quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Conversa de botequim

Em 1935, Noel Rosa e Vadico inventam um extraordinário samba intitulado “Conversa de botequim”, cuja letra descreve uma série de solicitações — uma “conversa” — entre um cliente demandante e um garçom obediente. Entre o espirituoso e o irônico, a letra assinala os pedidos cada vez mais abusados do cliente supostamente superior a um obediente garçom.

Todos os abusos se passam como e são englobado pela chave do “faça-me o favor” — um forte marcador cultural —, que torna o pedido irrecusável porque, mesmo quando é absurdo, ele foi feito “educadamente” — enclausurado pelo favor! Faça-me o favor de ficar imóvel porque vou assaltá-lo, diria um bandido brasileiro na sua brasileiríssima cordialidade. Muitos já passaram por esse terrível brasileirismo.

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Hoje, quando temos uma disputa surreal entre os poderes da República sobre quem deve legislar sobre o aborto e a corrupção, com o bom senso sendo trocado pela infantilidade do “vamos largar tudo” ou do “vamos ganhar tudo”, vale lembrar esse estilo autoritário que um samba extraordinário traz à luz de modo tão patente.

Durante muito tempo, eu me interessei pelo que a música popular dizia do Brasil, e este samba que era tocado pelo piano de mamãe me encantava pela candura com a qual ele exibia o nosso viés hierárquico e autoritário camuflado por harmonias e rimas que fazem com que as ordens em sucessão e os pedidos abusivos do “freguês” alcancem o plano da comédia, permitindo sua audição pelo ouvinte e garçom sem questionamentos.

Se repararmos outros estilos em outros mundos, vamos encontrar equações semelhantes. Na música popular americana, as canções de amor cantam uma sensualidade e uma sexualidade que contrastam com o puritanismo rotineiro. Ninguém diria “vamos nos apaixonar” (“let's fall in love”), “faz, faz, faz o que você acabou de fazer” (“do, do, do what you've done before") ou “não negue, satisfaça-me mais uma vez” (“don't deny me satisfy me one more time”) — exceto cantando.

O que não se pode falar, canta-se. O que se pode cantar é coagido pela correção ou tomado como imoral, conforme revela o conjunto de um gênero musical que eu analisei no meu livro “Conta de mentiroso” — o chamado “gênero musical carnavalesco”, em que sugestões sexuais explícitas passam como brincadeiras típicas do carnaval como “mamãe eu quero mamar”, “sassacaricando” e tantas outras.

O samba de Noel e Vadico descreve uma sucessão imperativa de pedidos que vão daquilo que um botequim serve rotineiramente: média com um pão e manteiga, mas o que se deseja é uma média especial rapidamente trazida, que não seja requentada e que o pão venha com manteiga à beça acompanhada de um guardanapo e um copo d’água bem gelada!

Segue-se uma torrente de demandas: fechar a porta da direita, perguntar o resultado do futebol e se por um acaso o serviçal ficar limpando a mesa, ameaça-se não pagar a despesa. Ato contínuo, o freguês consciente de sua autoridade exige caneta, tinteiro, envelope e cartão, objetos “cultos” significativos em 1935, quando o Brasil flutuava mais em analfabetismo do que na extraordinária má-fé criminosa de hoje em dia.

Na sequência, cobram-se palitos, cigarro, revistas, isqueiro e cinzeiro, além de um telefonema ao Seu Osório exigindo um guarda-chuva para o escritório.

Todas essas ordens são, porém, um preâmbulo para um empréstimo de dinheiro, pois o cliente gastou o seu no bicheiro (hoje sabemos que a grana vai para joias, lanchas, sítios etc.). Finalizando, e fechando com chave mestra o figurino autoritário, solicita-se ao gerente do botequim que pendure as despesas no cabide ali em frente!

Tal e qual o “governo” pendurou em todos nós os gastos com as roubalheiras do petrolão, as incompetências com a economia e o gigantesco aparelhamento do Estado. Hoje, assistimos a demandas contraditórias e ideologicamente racionalizadas, como o esfaqueamento do pacote anticorrupção pelo Congresso — enquanto chorávamos todos a tragédia de um formidável time de futebol desaparecido num desastre de avião igualmente suspeito de incompetências.

