Entre nós, o crime está à mostra. O processamento do presidente Michel Temer pelo Supremo Tribunal e a condenação do ex-presidente Lula da Silva a nove anos e meio de prisão, por exemplo, têm a mesma origem e surgem do mesmo sigiloso contubérnio, que até no som já é explosivo. Tanto o caso de Lula (que se proclama a pessoa “mais honesta do Brasil”) quanto o de Temer (que se diz “a caravana que passa”) surgem do conluio que tenta disfarçar ou ocultar o delito.
Algo similar acontece com Temer. O amistoso diálogo com Joesley Batista revela uma intimidade em que as frases ou ideias nem precisam ser concluídas para se entenderem. Basta que um inicie e o outro já complementa.
Quem imaginaria um presidente da República, em conversa com velho comparsa na calada da noite, mandando que continue a entrar, no futuro, pelos fundos do palácio para não ser identificado?
“Sempre pela garagem, viu?”, advertiu Temer a Joesley Batista, em sussurro, ao final da conversa daquele mês de março, hoje estopim de uma explosão inimaginável: o presidente da República investigado pela Polícia Federal e denunciado ao Supremo Tribunal pelo procurador-geral, dependendo apenas da licença dos deputados.
Quem imaginaria alguém como Lula, que há pouco perdeu a esposa, culpando (de fato) a mãe dos próprios filhos pelo obsessivo (ou mesquinho) interesse num apartamento triplex de frente para o mar?
Lula condenou-se a si próprio naquele depoimento ao juiz Sergio Moro, meses atrás. O Lula solto e falastrão sumiu. Surgiu um reticente, incapaz de ocultar que inventava e que, ao inventar, mentia. E se viu que tudo aquilo era apenas o rabo do gato pela fresta da porta...
Lula terá sido tão ausente da função de presidente da República que o assalto à Petrobrás prosperou de forma gigantesca em oito anos de seu governo? Ele nunca soube de desvios na maior empresa estatal, nem desconfiou que o então deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) estivesse envolvido em estrondosas falcatruas?
Temer tenta se livrar de ser julgado pelo Supremo. Compôs com servos fiéis a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados para que, a partir dali, se estanque o processo. Ora, se nada daquela aparente intimidade criminosa com o mafioso Joesley for verdadeiro, por que evitar a ampla atuação do Supremo? O execrável é que a fidelidade tenha raízes em nova orgia de liberação de verbas de “emendas ao Orçamento” para os currais eleitorais, ou nomeações no Dnit e noutros setores com polpudas verbas.
Temer continua com todos os poderes de governança da função presidencial. Mas já não é o chefe de Estado modelo de sensatez, equilíbrio e serenidade, acima de pequenezes, apto a mediar as disputas e decidir com isenção. Ao contrário, alinhou-se com o lado nebuloso e dele não se desgruda. Seus ministros mais íntimos e mais poderosos são réus na Justiça. E alguns ex-ministros e auxiliares estão presos.
Que bizarro modelo pode ser alguém que manda um emissário “de estrita confiança” receber uma mala com R$ 500 mil?
O jeito ousado e a cara de atrevida inocência dos políticos, empresários e figurões que desfilam pelas investigações fazem com que tudo pareça surgir de um romance surrealista de terror, imaginado por um ficcionista genial, mas doentio.
Os envolvidos (e são centenas) agem com a desenvoltura e naturalidade de personagens inventados, vestidos com fantasia grotesca, tal qual uma caricatura fatídica. E tão burlesca e terrorífica que ninguém se animaria sequer a esboçar um rabisco, por ir além do razoável, só admissível na literatura fantástica. Agora, porém, a crua realidade é que soa como fantástica, fruto da imaginação e da fantasia, quando apenas retrata o cotidiano.
A crise política imita um terremoto: tudo se abala ou despenca na superfície, mas, em realidade, as fissuras estão lá no fundo da Terra. Escondidas numa complicada geologia, são elas que provocam o horror.
Nosso terremoto dos últimos anos escancara, agora, o criminoso poder dos grandes figurões da política e da economia. Hoje conhecemos o rosto profundo da própria crise, tão nosso como um samba do Adoniran Barbosa, mas até aqui oculto e escondido – e que não nos amimávamos sequer a cantarolar.
Desde 2014 a Lava Jato e outras lavagens bilionárias, como a do ex-governador do Rio Sérgio Cabral, do PMDB, ou menores, como a do Metrô paulistano (com o PSDB à frente), revelam o monstro voraz que domina a área partidária. Quatro ex-presidentes da República vivos (Sarney, Collor, Lula e Dilma) aparecem envolvidos em algo ou são suspeitos de operações irregulares, em maior ou menor grau. Lula acaba de ser condenado no menor dos muitos enredos em que aparece ou aparecerá. As irregularidades do tempo de Fernando Henrique só não serão avaliadas porque prescreveram judicialmente.
E falta ainda penetrar no emaranhado dos mais de 30 partidos, de fato meros grupelhos que se alugam ou se vendem para ampliar o tempo de rádio e televisão dos candidatos a cargos majoritários, como se democracia fosse isso – mera contagem de votos!
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