecerá. As irregularidades do tempo de Fernando Henrique só não serão avaliadas porque prescreveram judicialmente.

E falta ainda penetrar no emaranhado dos mais de 30 partidos, de fato meros grupelhos que se alugam ou se vendem para ampliar o tempo de rádio e televisão dos candidatos a cargos majoritários, como se democracia fosse isso – mera contagem de votos!

Ministério Público perde força e Lava Jato também

Lá atrás, em 28 de maio último, o procurador Regional da República Carlos Fernando dos Santos Lima, da força-tarefa da Operação Lava Jato, em Curitiba, foi o primeiro a advertir:

- O governo preferiu o método suave, o sufocamento lento.

Referia-se a cortes orçamentários e ao esvaziamento da equipe da Polícia Federal que poderiam prejudicar as investigações contra a corrupção.

- Tirando a Polícia Federal, nós ficamos sem o braço operacional. Nós temos dificuldade de fazermos novas operações. Isso tem até se refletido já nesse ano com poucas operações e de menor grau – observou.

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Na semana passada, foi a vez do coordenador da força-tarefa da Lava Jato Deltan Dallagnol retomar o assunto no mesmo tom: “O que eles estão dizendo, obviamente, é que a Lava Jato não é mais prioridade”.

As reações dos políticos acuados pelas investigações se dão de três formas, segundo Dallagnol:

* a tentativa do governo de enfraquecer a Polícia Federal;

* ataques aos instrumentos de investigação como a colaboração premiada;

* e o esvaziamento das punições com propostas de anistia.

Finalmente, ontem, em Washington, o procurador-geral da República Rodrigo Janot, deu a entender que não mais espera que a Câmara dos Deputados autorize o Supremo Tribunal Federal a julgar o presidente Michel Temer por crime de corrupção passiva.

- Se a Câmara autoriza, o processo segue seu curso normal. Se a Câmara não autoriza, a denúncia continua lá e fica aguardando o fim do exercício do mandato para seguir. Vou aceitar isso com naturalidade. Fiz o meu trabalho.

Janot não garantiu que denunciará Temer novamente – desta vez por obstrução de Justiça:

- Para nós, é importante que apuremos os fatos e, se foram realmente ilícitos, que iniciemos o processo penal. Mas essa investigação, que ainda está em curso, pode gerar arquivamento. Se não conseguirmos demonstrar com indícios suficientes de prova, autoria e materialidade do delito, não tem como denunciar.

Quando setembro chegar, Janot cederá a vaga à nova procuradora-geral da República, Rachel Dodge, nomeada por Temer e esperança unânime dos políticos que sonham com um Ministério Público menos ativo. Dodge não pretende parar a Lava Jato, mas tampouco fortalecê-la.

É favorável que o Congresso aprove uma lei de abuso de autoridade, ideia combatida por Sérgio Moro porque poderia pôr em risco a independência do poder Judiciário, pelo menos nos termos em que foi proposta. Com Dodge, a Lava Jato perderá o protagonismo que teve até aqui.

É cada vez menor a chance de a Câmara aprovar a licença para que Temer seja processado. Embora negue, até mesmo o PT prefere que Temer cumpra o mandato até o fim – e, se possível, exangue.

A discussão no Congresso nos próximos meses deverá girar em torno de novas regras para as eleições de 2018 e do milionário fundo partidário para financiá-las.

Gente fora do mapa

Yan ang sistima ang pang huli ng isda pag malaki ang alon... haha
Pescadores no Sri Lanka

Se teto da aposentadoria do INSS fosse o limite, não haveria Fndos de Pensão

Reportagem de Ana Estela de Sousa Pinto, Folha de São Paulo desta segunda-feira, reproduz opiniões de técnicos do IPEA favoráveis a que a remuneração dos servidores públicos seguissem o teto de 5.500 mensais que é aquele a que estão condicionados todos os trabalhadores regidos pela CLT. Rogerio Nagamine Constanzi e Graziela Ansiliero, pesquisadores do IPEA concluíram que, se o teto do serviço público fosse igual ao do INSS, tal fato geraria economia anual de 50 bilhões de reais aos cofres da União.

