Clientelismo é a troca de favores por votos entre políticos e eleitores. Diferentemente de uma política pública universal, que afeta todos os cidadãos (como uma medida para melhorar a qualidade do ar, por exemplo), é uma ação focada em certos indivíduos.
Mas se é algo tão ruim para a sociedade, como sugere boa parte dos estudos para o assunto, por que essa prática dura tanto, de forma consistente, tanto em países pobres como ricos?
Essa pergunta motivou o cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas, Umberto Mignozzetti, a investigar a relação entre clientelismo e bem-estar dos cidadãos no Brasil.
"Um professor nos EUA que estuda clientelismo relatou uma situação em que sua casa ficou coberta de neve. Ele ligou várias vezes para a prefeitura e nada", explica Mignozzetti, ao comentar sua motivação para a pesquisa.
"Quando ligou no comitê local de seu partido, logo apareceu um carro para retirar a neve e um cabo eleitoral cobrando seu voto. Ou seja, se o clientelismo é tão nocivo, porque ocorre até hoje em sociedades desenvolvidas como os EUA?", questiona.
A resposta encontrada por Mignozzetti pode surpreender: um aumento no clientelismo no Brasil melhorou índices de mortalidade infantil e elevou o número de crianças matriculadas no ensino fundamental.
Por outro lado, essas melhorias são distorcidas e não ocorrem de forma homogênea em todos os serviços: afetam apenas coisas que os políticos podem trocar por votos, como vagas em hospitais e em escolas.
Aspectos como saúde preventiva e qualidade da educação, por exemplo, não melhoraram - a conclusão foi que isso ocorre porque são serviços que não podem ser distribuídos individualmente e que não costumam ser valorizados pelos eleitores.
Para Mignozzetti, os achados ajudam a entender as razões de o Brasil e outras democracias recentes apresentarem avanços sociais ambíguos
Se por um lado, por exemplo, somos um país que reduziu a mortalidade infantil em 60% nos últimos 30 anos, ainda vivemos surtos de doenças causadas pelo Aedes aegypti, como dengue e zika.
Universalizamos o acesso à educação primária, mas ficamos entre os piores do mundo em testes internacionais de desempenho escolar - 66ª colocação em matemática, 63ª posição em ciências e 59ª em leitura entre 70 países avaliados na edição 2015 do Pisa, por exemplo.
"O trabalho ajuda a explicar esse tipo de situação, principalmente em países de democracias recentes, onde há mais pobreza e incentivo para políticos usarem essa pobreza a favor deles", diz o cientista político.
Ou seja, esses efeitos benéficos de curto prazo que identificou na análise acabam deteriorando a qualidade da democracia, por retirarem o incentivo a políticas mais estruturais, de longo prazo.
Medindo o clientelismo
Para medir a "quantidade" de clientelismo presente nas cidades, Mignozzetti aproveitou uma situação que tornou o Brasil ideal para esse experimento.
Em 2004, uma resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) fixou novos critérios para determinar o número de vereadores nas cidades brasileiras - para cada conjunto de 47 mil eleitores, as Câmaras deveriam incluir um novo político. Com isso, boa parte das cidades teve alterações na composição do Legislativo local.
O professor da FGV conseguiu comparar grupos de cidades muito parecidas, em aspectos como população, PIB e percentual de pobreza, mas que passaram a diferir apenas pela mudança no número de vereadores.
O estudo conseguiu, portanto, "isolar" o efeito dos vereadores no período de 2005 a 2008, pois as demais características permaneceram em geral constantes nesse intervalo.
A pesquisa não aponta que todos os vereadores sejam clientelistas, mas constata que são os políticos com maior probabilidade de conduzir essas práticas.
Identificou, por exemplo, que um vereador a mais implicava em 100 novos cargos de confiança no município, e que esse representante extra tinha 91% de chance de ser da base do governo, com maior acesso a recursos.
Outra evidência de que o clientelismo avança com o tamanho da legislatura veio com pesquisas online feitas com vereadores em 174 cidades, com perguntas sobre ações que davam mais retorno em votos e sobre o número de colegas conhecidos por oferecerem serviços clientelísticos, de fiscalização ou legislação.
Questionados sobre os serviços que dão mais votos, por exemplo, 90% dos entrevistados citaram a obtenção de um leito de hospital, e 74% mencionaram o ato de conseguir um remédio para um eleitor. Verificar a qualidade do ensino em uma escola, por outro lado, foi algo citado por apenas 36% dos vereadores.
A partir da premissa, baseada na literatura sobre o assunto, de que os vereadores são os políticos mais próximos da população e estão associados à "oferta" de clientelismo nas cidades, Mignozzetti verificou que as cidades com mais representantes no Legislativo apresentaram melhoras nos índices de mortalidade infantil e de crianças matriculadas no ensino fundamental.
"Ou seja, tudo que o político pode usar para sua máquina clientelista melhora, mas o problema é que esse aumento não é homogêneo em todos os serviços públicos. Nada ocorre com saúde preventiva e qualidade da educação, por exemplo", diz Mignozzetti.
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