quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Maquiavel passou por Brasília

De tanto falarem nele, Maquiavel apareceu em Brasília. Resolveu conferir se seus ensinamentos estão sendo seguidos. De cara, surpreendeu-se com o abundante número de “Príncipes” batizados de caciques, coronéis, oligarcas, entre outros nomes, diferentemente das cortes na velha Itália, que se moviam em torno de um único Príncipe.

Percebeu ainda que, aqui, muitos são os polos de poder, sem que isso signifique democratização. E identificou na capital do Brasil uma luta de poder multipolar bem mais complexa dos que as disputas entre o Reino de Nápoles, o Ducado de Milão, os Estados Pontifícios e a República de Veneza.

Prosseguindo em sua observação, Maquiavel verificou que no Distrito Federal, mesmo passados cinco séculos da publicação de seu clássico livro (não à toa intitulado O Príncipe), o que alimenta a política é a conquista e a manutenção do poder, conforme já denunciava no livro. Independentemente de outros aspectos. E que, ainda conforme preconizou, muitos políticos se valem de todos os meios para se manter no comando.

Assim, constatou que a sua lição de que os fins justificam os meios foi muito bem aprendida no Brasil.

Ao tomar conhecimento da Operação Lava-Jato, o pensador, que nasceu em 1469 em Florença (onde também morreu, aos 58 anos), ficou atordoado com os números e a complexidade das relações entre empresas privadas e poder público no Brasil. Ficou ainda mais chocado quando soube que o que foi descoberto em torno do Petrolão não passa de uma das pontas de um imenso iceberg.

Ouvindo os relatos sobre a investigação, disse que os Príncipes daqui exageram no tocante a não serem limitados pela moralidade. Teria inclusive sugerido às minhas fontes que até para ser imoral deve existir um limite. E que o limite é o bom-senso, artigo em falta no país.


Sabendo que a Lava-Jato tem sangrado o mundo político e que este, pelo seu lado, não enfrenta a questão de frente ou não busca uma solução, Maquiavel pensou em sugerir uma ampla anistia aos políticos, desde que eles fossem banidos da política e pagassem uma multa. Ignorou comentários irônicos de que ele não entende de Brasília e que por aqui, como a esperança é sempre a última que morre, é melhor ir empurrando tudo com a barriga.

Convidado a ir a Curitiba para conhecer alguns dos protagonistas da força-tarefa da Lava-Jato, Maquiavel declinou do convite. Temia que em um surto de ativismo judicial pudesse se indiciado nos inquéritos e ele ficasse impedido de voltar ao Além. Vá lá que alguém o delatasse?! Preferiu não arriscar.

Paradoxalmente, observou que os políticos brasileiros são lenientes com os adversários: o inimigo de hoje pode ser o amigo de amanhã. E vice-versa. Ele acha que é assim mesmo em política, só que não se pode exagerar.

Ouviu, com espanto, que inúmeros aliados da ex-presidente Dilma Rousseff foram mantidos em cargos de confiança após seu impeachment. Não souberam explicar-lhe se por desinformação, imprudência ou os dois ao mesmo tempo. Para ele, no entanto, é intolerável que dissidentes não sejam severamente punidos e que inimigos não sejam sumariamente afastados de suas posições com a mudança de governo.

Nesse sentido, viu que os políticos no Brasil de hoje não levam em conta a história. Que a maioria mal sabe o que é história – pensa que é o que está no jornal de ontem e nem desconfia que ela pode ensinar.

Ficou espantado, por exemplo, ao saber que o ex-presidente Fernando Collor, mesmo tendo sofrido impeachment, está voltando ao banco dos réus sob suspeita de corrupção. E deduziu que nesse caso a história não se repete como farsa; a história é a própria farsa.

Viu ainda que o Brasil e os brasileiros vivem em uma espécie de presente intenso que se limita ao que é visível. E, em sendo óbvio, é objeto de reação e não de reflexão. Daí o desprezo pela história e o descuido com o futuro.

