quarta-feira, 29 de novembro de 2023
Nosso mundo atormentado carece de humor
O título desta coluna pode parecer uma provocação num momento em que estamos presos na dor entre duas guerras cujas imagens perturbam o nosso sono. A medicina nos alerta sobre o aumento do número de pessoas que sofrem de depressão no mundo e o crescimento dos índices de suicídio.
As redes sociais inundam-nos com imagens aterrorizantes da guerra em Israel e na Ucrânia que perturbam os nossos sonhos e nos transportam, idosos, às duas grandes guerras mundiais na Europa, ao mesmo tempo que ressuscitam as fotos e os slogans dos antigos ditadores que foram protagonistas dos mais velhos conflitos sangrentos da história.
Sim, tudo converge para o dilaceramento da alma diante do medo, da dor e do desespero do desamparo. E nos perguntamos se não estamos retornando aos tempos dos antigos tiranos reencarnados.
E são nesses momentos trágicos que mais precisamos procurar como nos desintoxicar e nos defender de tantas angústias sem que isso implique deixar de compartilhar a dor do próximo.
Dizem-me que em Espanha, por exemplo, nunca se usaram tantos ansiolíticos como nestes momentos em que o medo do futuro é premente.
A ajuda da medicina em momentos de medo e dor é crucial. É uma das conquistas do nosso tempo, que se agita entre a novidade que abre novos caminhos de esperança e o desenterramento dos velhos espantalhos da tragédia das guerras.
E é nessas ocasiões de perturbações espirituais e morais que o ser humano deve utilizar um dos instrumentos típicos da inteligência: o humor. Os animais podem brincar, mas não sabem rir de si mesmos.
Não sei se você notou que os grandes ditadores da história, os mais sangrentos e cruéis, eram desprovidos de humor. Você consegue imaginar um Hitler , um Stalin, um Mao e um Franco contando uma piada? Mesmo os ditadores aprendizes de hoje são incapazes de ter humor. Eles nem sabem sorrir. Eles só sabem fazer caretas, franzir a testa e gritar.
E, no entanto, o humor sempre foi um dos instrumentos mais eficazes durante ditaduras militares, o melhor antídoto para a barbárie. Nós, espanhóis mais velhos, lembramo-nos de quando nos tempos mais duros do regime de Franco, de torturas e tiroteios, o humor sempre foi uma válvula de escape capaz de nos fazer sorrir.
Foi impressionante como as piadas sobre Franco viajaram pela Espanha de norte a sul em segundos e isso sem a mídia de hoje. Enquanto escrevo, uma daquelas piadas libertadoras me vem à mente. Um ministro dissera a Franco que muitas famílias numerosas de trabalhadores não conseguiam dar aos seus filhos mais do que uma refeição por dia e iam para a cama com fome. O indignado Caudillo disse que não acreditava e que queria visitar uma daquelas famílias.
Dito e feito. Encontraram um mecânico com cinco filhos pequenos e uma noite ele foi visitá-los com seu acompanhante. O líder perguntou ao chefe da casa se faltava comida na mesa dos filhos. “Não, meu General”, respondeu o trabalhador com segurança. “Ao meio-dia todo mundo tem um prato de comida”, acrescentou. “E à noite?”, Franco perguntou a ele. “Não tem problema, meu general. Minha mulher prepara a mesa, todos se sentam e eu grito para eles: ‘Franco, Franco, Franco!’ e observe como eles respondem. Os cinco pequeninos que estavam de pé gritaram: ‘Pai, pare com isso, já chega dele.’ A mãe então lhes disse: “Tudo bem, crianças, depois vão todos dormir”.
Hoje, quando tentam ressuscitar caricaturas dos velhos ditadores, precisamos novamente, para nos defendermos dos seus delírios, de novos mecanismos de humor para dessacralizar o seu aparente poder, que por vezes é mais fraqueza do que qualquer outra coisa.
Os líderes da nova extrema-direita de hoje, tingidos de nazis nostálgicos, não possuem a prosopopeia dos ditadores sedentos de sangue do passado, mas têm armas que poderiam explodir o mundo. Eles são talvez mais perigosos que seus antigos chefes.
Por isso, talvez mais do que nunca, precisamos de nos munir de instrumentos de humor para nos defendermos das ansiedades e medos que eles criam em nós. E, no entanto, como já aviso, embora uma parte do humor tenha ido para as redes, os grandes meios de comunicação escritos e televisivos reduziram drasticamente os seus cartunistas e comediantes, capazes de nos desintoxicar de tanta dor e medo diante da insegurança que atinge o mundo.
Agradeço a este jornal que desde o seu nascimento até hoje aumentou o número de cartunistas com sua carga não só de humor, mas de reflexão que todas as manhãs nos oferece um sopro de oxigênio. Suas criações são ora cruéis e ora ternas, mas são esperança em meio à fumaça do medo que nos pressiona.