A dupla do IPEA não estendeu suas projeções aos funcionários públicos estaduais e municipais do país. A dupla não levou em conta tampouco a existência dos fundos de pensão que complementam as aposentadorias de empresas estatais como a Petrobrás, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Eletrobrás e de Furnas, para ficarmos só nesses exemplos.

Os pesquisadores não se referiu ao sistema complementar que envolve naturalmente os que trabalham no IPEA. Para os que trabalham no IPEA certamente existe um fundo complementar. Pois na realidade a média salarial é bem acima do teto de 5.500 mensais estabelecido para o INSS.

O esquema lógico dos Fundos de Complementação baseia-se na contribuição adicional tanto das empresas quanto dos empregados das estatais e do próprio IPEA regidos pela CLT. Pelos números que conheço, a empresa empregadora entra com 14% da folha salarial e cada empregado com 7% de seu salário. Os fundos, inclusive, participam do mercado financeiro fazendo investimentos, adquirindo ações na Bovespa e comprando notas do Tesouro Nacional, cuja remuneração está em 10,25%a/a. As NTNs, vale frisar, lastreiam a dívida interna do país, hoje na escala de 4,6 trilhões de reais.

Se o teto do INSS fosse bom, não haveria necessidade dos Fundos de Complementação. Esta é uma diferença essencial. Pois como é possível alguém cuja remuneração seja, por exemplo, de 10.000 reais, aposentar-se com 5.500?

Há uma outra diferença essencial ignorada pelos técnicos do IPEA: os trabalhadores regidos pela CLT tem direito ao FGTS. Os funcionários públicos não contam com tal direito.

Os salários acima de 5.500 reais abrangem parcela muito pequena dos funcionários federais. Ana Estela Pinto afirma que são 44,3 mil, entre 740 mil funcionários federais abrangendo Executivo, Judiciário e Legislativo.

Destacando a importância da complementação nas aposentadorias a repórter cita ponto da legislação controverso que limita em 5.500 reais a aposentadoria de servidores que ingressarem no trabalho a partir de 2013, desde que tenham acesso à previdência complementar. Portanto está aí destacada a importância da complementação.

O serviço público enfrenta problemas que não atingem as empresas estatais e o IPEA. Basta ver a imunda crise que o governador Luiz Fernando Pezão instalou no Rio de Janeiro, não pagando o 13º salário de 2016 e atrasando os pagamentos mensais devidos a mais de 100 000 servidores públicos.

A crise no RJ alcançou tal nível de humilhação que atingiu até o ballet do Teatro Municipal. A primeira bailarina Marcia Jaqueline, que se consagrou ao dançar o Lago dos Cisnes, resolveu mudar-se para Viena. Sem receber salário, o bailarino Felipe Moreira está trabalhando como motorista no UBER. São informações que devem ser levadas em conta pelos especialistas do IPEA.

Medo, muito medo

Medo, quatro letras que choram, que têm nos trazido sofrimento, insegurança, desconforto e insegurança. Medo que faz a gente vacilar, temer – eu disse, presta atenção, temer, de eu temo, tu temes, ele teme, nós tememos...

As balas zunem nos céus do país, nos céus das grandes cidades, cortando vidas, aleijando, marcando gerações a ferro e fogo, pegando até quem ainda nem nasceu. Derramando sangue nas calçadas e sarjetas. Acertam o que não veem. Vêm de todos os lados e não há como se proteger nessa guerra ainda não declarada apenas, creio, porque não se sabe como nomeá-la, e quais leis e restrições seriam impostas se finalmente declarada oficial. Qual lado seria o bom, o mau.


Medo do bandido. Ele não tem o que perder, e só quer tirar o que é seu, toca o terror porque sabe que a sua própria vida é muito curta, tenta ganhar mais minutos tirando a dos outros em um pacto diabólico. Você também podia estar passando ali por um deles.