O que fez o pensador concluir que poucos políticos brasileiros de hoje se encaixam nos tipos de inteligência que ele admirava. Segundo ele, uma verdadeira inteligência entende por si mesmo o que se passa. Poucos por aqui estão entendendo – por si mesmo – o que se passa.

Um segundo tipo é capaz de discernir a partir do que os outros entendem. Igualmente, poucos ouvem opiniões independentes.

Existe um terceiro tipo não é capaz de entender por si nem entender pelos outros. É um inútil.

Maquiavel reconheceu a inutilidade da maioria dos políticos que conheceu em Brasília. Soube que a imensa maioria dos que passam pela cidade nada deixa. Ou, quando deixa, são histórias tristes para a cidadania.

Notou ainda a omissão da sociedade, que não quer se meter nos negócios públicos. Prefere manipulá-los a distância.

Vendo a confusão instalada, lembrou que, para ele, existem duas formas de combater o inimigo: com a lei e com a força. Não viu, no Brasil, o mundo político reagindo nem com um nem com outro ao desafio das investigações.

Percebeu que as forças judiciais da República de Curitiba são bem mais maquiavélicas que as do Reino da Fantasia de Brasília, já que usam tanto a força quanto a lei.

Instado a comentar sobre o governo Michel Temer e seu ímpeto reformista, lembrou-se de uma frase de seus escritos: “Nada é mais difícil de executar, mais duvidoso de ter êxito ou mais perigoso de manejar do que dar início a uma nova ordem das coisas. O reformador tem inimigos em todos os que lucram com a velha ordem das coisas e apenas defensores tépidos nos que lucrariam com a nova ordem.”

Reparou que poucos parlamentares defendem com vigor as reformas propostas pelo governo. Mesmo com o Estado “bancorotto”, governo e políticos dançam em meio a uma chuva de meteoritos torcendo para que nada os atinja.

Por fim, ao intuir a ausência de uma estratégia clara de comunicação por parte do governo, Maquiavel novamente lançou mão de uma frase sua: “Governar é fazer acreditar.” Lamentou que o governo, como um todo, não acredite em si mesmo nem tenha ideia do tamanho de seu poder. E que tampouco saiba dizer direito o que faz.

Perguntado se toparia dar consultoria ao Palácio do Planalto, respondeu que não. Temia que a Andréa Sadi noticiasse que ele foi recebido fora da agenda. Assim, preferiu voltar para a sua Florença.

Candidato feito nas coxas

 
Se eu não puder ser candidato, a gente vai arrumar alguém para ser
Lula

Nova denúncia anti-Temer reacende chantagem

Finalmente, uma boa notícia: nas próximas semanas, não haverá nenhum aumento de fisiologismo e de desfaçatez no cenário político. Continuaremos nos mesmos 100%. Você está prestes a assistir a um filme repetido. Vem aí a segunda denúncia da Procuradoria-Geral da República contra Michel Temer. A primeira era por corrupção. A nova acusará o presidente de obstrução de Justiça e, muito provavelmente, de organização criminosa. Vai começar tudo de novo.

Resultado de imagem para temer compra de apoio charge

Temer tentou afastar o procurador-geral Rodrigo Janot do processo. Mas fracassou. O ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, indeferiu o pedido. Agora, Janot aguarda apenas a homologação da delação do operador de propinas Lúcio Funaro. Revelações feitas por ele rechearão a denúncia, que jogará mais lama também sobre a milícia do PMDB da Câmara.

Pela Constituição, o Supremo só pode investigar Temer se a Câmara autorizar. E a chance de isso ocorrer é próxima de zero. Respira-se nos porões de Brasília, desde já, uma atmosfera de chantagem. O Planalto vai comprar o resgate do presidente pela segunda vez. À exceção do preço, que deve subir, o enredo faz lembrar o filme anterior. A mesma embarcação temerária, o mesmo comandante presunçoso. O mesmo iceberg no caminho. Tudo muito parecido com Titanic. A diferença é que eles se salvam. Apenas o país continuará afundado num oceano de mediocridade.