O que aconteceria se nesse botequim que alguns querem transformar o Brasil outros fregueses ordenassem outras coisas? Como a extinção da Lava-Jato, a prisão por abuso de autoriade dos promotores, delegados e agentes da Polícia Federal e se condenasse o juiz Moro ao exílio?

Afinal, o que se vê hoje no botequim de Noel e Vadico é o povo exigindo mais igualdade e leis anticorrupção. E como o botequim começou a ser limpo e lavado, todos querem ver o fim do filme.

Agora são as ruas que pedem: façam-me o favor de trazer a decência pública!

Roberto DaMatta 

O episódico e o permanente

Em momentos de tantas reviravoltas como as que vivemos atualmente, convém não confundir o circunstancial com o permanente, para não se ter uma visão turva ou se deixar contaminar pelo catastrofismo.

A liminar do ministro Marco Aurélio Mello afastando o senador Renan Calheiros da presidência do Senado – decisão a ser apreciada ainda pelo pleno do STF, onde será reafirmada, ou não – adiciona, sem dúvida, novos ingredientes ao caldeirão da crise.


Quanto mais rápido o colegiado da Suprema Corte se manifestar, melhor. Urge jogar água na fervura do confronto entre o Judiciário e o Legislativo, agravado pela liminar concedida e pela resolução da mesa diretora do Senado de não acatar a decisão do ministro Marco Aurélio enquanto não houver o pronunciamento do conjunto dos ministros do STF.

Além do mais, não se sabe muito bem qual seria o comportamento do senador Jorge Viana no caso de assumir a presidência do Senado; se tocaria fogo na lona do circo e cederia às pressões do PT, seu partido, para jogar para fevereiro a votação da PEC do Teto, ou se levaria em consideração os interesses da nação, respeitando o acordado pelos líderes para realizar essa votação na próxima semana.

Jorge Viana pode sim criar transtornos ao presidente Michel Temer. Mas isso seria transitório e inútil para deter um processo essencialmente positivo de renovação e de se passar o país a limpo, a essa altura irreversível.

O permanente é esse processo, impulsionado pela ação das instituições republicanas de Estado e pela pressão da sociedade.

No último mês o país abortou o jabuti da autoanistia arquitetada pelos deputados federais. Também foi frustrada a tentativa de Renan de aprovar, a toque de caixa, o pacote anticorrupção, desfigurado 24 horas antes pela Câmara Federal, que transformou as 10 Medidas propostas pelo Ministério Público Federal e endossadas por mais de dois milhões de signatários em um verdadeiro Frankstein. E adiou a intenção de tutelar e inibir a ação da Justiça e da Procuradoria, por meio do projeto de lei de crime de abuso de autoridade.

Tudo isso para não falar da demissão do ministro Geddel Vieira e da decisão da Suprema Corte de transformar o presidente do Senado em réu, fato inédito na história nacional.

Seja qual for a palavra final do STF, Renan Calheiros não terá a mesma força de antes. E, se for mesmo esperto, não adotará a tática de Eduardo Cunha de confronto com o judiciário e de acinte com a sociedade.

A margem de manobra da velha política se estreitou. De forma presencial, o ator principal dessa ópera voltou a colorir as ruas nas principais cidades do país, no último domingo. Presencial porque esse ator – sua excelência a sociedade mobilizada – esteve conectada virtualmente, o tempo todo, na larga avenida das redes sociais.

Se há uma particularidade nas mobilizações que varrem o país nesses quase dois anos, é a de cada manifestação ter um foco concreto. Se em 2013 elas tinham um caráter difuso quanto às suas bandeiras, hoje tem alvos específicos: o “Fora Dilma” do impeachment, o “Fora Cunha” e agora o “fora Renan”, mas já com o olhar atento para Rodrigo Maia. Se continuar dando bobeira, o presidente da Câmara entra na dança.

O pragmatismo dos manifestantes se verifica também em relação a Michel Temer. Até meados de novembro era visível nas redes sociais a torcida por seu governo. Havia predisposição para se apoiar as reformas e respaldar a equipe econômica. Havia uma aposta para que seu governo levasse em bons termos a travessia para 2018.

