sexta-feira, 17 de setembro de 2021
Bolsa Família mais gordo é uma batalha política final para Bolsonaro
O aumento do Bolsa Família deve ser a grande batalha da contraofensiva de Jair Bolsonaro. Grande e talvez última, no universo das providências racionais, pois se sabe que o tipo pode muito bem apelar para a explosão de alguma bomba no país.
Não se tem dado a devida atenção ao confronto, pois os “formadores de opinião” ou “influencers” não ligam muito para pobres e talvez porque, no caso, a conversa envolva uma solução para os precatórios que não derrube o teto de gastos ou o avacalhe em excesso. Só de ouvir as palavras “precatório” e “teto” as pessoas comuns caem no torpor único do enfado. No entanto, essa decisão deve definir o ambiente socioeconômico e político em que Bolsonaro e seus apaniguados no Congresso devem dar as próximas tacadas.
O prestígio de Bolsonaro foi talhado porque perdeu o apoio dos mais pobres, como é meio óbvio em um país de pobreza bem piorada pela desigualdade, como o Brasil. A diferença maior é que quase qualquer outro governante, pelo menos um com características parecidas com a da humanidade média, poderia ter algum outro recurso de convencimento e simpatia: esperança, caridade, uma tentativa mínima de governar.
O pico da popularidade de Bolsonaro foi em dezembro de 2020, segundo as pesquisas do Datafolha. Tinha 37% de nota “ótimo ou bom” e 32% de “ruim ou péssimo”. Entre os mais pobres, pessoas de famílias com renda de dois salários mínimos ou menos, era mais ou menos a mesma coisa: 37% de aprovação, 27% de desaprovação. No Datafolha desta semana, 17% dos pobres aprovavam o governo; 52% desaprovavam. Entre os mais “ricos” (renda familiar igual ou maior do que dez salários mínimos), ficou na mesma.
Em dezembro, a diferença entre aprovação e desaprovação era de 5 pontos positivos no total da população e 10 pontos positivos entre os mais pobres; agora, é de 37 pontos negativos no geral e de 50 pontos negativos entre os mais pobres.
Bolsonaro precisa iludir alguns pobres a fim de sobreviver política ou eleitoralmente. Para tanto, não sobra muito mais que um Bolsa Família. Assim, precisa de apoio de Congresso e Supremo a fim de aprovar uma gambiarra nos precatórios: de algum modo, deixar de pagar essa dívida a fim de sobrar dinheiro para o auxílio para os pobres. Se não der certo, terá de recorrer a uma gambiarra legal ainda mais audaciosa, como aprovar um crédito extraordinário em 2021 e, mais aberrante, em 2022.
Um Bolsa Família custa cerca de R$ 35 bilhões por ano, com o que se chega a cerca de 14 milhões de famílias com um benefício médio de uns R$ 190 por mês. A fim de dar alguma mexida significativa no programa, chegando a mais gente ou também transferindo mais dinheiro, precisa de pelo menos uns R$ 30 bilhões.
Talvez nem isso resolva. Talvez muito pobre tenha tomado nojo definitivo de Bolsonaro. Por outro lado, ele pode conseguir uns pontos de popularidade porque haverá mais gente empregada ou com algum tipo de rendimento do trabalho. Se Bolsonaro parasse de explodir a economia, melhor ainda; mas é perverso, demente e incapaz. Também por causa disso, contribui para que a inflação não caia. É possível que o efeito da inflação sobre os pobres que ainda tenham alguma renda do trabalho seja tão negativo que a melhoria do emprego não seja suficiente para compensar essa desgraça.
Seja como for, de menos especulativo, com possível efeito real, há a engorda do Bolsa Família. Ainda que dê certo, não é o passaporte para Bolsonaro subir nas pesquisas a ponto de virar o jogo eleitoral. Mas pode bem ser um caminho para manter apoio político-parlamentar para tentar outras tacadas —e sufocar de vez a “terceira via”.
Não se tem dado a devida atenção ao confronto, pois os “formadores de opinião” ou “influencers” não ligam muito para pobres e talvez porque, no caso, a conversa envolva uma solução para os precatórios que não derrube o teto de gastos ou o avacalhe em excesso. Só de ouvir as palavras “precatório” e “teto” as pessoas comuns caem no torpor único do enfado. No entanto, essa decisão deve definir o ambiente socioeconômico e político em que Bolsonaro e seus apaniguados no Congresso devem dar as próximas tacadas.
O prestígio de Bolsonaro foi talhado porque perdeu o apoio dos mais pobres, como é meio óbvio em um país de pobreza bem piorada pela desigualdade, como o Brasil. A diferença maior é que quase qualquer outro governante, pelo menos um com características parecidas com a da humanidade média, poderia ter algum outro recurso de convencimento e simpatia: esperança, caridade, uma tentativa mínima de governar.
O pico da popularidade de Bolsonaro foi em dezembro de 2020, segundo as pesquisas do Datafolha. Tinha 37% de nota “ótimo ou bom” e 32% de “ruim ou péssimo”. Entre os mais pobres, pessoas de famílias com renda de dois salários mínimos ou menos, era mais ou menos a mesma coisa: 37% de aprovação, 27% de desaprovação. No Datafolha desta semana, 17% dos pobres aprovavam o governo; 52% desaprovavam. Entre os mais “ricos” (renda familiar igual ou maior do que dez salários mínimos), ficou na mesma.
Em dezembro, a diferença entre aprovação e desaprovação era de 5 pontos positivos no total da população e 10 pontos positivos entre os mais pobres; agora, é de 37 pontos negativos no geral e de 50 pontos negativos entre os mais pobres.
Bolsonaro precisa iludir alguns pobres a fim de sobreviver política ou eleitoralmente. Para tanto, não sobra muito mais que um Bolsa Família. Assim, precisa de apoio de Congresso e Supremo a fim de aprovar uma gambiarra nos precatórios: de algum modo, deixar de pagar essa dívida a fim de sobrar dinheiro para o auxílio para os pobres. Se não der certo, terá de recorrer a uma gambiarra legal ainda mais audaciosa, como aprovar um crédito extraordinário em 2021 e, mais aberrante, em 2022.
Um Bolsa Família custa cerca de R$ 35 bilhões por ano, com o que se chega a cerca de 14 milhões de famílias com um benefício médio de uns R$ 190 por mês. A fim de dar alguma mexida significativa no programa, chegando a mais gente ou também transferindo mais dinheiro, precisa de pelo menos uns R$ 30 bilhões.