Gente fora do mapa

Resultado de imagem para inundação em mumbay

O abismo ao lado

A divulgação do deficit primário das contas do governo dos últimos 12 meses (até julho) acendeu uma luz vermelha no mercado. O rombo é de R$ 183,7 bilhões, muito acima da nova meta fiscal que o governo pretende aprovar no Congresso, de R$ 159 bilhões. Segundo o Tesouro, o resultado negativo se deve à frustração de receitas na ordem de R$ 7,4 bilhões. O corte de R$ 3 bilhões na despesa mensal não foi o suficiente para compensar a perda de arrecadação menor, razão pela qual o resultado primário de julho ficou R$ 4,5 bilhões abaixo do programado. Diante desse quadro, resta ao Ministério da Fazenda mexer com as despesas obrigatórias, principalmente as da Previdência, para trazer os gastos do governo para dentro da meta prevista.

A aprovação da reforma da Previdência, porém, continua no telhado, porque a base governista vende caro o apoio ao presidente Michel Temer. Às voltas com uma reforma política polêmica, cujo objetivo é garantir a reeleição do maior número de deputados e senadores, o Congresso emite sinais de que começa a se descolar do Palácio do Planalto e a atuar com maior autonomia, de olho em 2018. Pelos corredores da Câmara, por exemplo, os deputados choramingam as promessas não cumpridas pelo governo, em troca de rejeição da denúncia contra Michel Temer. O clima tumultuado da sessão do Congresso de ontem mostra bem a qualidade do ar que se respira nas duas Casas.


É nesse cenário que todos esperam a segunda denúncia do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contra o presidente da República. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), já avisou ao presidente Michel Temer que o ambiente na Câmara não é bom. Além de refugar a reforma da Previdência, parte da base começa a chantagear o Palácio do Planalto. Tudo indica que a denúncia virá na primeira quinzena de setembro, ou seja, no apagar das luzes do mandato de Janot. A não ser que o relator da Operação Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal, ministro Édson Fachin, não homologue a delação premiada do doleiro Lúcio Funaro, enviada ontem ao STF.

De acordo com investigadores, Funaro trata das suspeitas de que o presidente teria cometido obstrução de Justiça. Para o Ministério Público Federal, o diálogo do presidente com Joesley Batista, um dos donos da JBS, mostraria a suposta concordância de Temer com o pagamento de propina ao ex-deputado Eduardo Cunha e ao próprio Funaro, para que eles não fechassem acordo de delação.

Os dois principais pilares de sustentação do governo Temer são a credibilidade da equipe econômica e a base parlamentar robusta. Ambos sofrem desgastes por causa da fricção política originada pela Lava-Jato. Entretanto, o maior problema do governo é a gravidade da crise social causada pelo desemprego, que chegou a 13% no segundo trimestre deste ano, de acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na semana passada. São 13,486 milhões de desempregados. O governo não sabe o que fazer com isso, pois a economia não cresce o suficiente para reduzir o índice de desemprego.

Todos os sinais são de que os investimentos privados estão com o freio de mão puxado e assim continuarão até o desfecho das eleições de 2018. A única possibilidade de mudança no cenário é a implementação do programa de privatizações do governo, que foi anunciado sem uma modelagem jurídica que dê segurança aos agentes econômicos. Passada a euforia inicial do mercado de ações, todos continuam com as barbas de molho. As previsões para o desempenho do Produto Interno Bruto do segundo trimestre aproximaram-se do 0%. O consumo das famílias fechará o ano com avanço de 0,9% e as exportações, de 0,7%.

A reação do governo é uma espécie de mais do mesmo: estimular o consumo das famílias do jeito que pode. Mas isso tem pouco impacto nos investimentos porque a capacidade ociosa das indústrias ainda é muito grande. O governo liberou R$ 42,8 bilhões das contas inativas do FGTS e vai lançar mão de R$ 16 bilhões do PIS-Pasep para aposentados com 65 anos (62 anos, no caso das mulheres), a fim de injetar mais dinheiro na economia. São quase R$ 60 bilhões, uma quantia nada desprezível. Mesmo assim, a economia deve continuar devagar. Qual é o problema? O governo promove reformas da economia sem fazer o dever de casa.