Nestes tempos difíceis para a migração daqueles que têm que fugir das guerras com todo o peso da dor que carregam, não esquecerei um cartoon de anos atrás que estava entre o terno e o feroz de El Roto. Parado em um semáforo com seu carro, um idoso se aproxima do motorista para limpar o vidro da janela e receber algumas moedas. O motorista faz um gesto mal-humorado para ele ir embora. O faxineiro insiste e explica: “Você não precisa me dar nada. Foi só para você saber que eu existo.”
Saber que há tanta dor no mundo, que vivemos num caldeirão de pólvora que pode explodir a qualquer momento, certamente não é remédio para a nossa angústia existencial. A medicina e os guias espirituais esforçam-se nestes tempos para nos aconselhar a abraçar o humor, a alegria, o frescor da natureza, a inteligência emocional, a meditação e a esperança para não sucumbirmos.
E é nesse livro de receitas que enche as páginas dos meios de comunicação e se multiplica nas redes em que cada vez mais faltam as páginas de humor, o verdadeiro, aquele que nos obriga a sorrir mesmo nos momentos mais cruciais. “Vida que continua” é um slogan que o meu médico de longa data, o académico Augusto Messías, me repete.
Ah, você pode fazer humor com a religião? Sim, porque é libertador e até as confissões religiosas podem ser tóxicas e alienantes, com o seu rosário de pecados e anátemas. No campo da sátira, os judeus são muitas vezes mestres do humor, talvez porque tenham sofrido perseguições e holocaustos.
Você se lembra da clássica piada sobre o soldado judeu ferido na guerra? O jovem estava espancado, ensanguentado, quando um padre católico se aproxima dele com um crucifixo na mão e, colocando-o diante dos seus olhos, pergunta: “Você sabe quem é este?” O soldado judeu olha para o crucificado e exclama: “Uau, alguém está morrendo aqui e eles vêm até mim com enigmas!”
As guerras passam, as tragédias acabam sendo digeridas, a dor nunca será derrotada e teremos sempre à mão o melhor remédio, o melhor antídoto para a angústia e o medo: o humor.
As redes sociais inundam-nos com imagens aterrorizantes da guerra em Israel e na Ucrânia que perturbam os nossos sonhos e nos transportam, idosos, às duas grandes guerras mundiais na Europa, ao mesmo tempo que ressuscitam as fotos e os slogans dos antigos ditadores que foram protagonistas dos mais velhos conflitos sangrentos da história.
Sim, tudo converge para o dilaceramento da alma diante do medo, da dor e do desespero do desamparo. E nos perguntamos se não estamos retornando aos tempos dos antigos tiranos reencarnados.
E são nesses momentos trágicos que mais precisamos procurar como nos desintoxicar e nos defender de tantas angústias sem que isso implique deixar de compartilhar a dor do próximo.
Dizem-me que em Espanha, por exemplo, nunca se usaram tantos ansiolíticos como nestes momentos em que o medo do futuro é premente.
A ajuda da medicina em momentos de medo e dor é crucial. É uma das conquistas do nosso tempo, que se agita entre a novidade que abre novos caminhos de esperança e o desenterramento dos velhos espantalhos da tragédia das guerras.
E é nessas ocasiões de perturbações espirituais e morais que o ser humano deve utilizar um dos instrumentos típicos da inteligência: o humor. Os animais podem brincar, mas não sabem rir de si mesmos.
Não sei se você notou que os grandes ditadores da história, os mais sangrentos e cruéis, eram desprovidos de humor. Você consegue imaginar um Hitler , um Stalin, um Mao e um Franco contando uma piada? Mesmo os ditadores aprendizes de hoje são incapazes de ter humor. Eles nem sabem sorrir. Eles só sabem fazer caretas, franzir a testa e gritar.
E, no entanto, o humor sempre foi um dos instrumentos mais eficazes durante ditaduras militares, o melhor antídoto para a barbárie. Nós, espanhóis mais velhos, lembramo-nos de quando nos tempos mais duros do regime de Franco, de torturas e tiroteios, o humor sempre foi uma válvula de escape capaz de nos fazer sorrir.
Foi impressionante como as piadas sobre Franco viajaram pela Espanha de norte a sul em segundos e isso sem a mídia de hoje. Enquanto escrevo, uma daquelas piadas libertadoras me vem à mente. Um ministro dissera a Franco que muitas famílias numerosas de trabalhadores não conseguiam dar aos seus filhos mais do que uma refeição por dia e iam para a cama com fome. O indignado Caudillo disse que não acreditava e que queria visitar uma daquelas famílias.
