Em boa medida, podemos refletir sobre este quadro pelo prisma da péssima qualidade da comunicação entre poder público e sociedade. Logo de cara, porém, é preciso alertar que, neste caso, a miséria comunicativa não é causa – quando muito, é sintoma. Mesmo assim, valerá a tentativa de abordar a questão por essa trilha.
Comecemos por alertar. Normalmente, o problema de poderes que se comunicam mal não é técnico. Quase sempre, o problema é político. Quando os representantes não compreendem os representados e não se fazem entender por eles, o que lhes falta não costuma ser meramente a competência profissional de marqueteiros: no mais das vezes, falta-lhes legitimidade. A comunicação não cura a falta de legitimidade, embora a miséria comunicativa possa ser um sintoma disso – como ocorre no caso presente, ao menos quando falamos dos Poderes Legislativo e Executivo.
A pesquisa Ipsos não traz surpresas atordoantes. No geral, corrobora outros levantamentos, mais ou menos assemelhados, seja quando aponta o declínio de aprovação de autoridades e ex-ocupantes de cargos públicos, seja quando mostra que a rejeição ganha corpo. As curvas demonstram que a sociedade brasileira acredita cada vez menos nos agentes do poder público. Se fizermos uma extrapolação das linhas para além das bordas das planilhas – mas ainda assim uma extrapolação segura, cautelosa –, intuiremos que o grau de aderência dos brasileiros às suas instituições, bem como a confiança que depositam nos canais de representação, declina. É como se o Estado errasse um tanto à deriva, entregue a demandas corporativistas ou patrimonialistas, cada vez mais distante da sociedade civil.
Se quisermos um mote inicial para pensar a respeito (embora, de pensar, morram todos os burros da tropa), poderíamos tomar o ponto de partida de uma diferença essencial entre os poderes quando se trata da comunicação pública. Nos Poderes Executivo e Legislativo, que se resolvem na política, o agente perde credibilidade quando fala o que ninguém entende (que é quase a mesma coisa que não falar coisa nenhuma); no Poder Judiciário, que não pode se confundir com a política, o agente perde quando fala demais. Políticos vivem da voz pública; juízes se expressam pela voz nos autos. A política é ativa, só se cumpre quando tem a iniciativa de incidir sobre a realidade; a magistratura só reluz quando se sabe passiva (só age quando provocada).
Inverter as bolas, neste caso, é pôr tudo a perder. Não obstante, há inversões perturbadoras no horizonte próximo. Vivemos dias de togas loquazes e de políticos que falam javanês – ou não falam coisa com coisa. Temos aí um dos vértices mais delicados da instável estabilidade institucional brasileira.
É interessante observar como o juiz Sergio Moro perdeu aprovação na pesquisa Ipsos. Ele não a perdeu por ser juiz, mas porque sua figura é confundida com a de um protagonista político (um “salvador da Pátria”, um “perseguidor do PT”, um “candidato a presidente”, etc.). O desgaste da figura de Moro tem mais fundo político do que jurídico. E ele nem é dos mais tagarelas. Entre os mais falastrões, apita a sirene babélica de Gilmar Mendes, cuja prosódia dispensa reflexões. Ele tem 3% de aprovação e 67% de rejeição. Não custa insistir no ponto: silentes diante dos microfones e atuantes em decisões, os juízes brasileiros prestariam grandes serviços e ajudariam a manter a confiança dos cidadãos na Justiça, confiança sem a qual não há democracia que pare de pé.
De onde chegamos à política alienada. Podemos, aqui, entender o adjetivo “alienada” em pelo menos dois sentidos: o termo tanto qualifica uma política que se perde de si como qualifica a política que se subtrair por alguns, digamos assim, amigos do alheio. Alienada é a política que não cria mobilização e pertencimento, que negligencia suas funções representativas (a ponto de pretender encaixotá-las em “distritões” estanques), que abre mão de ser um exercício de direitos para se entregar a malabarismos performáticos de reality show da boca do lixo. Alienada, também, é a política que presta contas a financiadores ocultos, enquanto, com a outra face, engambela os eleitores.
Tome-se o exemplo de Aécio Neves: 3% de aprovação, 91% de rejeição. Ou Lula: 66% de rejeição e 32% de aprovação. O primeiro não tem mais ninguém (não tem nem os tucanos). O segundo conta com um terço do eleitorado que lhe devota uma adoração carismática, avessa a argumentos racionais. O carisma, posto assim, não é apenas apolítico: é antipolítico, alienado e alienante. Indica que Lula, se candidato, pode chegar a um segundo turno, assim como indica que daí ele não passa.
Por fim, uma nota irônica: a muralha da aprovação em torno de Lula é também sintoma do mesmo mal profundo; resulta não do debate de ideias, mas de uma cristalização despolitizada de um culto sem laços com verdades factuais verificáveis. É terrível que, mesmo quando encontramos aprovação na pesquisa do Ipsos, essa aprovação se deva menos ao excesso e mais ao déficit de comunicação crítica.
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