No último domingo, o recado das ruas foi outro. De uma forma não tão difusa assim, os brasileiros disseram a Temer: “se liga presidente, estamos lhe dando uma chance, vê lá o que vai fazer”. O pé atrás se deve não tanto às questões econômicas, mas à letargia do governo – incluindo aí a do chefe da Nação – em relação a questões éticas como a que catapultou Geddel.

É possível fazer desse limão uma limonada. As manifestações tanto podem ser uma barreira de contenção às pressões das forças empenhadas na perpetuação da impunidade e dos seus privilégios, como também a base de sustentação para se enfrentar a resistência do corporativismo e do atraso às reformas necessárias, entre elas a da Previdência.

Se entrar em sintonia com o clamor das ruas, Michel Temer poderá cumprir o papel que a história lhe brindou. Se frustrá-las, ouvirá o “Fora Temer” em dose dupla: das forças deslocadas do poder pelo impeachment e das que estão mudando o país pela via pacífica e democrática – como o foram as manifestações do último domingo.

Paisagem brasileira

Vista do Pão de Açúcar (1918), Carlos Balliester

Todos unidos para enxugar gelo

Multidões, em 200 cidades do país, gritaram "Fora Renan". E foram atendidas. Talvez isso mude após a reunião de hoje do Supremo, talvez não mude. E não vai fazer a menor diferença.

Este colunista está entre os que ficaram contentes com o afastamento de Renan - até se lembrar de que o substituto de Renan na Presidência do Senado é Jorge Viana (PT-Acre). O motivo do afastamento de Renan é que um réu não pode estar na linha sucessória da Presidência da República. E Jorge Viana é réu, numa ação por improbidade administrativa como governador do Acre, movida pelo Ministério Público Federal.

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O fato é que Renan é parte do problema, mas não é o problema inteiro. O problema está na organização política: a campanha é caríssima, exige a captação de muito dinheiro, e ninguém dá muito dinheiro só por simpatia. São quase 40 partidos, pagos por você, caro leitor: é algo como R$ 1 bilhão por ano - fora o horário gratuito, a preços de tabela cheia, que as emissoras recebem em créditos fiscais. Haverá mais algum para pagar as campanhas. Os Estados Unidos não têm nenhuma despesa com isso. Cada candidato que se vire. Há o voto distrital, que baratearia tudo - mas quem quer isso?

Sai um Renan. ótimo. Mas surgem dois, três, muitos. Eles são legião, nutridos pelos fartos recursos mobilizados para eleições. É possível, é fácil, mudar o quadro. Só é preciso saber que gelo não se enxuga, se derrete.

 Carlos Brickmann

Açodamento irresponsável


Que a triste passagem de Renan pela presidência do Senado, ainda sem desfecho conhecido, possa ao menos somar à experiência vivida pela Câmara com o caso de Eduardo Cunha e fomente nos parlamentares um pouco mais de responsabilidade na hora de escolher quem presidirá a respectiva Casa legislativa.
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O que seria desnecessário, é claro, se o eleitor só votasse em candidato honesto
Editorial - O Estadão

Surrealismo político

Eram 11 horas da manhã quando o senador Paulo Paim (PT-RS) abriu a única sessão do dia, para homenagear ativistas dos direitos humanos.

No lado oposto ao plenário, o oficial de Justiça Wessel Teles de Oliveira esperava pelo presidente do Senado, Renan Calheiros, pelo vice, Jorge Viana, e pelo primeiro-secretário Vicentinho Alves. Levava um envelope com intimações do Supremo Tribunal Federal .

No plenário, ecoou uma gravação do Hino Nacional — tradição em solenidades. Até que alguém gritou: “Quem é o presidente hoje?”

Paim sentou-se, e, calmamente, se apresentou como presidente acidental: “Não me perguntem quem efetivamente é o presidente. Em tempos tão tumultuados, eu diria que faço o discurso de abertura, porque houve uma liminar, em nome do presidente do Senado. Ponto.” Fez uma pausa, e acrescentou: “Pode ser assim?” Ninguém discordou.