Dito e feito. Encontraram um mecânico com cinco filhos pequenos e uma noite ele foi visitá-los com seu acompanhante. O líder perguntou ao chefe da casa se faltava comida na mesa dos filhos. “Não, meu General”, respondeu o trabalhador com segurança. “Ao meio-dia todo mundo tem um prato de comida”, acrescentou. “E à noite?”, Franco perguntou a ele. “Não tem problema, meu general. Minha mulher prepara a mesa, todos se sentam e eu grito para eles: ‘Franco, Franco, Franco!’ e observe como eles respondem. Os cinco pequeninos que estavam de pé gritaram: ‘Pai, pare com isso, já chega dele.’ A mãe então lhes disse: “Tudo bem, crianças, depois vão todos dormir”.
Hoje, quando tentam ressuscitar caricaturas dos velhos ditadores, precisamos novamente, para nos defendermos dos seus delírios, de novos mecanismos de humor para dessacralizar o seu aparente poder, que por vezes é mais fraqueza do que qualquer outra coisa.
Os líderes da nova extrema-direita de hoje, tingidos de nazis nostálgicos, não possuem a prosopopeia dos ditadores sedentos de sangue do passado, mas têm armas que poderiam explodir o mundo. Eles são talvez mais perigosos que seus antigos chefes.
Por isso, talvez mais do que nunca, precisamos de nos munir de instrumentos de humor para nos defendermos das ansiedades e medos que eles criam em nós. E, no entanto, como já aviso, embora uma parte do humor tenha ido para as redes, os grandes meios de comunicação escritos e televisivos reduziram drasticamente os seus cartunistas e comediantes, capazes de nos desintoxicar de tanta dor e medo diante da insegurança que atinge o mundo.
Agradeço a este jornal que desde o seu nascimento até hoje aumentou o número de cartunistas com sua carga não só de humor, mas de reflexão que todas as manhãs nos oferece um sopro de oxigênio. Suas criações são ora cruéis e ora ternas, mas são esperança em meio à fumaça do medo que nos pressiona.
Nestes tempos difíceis para a migração daqueles que têm que fugir das guerras com todo o peso da dor que carregam, não esquecerei um cartoon de anos atrás que estava entre o terno e o feroz de El Roto. Parado em um semáforo com seu carro, um idoso se aproxima do motorista para limpar o vidro da janela e receber algumas moedas. O motorista faz um gesto mal-humorado para ele ir embora. O faxineiro insiste e explica: “Você não precisa me dar nada. Foi só para você saber que eu existo.”
Saber que há tanta dor no mundo, que vivemos num caldeirão de pólvora que pode explodir a qualquer momento, certamente não é remédio para a nossa angústia existencial. A medicina e os guias espirituais esforçam-se nestes tempos para nos aconselhar a abraçar o humor, a alegria, o frescor da natureza, a inteligência emocional, a meditação e a esperança para não sucumbirmos.
E é nesse livro de receitas que enche as páginas dos meios de comunicação e se multiplica nas redes em que cada vez mais faltam as páginas de humor, o verdadeiro, aquele que nos obriga a sorrir mesmo nos momentos mais cruciais. “Vida que continua” é um slogan que o meu médico de longa data, o académico Augusto Messías, me repete.
Ah, você pode fazer humor com a religião? Sim, porque é libertador e até as confissões religiosas podem ser tóxicas e alienantes, com o seu rosário de pecados e anátemas. No campo da sátira, os judeus são muitas vezes mestres do humor, talvez porque tenham sofrido perseguições e holocaustos.
Você se lembra da clássica piada sobre o soldado judeu ferido na guerra? O jovem estava espancado, ensanguentado, quando um padre católico se aproxima dele com um crucifixo na mão e, colocando-o diante dos seus olhos, pergunta: “Você sabe quem é este?” O soldado judeu olha para o crucificado e exclama: “Uau, alguém está morrendo aqui e eles vêm até mim com enigmas!”
As guerras passam, as tragédias acabam sendo digeridas, a dor nunca será derrotada e teremos sempre à mão o melhor remédio, o melhor antídoto para a angústia e o medo: o humor.
A paz na Palestina ainda terá um longo caminho
Após mais de um mês de negociações em sigilo, intermediadas por Catar e Estados Unidos, começou na sexta-feira a troca de reféns em poder do Hamas por prisioneiros palestinos em Israel. Foram libertadas inicialmente 24 pessoas, sendo 13 mulheres e crianças israelenses, 10 cidadãos tailandeses e 1 filipino em Gaza. Israel libertou 39 palestinos da Cisjordânia que já estavam presos, antes mesmo de a guerra começar, e iniciou a trégua de quatro dias na guerra de Gaza.
