sábado, 15 de junho de 2019

Um país nada monótono

Num discurso de despedida na Câmara do Comércio, o embaixador sueco Per-Arne Hjelmborn disse esta frase para concluir: “O Brasil não é um país monótono”. Fui convidado para falar um pouco sobre as expectativas na volta do exílio e de como as coisas se passaram nestes 40 anos. Foi uma oportunidade para agradecer a generosidade com que a Suécia recebeu os brasileiros após o golpe no Chile.

A frase de Hjelmborn não me saía da cabeça. Pensei: está morrendo o caso Neymar e entrando em cena os vazamentos na Operação Lava Jato.

Na primeira leitura do caso, achei um pouco exageradas as reações que viam naquilo uma tempestade em copo d’água ou que viam o fim da Lava Jato e uma regressão à era da impunidade no Brasil. Previ alguma coisa no meio: agitação política e um desgaste para a Lava Jato.

É difícil de considerar com frases sem o contexto. Mais ainda basear-se puramente nelas, pois, de um modo geral, vazamentos que abalam a política costumam ser como terremotos, com explosões sucessivas. Não se sabe quando será nem a intensidade do próximo abalo.

O conjunto das frase que li mostra uma proximidade entre Sergio Moro e os promotores. Revela uma orientação a uma das partes. A maioria dos juristas que se pronunciaram acha que rompe com o princípio de imparcialidade.

Haverá consequências políticas e consequências jurídicas. Tanto numa como em outra, é importante preservar a Lava Jato. Algumas pessoas acham que ela foi negativa para o País. Não é o meu caso. A Lava Jato, que condenou 159 pessoas, trouxe bilhões de reais de volta ao País e repercutiu no continente levando ex-presidentes do Peru à prisão, foi um passo gigantesco na luta contra a corrupção. Mas não está isenta de crítica nem de enquadramento jurídico. Ela foi uma tentativa de corrigir os fracassos do passado: operações sufocadas, como a Castelo de Areia e o caso Banestado. Era todo um aparato político a ser enfrentado e um Supremo Tribunal Federal (STF) severo na garantia dos direitos.


A proximidade entre juiz e promotor não é muito questionada quando se trata do combate a uma organização criminosa comum. É normal até a prisão de advogados de defesa. Neste caso, não se questionaria um juiz que indicasse a produção de provas, desde que avaliasse com serenidade se válidas ou não. Quando repórter policial, observei em alguns júris que o promotor se sentava ao lado do juiz e o advogado de defesa ficava no plenário. Em termos rituais, já era um traço de proximidade.

Mas estamos no campo da política, onde tudo é banhado por um outro ar. A Lava Jato conseguiu driblar muitos obstáculos neste território.

No meu entender, ela se fragilizou com a ida de Moro para o governo Bolsonaro. É um governo que prioriza o combate ao PT. A Lava Jato alcança um espectro muito mais amplo, atravessa fronteiras, leva a uma reavaliação dos bancos suíços, um terremoto na política sul-americana. A opção de Moro, simbolicamente, associou Bolsonaro à Operação Lava Jato e o PT como seu alvo.

Pode-se argumentar que Moro como ministro, ao contrário de outros, ajudará a Lava Jato. O problema é que ele a encarnou e seu desgaste terá repercussão em todo o trabalho daqui para a frente.

É sempre interessante saber quem invadiu o aplicativo, quem encomendou o ataque. Mas as consequências estão aí. Faça chuva, faça sol, o PT grita “Lula livre”. Por que deixaria de gritar agora, com o impulso dos vazamentos? Renan Calheiros, no Congresso, sempre quis aprovar a lei do abuso de autoridade. E Gilmar Mendes, por sua vez, já acenou com a possibilidade de usar os vazamentos como prova contra a Lava Jato. Enfim, não há outro caminho: segurar o tranco, reconhecer as frases autênticas, descartar as fakes produzidas na rede e analisar uma a uma, colocá-las no contexto.

No caso das operações que Moro mencionou num diálogo, talvez seja mais fácil de determinar o contexto. Moro autorizava operações da Lava Jato. Era razoável que perguntasse pelo destino de suas autorizações anteriores. Tecnicamente para um juiz, suponho, a imparcialidade é sempre uma tensão. Por inércia, pode estar ajudando uma das partes, precisamente uma suposta organização criminosa. Politicamente, de novo, as coisas são mais complicadas.

