quinta-feira, 18 de abril de 2024

Pensamento do Dia

 


Um vilão de James Bond estreia na política

O magnetismo dos filmes de James Bond desapareceu na fuligem das estrelas. As pernadas do 007 descansam no passado. O tipo criado por Ian Fleming, que pedia seu dry martini a bordo de um smoking da cor da noite ou de um summer de alta alvura, perdeu o elã.

Não que não tenha sido bom. Era divertido o modo como ele se apresentava para a dama fatal: “Bond, James Bond”. Em dois minutos, os dois se beijariam e em seguida se perderiam entre um salto de paraquedas e um tiro de pistola com silenciador. Só depois de incontáveis piruetas por terra, mar e ar é que o casal teria direito a um happy-end. Caliente. Estávamos no período da guerra fria e o espião que tinha licença para matar nos presenteava com amores escaldantes. O espectador médio daquela época torcia pela manutenção do establishment e vibrava quando James e a namorada se atracavam entre lençóis depois de salvar a humanidade, o planeta, o capitalismo e a dinastia Windsor da destruição completa.

Os vilões, coitados, se despedaçavam e ninguém se compadecia de sua sina. Superempreendedores biliardários sem princípios, os bandidões mobilizavam ciência, força bruta e recursos infindos para sujeitar o mundo inteiro aos seus caprichos – e, no fim, morriam espetacularmente numa explosão atômica sacrossanta. O satânico Dr. No, o não menos satânico Auric Goldfinger e tantos outros saíam perdendo. Subornavam, chantageavam, extorquiam e perdiam. Recrutavam exércitos particulares, manietavam governos e perdiam. Transformavam seu dinheiro em poder e seu poder em opressão – e perdiam de novo. As plateias exultavam. Tomavam partido do mocinho.

Hoje, as diversões públicas são outras. As massas apressadas mudaram de assunto, deixaram o cinema para lá, preferem se entorpecer com substâncias sintéticas para melhor chacoalhar ao ritmo de pancadões repetitivos (seu mantra não tem palavras, somente estrondos compassados) e votam em autocratas pirados. Quanto à sétima arte, esta sobrevive na condição de excentricidade de intelectuais envelhecidos.


No entanto, a despeito do desprestígio dos velhos blockbusters de 007, algo daquele velho script voltou a marcar presença entre nós: o modelo dos vilões que faziam as vezes de antagonistas do espião saiu das telas e, agora, comparece à chamada “vida real”. Desta vez, com sucesso. Eles vencem e colhem todos os louros de ouro. O espectador médio, que é o eleitor médio, mudou de lado, num cavalo de pau desnorteante.

As plateias de hoje, carregadas de ressentimento porque a democracia não lhes entregou as delícias prometidas, apedrejam o que julgam ser a política oficial. Querem ver o sistema incendiar. Aplaudem de joelhos os magnatas que sabotam a ordem pública. A seus olhos, ganância, prepotência e vaidade são virtudes cívicas. A diversão sádica é o critério da legitimidade. A política foi engolida pelo entretenimento sombrio.

Você quer um sintoma? Elon Musk. Muito se tem escrito nos jornais para descrever o psiquismo do empresário que saiu da África do Sul para fazer a América. Seu compromisso é com o show performático, não com a coerência. Alguns dizem – com acerto – que ele faz negócios na China e nunca deu um pio sobre a ditadura que existe lá. Na outra ponta, quando se trata do Brasil, o mesmo rapaz alardeia que a nossa democracia é uma ditadura (consta que tem planos de fazer uns negócios esquisitos por aqui). Age assim e leva a melhor. É o influencer dos influencers.

Elon Musk parece um personagem fugido daqueles filmes de antigamente, mas extrapola. Lembra de longe o fictício Gustav Graves, de 007, um novo dia para morrer, que usava o negócio de satélites para assustar países resistentes a suas pretensões maníacas. Tem o physique du role de um antagonista de Sean Connery. As suas ações reais, contudo, sobrepujam a imaginação de Ian Fleming. Dono de um exibicionismo extremista, quer ter supremacia sobre o mundo inteiro e quer as glórias do espetáculo.

Não satisfeito, quer ficar high. Tem prazeres narcísicos em ter poderes narcísicos e, em seu hedonismo consumista, põe a contracultura a serviço do capital. O Wall Street Journal noticiou recentemente que executivos e conselheiros da Space X e da Tesla, duas de suas companhias, andam preocupados com a quantidade de drogas consumidas pelo chefe (LSD, cocaína, ecstasy, cetamina e cogumelos psicodélicos, entre outras). Foi com esse doping corporativo que o sujeito estreou na política brasileira.

Politiqueiros de segunda, destes que não sabem a diferença entre ficção e realidade (ou entre propaganda e informação, ou entre mentira e verdade), dedicam a Elon Musk uma sabujice despudorada. Afirmam aos brados que o pobrezinho sofre perseguições indizíveis de temíveis funcionários públicos. Veem nele o símbolo universal da liberdade.