O grupo sob poder do Hamas em Gaza, desde os ataques terroristas de 7 de outubro, foi entregue à Cruz Vermelha, que coordenou a operação de travessia da fronteira entre Gaza e o Egito, pela cidade de Rafah. Recebidos por médicos e especialistas em comunicação com reféns, foram levados de volta ao território de Israel por helicópteros do exército. Os tailandeses e o filipino receberão atendimento médico antes de voltarem para seus países.
Nos próximos dias, outros reféns devem ser liberados, na base de três prisioneiros palestinos, menores de idade e mulheres, para cada refém israelense, num total que deve chegar a 150 palestinos por 50 israelense. A suspensão recíproca dos ataques, como resultado de negociações que duraram mais de 30 dias, é uma demonstração de que uma paz duradoura é possível se houver vontade política em torno de objetivos exequíveis. A criação do Estado Palestino exigirá negociações mais complexas e demoradas, mas continua sendo a condição para a paz definitiva.
O acordo de Paris para o fim da guerra do Vietnã, negociado entre o Vietnã do Norte e os Estados Unidos, resultou de quatro anos de negociações, após a ofensiva do Tet (Ano Novo Lunar) de 1968. Iniciadas em janeiro de 1969 e concluídas somente em 27 de janeiro de 1973, somente foram exitosas porque havia um ambiente interno nos Estados Unidos contra a guerra, uma correlação de forças internacional favorável, mesmo em meio à guerra fria, e a vontade política do conselheiro de segurança nacional dos Estados Unidos Henry Klissinger e do líder comunista Le Duc Tho. Ambos receberam o prêmio Nobel da Paz, mas o segundo recusou. Alegou que a paz não havia sido alcançada completamente.
Kissinger e Duc Tho foram artífices de negociações muito complexas. O primeiro cessar fogo ocorreu em 1972, quando os Estados Unidos se retiraram do Vietnã, em troca de libertação de 566 prisioneiros americanos preso em Hanoi. A segunda parte do acordo, a permanência dos governos do Norte e do Sul até as eleições, fracassou, porque as tropas do Vietnã do Norte permaneceram no Sul.
Em retaliação, o presidente Richard Nixon determinou o bombardeio de Hanoi e da cidade portuária de Haiphong, nas quais foram lançadas 100 mil bombas, o equivalente a cinco bombas nucleares. Mas as negociações continuaram e a reunificação do Vietnã acabou ocorrendo, após a autodissolução do exército do Vietnã do Sul.
Ao contrário do que aconteceu no Acordo de Paz de Paris, não há interlocutores em Israel e no Hamas interessados na paz duradoura, com a criação do Estado palestino, em troca de pleno reconhecimento do Estado de Israel, respectivamente. O ministro da Defesa israelense, Yoav Gallant, já declarou que o cessar-fogo é uma “pausa breve” e os combatentes continuarão de “modo intensivo”, no mínimo dois meses. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu anunciou que as tropas do país continuarão em Gaza até “trazer de volta todos os reféns e liquidar o Hamas”.
Netanyahu pretende manter o controle definitivo sobre a Faixa de Gaza após as Forças de Defesa de Israel (FDI) eliminarem o Hamas. A libertação de reféns não deveria incentivar a continuação da guerra. O cessar-fogo deu ao Hamas mais tempo para se reorganizar e fazer mais exigências nas negociações para libertar os 190 que ainda permanecem em seu poder, o que vai aumentar a pressão das famílias e dos Estados Unidos sobre Netanyahu.
Hahaha Sinwar, comandante do Hamas em Gaza, tenta ganhar tempo com o argumento de que precisa ainda localizar os demais reféns, que estariam distribuídos entre diversas facções. Sinwar retornou a Gaza em 2011, libertado na troca de mil prisioneiros pelo soldado israelense Gilad Shalid, depois de 23 anos preso. Seis anos depois, foi eleito para chefiar o território, cargo que ocupa indefinidamente.
Os jovens palestinos libertados na sexta-feira foram recebidos como heróis e não escondiam a gratidão ao Hamas. Os 14 mil palestinos civis mortos, dos quais 10 mil são mulheres e, principalmente, crianças, são tratados como mártires da independência da Palestina, muito mais do que vítimas de uma guerra insana, iniciada por uma ação terrorista do Hamas.
A guerra manterá Netanyahu no poder, até a população se cansar. Também manterá o prestígio político, as fontes de financiamento e a revolta social que retroalimenta o Hamas. Defendida pelos Estados Unidos e pela União Europeia, a solução de dois Estados é a única possível para o conflito, mas está muito longe de ser alcançada. Netanyahu não aceita a criação do Estado palestino, assim como o Hamas, apoiado pelo Irã, não reconhece o Estado de Israel.