Medo da polícia que se confunde, ora de um lado; ora de outro. Que reage a bala, mal treinada para outras táticas, e polícia que se defende atirando no peito de um pobre coitado em surto, catador de latas e papelão, “burro sem rabo”, que pacatamente todos os dias arrastava sua carroça e sua loucura pelas ruas e ladeiras. Polícia que à luz do dia intimida as testemunhas do seu próprio despreparo. Tudo fica por isso mesmo. Você podia estar passando ali, podia ter assistido a essa cena, ter sido atingido.

Medo de qualquer barulho. Das sirenes. Das buzinas. Dos gritos de horror e fúria dos torcedores fanáticos afiando suas facas em barrigas adversárias. Você podia estar passando por ali naquela mesma hora do estouro dessa energia ruim. O jogo podia acabar assim, sem vencedores, sem bola, sem gols, sem times.Medo de ser atingido por um carro desgovernado, dirigido por um bêbado que se divertia irresponsavelmente. Você podia estar passando ali, podia ser você. Sem socorro.

Não é medo bobo. É medo. Na sua mais pura acepção, de sentimento de insegurança em relação a uma pessoa, situação, objeto, ou perante qualquer situação de eventual perigo, quando passamos então a enxergá-lo nas coisas mais bobas. O problema é que ele – esse medo - já não pode ser localizado. Pior, nem evitado. É geral. Você pode, podia, estar diante de todos esses perigos mostrados no noticiário e que dizimaram vidas, e que falam de personagens que não mais poderão contar suas histórias. Nós teremos de contar por elas.

É medo generalizado que ataca até os corajosos. Nos tira a paz. Nos faz não querer sair de casa, pensar duas vezes antes de andar por aí. Angústia. Medo que nos prende e condena a uma prisão muito particular, a de nossos pensamentos – esses, sim, não sabemos por que estamos sendo condenados a temer.

Na moral. Apavorados, vemos a situação estar saindo completamente do controle, e em todo o mundo que se dizia civilizado. Como naqueles violentos jogos de ficção a que assistimos em filmes e seriados, estes estão sendo rodados tendo a nós como protagonistas em tramas que dificilmente alguns roteiristas ousariam imaginar ver acontecer na vida real, mas onde se repetem de forma ainda mais cruel.

Um fato um dia, o horror; no outro mais um o sobrepuja e faz com que esqueçamos continuamente, sobrando apenas a possibilidade de, ao fim, de tempos em tempos, mostrá-los como estatísticas impessoais, números, percentuais, comparações com o mesmo período do ano passado. Para que servirão? – você pensa.

O medo também pode ser provocado por razões sem fundamento ou lógica racional. Mas não é deste que tratamos. Fantasmas, sacis, mulas sem cabeça viram nada diante dos demônios que tomam os humanos, deixando-os bestas irracionais e desmedidas, irreconhecíveis até por eles mesmos entre si.

O nosso medo tem muita justificativa nesse momento urbano.

Marli Gonçalves

Clientelismo pode melhorar certas políticas públicas - e piorar outras

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Clientelismo é a troca de favores por votos entre políticos e eleitores. Diferentemente de uma política pública universal, que afeta todos os cidadãos (como uma medida para melhorar a qualidade do ar, por exemplo), é uma ação focada em certos indivíduos.

Mas se é algo tão ruim para a sociedade, como sugere boa parte dos estudos para o assunto, por que essa prática dura tanto, de forma consistente, tanto em países pobres como ricos?

Essa pergunta motivou o cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas, Umberto Mignozzetti, a investigar a relação entre clientelismo e bem-estar dos cidadãos no Brasil.

"Um professor nos EUA que estuda clientelismo relatou uma situação em que sua casa ficou coberta de neve. Ele ligou várias vezes para a prefeitura e nada", explica Mignozzetti, ao comentar sua motivação para a pesquisa.

"Quando ligou no comitê local de seu partido, logo apareceu um carro para retirar a neve e um cabo eleitoral cobrando seu voto. Ou seja, se o clientelismo é tão nocivo, porque ocorre até hoje em sociedades desenvolvidas como os EUA?", questiona.