Ao entrar no governo Bolsonaro, Moro acionou inúmeras sinapses, o vazamento do diálogo de Dilma e Lula antes que ele assumisse o cargo de ministro, por exemplo. Tecnicamente, poderia ser visto como uma tentativa de bloquear a fuga de um acusado. Comumente, um acusado desaparece. Lula iria se refugiar no foro privilegiado. A repercussão disso no impeachment passa a ser vista como intencional.

Se Moro resistisse no cargo de juiz, talvez enfrentasse melhor os ventos contrários. De todos os obstáculos políticos a enfrentar, o mais insidioso e melífluo é a atração pelo poder.

Estrategicamente, a Lava Jato não pode se associar a um governo específico. Caso contrário, ela será de alguma forma sempre cobrada. Onde está o Queiroz?, por exemplo. A investigação está correndo em nível estadual, mas envolve o filho de um presidente, tem repercussão nacional, trabalha suspeitas não só de rachids, mas de envolvimento com as milícias. Por que não esclarecer no ritmo daqueles tempos? Cá para nós – com o perdão da rima –, já saberíamos muito sobre Queiroz.

Mexer nisso agora pode parecer suicídio: afinal, o governo é um aliado da Lava Jato. Mas o grande aliado é a parte da sociedade que quer combater a corrupção como tarefa de Estado, com os cuidados legais, mas acima de todos os partidos.

Não é uma tempestade em copo d’água. É um momento decisivo. Durante anos lutei, no Congresso, entre outros temas, contra a corrupção no sistema político que construímos. Resultados modestos, desanimadores.

A Lava Jato foi o instrumento mais eficaz produzido na história moderna do Brasil. Imaginar que se pode voltar o ponteiro aos tempos da roubalheira é uma fantasia. Os tempos são outros, a sociedade é outra: não deixa.

Pensamento do Dia


No país de Murphy, quase tudo dá errado

"Se alguma coisa pode dar errado, dará. E no pior momento.”

É a essência da “Lei de Murphy”, criada por um engenheiro aeroespacial americano em 1949, que tem sido comprovada inúmeras vezes na nossa vida pessoal e coletiva. Claro, todas as vezes em que nada dá errado nem se percebe, mas a memória seletiva não esquece os erros, ou a “falta de sorte”, e pior, muitas vezes não se aprende com eles.


O tempo passa, o relógio marca, e o que poderia dar errado no Brasil está dando, há um bom tempo, muitas vezes provocado pela excelência dos nossos governantes no esporte em que somos campeões mundiais: o tiro ao pé. Quase sempre acertam nos quatro.

Enquanto o déficit fiscal aumenta, e diminuem as expectativas de crescimento, as mais urgentes reformas vão atrasar porque os deputados não podem perder as festas de São João. Pulando fogueiras de dinheiro público. E dançando quadrilha.

Quando o número absurdo de assassinatos, finalmente, começa a cair, com mais armas nas ruas só pode crescer. A menos que mais tiros provoquem menos mortes. Sei lá, no Brasil, até o passado é imprevisível, reza a máxima de Pedro Malan.

E como a besta está solta, e hacker que bate lá bate cá, imaginem se invadem o WhatsApp dos Bolsonaro? Do Rodrigo Maia? Do Paulo Guedes? Da Segundona do Supremo? Ou o meu? O seu?

Enquanto isso, os jovens deputados Tabata Amaral, 25, Kim Kataguiri, 23, e Felipe Rigoni, 28, em conversa com Pedro Bial, acendiam uma chama de esperança em milhões de descrentes na política e nos políticos. Eles representam a Lei Anti-Murphy, os melhores no pior momento. No meio do lixo parlamentar que atravessa gerações, são novos políticos, com novas ideias, compromissos e comportamento.

Rigoni tinha tudo para dar errado. É cego desde os 15 anos, mas se formou em Engenharia de Produção como o melhor aluno da turma e fez mestrado em Políticas Públicas em Oxford como bolsista. Liberal na economia e progressista nos costumes, enxerga o Brasil melhor do que a maioria dos seus colegas.

A volta do Brasil à 'lista suja' do trabalho

Nesta semana, o Brasil voltou a integrar a chamada "lista suja" da Organização Internacional do Trabalho (OIT), composta por países suspeitos de violar convenções trabalhistas internacionais. Na avaliação de entidades e especialistas ouvidos pela DW Brasil, o retorno reforça a argumentação de que a reforma trabalhista fere princípios constitucionais.