O grupo sob poder do Hamas em Gaza, desde os ataques terroristas de 7 de outubro, foi entregue à Cruz Vermelha, que coordenou a operação de travessia da fronteira entre Gaza e o Egito, pela cidade de Rafah. Recebidos por médicos e especialistas em comunicação com reféns, foram levados de volta ao território de Israel por helicópteros do exército. Os tailandeses e o filipino receberão atendimento médico antes de voltarem para seus países.
Nos próximos dias, outros reféns devem ser liberados, na base de três prisioneiros palestinos, menores de idade e mulheres, para cada refém israelense, num total que deve chegar a 150 palestinos por 50 israelense. A suspensão recíproca dos ataques, como resultado de negociações que duraram mais de 30 dias, é uma demonstração de que uma paz duradoura é possível se houver vontade política em torno de objetivos exequíveis. A criação do Estado Palestino exigirá negociações mais complexas e demoradas, mas continua sendo a condição para a paz definitiva.
O acordo de Paris para o fim da guerra do Vietnã, negociado entre o Vietnã do Norte e os Estados Unidos, resultou de quatro anos de negociações, após a ofensiva do Tet (Ano Novo Lunar) de 1968. Iniciadas em janeiro de 1969 e concluídas somente em 27 de janeiro de 1973, somente foram exitosas porque havia um ambiente interno nos Estados Unidos contra a guerra, uma correlação de forças internacional favorável, mesmo em meio à guerra fria, e a vontade política do conselheiro de segurança nacional dos Estados Unidos Henry Klissinger e do líder comunista Le Duc Tho. Ambos receberam o prêmio Nobel da Paz, mas o segundo recusou. Alegou que a paz não havia sido alcançada completamente.
Kissinger e Duc Tho foram artífices de negociações muito complexas. O primeiro cessar fogo ocorreu em 1972, quando os Estados Unidos se retiraram do Vietnã, em troca de libertação de 566 prisioneiros americanos preso em Hanoi. A segunda parte do acordo, a permanência dos governos do Norte e do Sul até as eleições, fracassou, porque as tropas do Vietnã do Norte permaneceram no Sul.
Em retaliação, o presidente Richard Nixon determinou o bombardeio de Hanoi e da cidade portuária de Haiphong, nas quais foram lançadas 100 mil bombas, o equivalente a cinco bombas nucleares. Mas as negociações continuaram e a reunificação do Vietnã acabou ocorrendo, após a autodissolução do exército do Vietnã do Sul.
Ao contrário do que aconteceu no Acordo de Paz de Paris, não há interlocutores em Israel e no Hamas interessados na paz duradoura, com a criação do Estado palestino, em troca de pleno reconhecimento do Estado de Israel, respectivamente. O ministro da Defesa israelense, Yoav Gallant, já declarou que o cessar-fogo é uma “pausa breve” e os combatentes continuarão de “modo intensivo”, no mínimo dois meses. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu anunciou que as tropas do país continuarão em Gaza até “trazer de volta todos os reféns e liquidar o Hamas”.
Netanyahu pretende manter o controle definitivo sobre a Faixa de Gaza após as Forças de Defesa de Israel (FDI) eliminarem o Hamas. A libertação de reféns não deveria incentivar a continuação da guerra. O cessar-fogo deu ao Hamas mais tempo para se reorganizar e fazer mais exigências nas negociações para libertar os 190 que ainda permanecem em seu poder, o que vai aumentar a pressão das famílias e dos Estados Unidos sobre Netanyahu.
Hahaha Sinwar, comandante do Hamas em Gaza, tenta ganhar tempo com o argumento de que precisa ainda localizar os demais reféns, que estariam distribuídos entre diversas facções. Sinwar retornou a Gaza em 2011, libertado na troca de mil prisioneiros pelo soldado israelense Gilad Shalid, depois de 23 anos preso. Seis anos depois, foi eleito para chefiar o território, cargo que ocupa indefinidamente.
Os jovens palestinos libertados na sexta-feira foram recebidos como heróis e não escondiam a gratidão ao Hamas. Os 14 mil palestinos civis mortos, dos quais 10 mil são mulheres e, principalmente, crianças, são tratados como mártires da independência da Palestina, muito mais do que vítimas de uma guerra insana, iniciada por uma ação terrorista do Hamas.
A guerra manterá Netanyahu no poder, até a população se cansar. Também manterá o prestígio político, as fontes de financiamento e a revolta social que retroalimenta o Hamas. Defendida pelos Estados Unidos e pela União Europeia, a solução de dois Estados é a única possível para o conflito, mas está muito longe de ser alcançada. Netanyahu não aceita a criação do Estado palestino, assim como o Hamas, apoiado pelo Irã, não reconhece o Estado de Israel.