Mas, gente do céu, liberdade de quê? De abusar de seu incomensurável poderio econômico para interferir na institucionalidade de um Estado que não é o dele? De ser infantil e truculento de um só golpe (de Estado)? Haja farsa. James Bond, que era um lacaio do império britânico, tinha mais integridade.

A 'Economia da Atenção' e a captura da vida

Estamos enfrentando uma convergência de crises cruzadas e que se aplificam reciprocamente: a catástrofe ambiental, a desigualdade explosiva e o caos financeiro que bloqueia os recursos necessários para enfrentar os dramas. O problema principal não é a crise em si, mas sim nossa incapacidade de enfrentá-la. Quantas COPs já tivemos? O que está acontecendo com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável? As proclamações ESG [responsabilidade ambiental, social e de governança, no jargão do “capitalismo verde”] ajudam? A questão central é a crise de governança, nossa dificuldade em nos organizar. A política dos governos, instituições internacionais e corporações continua focada em apontar culpados – sempre os outros – e não em construir soluções. Em relação à cidadania, o esforço principal tem sido manter nossas mentes ocupadas com temas secundários. A síndrome do “não olhe para cima” apoia-se na grande indústria de atenção.

Como as coisas mudam rápido. Sempre tivemos fofocas de família, trabalho e vizinhança, e a missa dominical para nos manter na linha. Depois surgiram as falas dos governantes no rádio, uma forma de comunicação em massa. Mais tarde, a TV, a internet, e depois a bagunça global: “Se perguntarmos ao ChatGPT sobre as principais tecnologias que impulsionam essa revolução, ele mencionará Inteligência Artificial (IA) e aprendizado de máquina; robótica e automação; Internet das Coisas; impressão 3D; blockchain; realidade virtual e aumentada; redes 5G; computação quântica; big data e cibersegurança.”

Dizer que tudo isso é de tirar o fôlego é um comentário preciso. Nossa atenção é invadida por todos os sentidos, estamos grudados em todos os tipos de telas. Posso tentar ler um artigo sensato sobre um assunto que me interessa, mas vou ter pequenas telas aparecendo, estorvando meus esforços para me concentrar. Não são interesses econômicos tentando chamar minha atenção para coisas úteis: é a batalha econômica pelo meu tempo. E não é apenas a Revolução Industrial 4.0, é outro sistema. A conectividade em massa e global está gerando uma nova civilização. Não são General Motors ou Toyota que estão no centro das corporações mais valiosas do mundo: Apple, Microsoft, Alphabet, Amazon e algumas outras gerenciam o que ouvimos e vemos. Estão criando, com informações privadas invasivas uma nova economia de atenção.


Essas corporações, por sua vez, são controladas pelos gigantes de gestão de ativos: a BlackRock, por exemplo, gerencia 10 trilhões de dólares, enquanto o orçamento federal dos Estados Unidos está na ordem de US$ 6 trilhões. BlackRock, Vanguard e State Street gerenciam ativos próximos ao valor do PIB dos EUA. Alta tecnologia, informação e dinheiro se uniram.

Nós somos a parte receptora do negócio. Éramos cidadãos, de certa forma. Nos tornamos mDAUs (usuários médios diários monetizáveis), a unidade de conta usada nas negociações de compra do Twitter por Elon Musk. O Relatório de Economia Digital da Unctad 2021 nos dá a imagem geral:

“As maiores plataformas – Apple, Microsoft, Amazon, Alphabet (Google), Facebook, Tencent e Alibaba – estão investindo cada vez mais em todas as partes da cadeia global de valor de dados: coleta de dados por meio de serviços de plataforma voltados para o usuário; transmissões de dados por meio de cabos submarinos e satélites; armazenamento de dados (centros de dados); e análise, processamento e uso de dados, por exemplo, por meio de IA. Essas empresas têm uma vantagem competitiva de dados resultante de seu componente de plataforma, mas não são mais apenas plataformas digitais. Elas se tornaram corporações digitais globais com alcance planetário; enorme poder financeiro, de mercado e tecnológico; e controle sobre imensos volumes de dados relativos a seus usuários.”

O relatório destaca que estamos indefesos diante desse novo poder de dominação, reconhecendo que “as instituições globais atuais foram construídas para um mundo diferente, o novo mundo digital é dominado por intangíveis, e são necessárias novas estruturas de governança” para enfrentar os “interesses concorrentes associados à captura das rentas oriundas do uso de tecnologias digitais e dados… Com os dados e fluxos transfronteiriços de dados crescendo em proeminência na economia mundial, a necessidade de governança global está se tornando mais urgente.” Discutem-se medidas: empresas que fazem chamadas indesejadas pagariam multas de até 20 milhões de dólares os usuários da internet poderiam limitar a aparição de caixas de consentimento de cookies pop-up.Sim, isso está sendo discutido…

Quem paga por essas fortunas enormes geradas no topo, nas corporações de alta tecnologia e redes sociais? Nós, é claro, e o mecanismo-chave é o marketing, uma palavra claramente insuficiente para a manipulação da atenção da humanidade em escala global. Os custos do marketing fazem parte do preço que pagamos por cada produto ou serviço. Pagamos para nos convencer. Eles se infiltram em tudo o que estamos fazendo, interrompendo-nos frequentemente para dizer que estão nos oferecendo este filme ou programa de graça, quando os custos estão incluídos nos preços. “A Johnson & Johnson é outra marca mundialmente famosa que fabrica medicamentos, produtos de higiene e equipamentos médicos. Hoje é um dos mercados mais competitivos. Em 2017, a empresa gastou 27,7% de sua receita em marketing.” O marketing se tornou uma indústria enorme na maioria dos setores.