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A sessão acabou hora e meia depois, e o servidor público Teles de Oliveira continuava à espera do trio responsável pela Mesa Diretora. Ali ficou por mais 90 minutos, até receber, por escrito, uma recusa à notificação do Supremo. Ele não ouviu os impropérios de Renan do outro lado da parede, em parte dirigidos a um assessor presidencial, Moreira Franco, que considera responsável pelo estímulo a organizadores do protesto de domingo passado.

Metros adiante, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, procurava ideias sobre o que fazer. Exaltados, os deputados Weverton Rocha (PDT-MA), Afonso Florence (PT-BA) e Jandira Feghali (PCdoB-RJ) insistiram que a Câmara se mobilizasse em “solidariedade” a Renan, num desafio público ao Supremo.

“Maluquice”, disse Rubens Bueno (PPS-PR) ao abandonar a reunião. Maia concordou e passou à pauta do dia, onde havia um projeto sobre impressão de papel-moeda.

No fim dessa tarde de surrealismo político, o Supremo confirmou, para hoje, às 14 horas, a análise do caso. A saída tende a ser salomônica, se não houver outro pedido de vista do ministro Dias Toffoli.

O STF confirmaria a expulsão de Renan da linha sucessória da Presidência da República, por sua condição de réu em processo criminal. Mas deixaria ao Senado a decisão sobre o afastamento de Renan da presidência da Casa — como prevê a Constituição.

Quando o dia terminou, não restavam vencedores na Praça dos Três Poderes. No Congresso, lamentava-se a falta de liderança. Os mais nostálgicos recordavam Tancredo Neves: “Na política, são as ideias e não as pessoas que brigam”.

José Casado

Tempo de big band


Cena do filme "Sun Valley Serenade" (1941) com Glenn Miller dirigindo sua orquestra 

Renan tornou Senado uma Alagoas hipertrofiada

O réu Renan Calheiros transformou sua ruína judicial num processo de desmoralização do Senado da República. Com a cumplicidade da volante que faz as vezes de Mesa Diretora, Renan peitou Marco Aurélio Mello, o ministro da Suprema Corte que o havia expulsado da linha sucessória da Presidência da República. Ao se recusar a cumprir a ordem, Renan fabricou uma crise institucional a partir de um processo nascido no leito de um relacionamento extraconjugal. E o Senado virou uma espécie de Alagoas hipertrofiada.

Ou a banda muda do Senado faz barulho ou os cangaceiros da Mesa Diretora darão à maioria dos senadores uma péssima reputação. O processo que levou o Supremo Tribunal Federal a converter Renan em réu mistura o que há de mais nefasto na política brasileira. Renan teve uma filha fora do casamento. Até aí, problema dele e da patroa. Acusado de pagar a pensão da criança com dinheiro recebido da Mendes Júnior, enrolou-se nas explicações. E o problema passou a ser do contribuinte, que já não suporta fazer o papel de bobo.

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Os senadores tiveram a oportunidade de se livrar de Renan em 2007, quando as pulsões do senador ganharam as manchetes. Em troca da renúncia à presidência do Senado, preservaram-lhe o mandato. Mais tarde, devolveram-lhe a poltrona de presidente mesmo sabendo que o caso resultara em denúncia da Procuradoria. Deitando-se ao lado de Renan na mesma cama pela terceira vez, o Senado levará seu desembaraço moral às fronteiras do paroxismo, humilhando-se de forma inédita. O Brasil não merece.

Com atraso de quase uma década, Renan vive o seu ocaso. Afora o caso em que virou réu, responde a outros 11 inquéritos, oito dos quais relacionados à Lava Jato. Cedo ou tarde, terá o mesmo destino de Eduardo Cunha, hoje um hóspede do PF’s Inn de Curitiba. Já se sabia que o Congresso brasileiro tem um comportamento de alto risco. Mas não se imaginou que os senadores iriam para o suicídio abraçados ao cangaço.