Uma família de manés, a começar pelo pai
Mané quer dizer indivíduo tolo, menos inteligente ou com pouca capacidade intelectual. Ou, se preferir, um bobo, palerma, inepto, paspalhão, indolente. Bolsonaro está “quase na situação de mané”.
Quem disse? Bolsonaro no lançamento do PL60+, movimento do seu partido, o PL, para atrair público com 60 ou mais anos de idade interessado em participar das eleições de 2024.
No seu discurso, Bolsonaro afirmou que os parlamentares presentes no evento eram “privilegiados” por poderem “discutir o futuro” do país, enquanto ele, coitadinho, não tem “nada”.
Bolsonaro foi condenado pelo Tribunal Superior Eleitoral a 8 anos de inelegibilidade por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação quando ainda era presidente.
Mas não está impedido de “discutir o futuro” do país. Pode fazê-lo em qualquer lugar, até mesmo no Congresso se convidado. Não o faz porque lhe falta capacidade intelectual e é preguiçoso.
Ultimamente, Bolsonaro deu de falar as coisas pela metade ou por meio de enigmas. É medo de revelar o que quer ocultar, atirar no próprio pé como já atirou tantas vezes, e a justiça bater à sua porta.
“Na hora H, para fazer as coisas dentro das 4 linhas, ele vira a cara para você”, disse Bolsonaro sem explicar a quem se referia. “Quem tinha que fazer a coisa certa, não fez”.
E por fim:
“Depois do embate do Legislativo com o Judiciário, ninguém mais tem dúvida do que aconteceu em outubro do ano passado”.
Tal pai, tais filhos. O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) disse na mesma ocasião que o ministro Flávio Dino ocupará uma vaga no Supremo Tribunal Federal para “se vingar da oposição”.
Vingar-se do quê? Não disse. Mas chamou Dino de ruim:
“O Lula extrapolou na sua ignorância e no seu desrespeito com o Brasil ao enviar o nome de uma pessoa que reúne tudo de ruim (e que não inspira) nenhuma confiança”.
Por sua vez, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) aproveitou a presença na Câmara da ministra da Saúde, Nísia Trindade, para mostrar o quanto entendia do assunto em discussão.
Depois de relacionar a vacinação contra a Covid-19 com morte súbita, perguntou a Nísia
“Será que não é muito extremo obrigar o filho do pobre a se vacinar?”
Primeiro, a ministra respondeu que a vacinação contra a Covid-19 nada tem a ver com morte súbita; em seguida, que apenas neste ano 110 crianças morreram em decorrência da doença.
Em 2023, o Brasil registrou 3.379 casos de síndrome respiratória aguda grave por Covid-19 em menores de 1 ano, e 1.707 casos na faixa de 1 a 4 anos. Nísia completou:
“A indicação é muito clara e está baseada em um dado muito simples: 110 mortes de crianças por Covid em 2023, é esse o dado que leva a essa determinação.”
E pensar que uma família de manés governou o Brasil durante quatro anos…
Quem disse? Bolsonaro no lançamento do PL60+, movimento do seu partido, o PL, para atrair público com 60 ou mais anos de idade interessado em participar das eleições de 2024.
No seu discurso, Bolsonaro afirmou que os parlamentares presentes no evento eram “privilegiados” por poderem “discutir o futuro” do país, enquanto ele, coitadinho, não tem “nada”.
Bolsonaro foi condenado pelo Tribunal Superior Eleitoral a 8 anos de inelegibilidade por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação quando ainda era presidente.
Mas não está impedido de “discutir o futuro” do país. Pode fazê-lo em qualquer lugar, até mesmo no Congresso se convidado. Não o faz porque lhe falta capacidade intelectual e é preguiçoso.
Ultimamente, Bolsonaro deu de falar as coisas pela metade ou por meio de enigmas. É medo de revelar o que quer ocultar, atirar no próprio pé como já atirou tantas vezes, e a justiça bater à sua porta.
“Na hora H, para fazer as coisas dentro das 4 linhas, ele vira a cara para você”, disse Bolsonaro sem explicar a quem se referia. “Quem tinha que fazer a coisa certa, não fez”.
E por fim:
“Depois do embate do Legislativo com o Judiciário, ninguém mais tem dúvida do que aconteceu em outubro do ano passado”.
Tal pai, tais filhos. O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) disse na mesma ocasião que o ministro Flávio Dino ocupará uma vaga no Supremo Tribunal Federal para “se vingar da oposição”.
Vingar-se do quê? Não disse. Mas chamou Dino de ruim:
“O Lula extrapolou na sua ignorância e no seu desrespeito com o Brasil ao enviar o nome de uma pessoa que reúne tudo de ruim (e que não inspira) nenhuma confiança”.
Por sua vez, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) aproveitou a presença na Câmara da ministra da Saúde, Nísia Trindade, para mostrar o quanto entendia do assunto em discussão.