A decisão de incluir o Brasil na lista de 24 países suspeitos de violar convenções internacionais do trabalho foi anunciada em Genebra, durante a sessão da Comissão de Aplicação de Padrões da 108ª Conferência Internacional do Trabalho, o órgão máximo de decisão da OIT. Os peritos entenderam que a reforma trabalhista fere a Convenção 98 da organização, que trata do direito de sindicalização e de negociação coletiva, e que foi ratificada pelo Brasil em 1952.

Em entrevista à DW Brasil a partir da conferência da OIT em Genebra, o procurador-geral do Ministério Público do Trabalho (MPT), Ronaldo Fleury, afirmou estar de acordo com a visão de que a reforma trabalhista viola normas internacionais de proteção dos trabalhadores e a própria Constituição de 1988.

"A partir do momento em que se permite uma negociação, seja coletiva, seja individual, que abre mão de direitos legalmente assegurados, se permite que haja uma pressão sobre os trabalhadores para que renunciem a direitos sociais que, pela nossa Constituição, são fundamentais", explica.

O procurador-geral se refere a dois artigos inseridos por meio da reforma trabalhista na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que priorizam o "negociado sobre o legislado". Isso possibilita que negociações entre patrões e sindicatos por meio de acordo ou convenção coletiva passem a valer em substituição a direitos assegurados na lei.

Entre os casos em que o negociado entre as partes pode sobrepor o que está previsto em lei estão banco de horas, jornada de trabalho e participação nos lucros (artigo 611-A). O artigo 611-B, também inserido na CLT, trata dos casos em que isso não é válido, como a licença-maternidade.

A ministra do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Delaíde Miranda Arantes afirma que a decisão da OIT é "oportuna". "Além do retrocesso social não admitido na Constituição Federal, a reforma trabalhista ainda deixou de observar a proteção das normas internacionais", avalia.

"A reforma representa um retrocesso, rompendo com um processo de conquistas de direitos sociais e trabalhistas. Além disso, não cumpriu nenhum dos objetivos anunciados pelos seus defensores. Não gerou empregos, provocou o enfraquecimento da representação sindical e não modernizou a legislação trabalhista", diz.

Esta não é a primeira vez que o Brasil entra na lista de países que serão analisados pela agência das Nações Unidas. O caso brasileiro tem sido analisado pela OIT desde 2017, antes mesmo da aprovação da reforma trabalhista. No ano passado, o governo foi advertido sobre um possível descumprimento das normas internacionais depois de peritos terem acolhido denúncias de entidades sindicais.

A OIT pediu a revisão dos pontos da reforma que permitem a prevalência de negociações coletivas sobre a lei. Neste ano, após uma nova análise, o país entrou na lista curta de países suspeitos, ao lado de países como Egito, Turquia, Iêmen, Mianmar, Uruguai e Etiópia, e será investigado pela Comissão de Aplicação de Normas da organização.

"Se houver uma decisão da OIT de que houve o descumprimento da Convenção 98, isso dará mais força à nossa argumentação e aos fundamentos que estamos utilizando em nossas ações públicas acerca da inconvencionalidade da reforma trabalhista", afirmou Fleury.

Em nota, a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia avaliou que a decisão da OIT é "injustificada e carece de fundamentação legal ou técnica". "Neste processo, não foi apresentado qualquer caso concreto que mostre redução de direitos ou violação à Convenção 98. É clara a ausência de critérios técnicos e a politização do processo de escolha dos países", afirma o comunicado.

O Governo afirma que a Lei 13.467/2017, da reforma trabalhista, está de acordo com a Constituição Federal e ainda estimula a negociação coletiva. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) diz que a legislação em vigor desde novembro de 2017 está "completamente alinhada" com a Convenção 98, que "estimula os países signatários a promover o diálogo entre trabalhadores e empregadores por meio de negociação coletiva".

A ratificação de uma convenção da OIT resulta na incorporação dos padrões e normas estabelecidos ao sistema jurídico, legislativo, executivo e administrativo do país signatário, com um caráter vinculante. O país também é obrigado a submeter relatórios sobre a implementação das convenções e protocolos da OIT. Atualmente, 187 países, incluindo o Brasil, são membros da organização, que completa 100 anos.