A situação é mais ou menos como a de uma família que começa a vender tudo o que tem para pagar as dívidas, mas não reduz os gastos de forma a compatibilizá-los com a renda familiar e, assim, sair do vermelho para o azul. Sem fazer um ajuste fiscal que corte na própria carne, o que inclui a Previdência e os gastos de custeio e pessoal do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, a venda dos ativos da União não vai resolver o problema das contas públicas. Será apenas um grande fim de festa, com muita ressaca no dia seguinte.

'Privatização de Temer é vender o almoço para pagar o jantar'

A economista Monica de Bolle, pesquisadora do Instituto Peterson de Economia Internacional e professora da Universidade Johns Hopkins, em Washington, chegou a experimentar um breve momento de otimismo cauteloso com a economia brasileira no início do Governo Michel Temer. Mas esse sentimento não durou nem seis meses. A discussão e a aprovação da emenda do teto dos gastos públicos acabou com qualquer boa expectativa. E, depois da revelação da investigação sobre a suposta trama de corrupção envolvendo Temer e o empresário Joesley Batista, sócio da JBS, ela passou a defender que o presidente devia renunciar ao mandato. Ex-diretora da Casa das Garças, tradicional reduto do pensamento econômico liberal no Brasil, De Bolle, mesmo favorável a privatizações, critica a proposta de Temer, que considera inoportuna. "Querem realmente vender ativos pra pagar o déficit primário? Estão vendendo o almoço pra pagar o jantar", afirma. Para a economista, as iniciativas ousadas e polêmicas de Temer são tentativas de "criar espuma" para agradar ao mercado. "Estão criando espuma desde o ano passado com todas as reformas e viram que criar espuma é bom, porque mudou expectativas. Então continuaram com a mesma tática", critica.

Resultado de imagem para privatização de temer charge
 Uma coisa que tem sido absolutamente marcante no Governo Temer é essa tendência de querer fazer grandes manchetes e grandes esperanças, mas no final das contas entregar algo muito aquém do prometido. Temer faz promessas grandiosas, esperando que vai transformar o Brasil em dois anos. Houve uma tentativa bem sucedida de reverter o processo inflacionário, talvez mais influenciado pela recessão do que outra coisa, mas ao menos o Banco Central deu sinalizações corretas e vemos alguma recuperaçãozinha no consumo por conta disso. Houve tentativas de dar o pontapé em reformas, não geraram grande coisa, mas foi um início. Teve uma mudança na administração da Petrobras e mudanças no marco regulatório do pré-sal que foram importantes. Mas, para além disso, o problema é que esse Governo tenta o tempo inteiro inflar manchete e no fim das contas entrega a rebimboca da parafuseta. O teto do gasto público é um pouco disso: foi anunciado como algo revolucionário, mas para ser funcional depende da reforma da Previdência que não vai ter. E o Governo Temer trata os seus críticos da mesma forma que Dilma tratava. Nesse aspecto, é muito parecido com o governo anterior. Como Temer tem pouco tempo pra entregar resultados, está fazendo tudo no afogadilho. Teto de gastos foi feito no afogadilho e agora privatizações são feitas no afogadilho. O princípio de fazer privatizações é inquestionável. Mas sair anunciando um listão de liquidação de não sei quantos ativos, só pra botar manchete gorda, e depois ter menos de um ano pra entregar não parece nem um pouco viável. Querem realmente vender ativos para pagar o déficit primário? Estão vendendo o almoço para pagar o jantar. É pra isso que querem fazer privatizações? A legitimidade é absolutamente questionável, porque vimos, na área fiscal, o Governo dizer e fazer coisas opostas. Temer teve que fazer o fisiologismo clássico do PMDB para conseguir se manter onde está. Sacrificou-se o ajuste fiscal no altar do Temer — o espetáculo da Câmara discutindo a denuncia contra ele foi exatamente isso. E se pegar a lista de ativos que vão ser privatizados, tem um monte de coisas que estavam na lista da Dilma. Muita coisa requentada.