Talvez nem isso resolva. Talvez muito pobre tenha tomado nojo definitivo de Bolsonaro. Por outro lado, ele pode conseguir uns pontos de popularidade porque haverá mais gente empregada ou com algum tipo de rendimento do trabalho. Se Bolsonaro parasse de explodir a economia, melhor ainda; mas é perverso, demente e incapaz. Também por causa disso, contribui para que a inflação não caia. É possível que o efeito da inflação sobre os pobres que ainda tenham alguma renda do trabalho seja tão negativo que a melhoria do emprego não seja suficiente para compensar essa desgraça.
Seja como for, de menos especulativo, com possível efeito real, há a engorda do Bolsa Família. Ainda que dê certo, não é o passaporte para Bolsonaro subir nas pesquisas a ponto de virar o jogo eleitoral. Mas pode bem ser um caminho para manter apoio político-parlamentar para tentar outras tacadas —e sufocar de vez a “terceira via”.
Antropofagia liberada
Existe uma coisa a nos devorar, Marina, sem que possamos fazer nada, a não ser contemplar o esvaziamento até nos transformarmos em uma carcaça. Você também tem a sensação de que estamos todos enlouquecendo serenamente neste Brasil?Ignácio de Loyola Brandão
Bolsonaro demole a si mesmo e suas criaturas
Se houver amanhã no horizonte do Brasil que está sendo semeado hoje, a pátria que sobrar não terá como não erguer, ainda que às gargalhadas, um monumento de gratidão a quem a governou de 2018 até quase 2022.
Despistado, infiltrado no movimento autoritário e direitista chamado bolsonarismo, ninguém percebeu, nem eu, que Jair Messias, na ação demolidora das instituições democráticas, foi demolindo a si mesmo e suas criaturas. Nas irracionalidades politicamente destrutivas de seus atos, Bolsonaro é consequência e avesso do bolsonarismo. De outro modo, seus próprios cúmplices disseram isso após seus atos do dia seguinte ao do dia da pátria.
Nesse avesso, seu perfil revelou não caber na política de seu tempo. Versão tropical e invertida de Procusto, foi cortando as pernas alheias para não cortar as próprias, a fim de que coubessem no desconforto do corpo redutivo do Estado pessoal e condominial, imaginário, de suas limitações autoritárias.
Política em mãos erradas é uma faca de dois gumes. Isso quer dizer que nesse governo, de amadores, sem o saber e sem a mínima consciência política, Bolsonaro é um importante aliado das oposições. Sua governança errática e aparentemente desorientada, rentista e anticapitalista, sua palavra autoritária e sem sentido, tem aberto brechas e rombos nas toscas concepções civis e militares que são o fundamento ideológico de seu regime anômalo. É desafio a suas vítimas a tomarem a palavra e a tomarem decisões para desconstruir o opressor.
Cada incongruência, cada ato irracional, cada gesto politicamente imprudente, cada bobagem dita e feita, acorda as consciências para as consequências políticas de votar no desconhecido com a intenção de votar contra alguém conhecido.
Nas manifestações de 12 de setembro, numerosos participantes que pediam o impedimento de Bolsonaro haviam sido ativistas dos procedimentos que, na eleição de 2018, o levaram ao poder.
Fatos políticos têm conexões invisíveis, a alguma distância dos atores que estão no palco das encenações. Pequenos fatos podem se tornar causa de grandes consequências, ainda que lentas. Se retornarmos ao espetáculo acabrunhante da reunião de governo de 22 de abril de 2020, poderemos constatar, nas quedas em cascata de gente presunçosa e supostamente poderosa, o quanto os donos do poder não são necessariamente donos da verdade política do que fazem. Seus efeitos se desdobram antagonicamente.
O desencontro entre as intenções governistas das manifestações do dia 7 e a reação de governistas ao que foi dito e ao que resultou do que dito pôs em evidência alguns dos limites das cumplicidades antipolíticas e desinformadas.
Esse tipo de alienação política é decorrência dos mecanismos de reprodução das relações sociais, de recriação da ordem e do que lhe é próprio e reiterativo. Mas lhe é própria, também, a acumulação de contradições que tornam a descontinuidade e a ruptura inevitáveis e necessárias.
Bolsonaro, em todos os seus atos anômalos e anti-históricos, é a personificação irremediável de nossas contradições. O que ele faz não é o que ele pensa estar fazendo. Seus pronunciamentos, seus inimigos imaginários, são expressões das falsas certezas do poder.
Não obstante, nas relações sociais e no poder que lhes corresponde, sempre há vontades e protagonismos não capturados. Insubmissos porque a situação social dos que ficam à margem não se encaixa nas soluções dos que marginalizam e disso se beneficiam. É o que estamos vivendo intensamente e é o que desmonta o presente e o futuro do bolsonarismo.
Essas situações sociais tendem a se agrupar e a se identificar antagonicamente aos fatores de continuidade e reprodução social e política. São irredutíveis aos requisitos de dominação dos grupos e das categorias que de sua cumplicidade precisam.
São situações que podem se desdobrar na consciência de que suas necessidades colocadas à margem são necessidades radicais, cujo atendimento pede inovações sociais e políticas, e não repetições e reiterações. O que depende de uma coalizão política insurgente desses resíduos, demonstrou-o Henri Lefebvre.
Sua viabilidade depende, por sua vez, de mediações políticas que lhe traduzam o querer social em querer político e em projeto que lhe abra espaço e lugar numa nova estrutura de poder, o da diferença compartilhada e das carências próprias reconhecidas.
Diferentes expressões desse inconformismo residual ganharam visibilidade justamente nesses dias à margem da teatralização do ensaio totalitário de um golpe de Estado proclamado. Manifestações de diferentes sujeitos que falam movidos por valores históricos que se tornam motivação de insurgência em relação a valores redutivos, amorais e antissociais.
Despistado, infiltrado no movimento autoritário e direitista chamado bolsonarismo, ninguém percebeu, nem eu, que Jair Messias, na ação demolidora das instituições democráticas, foi demolindo a si mesmo e suas criaturas. Nas irracionalidades politicamente destrutivas de seus atos, Bolsonaro é consequência e avesso do bolsonarismo. De outro modo, seus próprios cúmplices disseram isso após seus atos do dia seguinte ao do dia da pátria.
Nesse avesso, seu perfil revelou não caber na política de seu tempo. Versão tropical e invertida de Procusto, foi cortando as pernas alheias para não cortar as próprias, a fim de que coubessem no desconforto do corpo redutivo do Estado pessoal e condominial, imaginário, de suas limitações autoritárias.