Ele tem sido tão pervasivo que passamos a considerá-lo natural. Não é. Isso nos custa muito dinheiro nos preços que pagamos. Mas a distração permanente que criam, a fragmentação do nosso tempo de atenção, é outro custo. A lógica é absurda, pois quanto mais uma empresa gasta em marketing, mais as outras empresas no campo têm que gastar, e a cacofonia resultante é o que temos que assistir e pagar. Na verdade, para as coisas de que preciso, vou obter informações – não marketing. E para as coisas de que não preciso, ficaria feliz em ser deixado em paz. Somos idiotas por ter que ouvir ou ver as mesmas mensagens centenas de vezes, e com uma música boba?

Com as novas tecnologias, cada dólar investido em marketing atinge bilhões de pessoas a um custo per capita muito baixo (os mDAUs). Mas o custo total e, em particular, a manipulação resultante, são enormes. Quando trabalho no meu computador ou celular, não posso me mover sem ter que aceitar cookies ou autorizar qualquer coisa que me pedem – ninguém tem tempo ou paciência para ler as longas páginas de letras pequenas descrevendo o que estamos autorizando. Isso levou à enorme indústria de informações privadas que sustenta o marketing comportamental. Por engano, comprei um produto kosher no supermercado, apenas para ser inundado com mensagens de turismo para Israel. E todos sabemos que a última coisa que o mundo precisa é mais consumismo.

A ProPublica mostra o marketing da indústria de armas: “É crucial destacar que os fabricantes de armas também usam as ferramentas do Google para rastrear a atividade dos visitantes em seus sites e segmentar usuários com anúncios enquanto navegam em outros sites e aplicativos. Os sites de fabricantes de armas, como Glock, Daniel Defense e Sig Sauer, usam produtos do Google chamados Floodlight e Spotlight para facilitar esse processo, que é chamado de retargeting. Os anunciantes geralmente pagam um prêmio pelo retargeting, já que esses anúncios têm mais chances de levar a uma compra ou outra ação. O Google permite o retargeting de anúncios de armas quando são colocados por meio de um de seus parceiros de troca de anúncios e acabam em um site que aceita anúncios de armas, de acordo com Aciman do Google.”

A última coisa de que precisamos é de mais armas. Mas o negócio da indústria global de atenção é chamar o máximo de atenção possível, para ganhar mais dinheiro com anúncios, independentemente do que os anúncios estejam promovendo. A pandemia de alimentos ultraprocessados é impressionante. “Produzida por um punhado de empresas multinacionais, a comida ultraprocessada é criada para ser barata de produzir e transportar, com substâncias derivadas industrialmente substituindo ingredientes mais caros e garantindo longos prazos de validade. Também é projetada para nos fazer comprar mais – algo essencial em um sistema onde as empresas precisam continuar crescendo para satisfazer seus acionistas a cada trimestre. O consumo global está aumentando rapidamente, especialmente em países de renda média.”6

Esta é a nossa escolha? O The Guardian sugere que culpemos as empresas, não os consumidores. Precisamos de informações sérias, especialmente considerando os dramas que enfrentamos. Isso interessa ao jornalismo? “Além disso, o negócio do jornalismo é uma indústria cada vez menos lucrativa. A maior parte da receita vem de anúncios digitais veiculados em sites de notícias. Então, em vez de vender notícias aos consumidores, é o tempo e a atenção dos consumidores que estão sendo vendidos aos anunciantes. Além disso, alguns dos melhores conteúdos estão trancados atrás de paywalls baseados em assinatura.” Isso faz sentido?

Um exemplo simples do que o jornalismo deveria estar discutindo: “Mais de um bilhão de adolescentes e mulheres sofrem de subnutrição (incluindo baixo peso e estatura), deficiências em micronutrientes essenciais e anemia, com consequências devastadoras para suas vidas e bem-estar.”8Bem, isso não obtém o máximo de mDAUs nos algoritmos. Nos EUA, três corporações, Amazon, Google e Facebook, são responsáveis por 50% do mercado publicitário, dois terços digital.

