sábado, 19 de abril de 2025

Pensamento do Dia


Ali Marouf e a mãe Aisha cozinham nos escombros de casa


 

Os minerais no epicentro da desglobalização

A mineração surgiu no dia em que um homem das cavernas catou uma pedra para se defender (ou atacar). Inaugurou aí também a competição humana pelo acesso aos minerais. E se na mesma ocasião a turma-do-deixa-disso chegou para apartar a briga, o episódio ainda terá completado o tripé (mineração–guerra–diplomacia) que define a geografia política e econômica até hoje.

Não é à toa que a história do progresso humano é representada pela evolução dos materiais a cada época: Idade da Pedra, do Cobre, do Bronze, do Ferro, do Silício (quem sabe, dos Terras Raras?). Cada uma dessas eras teve seus fatores e modelos de alianças e conflitos entre as nações, em função do uso dos recursos minerais, cada vez mais variados e essenciais para as nações e os negócios. No futuro não será diferente.


Quanto mais a ciência dos materiais industriais avança, mais complexas (e extensas) se tornam as cadeias de suprimentos espalhadas mundo afora. Centenas de novos minérios combinados em milhares de novos materiais, para a produção de milhões de produtos destinados a bilhões de consumidores. A ampliação dos mercados, multiplica também os sistemas produtivos, logísticos e financeiros transcontinentais. Isso exige paz e estudo.

Contudo, segundo Peter Zeihan (Mapeando o Colapso da Globalização, 2022), em breve a globalização será coisa do passado. Como consultor de estratégia da CIA e das Forças Armadas dos EUA, o autor observa que a globalização foi uma invenção do Tio Sam para consolidar sua supremacia após a II Guerra Mundial e conter a União Soviética, tendo como linha de costura o mercado internacional. Tudo garantido pela onipresença militar americana e pelo sistema multilateral bancado pelos EUA: ONU, OMC, FMI, Banco Mundial, OTAN etc. Foi bom para o PIB de todo mundo (e os ianques não precisaram ocupar dezenas de países ao mesmo tempo).

Zeihan acrescenta que, com o fim da Guerra Fria, a Casa Branca perde o motivo para manter essa dispendiosa estratégia de economia globalizada. Um esforço que, além do gasto direto com Defesa e com cooperação financeira internacional, custou ao país o desemprego de milhões de americanos, a segurança interna, o equilíbrio fiscal e a balança comercial.

Até Donald Trump foi capaz de notar que o mundo está em franca desglobalização e que grande parte das atuais cadeias de suprimentos (extensas e dispersas como estão) não se sustentarão no novo cenário fragmentado e competitivo, exigindo dos governos e empresas que revejam a validade de suas parcerias históricas, as configurações de suas exportações e importações e a estrutura dos seus mercados internos. Não é à toa que Trump “queimou a largada” em 2025, imaginando, do seu jeito, rearrumar os negócios internacionais, controlar as rotas marítimas estratégicas, barrar a voracidade chinesa e estancar o “custo Europa”, sem esquecer de exibir os músculos do Pentágono.

O Brasil tem mais uma vez a oportunidade de pensar a longo prazo ao combinar a matemática financeira com a equação geopolítica. Seja para commodities ainda estratégicas, como o ferro e o potássio, ou para os minerais críticos da era digital pós-carbono, a viabilidade das velhas cadeias transoceânicas precisará ser recalculada. A mineração continuará no foco de toda essa desglobalização (irreversível, na opinião de Peter Zeihan). Basta ver o estresse geral assim que a China ameaçou suspender as exportações de terras raras e ímãs, em reação ao tarifaço do Trump.