Política em mãos erradas é uma faca de dois gumes. Isso quer dizer que nesse governo, de amadores, sem o saber e sem a mínima consciência política, Bolsonaro é um importante aliado das oposições. Sua governança errática e aparentemente desorientada, rentista e anticapitalista, sua palavra autoritária e sem sentido, tem aberto brechas e rombos nas toscas concepções civis e militares que são o fundamento ideológico de seu regime anômalo. É desafio a suas vítimas a tomarem a palavra e a tomarem decisões para desconstruir o opressor.
Cada incongruência, cada ato irracional, cada gesto politicamente imprudente, cada bobagem dita e feita, acorda as consciências para as consequências políticas de votar no desconhecido com a intenção de votar contra alguém conhecido.
Nas manifestações de 12 de setembro, numerosos participantes que pediam o impedimento de Bolsonaro haviam sido ativistas dos procedimentos que, na eleição de 2018, o levaram ao poder.
Fatos políticos têm conexões invisíveis, a alguma distância dos atores que estão no palco das encenações. Pequenos fatos podem se tornar causa de grandes consequências, ainda que lentas. Se retornarmos ao espetáculo acabrunhante da reunião de governo de 22 de abril de 2020, poderemos constatar, nas quedas em cascata de gente presunçosa e supostamente poderosa, o quanto os donos do poder não são necessariamente donos da verdade política do que fazem. Seus efeitos se desdobram antagonicamente.
O desencontro entre as intenções governistas das manifestações do dia 7 e a reação de governistas ao que foi dito e ao que resultou do que dito pôs em evidência alguns dos limites das cumplicidades antipolíticas e desinformadas.
Esse tipo de alienação política é decorrência dos mecanismos de reprodução das relações sociais, de recriação da ordem e do que lhe é próprio e reiterativo. Mas lhe é própria, também, a acumulação de contradições que tornam a descontinuidade e a ruptura inevitáveis e necessárias.
Bolsonaro, em todos os seus atos anômalos e anti-históricos, é a personificação irremediável de nossas contradições. O que ele faz não é o que ele pensa estar fazendo. Seus pronunciamentos, seus inimigos imaginários, são expressões das falsas certezas do poder.
Não obstante, nas relações sociais e no poder que lhes corresponde, sempre há vontades e protagonismos não capturados. Insubmissos porque a situação social dos que ficam à margem não se encaixa nas soluções dos que marginalizam e disso se beneficiam. É o que estamos vivendo intensamente e é o que desmonta o presente e o futuro do bolsonarismo.
Essas situações sociais tendem a se agrupar e a se identificar antagonicamente aos fatores de continuidade e reprodução social e política. São irredutíveis aos requisitos de dominação dos grupos e das categorias que de sua cumplicidade precisam.
São situações que podem se desdobrar na consciência de que suas necessidades colocadas à margem são necessidades radicais, cujo atendimento pede inovações sociais e políticas, e não repetições e reiterações. O que depende de uma coalizão política insurgente desses resíduos, demonstrou-o Henri Lefebvre.
Sua viabilidade depende, por sua vez, de mediações políticas que lhe traduzam o querer social em querer político e em projeto que lhe abra espaço e lugar numa nova estrutura de poder, o da diferença compartilhada e das carências próprias reconhecidas.
Diferentes expressões desse inconformismo residual ganharam visibilidade justamente nesses dias à margem da teatralização do ensaio totalitário de um golpe de Estado proclamado. Manifestações de diferentes sujeitos que falam movidos por valores históricos que se tornam motivação de insurgência em relação a valores redutivos, amorais e antissociais.
O bolsonarismo e as cobaias humanas
O governo Bolsonaro já produziu um imitador de Joseph Goebbels, o ministro da Propaganda do nazismo. Agora faz lembrar Josef Mengele, o médico que fazia experimentos macabros em Auschwitz.
O doutor ficou conhecido por usar prisioneiros como cobaias. Tratava seres humanos como ratos de laboratório, sob inspiração de uma ideologia que pregava a “higiene racial”.
Associada à barbárie nazista, a expressão “cobaias humanas” é citada no relatório da comissão de juristas que aconselha a CPI da Covid. O documento defende que o presidente Jair Bolsonaro e o ex-ministro Eduardo Pazuello sejam denunciados ao Tribunal Penal Internacional pela prática de crimes contra a humanidade.
Os juristas classificam a gestão da pandemia como um ataque à população civil. O governo sabotou medidas sanitárias, negou assistência a indígenas, retardou a compra de vacinas e apostou na tese da imunidade de rebanho, que acelerou a circulação do vírus.
O relatório descreve a crise de Manaus como um “caso exemplar de desprezo à vida”. Afirma que a cidade virou palco de um “experimento pseudocientífico” com a distribuição de remédios ineficazes. Em janeiro, os hospitais entraram em colapso e dezenas de pacientes morreram asfixiados.
O doutor ficou conhecido por usar prisioneiros como cobaias. Tratava seres humanos como ratos de laboratório, sob inspiração de uma ideologia que pregava a “higiene racial”.
Associada à barbárie nazista, a expressão “cobaias humanas” é citada no relatório da comissão de juristas que aconselha a CPI da Covid. O documento defende que o presidente Jair Bolsonaro e o ex-ministro Eduardo Pazuello sejam denunciados ao Tribunal Penal Internacional pela prática de crimes contra a humanidade.
Os juristas classificam a gestão da pandemia como um ataque à população civil. O governo sabotou medidas sanitárias, negou assistência a indígenas, retardou a compra de vacinas e apostou na tese da imunidade de rebanho, que acelerou a circulação do vírus.
O relatório descreve a crise de Manaus como um “caso exemplar de desprezo à vida”. Afirma que a cidade virou palco de um “experimento pseudocientífico” com a distribuição de remédios ineficazes. Em janeiro, os hospitais entraram em colapso e dezenas de pacientes morreram asfixiados.
As investigações da CPI indicam que o governo não foi o único a tratar doentes como cobaias. Um dossiê enviado aos senadores afirma que a seguradora Prevent Senior ocultou mortes de pacientes que participaram, sem saber, de um estudo com as mesmas drogas.
A pesquisa foi repassada a Bolsonaro, que a usou para fazer propaganda do “tratamento precoce”. A empresa negou as acusações, reveladas ontem pela GloboNews, e disse ser vítima de “denúncias infundadas”.
A professora Deisy Ventura, da Faculdade de Saúde Pública da USP, lembra que o envolvimento do setor privado é uma constante na história dos crimes contra a humanidade. “Empresas que têm afinidade com o governo costumam se prestar a este papel”, afirma.
Depois da rendição dos nazistas, Mengele fugiu para a América do Sul. Terminou seus dias no Brasil, escondido sob identidade falsa. Se voltasse hoje ao país, o doutor teria chance de conseguir um emprego em Brasília.