A convergência da conectividade global com interesses comerciais e políticos gera manipulação em escala industrial. Robert Reich lembra:

“O principal acionista da Warner Brothers Discovery é John Malone, um magnata do cabo multibilionário. (Malone foi um dos principais arquitetos da fusão da Discovery e da CNN.) Malone se descreve como ‘libertário’, embora circule nos círculos republicanos de direita. Em 2005, ele detinha 32% das ações da News Corporation de Rupert Murdoch. Faz parte do conselho de diretores do Instituto Cato. Em 2017, doou US$250 mil para a posse de Trump. Malone disse que quer que a CNN seja mais parecida com a Fox News porque, em sua visão, a Fox News tem ‘jornalismo real’. Com suave ironia, Thomas Piketty comenta que ‘o controle da quase-totalidade das mídias por alguns oligarcas dificilmente pode ser considerado a forma mais elaborada de imprensa livre’.”

A espiritualidade forte, tão generalizada no mundo, dificilmente poderia escapar de seu uso comercial e político. Nos EUA, a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias detém um fundo de doações de US$134 bilhões. A ProPublica mostra que “a aprovação de candidatos políticos por líderes do púlpito tornou-se cada vez mais ousada, agressiva e sofisticada nos últimos anos.” No Brasil, o movimento episcopal com TVs e acesso online resultou em fortunas, mas, acima de tudo, leva a um impressionante showbusiness religioso que impulsiona agendas comerciais e políticas.

Não devemos subestimar a absorção do tempo de nossas vidas – é nosso ativo não renovável mais importante – pelos videogames. Bilhões de usuários, entretenimento móvel, atingindo diferentes gerações (a idade média é de 38 anos) predominantemente masculino (59%), o setor realmente nos pega pelos olhos. Aqui novamente encontramos Amazon, Apple, Google, mas também Tencent e outros na Ásia. O uso se tornou obsessivo para tantos, nos afastando da cultura, da arte, da criatividade e do tempo livre para deixar nossa atenção vaguear.

Esta breve visão geral visa chamar nossa atenção precisamente para a questão-chave: estamos perdendo o controle sobre nossa atenção, e isso significa o tempo e o sentido de nossas vidas. Max Fisher, em seu livro The Chaos Machine: how the social media rewired our minds and our world [“A máquina do caos: como as redes sociais reconfiguraram nossas mentes e o nosso mundo”], trouxe uma descrição detalhada do grau de controle que o sistema permite: “O fato de eles terem conseguido analisar e organizar bilhões de horas de vídeo em tempo real, e depois direcionar bilhões de usuários pela rede, com esse nível de precisão e consistência, foi incrível para a tecnologia e demonstrou a sofisticação e poder dos algoritmos.”

O progresso tecnológico é positivo em si mesmo. A revolução digital abre enormes oportunidades para a humanidade, mas não nas mãos das gigantes corporativas. A atenção é o elemento-chave do que somos, do que escolhemos ser. Gosto de deixar minha mente vagar um pouco, e um sistema global que direciona nossas mentes de acordo com os interesses globais se tornou um enorme desafio a enfrentar. “Livre para Escolher”, foi o que Milton Friedman pensou que estava sendo criado. Saiam das minhas costas. E posso sugerir o que vocês podem fazer com seus cookies?

Mais saúde

Mousam Ray/Bird Photographer of the Year, 'Comportamento das Aves'.

Precisamos de mais pássaros e flores nas cidades. Isso também é saúde
Marcia Chamea (Fiocruz)

O mito da riqueza do petróleo

Venezuela (119º), Nigéria (161º), Angola (150º), indonésia (112º), Iran (78º), Cazaquistão (67º), Iraque (128º), Brasil (89º) e México (77º) são países que extraem e exportam petróleo há anos, e suas populações continuam, na maioria, paupérrimas. Números entre parênteses indicam suas posições, entre 190 nações, no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), medida preferível ao PIB para indicar a qualidade de vida da população. Na “riquíssima”, esbanjadora, autocrática e misógina Arábia Saudita, o IDH é elevado, mas 33% vivem com menos de US$5,00/dia, enquanto na Costa Rica, carente de petróleo, fica na 62ª posição no IDH, é de 20% a proporção nessa condição.

Sem os antolhos que os lobbies petrolíferos colocam em nós, bastam os dados acima para ver que a riqueza decorrente da exploração do “ouro negro” é um mito; ele enriquece, e muito, uma pequena minoria, cuja dinheiro lhes permite definir políticas públicas. Dada essa força, usam a mentirosa promessa de melhorar a condição humana para forçar a continuidade da sua exploração, negando a consequente degradação!


Enquanto isso, continuam cada vez mais graves a destruição ambiental e humana decorrentes da queima de combustíveis fósseis e da busca por mais e mais PIB: recordes de calor quebrados sucessivamente; custos crescentes dos eventos extremos; metade hoje, mais amanhã, da população mundial com falta d’água; a insuspeita OCDE estima que, sem radical mudança de rumo, em duas décadas a temperatura média do planeta terá subido entre 3ºC e 6ºC; a poluição do ar compromete até o cérebro da maioria das crianças em todo o planeta, e as empresas de petróleo seguem ganhando subsídios da ordem de US$10 milhões/hora, globalmente, de acordo com o FMI.