Catão

Marcus Porcius Cato Uticensis foi grande defensor
da república e ciado como.sábio estoico
 

A pátria é triste. Sofro. Estou calmo.
Único honesto, entre deshonestos, clarividente,
entre os cegos, a indignação há muito acalmo.
Estou só. Sofro quando alguém sente.
A honestidade – que solidão! A coragem cansa.
Em breve, cadáver que a outros mortos fala,
penso em Atenas, plena de alegria mansa,
e no coração afogo palavras que o pudor cala.
Estou cansado de prever o negro acontecer.
Algo nasce. Algo morre. Com quem perde, estou.
Honestidade é pátria de quem outra não sabe ter.
Ao abismo das causas perdidas, quieto, vou.
Melhor do que ocupar-me da minha pobre vida,
agora que os pássaros a cantar começam,
na espada pego, com mão há pouco ferida
– o vento rasgo. Percebo que meus pés tropeçam.
Eugénio Lisboa

O ‘trumpismo’ e a crise global de liderança: TOD, autoritarismo e educação para a democracia

Você se sente mais inseguro, irritado ou desanimado em relação à política e à convivência social nos últimos anos? Se sim, você não está só. Segundo dados do Edelman Trust Barometer 2024, mais de 70% da população mundial acredita que as instituições democráticas estão em risco e que o mundo está mais dividido do que nunca, segundo levantamento realizado em mais de 28 países com mais de 32 mil entrevistados. O sentimento de desconfiança generalizada, a desinformação e o medo coletivo têm impactado não apenas as eleições e as políticas públicas, mas também as relações familiares, as decisões pessoais e a saúde mental da sociedade, segundo o relatório, 76% da população mundial acredita que a desinformação está em níveis alarmantes e 53% considera que a divisão social é tão intensa que não poderá ser superada.

Em 2025, o mundo testemunha o retorno de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos e, com ele, a intensificação de um estilo de liderança que desestabiliza alianças históricas, desafia acordos internacionais, ignora instâncias técnicas e fragiliza instituições democráticas. Mas o Trumpismo – mais do que um projeto de governo – expressa um padrão comportamental global que reflete e alimenta uma crise “neurogeossociopolítica”.

Essa crise se manifesta em quatro dimensões interdependentes:

· Neurocognitiva, pela crescente incapacidade coletiva de regular emoções em ambientes polarizados;

· Geopolítica, com o avanço de lideranças autoritárias e a fragmentação das alianças multilaterais;

· Social, através da erosão da confiança nas instituições e no pacto democrático;

· Cultural, marcada pela desvalorização da escuta, da linguagem construtiva e da ciência.


Neste contexto, torna-se essencial compreender os vínculos entre os comportamentos individuais e o colapso institucional, buscando ferramentas conceituais que revelem o que está por trás da liderança desafiadora e suas repercussões coletivas. É aqui que o conceito de Transtorno Opositor Desafiador (TOD), originalmente restrito à psicologia do desenvolvimento, ganha relevância como chave interpretativa transdisciplinar. Ele nos permite observar como padrões desafiadores, quando alçados ao poder, ameaçam o funcionamento saudável das democracias, como veremos a seguir.

O TOD é um transtorno do neurodesenvolvimento caracterizado por um padrão persistente de comportamento desafiador, desobediente e hostil em relação às figuras de autoridade: pais, chefes, autoridades da esfera jurídica, administrativa e instituições. Embora mais comum em crianças e adolescentes, o TOD não surge repentinamente na vida adulta. Trata-se de um padrão comportamental que, quando não reconhecido e trabalhado desde a infância, pode evoluir e se cristalizar ao longo do tempo, influenciado pelo tipo de parentalidade exercida, pelo ambiente social e pelas experiências de vida. Quando se manifesta em adultos, sobretudo em contextos de liderança, poder ou influência midiática, revela frequentemente lacunas formativas e carências emocionais não elaboradas.

Os principais sinais incluem: discussões frequentes com figuras de autoridade; recusa em obedecer às regras; tendência a culpar os outros por seus erros, a “terceirização da responsabilidade”; provocação deliberada, comportamento rancoroso e hostilidade constante; baixa tolerância à frustração e explosões de raiva.

No jargão clínico, costuma-se dizer que o TOD é o “valentão em grupo”, aquele que provoca, ameaça, coage e se impõe com agressividade, especialmente quando respaldado por apoio social ou simbólico. No entanto, quando está sozinho, o mesmo indivíduo frequentemente revela um lado mais vulnerável, marcado por medo, sofrimento psíquico e paralisia emocional. Essa ambivalência comportamental revela que, por trás da hostilidade, pode haver experiências internas de insegurança, abandono ou baixa autoestima.
Nos adultos, o TOD pode se expressar como padrões crônicos de oposição institucional, deslegitimação do contraditório e recusa de normas sociais amplamente aceitas. Quando associado a lideranças políticas, o TOD ganha dimensão coletiva e institucional, com impactos profundos sobre a estabilidade democrática e a cultura pública.

Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), o TOD diferencia-se de transtornos de conduta mais graves, como os de personalidade antissocial, narcisista ou hedonista, por não envolver, necessariamente, violações sistemáticas de direitos alheios, comportamento manipulador persistente ou ausência de remorso. Enquanto o TOD tende a expressar oposição reativa e hostilidade situacional diante de figuras de autoridade, os transtornos de conduta mais graves configuram padrões comportamentais persistentes, invasivos e menos responsivos a contextos, com maior risco de transgressão social, sofrimento coletivo e danos éticos. A menção a esses quadros mais graves não implica diagnóstico direto de lideranças específicas, mas convida à reflexão ética e cidadã sobre os impactos reais que estilos de liderança hostis, autorreferentes e punitivos podem causar na vida de milhões de pessoas, especialmente quando ocupam posições de poder. Para o psicólogo clínico, Russell A. Barkley, referência clássica nos estudos sobre TOD na infância, o transtorno envolve não apenas oposição comportamental, mas uma profunda dificuldade na regulação emocional diante da frustração, principalmente em contextos de autoridade. Estudos mais recentes, como os de Daniel J. Siegel e Bessel van der Kolk, destacam também a influência de traumas não elaborados no desenvolvimento de padrões desafiadores persistentes.

Entre as figuras públicas que encarnam padrões comportamentais compatíveis com o TOD, Donald Trump, atual presidente dos Estados Unidos, se destaca como caso emblemático. Durante seu primeiro mandato presidencial, adotou um estilo confrontativo marcado por:

1. Ataques à imprensa e ao judiciário: descreditou a mídia e o sistema judiciário quando contrário a suas ações.

2. Rejeição à ciência: ignorou especialistas durante a pandemia de covid-19.

3. Desafios às normas institucionais: questionou a legitimidade das eleições de 2020 sem provas.

4. Polarização social: incentivou a divisão e a lealdade incondicional a seu governo.

No seu segundo mandato, iniciado em 2025, esse padrão se intensificou. Diversas medidas e posicionamentos recentes reforçam o caráter desafiador de sua liderança:

5. Política econômica e tarifaço: imposição de tarifas sobre importações, especialmente da China, exacerbando disputas comerciais e contribuindo para uma crise geopolítica.

6. Relações internacionais: pressionou aliados da OTAN, enfraqueceu laços com a União Europeia, fechou a USAID e sugeriu sair da OMS.

7. Saúde e educação: cortou programas de saúde e perseguiu universidades críticas ao governo.

8. Imigração e segurança: endureceu políticas migratórias e estigmatizou minorias.

9. Conflito Rússia-Ucrânia: tentou se aproximar da Rússia, enfraquecendo a soberania ucraniana.

Essas ações revelam uma liderança polarizadora, com graves repercussões internas e no cenário global. Esse estilo, caracterizado pela negação do contraditório e pela disrupção contínua, não permaneceu restrito aos Estados Unidos. Seus ecos podem ser observados em outras lideranças contemporâneas, que, com variações culturais e táticas, também manifestam traços de oposição sistemática às regras democráticas.

Esses casos, observados em diferentes partes do mundo, refletem a contaminação global de uma lógica de poder baseada no confronto, na desinformação e na rejeição do pluralismo institucional.

Esse fenômeno, embora tenha em Donald Trump sua expressão mais conhecida nos últimos anos, não é exclusivo. O estilo de liderança confrontativo, autorreferente e desafiador de instituições também se manifesta em diversas regiões do mundo, com variações culturais e políticas. Essas lideranças compartilham um padrão de oposição sistemática às regras democráticas, à escuta e ao contraditório, explorando o medo como instrumento de poder. Esse padrão pode ser identificado em diferentes regiões do mundo, ilustrado por exemplos de lideranças que expressam traços semelhantes:

Américas – Trump (EUA), Bolsonaro (Brasil), Maduro (Venezuela), Ortega (Nicarágua), Bukele (El Salvador);

Europa e Eurásia – Putin (Rússia), Orbán (Hungria), Duda (Polônia), Lukashenko (Bielorrússia);

Ásia e Oriente Médio – Duterte (Filipinas), Erdogan (Turquia), Xi Jinping (China), Modi (Índia), al-Assad (Síria), Kim Jong-un (Coreia do Norte);

África – Mugabe (Zimbábue), el-Sisi (Egito), Kagame (Ruanda), Museveni (Uganda).