Segundo a cultuada concepção de Churchill, a democracia é o pior regime com exceção de todos os outros. Pois o Senado parece decidido a dar razão a todos os que defendem as alternativas piores. Para usar as mesmas palavras de Renan: ''A democracia, mesmo no Brasil, não merece esse fim.'' Resta agora saber como reagirá o plenário do Supremo.

Não tenham medo da cidade

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A cidade não tem dono
A cidade é de todos, para todos, pelo todo
Não se trata dos problemas fugindo deles
Marcelo Rubens Paiva 

Ser ou não ser de esquerda

Como todos sabem (se não sabem, informo) não votei nem na Dilma nem no Aécio. No primeiro turno, votei numa candidata que não tinha a menor chance de ganhar, a Luciana Genro. No segundo turno, exerci o meu direito de não comparecer. Muitos amigos meus – equivocadamente, eu disse a eles – votaram na Dilma. O Brasil, então, explodiu: transformou-se numa espécie de Hiroshima – ou seja, escombros.

Discutiu-se o impeachment – e o Velhote do Penedo durante algum tempo foi contra o afastamento de Dilma. Meu raciocínio não era político nem ideológico: ela que afundasse nas tolices que fizera. Mas veio o impeachment: e a realidade das besteiras que Dilma fizera tornou-se evidente. 170 bilhões de déficit, 13 milhões de desempregados, 4,8 milhões de subempregados, 6,2 milhões fora do mercado de trabalho, desindustrialização, inflação, comércio em crise, inadimplência, aumento da miséria, obras paralisadas, corrupção, descrédito da política, naufrágio da esquerda. Imaginem se não houvesse impeachment e Dilma estivesse à frente, hoje, do governo.
Seguindo a ordem constitucional vigente, subiu Temer, que montou um ministério e sofreu, desde logo, um bombardeio violento, inclusive de gente que apoiara o impeachment e o naufrágio da esquerda. Achei estranho, mas fiquei na minha. Não gosto pessoal e politicamente do Temer, como não simpatizo com a maioria do seu ministério. Mas resolvi fazer o seguinte: tapar o nariz, pois o meu problema são os 24 milhões de desempregados, subempregados e desencantados. Enquanto estamos aqui debatendo este ou aquele nome da cúpula, este ou aquele pequeno escândalo, esta ou aquela notícia plantada por um ou outro petista ressentido, milhares de famílias estão passando necessidades – e isto me incomoda. Não sei se os meus amigos já passaram por isso: durante a ditadura, o SNI bloqueava o meu nome em todos os empregos que eu procurava – foram três anos em que sobrevivi de bicos, que mal davam para o sustento da minha família.

Sempre fui um sujeito de esquerda: comecei a militar na Polop com 19 anos, gramei durante a ditadura, mas nunca perdi a esperança. Ajudei a fundar o PDT. Quando Lula foi eleito, esperei o melhor, sinceramente. Logo vi que eu estava errado. Lula era, de fato, uma fraude, como depois vi que Dilma era nada mais que sua continuação.

Continuo sendo um sujeito que acredita no ideal socialista, mas desprezo a esquerda atual brasileira. Trata-se de uma esquerda atrasada, superada, que vive de jargões, de olho voltado para o passado: são pré-históricos. É uma esquerda que deseja confinar o povo na miséria com o intuito exclusivo de referendar a sua retórica falida e, pior ainda, insincera. A esquerda, no fundo, quer que a desigualdade permaneça como tal, pois supõe que a desigualdade social é o pasto da sua afirmação política.

Não estou fazendo um texto político: estou dando o meu testemunho, cevado este numa experiência de vida que – como dizia o Brizola – vem de longe.

Não me envergonho de dizer que apoio a PEC dos gastos, ora em discussão no Senado. E apoio por duas razões: porque ela não reduz os gastos com saúde e educação; porque impede que os parlamentares incluam despesas (as chamadas emendas parlamentares) e criem receitas fictícias, gerando déficits que só penalizam o povo. O Velhote leu cuidadosamente a PEC dos gastos, por isso se recusa a ouvir palpites dos que não leram entre os quais incluo intelectuais vadios e políticos jurássicos. E estudantes que não estudam, não sabem o que é socialismo e são guiados por partidos políticos derrotados pela sociedade. Mas isto é outra história.