Depois de relacionar a vacinação contra a Covid-19 com morte súbita, perguntou a Nísia
“Será que não é muito extremo obrigar o filho do pobre a se vacinar?”
Primeiro, a ministra respondeu que a vacinação contra a Covid-19 nada tem a ver com morte súbita; em seguida, que apenas neste ano 110 crianças morreram em decorrência da doença.
Em 2023, o Brasil registrou 3.379 casos de síndrome respiratória aguda grave por Covid-19 em menores de 1 ano, e 1.707 casos na faixa de 1 a 4 anos. Nísia completou:
“A indicação é muito clara e está baseada em um dado muito simples: 110 mortes de crianças por Covid em 2023, é esse o dado que leva a essa determinação.”
E pensar que uma família de manés governou o Brasil durante quatro anos…
O papel dos memes na política
Memes são parte fundamental da vida digital. Logo, da vida. Mesmo os que professam estranhas sentenças como "não tenho redes sociais", durante conversa em alguma mídia social, reconhecem que vivemos em ambientes sociais digitais.
No final dos anos 1990, os primitivos que por lá viviam ainda separavam os mundos em "real" e "virtual" enquanto diziam coisas hoje incompreensíveis como "entrar na internet". Sucessivas ondas de transformação digital, porém, unificaram a nossa experiência social. Já não há um "fora" da conexão digital; você, no máximo, modula o quanto ainda quer de vida desconectada e reza para dar certo.
Ora, se ambientes digitais oferecem hoje os recursos fundamentais para a interação, a integração e a informação, funções sociais decisivas, era de se esperar que novas linguagens surgissem e se consolidassem. Os memes, formas expressivas concisas, condensadas e que se fixam na memória coletiva, são parte da língua franca da era digital.
Assim como as sonoras lapidares eram um recurso precioso na era da televisão, as frases de efeito, os chistes e as tiradas espirituosas eram admirados na esfera pública aristocrática ou da alta burguesia.
Meme é um pouco disso tudo. Afinal, qualquer coisa pode ser um meme desde que seja capaz de se fixar na camada mais acessível da memória coletiva, de ser reconhecida e de comunicar de maneira rápida um conteúdo. Como uma sonora, o meme precisa ser facilmente replicável e reconhecido; como uma tirada, é bom que seja surpreendente e bem-humorado; como um chiste, convém ser irreverente, crítico.
Curiosamente, nesta semana, duas figuras públicas falaram de memes em campanhas políticas: um marqueteiro e um comentarista de política. A acreditar-se no título das reportagens, há uma singularidade. O marqueteiro, Sidônio Palmeira, é contra os memes. O comentarista, Merval Pereira, a favor.
Na verdade, a diferença entre Pereira e Palmeira é um pouco mais complicada. Merval, em O Globo, repercute uma entrevista de Pablo Nobel, o marqueteiro do argentino Milei, que diz dos memes que são a ponta de lança da comunicação eleitoral, vez que capturam a atenção dos jovens, dos menos politizados e menos engajados. Aliás, a mesma coisa que se dizia sobre usar redes sociais em campanhas desde os anos 2000. O elogio ao meme é novo, o discurso é velho.
Surpreende um pouco mais a posição de Sidônio, que revela considerável desconforto com o uso de memes em entrevista dada a Samuel Lima no Estadão. Os memes de arminha de Bolsonaro, da motosserra de Milei e da peruca de Nikolas Ferreira foram explicitamente mencionados, o "faz o L" de Lula não o foi, mas poderia ter sido. A questão para ele é que se usam memes "em vez de". Em vez de uma discussão política substantiva sobre temas.
Memes são uma forma de ganhar repercussão, cliques, acredita. "Isso termina simplificando, deixando muito raso o debate político". A contraposição entre a política com substância de antanho com a política de simulacro e aparências de hoje é um clássico nos estudos de comunicação eleitoral. Já se culpou por essa decadência a televisão, a sociedade do espetáculo e a internet. Parece que o meme sintetiza os culpados da vez.
O que parece incomodar Sidônio Palmeira é visto com um problema por todo mundo: as campanhas não têm ajudado as pessoas a discutir com profundidade as questões políticas. O diagnóstico de que isso tem a ver com o uso de memes e, ele acrescenta numa conjunção injustificada, fake news, é que se pode discutir. Sim, fake news não são um recurso legítimo, mas o que memes têm a ver com isso? E por que o mero recurso a memes tornaria os debates rasos? As campanhas precisam se esgotar neles?
Quando existiu essa campanha socrática em que oradores não precisavam de slogans, jingles, humor e outros recursos visuais, sonoros e conceituais para fixar uma identidade e uma ideia-chave na memória do eleitor? Por que na era dos palanques e na era da televisão nada disso era incompatível com uma campanha baseada em questões e na era digital passou a ser?