Bernardo Mello Franco
A pesquisa foi repassada a Bolsonaro, que a usou para fazer propaganda do “tratamento precoce”. A empresa negou as acusações, reveladas ontem pela GloboNews, e disse ser vítima de “denúncias infundadas”.
A professora Deisy Ventura, da Faculdade de Saúde Pública da USP, lembra que o envolvimento do setor privado é uma constante na história dos crimes contra a humanidade. “Empresas que têm afinidade com o governo costumam se prestar a este papel”, afirma.
Depois da rendição dos nazistas, Mengele fugiu para a América do Sul. Terminou seus dias no Brasil, escondido sob identidade falsa. Se voltasse hoje ao país, o doutor teria chance de conseguir um emprego em Brasília.
Bernardo Mello Franco
Sair das trevas, derrotar a barbárie
Os últimos meses do ansiado 2022 serão ainda mais trágicos? Não sabemos se os manifestantes antidemocráticos do dia 7 de setembro vão sair às ruas com uma arma nas mãos e uma ideia criminosa na cabeça; tampouco sabemos como vão se comportar as instituições, principalmente as Forças Armadas, que, numa democracia, têm o dever constitucional de garantir a posse do próximo presidente.
Jair Messias Bolsonaro atribuiu sua fala golpista no Dia da Pátria ao “calor do momento”. Esse calor causa calafrios e não é nada momentâneo, pois os discursos autoritários de Jair datam de seus verdes anos. Será que algum dia essas falas infames terão fim? Ou o “calor do momento” seria uma tradução muito livre, quase metafórica da frase latina memento mori? Um lembrete: não me refiro à morte física, e sim à morte política do chefe e de seus filhos, igualmente antidemocráticos e fãs ardorosos de fake news.
Suposições à parte, tudo indica que falta pouco mais de um ano para o fim do pesadelo. Não foi um péssimo sonho, e sim a noite mais longa e pavorosa desde o fim da ditadura civil-militar, fonte inspiradora do atual governo, capitaneado por um sujeito totalmente desqualificado para qualquer cargo, e não apenas público.
Oxalá o tempo – essa abstração ingovernável – avance como um louco, dando longas e rápidas passadas a fim de alcançar logo o 2 de outubro de 2022. Mas o anseio por um tempo veloz, contrário a seu ritmo próprio, não impede que o STF e o Poder Legislativo ajam com rigor para conter não apenas a enxurrada de políticas públicas destrutivas, mas também o fluxo ininterrupto de ilícitos, arbítrios, falácias, provocações, ameaças e imprecações brutas deste governo e seus seguidores extremistas. Já estamos vivendo em pleno caos, e a distância entre o caos e a anomia é mínima.
Terão sido quatro anos de angústia, desemprego, miséria e luto para milhões de brasileiros. Governos anteriores acertaram em algumas áreas, erraram feio em outras, foram razoáveis aqui e ali; mas este foi desastroso, para não dizer destruidor, em todas. E, vale lembrar, com a cumplicidade de muitos deputados federais e senadores, chefiados pelos presidentes da Câmara e do Senado. Parece que este último, dotado de uma frieza intensa e de uma tibieza estranha, alimenta o sonho de ser presidente do País. Por enquanto, ele e Lira são cúmplices deste Brasil caótico.
Aliás, a lista de cúmplices – diretos e amoitados – só caberia num imenso volume, intitulado Os Comparsas do Opróbrio. Não seria um livro de ficção. Pelo menos, não agora, neste clima melancólico de luto e angústia. E ficção convém ser escrita quando o presente – o tempo das tragédias e de seus traumas – já se distanciou.
Que primavera nos espera? Ou: o que esperamos quando ela chegar? Apagões? Carestia e desemprego crescentes? Mais incêndios e tristeza neste luto prolongado? Primavera será prenúncio de um verão sufocante?
Em 2018, milhões de brasileiros já sabiam – e agora outros milhões sabem – como e por que entramos nesta escuridão. Resta-nos saber como encontrar as sendas e a sabedoria para sairmos das trevas.
Sair das trevas significa derrotar a ignorância e a barbárie. Se isso não acontecer, vale perguntar, parafraseando o grande poeta: nossos olhos vão reaprender a chorar um segundo dilúvio?
Jair Messias Bolsonaro atribuiu sua fala golpista no Dia da Pátria ao “calor do momento”. Esse calor causa calafrios e não é nada momentâneo, pois os discursos autoritários de Jair datam de seus verdes anos. Será que algum dia essas falas infames terão fim? Ou o “calor do momento” seria uma tradução muito livre, quase metafórica da frase latina memento mori? Um lembrete: não me refiro à morte física, e sim à morte política do chefe e de seus filhos, igualmente antidemocráticos e fãs ardorosos de fake news.
Suposições à parte, tudo indica que falta pouco mais de um ano para o fim do pesadelo. Não foi um péssimo sonho, e sim a noite mais longa e pavorosa desde o fim da ditadura civil-militar, fonte inspiradora do atual governo, capitaneado por um sujeito totalmente desqualificado para qualquer cargo, e não apenas público.
Oxalá o tempo – essa abstração ingovernável – avance como um louco, dando longas e rápidas passadas a fim de alcançar logo o 2 de outubro de 2022. Mas o anseio por um tempo veloz, contrário a seu ritmo próprio, não impede que o STF e o Poder Legislativo ajam com rigor para conter não apenas a enxurrada de políticas públicas destrutivas, mas também o fluxo ininterrupto de ilícitos, arbítrios, falácias, provocações, ameaças e imprecações brutas deste governo e seus seguidores extremistas. Já estamos vivendo em pleno caos, e a distância entre o caos e a anomia é mínima.
Terão sido quatro anos de angústia, desemprego, miséria e luto para milhões de brasileiros. Governos anteriores acertaram em algumas áreas, erraram feio em outras, foram razoáveis aqui e ali; mas este foi desastroso, para não dizer destruidor, em todas. E, vale lembrar, com a cumplicidade de muitos deputados federais e senadores, chefiados pelos presidentes da Câmara e do Senado. Parece que este último, dotado de uma frieza intensa e de uma tibieza estranha, alimenta o sonho de ser presidente do País. Por enquanto, ele e Lira são cúmplices deste Brasil caótico.
Aliás, a lista de cúmplices – diretos e amoitados – só caberia num imenso volume, intitulado Os Comparsas do Opróbrio. Não seria um livro de ficção. Pelo menos, não agora, neste clima melancólico de luto e angústia. E ficção convém ser escrita quando o presente – o tempo das tragédias e de seus traumas – já se distanciou.