A resposta encontrada por Mignozzetti pode surpreender: um aumento no clientelismo no Brasil melhorou índices de mortalidade infantil e elevou o número de crianças matriculadas no ensino fundamental.

Por outro lado, essas melhorias são distorcidas e não ocorrem de forma homogênea em todos os serviços: afetam apenas coisas que os políticos podem trocar por votos, como vagas em hospitais e em escolas.

Aspectos como saúde preventiva e qualidade da educação, por exemplo, não melhoraram - a conclusão foi que isso ocorre porque são serviços que não podem ser distribuídos individualmente e que não costumam ser valorizados pelos eleitores.

Para Mignozzetti, os achados ajudam a entender as razões de o Brasil e outras democracias recentes apresentarem avanços sociais ambíguos

Se por um lado, por exemplo, somos um país que reduziu a mortalidade infantil em 60% nos últimos 30 anos, ainda vivemos surtos de doenças causadas pelo Aedes aegypti, como dengue e zika.

Universalizamos o acesso à educação primária, mas ficamos entre os piores do mundo em testes internacionais de desempenho escolar - 66ª colocação em matemática, 63ª posição em ciências e 59ª em leitura entre 70 países avaliados na edição 2015 do Pisa, por exemplo.

"O trabalho ajuda a explicar esse tipo de situação, principalmente em países de democracias recentes, onde há mais pobreza e incentivo para políticos usarem essa pobreza a favor deles", diz o cientista político.

Ou seja, esses efeitos benéficos de curto prazo que identificou na análise acabam deteriorando a qualidade da democracia, por retirarem o incentivo a políticas mais estruturais, de longo prazo.
Medindo o clientelismo

Para medir a "quantidade" de clientelismo presente nas cidades, Mignozzetti aproveitou uma situação que tornou o Brasil ideal para esse experimento.

Em 2004, uma resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) fixou novos critérios para determinar o número de vereadores nas cidades brasileiras - para cada conjunto de 47 mil eleitores, as Câmaras deveriam incluir um novo político. Com isso, boa parte das cidades teve alterações na composição do Legislativo local.

O professor da FGV conseguiu comparar grupos de cidades muito parecidas, em aspectos como população, PIB e percentual de pobreza, mas que passaram a diferir apenas pela mudança no número de vereadores.

O estudo conseguiu, portanto, "isolar" o efeito dos vereadores no período de 2005 a 2008, pois as demais características permaneceram em geral constantes nesse intervalo.

A pesquisa não aponta que todos os vereadores sejam clientelistas, mas constata que são os políticos com maior probabilidade de conduzir essas práticas.

Identificou, por exemplo, que um vereador a mais implicava em 100 novos cargos de confiança no município, e que esse representante extra tinha 91% de chance de ser da base do governo, com maior acesso a recursos.

Outra evidência de que o clientelismo avança com o tamanho da legislatura veio com pesquisas online feitas com vereadores em 174 cidades, com perguntas sobre ações que davam mais retorno em votos e sobre o número de colegas conhecidos por oferecerem serviços clientelísticos, de fiscalização ou legislação.

Questionados sobre os serviços que dão mais votos, por exemplo, 90% dos entrevistados citaram a obtenção de um leito de hospital, e 74% mencionaram o ato de conseguir um remédio para um eleitor. Verificar a qualidade do ensino em uma escola, por outro lado, foi algo citado por apenas 36% dos vereadores.

A partir da premissa, baseada na literatura sobre o assunto, de que os vereadores são os políticos mais próximos da população e estão associados à "oferta" de clientelismo nas cidades, Mignozzetti verificou que as cidades com mais representantes no Legislativo apresentaram melhoras nos índices de mortalidade infantil e de crianças matriculadas no ensino fundamental.

"Ou seja, tudo que o político pode usar para sua máquina clientelista melhora, mas o problema é que esse aumento não é homogêneo em todos os serviços públicos. Nada ocorre com saúde preventiva e qualidade da educação, por exemplo", diz Mignozzetti.