Com todos esses e muitos outros sinais, como seguir explorando combustíveis fósseis e perseguindo aumentar o PIB? Argumentar que queimar mais petróleo vai tornar a vida melhor é fechar os olhos às evidências e à ciência e, ainda, acelerar a hecatombe.

Nas últimas seis ou sete décadas as novas tecnologias e as políticas públicas que buscam o crescimento do PIB aceleraram a degradação ambiental, multiplicaram a renda dos milionários e pouco ou nada melhoraram a vida de mais dos mais de 70% de humanos, que continuam “pobres”. Nesse quadro, e com essas tendências, não se pode esperar “progresso” – no sentido de vidas “melhores” para a maioria – senão alterando objetivos e políticas.

O Brasil, com energia mais limpa que a média e grandes reservas ambientais, deveria e poderia se engajar de maneira mais efetiva na construção do novo e cada vez mais necessário mundo. Mais que “enriquecer”, no sentido de aumentar o PIB, consumir mais e gerar mais lixo, há que promover outros objetivos: renda mínima para todos, maior igualdade, prevenir doenças, melhor alimentação, mais tempo livre e oportunidades de interação social, ambientes urbanos mais confortáveis, para citar uns poucos.

Outro, essencial, é aprofundar cada vez mais a democracia, com crescente participação popular na definição dos usos dos recursos disponíveis.

Relaxe


Países ricos também são corruptos

“Em uma sociedade cada vez mais orientada para o desempenho, as métricas são importantes. O que medimos afeta o que fazemos”, argumentou o relatório de 2008 da Comissão sobre a Mensuração do Desempenho Econômico. “Se tivermos as métricas erradas, nos esforçaremos pelas coisas erra das.” A comissão desafiava a primazia do PIB como métrica do desenvolvimento. Mas a mesma observação aplica-se à corrupção, que é convencionalmente - e de forma enganosa - medida como um problema unidimensional.

Os índices globais de corrupção, incluindo o Índice de Percepção da Corrupção (IPC), da Transparência Internacional, e o Índice de Controle da Corrupção, do Banco Mundial, atribuem uma pontuação única aos países. Estas métricas mostram consistentemente que os países ricos são “muito honestos”, enquanto os países pobres são “altamente corruptos”. Por exemplo, o IPC de 2023 classifica o Reino Unido (pontuação 71) como o 20º país menos corrupto do mundo, muito mais honesto que a China (42) e o Brasil (36). A maioria dos utilizadores do IPC, incluindo imprensa, empresas e analistas, interpretam estes números como um fato.


Mas serão os países mais ricos realmente menos corruptos que os mais pobres? Métricas unidimensionais como o IPC obscurecem o fato de que variedades qualitativamente diferentes de corrupção não podem ser reduzidas a uma única pontuação. Estas métricas também subestimam sistematicamente aquilo que chamo de “corrupção dos ricos” - que tende a ser legalizada, institucionalizada e ambiguamente antiética - em oposição à “corrupção dos pobres”.

Nos países pobres, a corrupção assume formas claramente ilegais, como o roubo de recursos públicos e a aceitação de propinas. Nos países ricos, pelo contrário, muitos acreditam que o problema não existe mais. Em “The Quest for Good Governance”, Alina Mungui-Pippidi conclui até que as economias avançadas tenham atingido um estado final de “universalismo ético”, no qual “a igualdade de tratamento se aplica a todos”. Em suma, o Ocidente rico é honesto.

Mas em virtude da ascensão do populismo nas democracias de renda alta, em grande parte uma reação contra as vantagens descomunais desfrutadas pelos ricos e politicamente ligados, o “universalismo ético” parece mais ilusório do que real. Como revelou o “New York Times” em 2020, metade dos contratos governamentais do Reino Unido para fornecimentos médicos durante a pandemia foram para “empresas geridas por amigos e associados de políticos” por meio de uma “via VIP” especial.

Como, então, o IPC classificou o Reino Unido como o 20º país menos corrupto? A pontuação não se baseia em pesquisas realizadas internamente pela Transparência Internacional, mas em uma combinação de vários inquéritos de terceiros. Quase todos esses vêm de organizações ocidentais, como a Economist Intelligence Unit, e tem uma forte tendência de depender das respostas dos executivo empresariais ocidentais.

Além disso, a formulação dessas pesquisas é muitas vezes vaga. Por exemplo, o Anuário Mundial de Competitividade, uma das fontes do IPC, apresenta aos executivos empresariais uma grosseira escolha binária: “Suborno e corrupção: existem ou não existem”. Não admira que o IPC mostre que os países ricos são “muito honestos” ano após ano, mesmo quando os seus cidadãos comuns discordam.