Que primavera nos espera? Ou: o que esperamos quando ela chegar? Apagões? Carestia e desemprego crescentes? Mais incêndios e tristeza neste luto prolongado? Primavera será prenúncio de um verão sufocante?
Em 2018, milhões de brasileiros já sabiam – e agora outros milhões sabem – como e por que entramos nesta escuridão. Resta-nos saber como encontrar as sendas e a sabedoria para sairmos das trevas.
Sair das trevas significa derrotar a ignorância e a barbárie. Se isso não acontecer, vale perguntar, parafraseando o grande poeta: nossos olhos vão reaprender a chorar um segundo dilúvio?
Golpe militar dá trabalho, e Bolsonaro não gosta de trabalhar
O pastiche que se seguiu às sérias e graves ameaças proferidas por Jair Bolsonaro em cima de dois palanques no 7 de Setembro não permite que analistas e tomadores de decisões se equivoquem quanto à natureza golpista do presidente brasileiro, mas é um exemplo lapidar da ojeriza que ele tem a trabalho, planejamento, estudo e articulação.
Dar um golpe exige afinco, obstinação e capacidade gerencial. Qualquer que seja a natureza da virada de mesa que fazem postulantes autoritários de qualquer cepa política, de Putin a Maduro, para ficar nos atuais, requer que se tenha um plano com começo, meio e fim e um grupo — militares, políticos, burocratas, ou de preferência todos esses alinhados — a lhe dar apoio e seguimento.
A quartelada desastrosa de Bolsonaro não tinha nada disso. Quando Luiz Fux chamou o comandante militar do Planalto à fala diante da investida de caminhoneiros e outros arruaceiros bolsonaristas em direção à Praça dos Três Poderes, na noite da véspera das manifestações, já saiu da conversa com a constatação de que as Forças Armadas não estavam embarcadas em nenhum roteiro golpista minimamente esquadrinhado. E não estavam dispostas a avançar aquele sinal.
Da mesma forma, as Polícias Militares, que estão sendo cevadas pelo bolsolavismo à base de lavagem cerebral e promessa de casa própria, também não tinham, àquela altura, um grau de adesão suficiente para fazer com que alguns ou muitos motins estourassem Brasil afora num sinal de alerta para os governadores.
Um antigo aliado que hoje acompanha de longe os passos claudicantes do governo do capitão é testemunha do completo desinteresse de Bolsonaro por tudo o que exija um mínimo de trabalho.
Lembra que, na campanha, Paulo Guedes preparava extensos calhamaços de material sobre economia para ele, que Bolsonaro largava displicentemente em cima da mesa onde estivesse e ia embora fazendo alguma piada de tio do pavê. Essa rotina segue no governo, vivida por ministros que tentam, em vão, despachar temas complexos com o chefe.
O presidente do Brasil ocupa sua mente com o lixo da internet, que tenta proteger revogando marcos legais que impedem sua propagação e sua monetização, com as obsessões de sempre e com a campanha de 2022. Toda a agenda do governo orbita em torno dessa pauta pobre, que condena o país à estagnação geral que atravessa, da economia à educação, da saúde às artes.
Graças à aversão do mito por fazer aquilo para o que foi eleito em 2018 — ou seja, administrar o país —, mais de 200 milhões de pessoas atravessam dias, semanas, meses atadas a uma discussão insana de problemas inexistentes enquanto os reais não são encaminhados.
Uma análise acurada da agenda diária de Bolsonaro dá conta de sua completa inapetência pelas questões de Estado e do dia a dia do Executivo.
Sai do Alvorada calmamente para conversar com os desocupados que vão lhe puxar o saco no cercadinho, concede entrevistas a emissoras de rádio sobre os temas distópicos que dominam sua cabeça, despacha com um ou dois ministros e cedo já volta para casa.
A coisa muda de figura quando pinta alguma viagem para inaugurar obra ou pelo menos lançar uma placa de obras vindouras, eventos que o presidente brasileiro gosta de promover para dar a falsa ideia de que sua gestão tem entregas a fazer.
Não nos esqueçamos, claro, de seu compromisso mais frequente como presidente. Reuniões ministeriais? Encontros com a base aliada? Não, não. É a tradicional live das quintas-feiras, com direito a sanfoneiro cafona e muita mentira, com uso de recursos públicos (servidores, equipamentos, palácio e o que mais vier) para fazer campanha antecipada.
Alguém assim, avesso ao batente, só poderia achar que bastava subir num caminhão de som para o golpe acontecer. Não foi assim. Mas que os que tiram sarro dele não se enganem: a incompetência não fará Bolsonaro desistir do intento golpista. Ele é da sua natureza, assim como a aversão ao trabalho.
Dar um golpe exige afinco, obstinação e capacidade gerencial. Qualquer que seja a natureza da virada de mesa que fazem postulantes autoritários de qualquer cepa política, de Putin a Maduro, para ficar nos atuais, requer que se tenha um plano com começo, meio e fim e um grupo — militares, políticos, burocratas, ou de preferência todos esses alinhados — a lhe dar apoio e seguimento.
A quartelada desastrosa de Bolsonaro não tinha nada disso. Quando Luiz Fux chamou o comandante militar do Planalto à fala diante da investida de caminhoneiros e outros arruaceiros bolsonaristas em direção à Praça dos Três Poderes, na noite da véspera das manifestações, já saiu da conversa com a constatação de que as Forças Armadas não estavam embarcadas em nenhum roteiro golpista minimamente esquadrinhado. E não estavam dispostas a avançar aquele sinal.
Da mesma forma, as Polícias Militares, que estão sendo cevadas pelo bolsolavismo à base de lavagem cerebral e promessa de casa própria, também não tinham, àquela altura, um grau de adesão suficiente para fazer com que alguns ou muitos motins estourassem Brasil afora num sinal de alerta para os governadores.
Um antigo aliado que hoje acompanha de longe os passos claudicantes do governo do capitão é testemunha do completo desinteresse de Bolsonaro por tudo o que exija um mínimo de trabalho.
Lembra que, na campanha, Paulo Guedes preparava extensos calhamaços de material sobre economia para ele, que Bolsonaro largava displicentemente em cima da mesa onde estivesse e ia embora fazendo alguma piada de tio do pavê. Essa rotina segue no governo, vivida por ministros que tentam, em vão, despachar temas complexos com o chefe.
O presidente do Brasil ocupa sua mente com o lixo da internet, que tenta proteger revogando marcos legais que impedem sua propagação e sua monetização, com as obsessões de sempre e com a campanha de 2022. Toda a agenda do governo orbita em torno dessa pauta pobre, que condena o país à estagnação geral que atravessa, da economia à educação, da saúde às artes.