Alguns desses líderes chegaram ao poder antes de Trump, outros depois, mas todos ajudam a consolidar o arquétipo do “valentão político contemporâneo”: figuras que deslegitimam instituições de controle, atacam a imprensa livre e centralizam o poder em torno da própria vontade. Cada um, à sua maneira, contribui para o avanço de uma lógica autoritária que transforma o Estado em reflexo de si mesmo, em detrimento do pluralismo, da escuta e do pacto democrático.

Os cientistas políticos Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, em sua obra Como as Democracias Morrem (2018), explicam como democracias não morrem apenas por golpes militares, mas pela erosão gradual das instituições desde dentro, liderada por figuras eleitas que deslegitimam o contraditório, toleram a violência e atacam liberdades civis. Essa análise ajuda a compreender os riscos reais de estilos de liderança que fragilizam os pilares democráticos sob aparência legal e eleitoral.

Esse comportamento de liderança atua como modelo para segmentos sociais que internalizam o discurso opositor como identidade. A contaminação é amplificada pelas redes sociais e pela mídia digital, promovendo: normalização da desinformação; rejeição a especialistas e à escuta dialógica e escalada da polarização afetiva e política. Esse “efeito espelho” contribui para a fragilização do pacto civilizacional, pois desloca a convivência para o campo do conflito perene e da hostilidade ao contraditório.

A prevenção de padrões opositores destrutivos começa na infância, através da parentalidade positiva, da educação afetiva e da promoção de referências e exemplos de adultos que exercem a educação empática, compassiva e ética com coerência.

Por isto, a resposta mais urgente, porém ainda negligenciada, está na educação de adultos, campo da andragogia social. Inspirada em autores como Malcolm Knowles, Paulo Freire e Hannah Arendt, essa abordagem busca não apenas transmitir conhecimento, mas formar consciência cidadã. Como destacou Knowles: “adultos aprendem melhor quando sentem que o conteúdo tem aplicação imediata em suas vidas e quando são tratados com respeito e autonomia” (The Adult Learner, 1980). Freire, por sua vez, afirmou: “A educação não transforma o mundo. A educação muda as pessoas. As pessoas transformam o mundo” (Pedagogia da Autonomia, 1996). E Arendt nos lembra que: “a educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante para assumirmos responsabilidade por ele” (Entre o Passado e o Futuro, 1961).

Essa perspectiva é essencial para ampliar a capacidade de convivência democrática e reeducação social em tempos de polarização, fragmentação e intolerância: estimular o pensamento crítico e a autorreflexão; fortalecer a consciência cidadã e o engajamento coletivo e promover o diálogo intergeracional e a cultura de paz.

Diante da expressão do TOD adulto em cargos de poder, o Estado Democrático de Direito precisa agir como contenção estrutural:

· Legislação que limite abusos e garanta separação de poderes;

· Justiça independente e mecanismos de responsabilização;

· Imprensa livre como fiscalizadora do discurso público;

· Educação política como horizonte preventivo e restaurador;

· Saúde inclusiva e universal como norteadora do bem-estar civilizatório.

A democracia não pode depender da moderação espontânea das lideranças, mas sim da força de suas instituições e da consciência ativa da sociedade civil.

A analogia entre o TOD e certos estilos de liderança política não busca patologizar a política, mas oferecer uma lente interdisciplinar para compreender como comportamentos individuais se transformam em padrões coletivos de ruptura democrática.

A face pública do TOD, confrontadora, provocadora, autoritária e bélica, frequentemente oculta dimensão individual de insegurança, incoerência e desorganização interna. Essa ambivalência, quando não reconhecida e tratada, tende a se manifestar de forma cada vez mais destrutiva no espaço social e institucional.

Por isso, resistir ao autoritarismo exige mais do que respostas jurídicas e institucionais: exige uma pedagogia da consciência democrática, sustentada por uma educação transformadora de adultos, pela regeneração da cultura pública e pela escuta ativa das emoções políticas do nosso tempo e cultura de paz que promova a saúde mental coletiva.