Reconhecendo que não havia alternativas a essas métricas convencionais, apesar das inúmeras críticas (inclusive do próprio criador do IPC), testei o Índice de Corrupção Desagrupado (ICD). Assim como o IPC, o ICD é uma métrica de corrupção baseada em percepções apresentadas em pesquisas. No entanto, divide a corrupção em quatro variedades: pequenos furtos (extorsão por agentes de rua), grandes roubos (desvio por parte de políticos), dinheiro rápido (pequenos subornos para superar obstáculos burocráticos ou assédio) e acesso ao dinheiro (grandes recompensas em troca de exclusivos e lucrativos privilégios, como contratos e resgates financeiros).

Métricas unidimensionais subestimam sistematicamente a “corrupção dos ricos”, que tende a ser legalizada, institucionalizada e ambiguamente antiética, em oposição à “corrupção dos pobres”

Embora as três primeiras variedades de corrupção - as endêmicas nos países pobres - sejam descaradamente ilegais e diretamente prejudiciais, o acesso ao dinheiro pode ser ilegal (como no caso do suborno) ou permissível (como no caso do financiamento de campanhas). Métodos sofisticados de aquisição de privilégios podem envolver instituições inteiras em que nenhum indivíduo é corrupto. Por exemplo, a lavagem de dinheiro, para a qual Londres é um centro conhecido, pode envolver a movimentação de fundos sem problemas através das fronteiras e de instituições financeiras respeitadas. Nos EUA, os bancos gastaram coletivamente bilhões de dólares fazendo lobby por regulamentações frouxas, o que levou à crise financeira de 2008, mas apenas um banqueiro foi indiciado.

O ICD utiliza uma pesquisa original de especialistas para avaliar todos os quatro tipos de corrupção. Uma esclarecedora comparação é entre EUA e China. Os EUA são menos corruptos do que a China em geral, mas a diferença é menor na categoria de acesso ao dinheiro, o tipo de corrupção dominante em ambos os países. Notadamente, a pontuação dos EUA em termos de acesso ao dinheiro é mais elevada do que a de países de rendimento mais baixo. Se nos baseássemos apenas em pontuações agrupadas, concluiríamos que os EUA são honestos. Mas uma vez desagregadas, podemos explicar o apelo das promessas populistas de “drenar o pântano”.

Ainda mais interessante é que prevalecem diferentes formas de acesso ao dinheiro nos EUA e na China. Numa comparação baseada na aceitação de subornos por meio das redes pessoais de políticos, a China domina claramente. No entanto, quando recorremos às práticas de “portas giratórias” e à captura regulamentar através de lobby, os EUA lideram.

Em suma, o acesso ao dinheiro nos EUA é principalmente institucional, enquanto o problema na China ainda está enredado em relações pessoais que envolvem suborno e pilhas de dinheiro escondido. A China não é necessariamente mais corrupta do que os EUA, mas sua corrupção tem certamente uma qualidade diferente.

Mensurar mal a corrupção não é mero detalhe técnico. Fundamentalmente, reforça a mensagem ilusória, hipócrita e muitas vezes eurocêntrica de que os países de renda elevada alcançaram um estado duradouro de pureza ética. Na realidade, a corrupção evoluiu à medida que os países enriqueceram, tornando-se mais sofisticada e imperceptível.

Precisamos continuar combatendo a “corrupção dos pobres”. Mas, ao desagregar a corrupção, as democracias capitalistas também podem voltar sua atenção urgentemente necessária para alguns dos seus problemas mais prementes, incluindo o aumento da desigualdade, o declínio da confiança pública no governo, e o que a administradora da USAID, Samantha Power, chama de “corrupção moderna”. Superar esses desafios exige medi-los com precisão, em vez de fingir que não existem.

Lugar de idosas é na rua tentando mudar o mundo

Quando imaginamos manifestantes indo às ruas para tentar mudar o mundo, a primeira coisa que vêm à cabeça são grupos de jovens idealistas, estilo, como diria a música "cabelos soltos, gente jovem reunida". Afinal, historicamente, são os jovens que puxaram manifestações para mudar a sociedade.

Isso aconteceu, por exemplo, nos movimentos de Maio de 1968 na França, nos protestos contra a guerra do Vietnã nos Estados Unidos e também na luta contra a ditadura no Brasil. Esses movimentos tinham simpatizantes mais velhos também, claro, mas foram liderados principalmente por estudantes.

Jovem costuma ser mais rebelde mesmo (e isso pode ser ótimo). Mas, nos últimos anos, há algo de novo no front (ou de velho, literalmente): são as pessoas mais velhas (em sua maioria mulheres) que saem às ruas se manifestar pelo clima, contra os preconceitos e contra o fascismo.


Semana passada, tivemos um exemplo da força desses movimentos capitaneados por senhoras. Em uma decisão histórica, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH) deu ganho de causa a uma ação movida por um grupo de senhoras que luta pelo clima, a Idosas pela Proteção do Clima. O tribunal reconheceu que a Suíça viola os direitos humanos ao falhar em tomar medidas para controlar as emissões de gases de efeito estufa.

O processo foi movido por cerca de 2 mil senhoras. Elas disseram que idosos correm um risco especial de morrer durante as ondas de calor e exigiram uma decisão que reduzisse as emissões de combustíveis fósseis muito mais rapidamente do que o planejado.