As campanhas não conseguem mais vender ideias e discutir seriamente problemas e soluções? Concordo.
O frenesi dos parlamentares para manter-se vistos e lembrados, sobretudo daqueles que usaram a sua presença digital para conseguir mandatos, é um problema que afeta seriamente as casas legislativas hoje em dia? Concedo. O uso de memes provoca algum desses efeitos? Certamente não. As causas devem estar em outro lugar.
No final dos anos 1990, os primitivos que por lá viviam ainda separavam os mundos em "real" e "virtual" enquanto diziam coisas hoje incompreensíveis como "entrar na internet". Sucessivas ondas de transformação digital, porém, unificaram a nossa experiência social. Já não há um "fora" da conexão digital; você, no máximo, modula o quanto ainda quer de vida desconectada e reza para dar certo.
Ora, se ambientes digitais oferecem hoje os recursos fundamentais para a interação, a integração e a informação, funções sociais decisivas, era de se esperar que novas linguagens surgissem e se consolidassem. Os memes, formas expressivas concisas, condensadas e que se fixam na memória coletiva, são parte da língua franca da era digital.
Assim como as sonoras lapidares eram um recurso precioso na era da televisão, as frases de efeito, os chistes e as tiradas espirituosas eram admirados na esfera pública aristocrática ou da alta burguesia.
Meme é um pouco disso tudo. Afinal, qualquer coisa pode ser um meme desde que seja capaz de se fixar na camada mais acessível da memória coletiva, de ser reconhecida e de comunicar de maneira rápida um conteúdo. Como uma sonora, o meme precisa ser facilmente replicável e reconhecido; como uma tirada, é bom que seja surpreendente e bem-humorado; como um chiste, convém ser irreverente, crítico.
Curiosamente, nesta semana, duas figuras públicas falaram de memes em campanhas políticas: um marqueteiro e um comentarista de política. A acreditar-se no título das reportagens, há uma singularidade. O marqueteiro, Sidônio Palmeira, é contra os memes. O comentarista, Merval Pereira, a favor.
Na verdade, a diferença entre Pereira e Palmeira é um pouco mais complicada. Merval, em O Globo, repercute uma entrevista de Pablo Nobel, o marqueteiro do argentino Milei, que diz dos memes que são a ponta de lança da comunicação eleitoral, vez que capturam a atenção dos jovens, dos menos politizados e menos engajados. Aliás, a mesma coisa que se dizia sobre usar redes sociais em campanhas desde os anos 2000. O elogio ao meme é novo, o discurso é velho.
Surpreende um pouco mais a posição de Sidônio, que revela considerável desconforto com o uso de memes em entrevista dada a Samuel Lima no Estadão. Os memes de arminha de Bolsonaro, da motosserra de Milei e da peruca de Nikolas Ferreira foram explicitamente mencionados, o "faz o L" de Lula não o foi, mas poderia ter sido. A questão para ele é que se usam memes "em vez de". Em vez de uma discussão política substantiva sobre temas.
Memes são uma forma de ganhar repercussão, cliques, acredita. "Isso termina simplificando, deixando muito raso o debate político". A contraposição entre a política com substância de antanho com a política de simulacro e aparências de hoje é um clássico nos estudos de comunicação eleitoral. Já se culpou por essa decadência a televisão, a sociedade do espetáculo e a internet. Parece que o meme sintetiza os culpados da vez.
O que parece incomodar Sidônio Palmeira é visto com um problema por todo mundo: as campanhas não têm ajudado as pessoas a discutir com profundidade as questões políticas. O diagnóstico de que isso tem a ver com o uso de memes e, ele acrescenta numa conjunção injustificada, fake news, é que se pode discutir. Sim, fake news não são um recurso legítimo, mas o que memes têm a ver com isso? E por que o mero recurso a memes tornaria os debates rasos? As campanhas precisam se esgotar neles?
Quando existiu essa campanha socrática em que oradores não precisavam de slogans, jingles, humor e outros recursos visuais, sonoros e conceituais para fixar uma identidade e uma ideia-chave na memória do eleitor? Por que na era dos palanques e na era da televisão nada disso era incompatível com uma campanha baseada em questões e na era digital passou a ser?
As campanhas não conseguem mais vender ideias e discutir seriamente problemas e soluções? Concordo.
O frenesi dos parlamentares para manter-se vistos e lembrados, sobretudo daqueles que usaram a sua presença digital para conseguir mandatos, é um problema que afeta seriamente as casas legislativas hoje em dia? Concedo. O uso de memes provoca algum desses efeitos? Certamente não. As causas devem estar em outro lugar.
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