Entender o TOD como chave analítica do presente é também reconhecer que, por trás da violência simbólica e da recusa ao diálogo, há sempre um apelo humano por reconhecimento, pertencimento e sentido. E é nesse ponto que a política reencontra sua vocação: não como espetáculo do poder, mas como espaço de reconstrução do comum.

Seremos capazes de construir uma política que escute antes de reagir, que acolha antes de coagir, e que reeduque sem humilhar? Que tipo de educação — institucional, emocional e cidadã — estamos dispostos a oferecer às próximas gerações para que a democracia volte a ser um projeto comum?
Rubens Bollos 

21 de abril

Na noite do dia 21 de abril de 1960, estava com um amigo na Praça dos Três Poderes. Assisti, maravilhado, às festas da inauguração da nova capital do Brasil. Meu pai foi convidado para o baile de gala, que foi realizado no Palácio do Planalto. Eu e um amigo carioca ficamos passeando pela imensa praça ouvindo o magnífico coral de não sei quantas centenas de vozes, os gritos entusiasmados dos candangos. Vi os fogos. Senti a alegria. A festa atingiu seu ápice quando o presidente Juscelino Kubitschek desceu a rampa, atravessou a rua e se jogou no meio da multidão. Foi um suceder de abraços, parabéns, cumprimento, apertos de mão. Uma senhora beijou-lhe os pés.

Essa imagem foi a minha introdução à ciência política. Brasileiro gosta de empreender, gosta de trabalhar, gosta de emprego. O presidente JK percebeu que o país vivia de costas para seu interior. E tratou de impulsionar a integração nacional. Os brasileiros descobriram o Centro-Oeste e o Norte do país. Até então, viajar a Belém do Pará só era possível por navio ou avião. O Brasil dos anos sessenta era muito diferente do atual. Tínhamos Vinicius de Moraes, Tom Jobim, bossa nova, campeonato mundial de futebol, Garrincha e Pelé. O país era alegre e trabalhava para reduzir suas chagas. Era mais ingênuo também.

Revi o presidente JK na redação da Veja em 1975. Ele fez uma agradável visita à nossa redação em Brasília, dirigida pelo inesquecível Pompeu de Sousa. Conversou com cada um dos presentes chamando pelo nome e, no fim, posou para fotografia com a turma. Ganhou o grupo com base na boa conversa. Político de excepcional qualidade. Fenômeno raro na história do país. Só voltei a revê-lo no enterro que saiu da Catedral e foi até o cemitério cercado por populares e admiradores. Entre eles, meu pai, que na época tinha 60 anos. Ajudou a carregar o caixão por todo o percurso.

Os cinco anos em cinco, slogan daquele governo, é a síntese de uma obra de gigante focado e determinado. É preciso lembrar que o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o governo norte-americano eram contra a realização das metas de JK. Ele não deu bola para a oposição, nem para militares mal-humorados e foi em frente. Seu nome entrou na história do Brasil pela coragem de mudar o país. Desde então, os políticos se acovardaram. Um presidente renunciou, tentando o golpe de Estado. Outro foi deposto por militares, que ficaram mais de duas décadas no poder e devolveram o governo aos civis com imensa dívida externa. Foi difícil sair daquela situação falimentar.

Dois presidentes sofreram impeachment e nada foi feito de substancial para o Brasil avançar. A Constituinte foi uma obra bonita e sofrida, culminância do trabalho de Tancredo Neves e seu grupo (no próximo dia 21 de abril, completa-se 40 anos da morte de Tancredo). O presidente José Sarney tem participação expressiva nesse processo. A partir daí, o país passou a ser administrado pela ótica populista de um governo que lança programa atrás de programa para conceder vantagens ao trabalhador, mas não cria as condições necessárias para a indústria prosperar. O brasileiro deixou de ser profissão-esperança. Ele agora espera a benesse do governo. Há uma acomodação com a chamada renda média, que dispensa sonhos de futuro melhor. O país está estagnado nos discursos dos líderes trabalhistas.

