Essa imagem foi a minha introdução à ciência política. Brasileiro gosta de empreender, gosta de trabalhar, gosta de emprego. O presidente JK percebeu que o país vivia de costas para seu interior. E tratou de impulsionar a integração nacional. Os brasileiros descobriram o Centro-Oeste e o Norte do país. Até então, viajar a Belém do Pará só era possível por navio ou avião. O Brasil dos anos sessenta era muito diferente do atual. Tínhamos Vinicius de Moraes, Tom Jobim, bossa nova, campeonato mundial de futebol, Garrincha e Pelé. O país era alegre e trabalhava para reduzir suas chagas. Era mais ingênuo também.
Revi o presidente JK na redação da Veja em 1975. Ele fez uma agradável visita à nossa redação em Brasília, dirigida pelo inesquecível Pompeu de Sousa. Conversou com cada um dos presentes chamando pelo nome e, no fim, posou para fotografia com a turma. Ganhou o grupo com base na boa conversa. Político de excepcional qualidade. Fenômeno raro na história do país. Só voltei a revê-lo no enterro que saiu da Catedral e foi até o cemitério cercado por populares e admiradores. Entre eles, meu pai, que na época tinha 60 anos. Ajudou a carregar o caixão por todo o percurso.
Os cinco anos em cinco, slogan daquele governo, é a síntese de uma obra de gigante focado e determinado. É preciso lembrar que o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o governo norte-americano eram contra a realização das metas de JK. Ele não deu bola para a oposição, nem para militares mal-humorados e foi em frente. Seu nome entrou na história do Brasil pela coragem de mudar o país. Desde então, os políticos se acovardaram. Um presidente renunciou, tentando o golpe de Estado. Outro foi deposto por militares, que ficaram mais de duas décadas no poder e devolveram o governo aos civis com imensa dívida externa. Foi difícil sair daquela situação falimentar.
Dois presidentes sofreram impeachment e nada foi feito de substancial para o Brasil avançar. A Constituinte foi uma obra bonita e sofrida, culminância do trabalho de Tancredo Neves e seu grupo (no próximo dia 21 de abril, completa-se 40 anos da morte de Tancredo). O presidente José Sarney tem participação expressiva nesse processo. A partir daí, o país passou a ser administrado pela ótica populista de um governo que lança programa atrás de programa para conceder vantagens ao trabalhador, mas não cria as condições necessárias para a indústria prosperar. O brasileiro deixou de ser profissão-esperança. Ele agora espera a benesse do governo. Há uma acomodação com a chamada renda média, que dispensa sonhos de futuro melhor. O país está estagnado nos discursos dos líderes trabalhistas.
Em tempos recentes, surgiu no país e no mundo esta extrema-direita que é contra tudo o que se chama moderno. Ex-presidente, que está hospitalizado, não deu a menor atenção aos vitimados pela covid, não visitou hospitais nem parentes enlutados e, agora, faz pose de sofredor em hospital. Pleiteia a anistia, esquecido que tramou contra as instituições e chegou a planejar assassinato de ministro do Supremo e dos presidente e vice-presidente da República. O equivalente a ele nos Estados Unidos subverte as relações econômico-financeiras do mundo. Leva o planeta a um confronto muito perto de uma guerra real. Provoca os europeus. Ataca as melhores universidades norte-americanas e expulsa do país quem ele quer. É um autocrata explícito. Espanta que a democracia norte-americana não seja capaz de resistir a esses furiosos ataques aos seus conceitos fundamentais. E à própria economia.
É difícil comparar o Brasil de hoje com o de ontem. Há virtudes e defeitos. Perdemos a ingenuidade. Não temos mais boa música nem futebol de categoria. Os poetas desapareceram. Os sonhadores, também. Os políticos profissionais sumiram. Hoje os parlamentares têm valor porque pertencem à bancada da bala, dos evangélicos, dos agricultores ou de outro grupo qualquer. Alguns pretendem utilizar o mandato apenas para se proteger de eventual processo judicial. A política como exercício de poder para promover o bem público perdeu-se em algum momento no Brasil. O país está órfão de grandes líderes. Situação, aliás, que aflige o mundo neste momento.
André Gustavo Stumpf
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