Estão criando espuma desde o ano passado com todas as reformas e viram que criar espuma é bom, porque mudou expectativas. Deu certo. Então continuaram com a mesma tática 
Leia mais

A alienista

Tente entender alguma coisa do conjunto de frases reproduzido nas linhas que se seguem. Elas foram ditas exatamente como estão no texto abaixo, de uma enfiada só e pela mesma pessoa. Não há nenhum corte, nem mudança de palavras, nem acréscimo. O que se lê é o que foi dito.
Bom, eu estou vendo com, com, é, muita preocupação. Eu acho que o golpe que… um belo dia eles deram o golpe… nós sabemos as razões. E a chamada, é, u, né, o reino da selvageria. A gente tá vendo tudo isso… esse golpe tem desdobramento. Eu acho que um dos desdobramentos desse golpe é u… u… o juiz que vai julgar, de absurdos. Esse processo ele, ele tem também uma pessoa. Eles erraram de pessoa. Tem um erro de pessoa. Porque eles foram mexer com uma pessoa porque não lhes dão, não lhes dá a justiça do Power Point, ele, ele… o inocente.

Resultado de imagem para mulher mandioca


Sim, a autora dessa oração é ela mesma, Dilma Rousseff, numa espécie de reunião-entrevista em torno do ex-presidente Lula, divulgada há pouco pela internet. A primeira reação é: e daí? Nada disso faz nenhum nexo, é claro, mas que importância pode ter mais esse angu de palavras, ruídos e nenhuma ideia? É só a Dilma falando de novo. Alguma vez foi diferente do que é agora? Não, mas a cada vez que ela aparece com uma performance do tipo transcrito acima, vai dando uma aflição cada vez maior na gente. Basta pensar dois minutos. Durante cinco anos e meio, para não falar no que já vinha de antes, o Brasil viveu a ficção de que era presidido por uma pessoa basicamente normal. Meio atrapalhada, é óbvio, esquisitona, com uns apagões repentinos no caminho que vai dos circuitos cerebrais até a voz. Às vezes parecia engraçada – não seria um número humorístico? Na maioria das vezes, quando falava em estoques de vento ou na conjugação da mandioca com o milho, a reação de quem ouvia era: “Travou. Surtou. Descolou da nave-mãe”. Mas fazia-se de conta, o tempo todo, que estava tudo bem.

Se isso é um comportamento normal por parte de uma presidente da República, então alguma coisa está profundamente errada com quem acha que não é. Dá o que pensar. E se Dilma estiver certa e todos os que não entendem coisa nenhuma do que ela diz estiverem errados? De quem é o desvario? O caso lembra a situação do dr. Simão Bacamarte, o herói de “O Alienista” de Machado de Assis. O bom doutor, como se sabe, acaba por colocar no hospício a população inteira de Itaguaí, por ter chegado à conclusão que todo mundo tinha ficado louco – exceto ele próprio, o único apto a viver solto. Estamos todos loucos e só Dilma está certa? Tudo é possível. Sempre vale a pena lembrar, em todo caso, que no fim da história o dr. Simão acaba aceitando a lógica das coisas e muda de ideia: manda soltar todo mundo, prende a si mesmo e passa a ser o único morador do hospício.

Paisagem brasileira

"Paisagem no interior", Aldo Bonadei

Da toga loquaz à política alienada

Publicada no domingo, no alto da primeira página deste jornal, uma pesquisa do Instituto Ipsos trouxe mais uma notícia ruim: uma acentuada erosão de credibilidade que atinge nomes de expressão da vida pública brasileira. Representantes dos poderes da República e políticos de renome (alguns deles possíveis candidatos nas eleições presidenciais do ano que vem) estão mal na fita. O que isso quer dizer?