Mas elas não protestam só por elas, claro.

O curioso (e bonito) é que provavelmente muitas delas já estarão mortas quanto o mundo for atingido pelos piores efeitos da tragédia climática. Mas o idealismo ensina que não se luta só por si. Elas querem que o mundo sobreviva para seus netos e para os humanos em geral.
Ícone Jane Fonda

Uma das manifestantes pelo clima mais famosas do mundo é minha ídola Jane Fonda, de 86 anos. Em 2019, ela chegou a ser presa algumas vezes por protestar pelo clima em frente ao Capitólio, em Washington. Na época, ela alugou um apartamento e se mudou para a capital dos Estados Unidos só para protestar.

Em 2022, ela teve que dar um tempo dos protestos por razões de saúde, quando descobriu que estava com câncer. Mas já voltou à luta. "Quando eu fui para Washington protestar e fui presa, não me sentia mais deprimida. Toda vez que eu ajo, a esperança vem", disse ela numa palestra realizada mês passado no SXSW, o maior encontro de tecnologia e inovação do mundo.

Na Alemanha, a organização de idosas Omas Gegen Rechts (Vovós contra a Extrema Direita) é famosa e costuma estar sempre presente em protestos contra a extrema direita e o fascismo. O grupo foi criado em 2018 e está espalhado por todo o país: de metrópoles como Berlim a cidades pequenas.

Na Alemanha, a gente encontra as Omas em manifestações no inverno, quando os termômetros marcam números negativos e em caminhadas embaixo de chuva. Elas estão sempre lá. É incrível.

E não são só elas que vão para as ruas. Nas grandes manifestações contra o fascismo que aconteceram na Alemanha em janeiro deste ano, milhares de idosos estavam presentes, até mulheres de muita idade que carregavam cartazes se denominando "as bisavós contra o fascismo". Eu brinco que, quando me aposentar, vou entrar para o Omas Gegen Rechts. É piada, mas tem um pouquinho de verdade. Acho que faz todo sentido usar o tempo livre na aposentadoria para lutar por essas causas importantes.

No Brasil, não existem grupos organizados só de senhoras, mas quem foi em manifestações anti-Bolsonaro, por exemplo, percebeu a grande quantidade de idosos presentes, principalmente, de novo, mulheres.

Minha melhor amiga mora no Rio de Janeira e é ativista de esquerda e pelos Direitos Humanos. Ela reclama constantemente da falta de "jovens" em manifestações – no caso, falamos daqueles que têm entre 20 e 40 anos. "O pessoal não vai. Eu e meus amigos somos sempre os mais jovens", diz ela, se referindo a pessoas na casa dos 50 anos. Pude confirmar que isso é verdade nas vezes em que estive com ela em protestos. Em manifestações no Rio de Janeiro, os cabelos brancos imperam.

Claro, nem todos os idosos são assim. No Brasil, sabemos que muitos idosos foram para portas de quartéis após a derrota de Jair Bolsonaro para pedir um golpe de Estado. Na Alemanha, os mais velhos também tendem a ser mais conservadores do que os jovens.

Segundo um levantamento divulgado pelo jornal alemão Die Welt após as eleições locais de Berlim em 2023, o partido conservador União Democrata Cristã (CDU) foi o preferido entre os eleitores nas faixas etárias de 45 a 59 e entre os que têm 60 anos ou mais. Já a maioria dos jovens votaram no Partido Verde.

Sim, na hora do voto, a maioria dos mais velhos são conservadores. Mas as avós pelo clima e contra a extrema direita mostram que nem todos são assim. E, mais ainda, elas dão exemplo de que não basta votar, é preciso ir às ruas também. Muitos jovens têm muito o que aprender com os mais velhos. Seus avós podem te ensinar, inclusive, a se rebelar.

Se a morte de palestinos não é genocídio, o que é?

O meu antigo chefe, Chuck Schumer, líder da maioria no Senado, disse corajosamente o que Joe Biden temia dizer: “Os civis palestinos não merecem sofrer pelos pecados do Hamas e Israel tem a obrigação moral de fazer melhor. Os Estados Unidos têm a obrigação de fazer melhor.”

A violência em curso, observou Schumer, ameaça não apenas as vidas dos palestinos, mas também a segurança do povo judeu em todo o mundo, ao alienar aliados globais consternados com o derramamento de sangue. Se Benjamin Netanyahu se recusar a desistir, concluiu, os EUA devem começar a “moldar a política israelita utilizando a nossa influência” – o que obviamente inclui aspectos militares, diplomáticos e económicos.

O que levou Schumer a uma interferência tão sem precedentes na política interna de Israel foi a terrível devastação humanitária infligida a Gaza. Quer se acredite ou não que ocorreu genocídio, a taxa de mortalidade em Gaza igualou ou excedeu a de três outros casos recentes que os presidentes dos EUA chamaram de “genocídio”.