Graças à aversão do mito por fazer aquilo para o que foi eleito em 2018 — ou seja, administrar o país —, mais de 200 milhões de pessoas atravessam dias, semanas, meses atadas a uma discussão insana de problemas inexistentes enquanto os reais não são encaminhados.
Uma análise acurada da agenda diária de Bolsonaro dá conta de sua completa inapetência pelas questões de Estado e do dia a dia do Executivo.
Sai do Alvorada calmamente para conversar com os desocupados que vão lhe puxar o saco no cercadinho, concede entrevistas a emissoras de rádio sobre os temas distópicos que dominam sua cabeça, despacha com um ou dois ministros e cedo já volta para casa.
A coisa muda de figura quando pinta alguma viagem para inaugurar obra ou pelo menos lançar uma placa de obras vindouras, eventos que o presidente brasileiro gosta de promover para dar a falsa ideia de que sua gestão tem entregas a fazer.
Não nos esqueçamos, claro, de seu compromisso mais frequente como presidente. Reuniões ministeriais? Encontros com a base aliada? Não, não. É a tradicional live das quintas-feiras, com direito a sanfoneiro cafona e muita mentira, com uso de recursos públicos (servidores, equipamentos, palácio e o que mais vier) para fazer campanha antecipada.
Alguém assim, avesso ao batente, só poderia achar que bastava subir num caminhão de som para o golpe acontecer. Não foi assim. Mas que os que tiram sarro dele não se enganem: a incompetência não fará Bolsonaro desistir do intento golpista. Ele é da sua natureza, assim como a aversão ao trabalho.
Aplicar drogas em humanos sem sua autorização lembra Mengele
Nada se compara aos horrores nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, nada. Mas feita a ressalva, alguns casos guardam uma remota e preocupante semelhança.
Josef Mengele foi um oficial alemão da SS, organização paramilitar do Partido Nazista, e médico no campo de concentração de Auschwit onde foram mortos milhares de judeus.
Ele escolhia as vítimas a serem mortas nas câmaras de gás, separando-as das outras que seriam submetidas a experimentos humanos e que depois acabariam mortas também.
Senadores se lembraram dele ao receber documentos sobre o uso de pacientes como cobaias em pesquisa realizada pela Prevent Senior para testar a eficácia da cloroquina contra a Covid.
A Prevent Senior é uma das maiores operadoras de saúde do Brasil. A cloroquina foi aplicada a pacientes sem que eles ou suas famílias soubessem. Mortes foram ocultadas.
A CPI recebeu um farto material com denúncias para questionar o diretor-executivo da Prevent Senior, Pedro Benedito Batista Júnior quando ele comparecesse para depor, mas ele não compareceu.
Entre as denúncias está a prescrição indiscriminada de cloroquina, azitromicina e ivermectina, o chamado Kit Covid, para pacientes que tinham o plano da empresa.
O senador Otto Alencar (PDS-BA) revelou que os médicos da operadora que se recusaram a prescrever o Kit Covid foram ameaçados de demissão.
Até hoje, segundo reportagem da GloboNews, a indicação para a prescrição de remédios do Kit Covid é mantida no guia da Prevent, contrariando uma recomendação do Ministério da Saúde.
A Prevent fez, na capital paulista, um estudo com 636 pacientes diagnosticados com casos leves e graves de Covid. O estudo começou em março do ano passado.
Na ocasião, o diretor da Prevent, Fernando Oikawa, deu uma ordem aos médicos que contraria as normas éticas: “Não informar o paciente ou familiar, sobre medicação e nem sobre o programa”.
Segundo uma planilha interna da Prevent Senior, nove pacientes monitorados morreram e seis deles haviam tomado hidroxicloroquina e azitromicina.
Em 18 de abril, citando o CEO da Prevent Senior, Fernando Parrillo, o presidente Bolsonaro publicou que, entre os pacientes que optaram pelo medicamento, “o número de óbitos foi zero”.
Na época, o coordenador do estudo, Rodrigo Esper, mandou um áudio para um grupo de médicos:
“A gente está revisando todos os 636 pacientes do estudo, já tem mais ou menos uns 140 revisados, mas a gente precisa fazer a força-tarefa para acabar amanhã. Esses dados vão mudar a trajetória da medicina nos próximos meses no mundo. Está bom? Didier Raoult, eu entrei em contato com ele ontem, ele citou o nosso trabalho no Twitter, eu respondi a ele e então a gente precisa ser perfeito o dado, tá? Até o presidente da República citou a gente. Esse áudio tem que ficar aqui, não pode sair.”
Didier Raoult é o médico francês que pregava o uso da hidroxicloroquina no combate à Covid. Ele já admitiu que estava errado e que a medicação não reduz o agravamento da doença.
Mesmo depois do recuo de Raoult, Bolsonaro seguiu insistindo no uso da cloroquina. Em junho último, no Espírito Santo, disse:
“Fui acometido do vírus e tomei a hidroxicloroquina. Talvez eu tenha sido o único chefe de Estado que procurou remédio para esse mal. Tinha que aparecer alguma coisa. Ouvi pessoas que tinham conhecimento sobre o caso, mas quando falei que aquilo poderia ser bom, a oposição abriu uma guerra contra a gente.”
Josef Mengele foi um oficial alemão da SS, organização paramilitar do Partido Nazista, e médico no campo de concentração de Auschwit onde foram mortos milhares de judeus.
Ele escolhia as vítimas a serem mortas nas câmaras de gás, separando-as das outras que seriam submetidas a experimentos humanos e que depois acabariam mortas também.
Nunca foi preso. Fugiu para a Argentina, o Paraguai, e de lá para o Brasil onde entrou em 1960 e morreu 19 anos depois por afogamento de uma praia de Bertioga, cidade do litoral paulista.
Senadores se lembraram dele ao receber documentos sobre o uso de pacientes como cobaias em pesquisa realizada pela Prevent Senior para testar a eficácia da cloroquina contra a Covid.
A Prevent Senior é uma das maiores operadoras de saúde do Brasil. A cloroquina foi aplicada a pacientes sem que eles ou suas famílias soubessem. Mortes foram ocultadas.
A CPI recebeu um farto material com denúncias para questionar o diretor-executivo da Prevent Senior, Pedro Benedito Batista Júnior quando ele comparecesse para depor, mas ele não compareceu.
Entre as denúncias está a prescrição indiscriminada de cloroquina, azitromicina e ivermectina, o chamado Kit Covid, para pacientes que tinham o plano da empresa.