Em boa medida, podemos refletir sobre este quadro pelo prisma da péssima qualidade da comunicação entre poder público e sociedade. Logo de cara, porém, é preciso alertar que, neste caso, a miséria comunicativa não é causa – quando muito, é sintoma. Mesmo assim, valerá a tentativa de abordar a questão por essa trilha.

Comecemos por alertar. Normalmente, o problema de poderes que se comunicam mal não é técnico. Quase sempre, o problema é político. Quando os representantes não compreendem os representados e não se fazem entender por eles, o que lhes falta não costuma ser meramente a competência profissional de marqueteiros: no mais das vezes, falta-lhes legitimidade. A comunicação não cura a falta de legitimidade, embora a miséria comunicativa possa ser um sintoma disso – como ocorre no caso presente, ao menos quando falamos dos Poderes Legislativo e Executivo.

A pesquisa Ipsos não traz surpresas atordoantes. No geral, corrobora outros levantamentos, mais ou menos assemelhados, seja quando aponta o declínio de aprovação de autoridades e ex-ocupantes de cargos públicos, seja quando mostra que a rejeição ganha corpo. As curvas demonstram que a sociedade brasileira acredita cada vez menos nos agentes do poder público. Se fizermos uma extrapolação das linhas para além das bordas das planilhas – mas ainda assim uma extrapolação segura, cautelosa –, intuiremos que o grau de aderência dos brasileiros às suas instituições, bem como a confiança que depositam nos canais de representação, declina. É como se o Estado errasse um tanto à deriva, entregue a demandas corporativistas ou patrimonialistas, cada vez mais distante da sociedade civil.


Voltemos, então, ao prisma da comunicação. O que temos é que uma esfera (o Estado e as forças que o orbitam) e outra (a sociedade civil) não se entendem direito. Entre uma e outra, exaurem-se os nexos lógicos e racionais, assim como os afetivos, os emotivos e os identitários. As autoridades (ou os órgãos pelos quais elas respondem) não sabem conversar com os brasileiros e as brasileiras comuns, que se esfalfam na planície para manter a vida em dia, e quase sempre fracassam.

Se quisermos um mote inicial para pensar a respeito (embora, de pensar, morram todos os burros da tropa), poderíamos tomar o ponto de partida de uma diferença essencial entre os poderes quando se trata da comunicação pública. Nos Poderes Executivo e Legislativo, que se resolvem na política, o agente perde credibilidade quando fala o que ninguém entende (que é quase a mesma coisa que não falar coisa nenhuma); no Poder Judiciário, que não pode se confundir com a política, o agente perde quando fala demais. Políticos vivem da voz pública; juízes se expressam pela voz nos autos. A política é ativa, só se cumpre quando tem a iniciativa de incidir sobre a realidade; a magistratura só reluz quando se sabe passiva (só age quando provocada).

Inverter as bolas, neste caso, é pôr tudo a perder. Não obstante, há inversões perturbadoras no horizonte próximo. Vivemos dias de togas loquazes e de políticos que falam javanês – ou não falam coisa com coisa. Temos aí um dos vértices mais delicados da instável estabilidade institucional brasileira.

É interessante observar como o juiz Sergio Moro perdeu aprovação na pesquisa Ipsos. Ele não a perdeu por ser juiz, mas porque sua figura é confundida com a de um protagonista político (um “salvador da Pátria”, um “perseguidor do PT”, um “candidato a presidente”, etc.). O desgaste da figura de Moro tem mais fundo político do que jurídico. E ele nem é dos mais tagarelas. Entre os mais falastrões, apita a sirene babélica de Gilmar Mendes, cuja prosódia dispensa reflexões. Ele tem 3% de aprovação e 67% de rejeição. Não custa insistir no ponto: silentes diante dos microfones e atuantes em decisões, os juízes brasileiros prestariam grandes serviços e ajudariam a manter a confiança dos cidadãos na Justiça, confiança sem a qual não há democracia que pare de pé.