Em tempos recentes, surgiu no país e no mundo esta extrema-direita que é contra tudo o que se chama moderno. Ex-presidente, que está hospitalizado, não deu a menor atenção aos vitimados pela covid, não visitou hospitais nem parentes enlutados e, agora, faz pose de sofredor em hospital. Pleiteia a anistia, esquecido que tramou contra as instituições e chegou a planejar assassinato de ministro do Supremo e dos presidente e vice-presidente da República. O equivalente a ele nos Estados Unidos subverte as relações econômico-financeiras do mundo. Leva o planeta a um confronto muito perto de uma guerra real. Provoca os europeus. Ataca as melhores universidades norte-americanas e expulsa do país quem ele quer. É um autocrata explícito. Espanta que a democracia norte-americana não seja capaz de resistir a esses furiosos ataques aos seus conceitos fundamentais. E à própria economia.

É difícil comparar o Brasil de hoje com o de ontem. Há virtudes e defeitos. Perdemos a ingenuidade. Não temos mais boa música nem futebol de categoria. Os poetas desapareceram. Os sonhadores, também. Os políticos profissionais sumiram. Hoje os parlamentares têm valor porque pertencem à bancada da bala, dos evangélicos, dos agricultores ou de outro grupo qualquer. Alguns pretendem utilizar o mandato apenas para se proteger de eventual processo judicial. A política como exercício de poder para promover o bem público perdeu-se em algum momento no Brasil. O país está órfão de grandes líderes. Situação, aliás, que aflige o mundo neste momento.
André Gustavo Stumpf

O choque necessário

É atávico. Todos os anos, os brasileiros se surpreendem com os baixos índices na qualidade e na equidade como a educação é oferecida. Apesar de avanços, três brechas estão aumentando. Uma brecha social: mesmo com a evolução no número de matrículas na escola para os pobres, a qualidade cresce mais para a parcela rica. A brecha internacional: outros países avançam mais rapidamente, nos deixando para trás. E aumenta a brecha pedagógica: entre o que é ensinado e o que deveria ser ensinado para preparar um jovem para as necessidades de conhecimento que o mundo contemporâneo exige.


Além de observar os possíveis avanços do passado ao presente, a educação deve ser avaliada para medir a que distância ainda estamos de garantir a alfabetização para a contemporaneidade a todos os brasileiros. Falar, ler e escrever bem o idioma português, sendo capaz de entender os textos, fazer análises linguísticas e críticas literárias. Ser fluente em pelo menos um dos idiomas usados internacionalmente, especialmente em inglês. Sem isso, o jovem não estará integrado ao mundo. É crucial entender os fundamentos das ciências, geografia, história, matemática, sem o que ninguém é capaz de dispor do mapa necessário para caminhar na busca de sua felicidade nem das ferramentas para participar da construção de um mundo melhor e mais belo.

Como aprender a deslumbrar-se com as artes, ter competência e gosto para o debate sobre os temas de filosofia, política, antropologia e sociologia, sem educação? E como indignar-se diante da permanência da pobreza, da desigualdade social, do autoritarismo, da corrupção e dos preconceitos contra as minorias? Os caminhos são nítidos, e ficamos para trás. É fundamental saber usar com competência as ferramentas digitais necessárias para usufruir e trabalhar a partir delas. Formar-se em pelo menos um ofício que permita emprego e renda, independente de curso superior. Adquirir noções e gosto pela prática de solidariedade com vizinhos, compatriotas e toda a humanidade: respeito aos patrimônios cultural e natural e sua diversidade. Ter consciência para querer participar da construção de sociedades pacíficas, com zelo pelo desenvolvimento sustentável, democrático e justo. Ser capaz de obter educação continuada ao longo da vida, mesmo depois da escola, nestes tempos de limites, incertezas, revoluções tecnológicas e conceituais, transformações geopolíticas e metamorfoses. Garantir a todos que desejarem, com vocação e talento, a base necessária para concorrer a vagas nas melhores universidades e nos mais disputados cursos do ensino superior.

Raras escolas brasileiras são capazes de dar essa formação e assegurar a alfabetização plena. Sem um choque necessário, dos 2,5 milhões de brasileiros e brasileiras nascidos em 2024, no máximo 500 000 chegarão a 2042 com uma razoável educação para dispor do conhecimento necessário. O Brasil precisa criar um ministério dedicado aos assuntos da educação de base. Está mais do que na hora de definir e implantar uma estratégia que, ao longo de duas ou três décadas, crie um robusto sistema nacional para todos, independente da renda e do endereço das famílias.