O senador Otto Alencar (PDS-BA) revelou que os médicos da operadora que se recusaram a prescrever o Kit Covid foram ameaçados de demissão.
Até hoje, segundo reportagem da GloboNews, a indicação para a prescrição de remédios do Kit Covid é mantida no guia da Prevent, contrariando uma recomendação do Ministério da Saúde.
A Prevent fez, na capital paulista, um estudo com 636 pacientes diagnosticados com casos leves e graves de Covid. O estudo começou em março do ano passado.
Na ocasião, o diretor da Prevent, Fernando Oikawa, deu uma ordem aos médicos que contraria as normas éticas: “Não informar o paciente ou familiar, sobre medicação e nem sobre o programa”.
Segundo uma planilha interna da Prevent Senior, nove pacientes monitorados morreram e seis deles haviam tomado hidroxicloroquina e azitromicina.
Em 18 de abril, citando o CEO da Prevent Senior, Fernando Parrillo, o presidente Bolsonaro publicou que, entre os pacientes que optaram pelo medicamento, “o número de óbitos foi zero”.
Na época, o coordenador do estudo, Rodrigo Esper, mandou um áudio para um grupo de médicos:
“A gente está revisando todos os 636 pacientes do estudo, já tem mais ou menos uns 140 revisados, mas a gente precisa fazer a força-tarefa para acabar amanhã. Esses dados vão mudar a trajetória da medicina nos próximos meses no mundo. Está bom? Didier Raoult, eu entrei em contato com ele ontem, ele citou o nosso trabalho no Twitter, eu respondi a ele e então a gente precisa ser perfeito o dado, tá? Até o presidente da República citou a gente. Esse áudio tem que ficar aqui, não pode sair.”
Didier Raoult é o médico francês que pregava o uso da hidroxicloroquina no combate à Covid. Ele já admitiu que estava errado e que a medicação não reduz o agravamento da doença.
Mesmo depois do recuo de Raoult, Bolsonaro seguiu insistindo no uso da cloroquina. Em junho último, no Espírito Santo, disse:
“Fui acometido do vírus e tomei a hidroxicloroquina. Talvez eu tenha sido o único chefe de Estado que procurou remédio para esse mal. Tinha que aparecer alguma coisa. Ouvi pessoas que tinham conhecimento sobre o caso, mas quando falei que aquilo poderia ser bom, a oposição abriu uma guerra contra a gente.”
Brasil sofre com abismo em nível de leitura entre jovens de alta e baixa renda
A renda e a posição socioeconômica têm grande influência sobre a capacidade de leitura e aprendizado dos jovens - e essa desigualdade é mais acentuada no Brasil do que em grande parte do mundo, aponta a OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) em seu relatório Education at Glance, divulgado nesta quinta-feira.
Por sua vez, a capacidade de leitura e interpretação de textos afeta a habilidade dos jovens em se desenvolverem social e profissionalmente e exercerem sua cidadania.
A OCDE usa como base comparativa os resultados de leitura do Pisa 2018, o exame internacional aplicado pela entidade em jovens de 15 anos nos 38 países-membros do grupo e em Argentina, Brasil, China, Índia, Indonésia, Rússia, Arábia Saudita e África do Sul.
A habilidade de leitura é definida pela OCDE como a "capacidade de entender, usar e refletir sobre textos escritos de modo a conquistar objetivos, desenvolver conhecimento e potencial e participar da sociedade".
Em uma escala de 1 a 6, o nível de leitura considerado básico é o 2 - estágio em que os estudantes "começam a demonstrar competências que vão lhes permitir participar de modo efetivo e produtivo na vida como estudantes, trabalhadores e cidadãos".
No Pisa 2018, os alunos brasileiros pontuaram, em média, 413 em leitura (para efeitos comparativos, a China, que encabeça o ranking, pontuou 555 nesse quesito), mantendo-se praticamente estagnado na última década.
E essa média esconde disparidades sociais, que foram exploradas no relatório apresentado nesta quinta.
No Brasil, diz a OCDE, a proporção de jovens da camada mais pobre que conseguiu alcançar o nível 2 em leitura do Pisa foi 55% menor do que a de jovens brasileiros de renda mais alta.
Essa disparidade é 26 pontos percentuais superior à média dos países da OCDE, de 29%, onde também se observa desigualdade em leitura entre alunos ricos e pobres.
"Entre os fatores que influenciam o desempenho na educação, o status socioeconômico tem o maior impacto nas habilidades de literacia dos jovens de 15 anos, mais do que seu gênero ou país de origem", diz o relatório Education at Glance.
No Brasil, porém, observou-se "uma das maiores disparidades de performance entre os países que têm dados disponíveis", prossegue o texto.
O tema havia sido abordado pela OCDE em maio deste ano, quando a entidade divulgou que, no Brasil, apenas um terço (33%) dos estudantes havia sido capaz de distinguir fatos de opiniões em uma das perguntas aplicadas no Pisa.
Na ocasião, o diretor de educação da OCDE, Andreas Schleicher, também se disse preocupado com o aumento no "abismo cultural" entre estudantes de classes sociais mais avantajadas e os mais pobres em todo o mundo.
Enquanto entre os estudantes mais ricos o número de livros em casa se manteve estável entre 2000 e 2018, esse número caiu consideravelmente entre os estudantes mais pobres globalmente.
O status socioeconômico segue tendo impacto na vida dos jovens ao diminuir seu acesso ao ensino superior e, desse modo, deixá-los mais vulneráveis ao desemprego, prossegue o relatório.
O relatório lançado pela OCDE nesta quinta aborda diferentes aspectos da desigualdade na educação global, desde questões de gênero até os impactos da pandemia no ensino.
No caso do Brasil, um dos pontos destacados é o fato de as mulheres terem, em média, mais tempo de educação que os homens, mas enfrentarem barreiras adicionais no mercado de trabalho.
Embora mais mulheres brasileiras de 25 a 34 anos tenham diplomas do ensino superior do que homens (27% contra 20%, segundo dados de 2018), elas têm mais probabilidade de estarem desempregadas do que eles.
A OCDE cita que, enquanto 85% dos homens com ensino superior estavam empregados no Brasil em 2018, entre as mulheres com a mesma qualificação essa taxa era de 77%.
Essa disparidade foi acentuada na pandemia, conforme um estudo recente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), que apontou que mulheres estavam, junto a negros e jovens, entre os grupos mais vulneráveis ao desemprego no país.
No que diz respeito a gastos na educação, segundo os dados de 2018, o Brasil gastou porcentagem do PIB (5% na época) semelhante à média da OCDE.