De onde chegamos à política alienada. Podemos, aqui, entender o adjetivo “alienada” em pelo menos dois sentidos: o termo tanto qualifica uma política que se perde de si como qualifica a política que se subtrair por alguns, digamos assim, amigos do alheio. Alienada é a política que não cria mobilização e pertencimento, que negligencia suas funções representativas (a ponto de pretender encaixotá-las em “distritões” estanques), que abre mão de ser um exercício de direitos para se entregar a malabarismos performáticos de reality show da boca do lixo. Alienada, também, é a política que presta contas a financiadores ocultos, enquanto, com a outra face, engambela os eleitores.

Tome-se o exemplo de Aécio Neves: 3% de aprovação, 91% de rejeição. Ou Lula: 66% de rejeição e 32% de aprovação. O primeiro não tem mais ninguém (não tem nem os tucanos). O segundo conta com um terço do eleitorado que lhe devota uma adoração carismática, avessa a argumentos racionais. O carisma, posto assim, não é apenas apolítico: é antipolítico, alienado e alienante. Indica que Lula, se candidato, pode chegar a um segundo turno, assim como indica que daí ele não passa.

Por fim, uma nota irônica: a muralha da aprovação em torno de Lula é também sintoma do mesmo mal profundo; resulta não do debate de ideias, mas de uma cristalização despolitizada de um culto sem laços com verdades factuais verificáveis. É terrível que, mesmo quando encontramos aprovação na pesquisa do Ipsos, essa aprovação se deva menos ao excesso e mais ao déficit de comunicação crítica.

Contra o ódio, apenas política e diálogo permanente podem ter vez

Não me sinto nem um pouco à vontade para analisar o trabalho dedicado e incansável dos colegas da imprensa. Falta-me isenção, tanto para justificá-los (o que aconteceria sempre) quanto para criticá-los (o que jamais aconteceria). Digo isso, leitor, porque a imprensa pode errar no varejo, mas sempre acerta no atacado. Posso, porém, tratar o assunto como velho profissional que já viveu e viu muita coisa boa e ruim na política, mas que também vê nela e no diálogo permanente os únicos meios para a retomada segura e civilizada do bom caminho.

Em sua maioria (incluídos os jovens e os que estão prestes a alcançar a idade provecta), estão revoltados, e com total razão, com os acontecimentos políticos no país revelados por duas operações da Polícia Federal: uma, mais antiga, que ganhou o apelido de “mensalão”, e a outra, mais recente, cujo nome – Lava Jato – já diz tudo ou quase tudo. Nada tenho contra nenhuma das duas, nem contra o potencial de saneamento de ambas. Só que nenhuma delas, sozinha, retirará o país da que crise em que o metemos. Aliás, pela primeira vez, Rodrigo Janot falou em fim da Lava Jato: “O país”, afirmou, “não pode ficar eternamente refém da operação”.

Alvíssaras! Janot presta-nos outro bom serviço!

A operação Lava Jato merece menção especial. É como se o país fosse um, lá atrás, e hoje, depois das acusações que ela trouxe a nosso conhecimento, virou outro, sangrando por todos os lados. É que poucos lembram-se de que o país de ontem é muito parecido com o de hoje. FHC e Lula até que acenderam uma luz, mas ela logo se apagou. O sistema eleitoral que regeu e ainda rege as eleições nunca mudou. Adaptou-se à época. Na tentativa de passar a limpo o país, misturaram-se gregos e troianos. Por isso, ficou cada vez mais difícil separar o joio do trigo. A classe política tornou-se a única responsável por todos os erros.