A Revolução Cultural de Mao Tse-Tung e a de Trump

Algumas pessoas têm apontado algumas similaridades entre a Revolução Cultural de Mao Tse-Tung e a Revolução Cultural de Trump. E elas têm razão, existem alguns pontos que são significativamente comuns, no que passo aqui a apontar.

Há um consenso entre os economistas, do mundo, de que as decisões de Trump são equivocadas, e que não levarão ao desenvolvimento econômico e social dos Estados Unidos. O que fez a América “Great Before” foi o mercado, e não as tarifas alfandegárias; a liberdade política e de expressão, e não as tentativas de quebra das leis e abuso do poder. O Departamento de Economia da Universidade de Chicago deve estar, hoje, se corroendo de dor! Ou seja, Trump não vai resolver o problema da economia americana, mas somente liderar o sentimento de frustração que o americano hoje sente devido à diminuição de sua força econômica e importância política no cenário mundial.


A China é uma civilização milenar, forjada na guerra e na disciplina, sob os princípios Confucionistas da aceitação coletiva, em uma sociedade politicamente centralizada. Em 1949, Mao Tse-Tung vence com a Revolução Chinesa. Mao Tse-Tung, entretanto, antes de entrar em uma cidade ou província, negociava a continuidade da propriedade privada na economia por até 3 (três) gerações, em troca de não haver combates, preservando, assim, significativa parcela da capacidade empresarial da China, ao contrário do que ocorreu na Rússia. Após a Grande Fome de 1959 a 1961, devido à coletivização forçada da agricultura, em 1966 Mao Tse-Tung liderou a Revolução Cultural, no escopo da ideologia socialista, levando o país a seus piores tempos. Em 1981, o Partido Comunista Chinês chegou a classificar a Revolução Cultural como o “retrocesso mais severo” da China desde 1949.

De 1976 a 1989, Deng Xioping, o “Arquiteto da Nação”, liderou a China introduzindo reformas voltadas para o mercado e o desenvolvimento, com fortes investimentos em infraestrutura, energia, indústria, urbanização, educação, tecnologia e negócios. Seguem-se Jiang Zemin (1989-2002), Hu Jintao (2002-2012), e Xi Jinping (2012 até o presente), em um país que, hoje, de Comunista, somente tem o nome do Partido que a lidera. O PIB da China em 1960 era de US$ 0,06 trilhão; US$ 0,19 trilhão em 1980; US$ 1,2 trilhão em 2000; US$ 14,7 trilhões em 2020; estimados US$ 16,3 trilhões em 2024.

Trump vai contra os princípios da nação, da liberdade econômica, da liberdade política, e intelectual. Em 1960, o PIB dos Estados Unidos era de US$ 0,54 trilhão; US$ 2,9 trilhões em 1980; US$ 10,3 trilhões em 2000; US$ 21,4 trilhões em 2020; estimados US$ 28,5 trilhões em 2024. Em toda a série, somente por duas vezes o PIB americano caiu: 2% de 2008 a 2009 devido à crise do subprime; e 0,9% de 2020 a 2021 devido ao COVID.

Na China, o inimigo interno de Mao Tse-Tung eram os empresários, e o externo o “imperialismo”. Nos Estados Unidos de Trump, o inimigo interno são os imigrantes, e o externo todos os países do mundo, incluindo os politicamente aliados. Dados da OCDE indicam possível queda do PIB Americano em mais de 1% para 2025 devido ao tarifaço. Por outro lado, a China obteve surpreendentes 5,4% de crescimento neste primeiro trimestre de 2025 em comparação com o mesmo período do ano anterior, já nestes tempos da Guerra Comercial.

Os resultados econômicos de Trump serão o reverso do pretendido. Trump, então, se baseará na “liderança do ressentimento”, como base de suas ações. Ao final dos danos que Trump irá causar ao seu país, e à maior parte do mundo, os americanos deverão reavaliar o ocorrido e tomar novo rumo, mais simples e mais eficiente, voltando aos princípios básicos da nação.

Lembrando que o “ódio” não “põe mesa”.