No entanto, quando se observa o gasto por aluno (da educação básica até o ensino superior), ele é de apenas um terço da média gasta pelos países da OCDE: US$ 3,2 mil por estudante anualmente, contra US$ 10 mil por estudante na média da OCDE.
Os dados mais recentes apontam uma redução nos investimentos na educação básica pública do país: segundo o Anuário do setor, produzido pela entidade Todos Pela Educação, Estados e municípios brasileiros gastaram R$ 21 bilhões a menos em 2020 em relação ao ano anterior - e essa redução de gastos ocorreu justamente durante a pandemia, quando o setor enfrentou desafios sem precedentes.
Nesta quarta-feira, o Senado aprovou em primeiro turno uma PEC (proposta de emenda constitucional) que isenta de responsabilidade gestores públicos que não tenham investido o percentual mínimo de 25% de receitas com educação em 2020, por conta da pandemia. O texto da ainda precisa ser votado em segundo turno e seguir à Câmara dos Deputados.
Defensores alegam que o ajuste é necessário por conta da queda de arrecadação e desequilíbrio fiscal na pandemia; críticos, porém, afirmam que a proposta abre perigosos precedentes, traz retrocessos a um setor já duramente abalado pelo tempo de aula perdido durante o fechamento das escolas e "premia" gestores que não se dedicaram à educação em um momento crítico como o da implementação do ensino remoto.
Por sua vez, a capacidade de leitura e interpretação de textos afeta a habilidade dos jovens em se desenvolverem social e profissionalmente e exercerem sua cidadania.
A OCDE usa como base comparativa os resultados de leitura do Pisa 2018, o exame internacional aplicado pela entidade em jovens de 15 anos nos 38 países-membros do grupo e em Argentina, Brasil, China, Índia, Indonésia, Rússia, Arábia Saudita e África do Sul.
A habilidade de leitura é definida pela OCDE como a "capacidade de entender, usar e refletir sobre textos escritos de modo a conquistar objetivos, desenvolver conhecimento e potencial e participar da sociedade".
Em uma escala de 1 a 6, o nível de leitura considerado básico é o 2 - estágio em que os estudantes "começam a demonstrar competências que vão lhes permitir participar de modo efetivo e produtivo na vida como estudantes, trabalhadores e cidadãos".
No Pisa 2018, os alunos brasileiros pontuaram, em média, 413 em leitura (para efeitos comparativos, a China, que encabeça o ranking, pontuou 555 nesse quesito), mantendo-se praticamente estagnado na última década.
E essa média esconde disparidades sociais, que foram exploradas no relatório apresentado nesta quinta.
No Brasil, diz a OCDE, a proporção de jovens da camada mais pobre que conseguiu alcançar o nível 2 em leitura do Pisa foi 55% menor do que a de jovens brasileiros de renda mais alta.
Essa disparidade é 26 pontos percentuais superior à média dos países da OCDE, de 29%, onde também se observa desigualdade em leitura entre alunos ricos e pobres.
"Entre os fatores que influenciam o desempenho na educação, o status socioeconômico tem o maior impacto nas habilidades de literacia dos jovens de 15 anos, mais do que seu gênero ou país de origem", diz o relatório Education at Glance.
No Brasil, porém, observou-se "uma das maiores disparidades de performance entre os países que têm dados disponíveis", prossegue o texto.
O tema havia sido abordado pela OCDE em maio deste ano, quando a entidade divulgou que, no Brasil, apenas um terço (33%) dos estudantes havia sido capaz de distinguir fatos de opiniões em uma das perguntas aplicadas no Pisa.
Na ocasião, o diretor de educação da OCDE, Andreas Schleicher, também se disse preocupado com o aumento no "abismo cultural" entre estudantes de classes sociais mais avantajadas e os mais pobres em todo o mundo.
Enquanto entre os estudantes mais ricos o número de livros em casa se manteve estável entre 2000 e 2018, esse número caiu consideravelmente entre os estudantes mais pobres globalmente.
O status socioeconômico segue tendo impacto na vida dos jovens ao diminuir seu acesso ao ensino superior e, desse modo, deixá-los mais vulneráveis ao desemprego, prossegue o relatório.
O relatório lançado pela OCDE nesta quinta aborda diferentes aspectos da desigualdade na educação global, desde questões de gênero até os impactos da pandemia no ensino.
No caso do Brasil, um dos pontos destacados é o fato de as mulheres terem, em média, mais tempo de educação que os homens, mas enfrentarem barreiras adicionais no mercado de trabalho.
Embora mais mulheres brasileiras de 25 a 34 anos tenham diplomas do ensino superior do que homens (27% contra 20%, segundo dados de 2018), elas têm mais probabilidade de estarem desempregadas do que eles.
A OCDE cita que, enquanto 85% dos homens com ensino superior estavam empregados no Brasil em 2018, entre as mulheres com a mesma qualificação essa taxa era de 77%.
Essa disparidade foi acentuada na pandemia, conforme um estudo recente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), que apontou que mulheres estavam, junto a negros e jovens, entre os grupos mais vulneráveis ao desemprego no país.
No que diz respeito a gastos na educação, segundo os dados de 2018, o Brasil gastou porcentagem do PIB (5% na época) semelhante à média da OCDE.
No entanto, quando se observa o gasto por aluno (da educação básica até o ensino superior), ele é de apenas um terço da média gasta pelos países da OCDE: US$ 3,2 mil por estudante anualmente, contra US$ 10 mil por estudante na média da OCDE.
Os dados mais recentes apontam uma redução nos investimentos na educação básica pública do país: segundo o Anuário do setor, produzido pela entidade Todos Pela Educação, Estados e municípios brasileiros gastaram R$ 21 bilhões a menos em 2020 em relação ao ano anterior - e essa redução de gastos ocorreu justamente durante a pandemia, quando o setor enfrentou desafios sem precedentes.
Nesta quarta-feira, o Senado aprovou em primeiro turno uma PEC (proposta de emenda constitucional) que isenta de responsabilidade gestores públicos que não tenham investido o percentual mínimo de 25% de receitas com educação em 2020, por conta da pandemia. O texto da ainda precisa ser votado em segundo turno e seguir à Câmara dos Deputados.
Defensores alegam que o ajuste é necessário por conta da queda de arrecadação e desequilíbrio fiscal na pandemia; críticos, porém, afirmam que a proposta abre perigosos precedentes, traz retrocessos a um setor já duramente abalado pelo tempo de aula perdido durante o fechamento das escolas e "premia" gestores que não se dedicaram à educação em um momento crítico como o da implementação do ensino remoto.
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