Companheiro de geração, que se afastou das lides do jornalismo faz bastante tempo, também revoltado com nossos desvios no dia a dia, mas, sobretudo, com os graves crimes cometidos por políticos e empresários (e estes sempre se dizem – maldosa ou equivocadamente – vítimas dos primeiros), saiu-se com esta outro dia: “Recolhi-me ontem depois de assistir na televisão aos jornais da noite. Pela manhã, acordei com meu pulso a 300 por minuto. Não sei como não tive um infarto. Fui à padaria com meus fiéis seguidores, Márcio e Luíza, minha cadela de estimação, que fala corretamente a língua-pátria, mas os seres humanos, embora a ouçam, por enquanto não a compreendem... Comprei pão, tomei um cafezinho e apanhei meu jornal. As manchetes que estampava aceleraram ainda mais meu pulso. Elas poderão – falei para mim mesmo – levar qualquer pessoa ao suicídio. Se não surgir já liderança capaz de repor o país no caminho certo, o ódio, que vai tomando conta do povo brasileiro, alastrar-se-á como erva daninha e, com certeza, provocará violenta convulsão social. E, me dirigindo à sempre atenta Luíza, concluí: haverá dia em que os bons profissionais cederão às boas manchetes, mesmo correndo o risco de cair na mais profunda depressão”...

O ódio instala-se quando a gente não admite aceitar o outro como ele é. No início, é pura antipatia, mas logo se transforma no pior dos sentimentos humanos. Ele faz mais mal a quem o alimenta e, o que é pior, provoca a mais trágica das cegueiras – a do cego que não quer enxergar.

E é isso, infelizmente, o que hoje acontece no Brasil.

Lula na trajetória de padre Cícero?

A campanha eleitoral de Luiz Inácio Lula da Silva já começou, e só a ratificação da sentença prisional por corrupção – por tribunal de segunda-instância - poderá retirá-lo da disputa de outubro do ano que vem.

Essa campanha, diga-se de passagem, está tendo lugar antes da data legal.

Estabelece a lei que a campanha eleitoral só poderá ter início em 16 de agosto de 2018, daqui a um ano, portanto. Mas, lei? O que significa a lei para quem acha que seu prestígio junto ao Vaticano e às massas oprimidas o tornam imune a ela?

Não que os resultados da procissão rodoviária de Lula estejam sendo extraordinários. Não estão. O povo vai para as ruas por curiosidade - ver o mito, nordestino como eles, o líder místico da política – ou arrebanhado pelos doadores de camisetas vermelhas, novas de estalar.


Nos comícios, principalmente nos da Paraíba e do Ceará, vozes começam a se levantar, fazendo comparações entre Lula e o santo padroeiro do Nordeste, o Padre Cícero.

Só falta a confirmação de um milagre para que passe a haver peregrinação anual das massas a Caetés.

O governador da Paraíba, Ricardo Coutinho, do PSB, bem que tentou criar o ambiente milagreiro durante a passagem de Lula. É que atropelou o cronograma do fornecimento de água às torneiras de Campina Grande para fazê-lo coincidir com a chegada do ex-Presidente à cidade.

Padre Cícero foi idolatrado no Nordeste por conta de um milagre: a hóstia que deu em comunhão a uma freira teria se transformado em sangue na boca da religiosa.

Ajudou também a consolidar seu prestígio um sonho que teve com Jesus Cristo, que apontando para retirantes nordestinos ordenou a Ciço que tomasse conta deles. No seu trabalho pastoral agiu com austeridade, buscando moralizar os costumes, acabar com a mentira e as bebedeiras e ameaçando excomungar os ladrões e corruptos.

Se fosse para obter sua canonização, nesses itens Lula não passaria no exame da Cúria Romana, a não ser que cumprisse severa penitência.

Mas na política, se a trajetória de padre Cícero foi ascendente, num primeiro momento, acabou em desastre. Poucos sabem, o santo padroeiro foi filiado ao Partido Republicano Conservador, foi prefeito de Juazeiro e chegou a ser eleito deputado federal (mas não assumiu o cargo).

Foi um dos principais articuladores do chamado “Pacto dos Coronéis”, importante momento na história do coronelismo brasileiro (o que hoje nos traz à mente o recente encontro de Lula com Renan Calheiros). Foi eleito vice-governador do Ceará, mas politicamente chegou ao fim com a Revolução de 1930.