Caso seja identificada uma violação, haverá um constrangimento moral para o Brasil, além de eventuais represálias com relação à exportação de alguns produtos brasileiros, "mas isso vai depender da avaliação de outros países e empresas", diz o MPT.
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Partido sem partido

Eu odeio toda a política. Eu não gosto de nenhum partido político. A pessoa não deve pertencer a eles - deve ser um indivíduo, de pé no meio. Qualquer pessoa que pertence a um partido para de pensar
Ray Bradbury

A máquina de moer ministros

Tenho achado difícil tirar conclusões das mensagens entre o ex-juiz e atual ministro da Justiça Sergio Moro e o procurador Daltan Dalagnol. Surrupiadas por peritos hackeadores dos celulares do ministro, do procurador e de outras autoridades envolvidas com a operação Lava-Jato, são mensagens que não permitem conclusões fáceis, já que os envolvidos não negam nem admitem sua veracidade, alegando que as provas, se houvessem, já teriam sido desarquivadas há tempos.

Sergio Moro, não há dúvidas, demoliu o estado corrupto que permeava por todo o Brasil e instilou no coração dos brasileiros o horror à corrupção que nos priva de Educação, Saúde, Segurança.

Mas, ao se despir da toga, passou por uma transformação que incomoda assistir. Ao vê-lo de terno e gravata se despir do paletó para vestir a camiseta do Flamengo jogada por um torcedor, fiquei muito impressionada. Mal impressionada, digo com sinceridade.

O capitão, depois de ficar caladinho sobre esse assunto por mais de 48 horas, anteontem declarou que o ministro Moro merece o apoio de seu governo já que tem todo o povo ao seu lado, usando como prova de seu argumento os aplausos recebidos no estádio Mané Garrincha o que, segundo ele, não acontecia desde que o presidente Médici frequentava o Maracanã.

Menos, capitão, por favor, menos. Vá com calma. Seu governo já liquefez três ministros. Qualquer descuido pode ser fatal. E uma pequena observação: Médici era aplaudido sim, mas por um Maracanã lotado, transbordando de torcedores da geral às tribunas. Não era uma plateia minguada como a do Mané Garrincha na quarta-feira à noite.

Todos sabemos que o presidente Bolsonaro é contra o ensino da Filosofia nas escolas. Não é necessário muito esforço para compreender o motivo dessa alergia à Filosofia. Basta ler este pensamento de Emanuel Kant, o grande filósofo alemão considerado o mais importante da era moderna: "Na esfera legal um homem é culpado quando viola o direito dos outros. No plano da ética basta que ele cogite violar para estabelecer sua culpa".

Que tal como pensamento nas noites de insônia, capitão?
Maria Helena Rubinato Rodrigues de Sousa

Reforma previdenciária vira os atores do avesso

A reforma da Previdência virou o cenário político do avesso. Jair Bolsonaro, que sempre risca o fósforo, agora assopra. O ministro Paulo Guedes, da Economia, que carregava o balde de água fria, decidiu elevar a fervura. E o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que poupava Guedes de ataques, passou a bater sem piedade. Como se fosse pouco, o centrão, que sempre tocou fogo no circo, agora trabalha para manter a lona em pé.


Tudo começou a se mover depois que o deputado Samuel Moreira, relator da reforma previdenciária, apresentou sua proposta. Em vez de economizar R$ 1,2 trilhão em dez anos, como queria o governo, propõe uma poupança de R$ 913 bilhões. Chegou a esse número com um anabolizante. A cifra inclui R$ 50 bilhões de um aumento do imposto sobre o lucro dos bancos.

"É natural ceder para aprovar o que é possível", contentou-se Bolsonaro. Se "forçar a barra" corre-se o risco de não aprovar nada. "Abortaram" a nova Previdência, queixou-se Paulo Guedes. Os deputados cederam a "pressões corporativas", ele acusou. Na conta do ministro, a economia será de apenas R$ 860 bilhões. Ele não contabiliza o anabolizante do imposto cobrado dos bancos. Para ele, isso é política tributária, não previdenciária.

Abespinhado, Rodrigo Maia disse que o governo tornou-se uma "usina de crises". Lamentou que até o "amigo Guedes" tenha aderido ao bloco da discórdia. Disse que, se dependesse da articulação do governo, nem haveria reforma. Articula por conta própria. Faz isso em aliança com o centrão, que se dispõe a aprovar a reforma para não ser acusado de alimentar a crise. Bolsonaro pacificando, Guedes atiçando, Maia articulando e o centrão, veja você, pensando no bem do país. Ou a coisa desanda de vez ou Brasília encontrou na confusão o caminho para a solução.