Os americanos podem rejeitar tal comparação alegando que Israel está a responder em legítima defesa ao terrorismo. Mas provavelmente não têm consciência de que, historicamente, a grande maioria dos genocídios , ao contrário do Holocausto, foram igualmente respostas a ataques rebeldes ou terroristas – incluindo nos três casos mais recentes.

Em Darfur, em 2003, o rebelde Exército de Libertação do Sudão lançou ataques surpresa que mataram centenas de soldados sudaneses e fizeram outros reféns. O Sudão respondeu visando aldeias não-árabes em Darfur, acusadas de apoiar e acolher os rebeldes. Do final de 2003 ao início de 2004, as forças governamentais e as milícias associadas mataram até 10.000 civis por mês e deslocaram cerca de 2 milhões de civis, causando mais mortes por privação . Em setembro de 2004, a administração de George W Bush declarou a violência como “genocídio” .

Na província de Rakhine, em Mianmar, em 2017, o Exército de Salvação Arakan Rohingya matou guardas de fronteira e lançou ataques terroristas que mataram mais de 100 civis e fizeram outros reféns. Mianmar respondeu atacando áreas muçulmanas suspeitas de apoiar os rebeldes. No final daquele ano, os ataques do governo mataram cerca de 7.000 civis durante o mês mais intenso do conflito e deslocaram mais de 1 milhão. Em 2022, a administração Biden declarou formalmente Mianmar culpado de “genocídio” .

A China, desde a década passada, reagiu a anos de ataques terroristas em Xinjiang, detendo em campos de reeducação pelo menos 1 milhão de civis – principalmente uigures de etnia muçulmana – e interferindo na sua reprodução. Mesmo na ausência de massacres governamentais, a administração Donald Trump declarou em janeiro de 2021 que as ações da China constituíam “genocídio”.

Nos três casos, os governos estrangeiros alegaram estar a responder em legítima defesa aos ataques terroristas perpetrados pelos rebeldes, que por sua vez afirmaram que os seus ataques foram motivados por opressão anterior. O governo dos Estados Unidos, em cada caso, declarou a resposta ao terrorismo um genocídio porque prejudicou desproporcionalmente os civis.

Este padrão repete-se agora no Oriente Médio. Em 7 de outubro de 2023, o Hamas atacou Israel a partir de Gaza, matando mais de 1.100 soldados e civis e fazendo mais de 200 reféns, o que justificou como uma resposta a décadas de expulsão, ocupação e opressão. Israel retaliou atacando Gaza de forma tão indiscriminada que quase 20 mil palestinianos, principalmente civis, foram mortos só durante os primeiros dois meses. Em janeiro, um responsável dos Esatados Unidos confirmou que “mais de 25 mil civis foram mortos”. Autoridades de Gaza dizem agora que o número de vítimas ultrapassa 33 mil pessoas. O próprio Netanyahu admitiu 28 mil mortes.

Pergunte-se: se um combatente do Hamas estivesse escondido sob um bloco de apartamentos de judeus em Israel, as Forças de Defesa de Israel destruiriam todo o edifício para matá-lo?

A taxa de mortalidade de civis em Gaza por Israel é aproximadamente equivalente à de Darfur, e mais elevada do que nos outros dois casos recentes, todos os quais o nosso governo rotulou de “genocídio”. Os ataques de Israel também deslocaram a grande maioria dos mais de 2 milhões de civis de Gaza, uma inundação humana semelhante ou superior à dos outros casos. As restrições de Israel à ajuda humanitária infligiram o maior risco de fome em qualquer parte do mundo em décadas, segundo a ONU.

A violência de Israel é claramente excessiva relativamente aos seus objetivos compreensíveis de punir e debilitar um grupo terrorista, como pode ser ilustrado por comparação. Em 2017, os EUA atacaram e derrotaram o Estado Islâmico no Iraque e na Síria – que detinha muito mais território, incluindo cidades densamente povoadas – mas a taxa de assassinatos de civis nos EUA foi inferior a um décimo, 500 por mês, no máximo.

Porque é que Israel tem como alvo blocos de apartamentos e bairros inteiros quando procura apenas um ou um punhado de membros do Hamas? Tal como no Sudão, em Mianmar ou na China, a resposta não é apenas a dissuasão, mas também a desumanização. Pergunte-se: se um combatente do Hamas estivesse escondido sob um bloco de apartamentos de judeus em Israel, as Forças de Defesa de Israel destruiriam todo o edifício para matá-lo? Claro que não, mas fê-lo em Gaza porque as vidas palestinas estão desvalorizadas.

Não me dá nenhum prazer fazer essas observações. Eu sou judeu. Meus pais fizeram Aliyah para Israel, onde meu irmão nasceu e onde ainda tenho dezenas de parentes. Não sou antissemita nem me oponho à existência de Israel. Mas fatos são fatos.

Ironicamente, muitos dos que agora defendem a retaliação de Israel em Gaza eram anteriormente opositores veementes de respostas semelhantes ao terrorismo por parte do Sudão, Mianmar e China – a que chamavam genocídio. Espero que eles pensem sobre isso.

Alan J Kuperman