Apoio a operação Lava Jato, a reforma do ensino médio (nossa educação está 40 anos atrasada se comparada à da Coreia do Sul), as medidas contra a corrupção – e, de quebra, a reformulação da esquerda, de modo a modernizá-la, atualizá-la, democratizá-la. O Brasil precisa ser passado a limpo.

Todos os dias, vejo que cascas de banana são postos no caminho do Temer. Não se pode esquecer que os 24 milhões de desempregados, subempregados e desencantados são produto espúrio da era petista – supostamente progressista, de esquerda e estatista. Temer, através do Meirelles, propôs uma saída (difícil, amarga) para a crise. Há alguns dias, a deputada Érica Kokai fez um discurso em que dizia que a saída da crise estava “em mais e mais Estados”. Uma lástima.

Em tempo: Chico Buarque proibiu o uso da música “Roda viva” como prefixo do programa homônimo, da TV Cultura. Motivo: a entrevista concedida pelo presidente Temer. Mais uma vez Chico Buarque mostrou que no fundo é favorável à censura – aos outros. Não bastando seu comportamento deplorável no episódio da censura à biografia de Roberto Carlos, de Paulo César de Araújo, Chico Buarque mostrou-se ser um sujeito mesquinho e rancoroso. Uma pena.

Renan ganhou, mesmo que perca hoje

Enquanto isso, no país da jabuticaba...

O estrago já foi feito na imagem da mais alta corte de justiça do país. Resta saber, logo mais, se o estrago poderá ser muito maior. Só dependerá da decisão que o Supremo Tribunal Federal (STF) venha a tomar no caso do afastamento de Renan Calheiros (PMDB-AL) da presidência do Senado.

É falso o argumento de que o ministro Marco Aurélio de Mello não poderia, sozinho, ter tomado a decisão de afastar Renan do cargo. No ano passado, por exemplo, 84% das decisões do STF foram tomadas por ministros individualmente. O plenário só tomou 2,4% delas. O STF fala pela boca de ministros e do plenário.

É falso também o argumento de que a liminar concedida por Marco Aurélio carece de sólidos fundamentos. Não é só ele que pensa que réu em ação penal não pode ficar na linha direta da sucessão do presidente da República. Além dele, mais cinco ministros de um total de onze votaram assim em julgamento anterior.

Desde a semana passada que Renan é réu de crime de peculato – o desvio de dinheiro público para seu próprio uso. Por oito votos contra três, assim o STF decidiu. O suposto crime foi cometido há nove anos. Sua apuração arrastou-se por todo esse tempo. Renan responde a mais 11 processos no STF, oito da Lava-Jato.

Ao não agir de imediato para que a decisão de Marco Aurélio fosse cumprida, o STF reforçou o sentimento compartilhado pela maioria dos brasileiros de que a Justiça é leniente, bondosa e até cúmplice de quem muito pode. Só é rigorosa, veloz e implacável com as pessoas comuns que pouco ou nada podem.

Não é exagero pensar que o Estado de Direito, tal como é conhecido em países verdadeiramente democráticos, foi suspenso no Brasil quando Renan e seus seguidores tiveram a ousadia de anunciar que simplesmente não levariam em conta uma decisão do STF. Que prefeririam esperar que ela fosse ou não avalizada pelo plenário.

O STF piscou primeiro. A ministra Cármen Lúcia e alguns ministros gastaram grande parte do seu dia, ontem, discutindo uma saída para a afronta sofrida pelo tribunal. Como se existisse àquela altura qualquer outra saída capaz de salvar a face do STF que não fosse a reafirmação da decisão antes tomada.

Alguns ministros entraram pela noite amadurecendo uma “saída esperta”. O STF confirmaria a expulsão de Renan da linha de sucessão do presidente da República, uma vez que ele é réu. Mas deixaria a critério do Senado afastá-lo ou não do cargo. Pode ser uma “saída esperta”, mas não passa de uma jabuticaba.

Não é Renan que está na linha direta da sucessão do presidente Temer, logo depois do presidente da Câmara dos Deputados. É o presidente do Senado quem está. O cargo é quem põe seu ocupante na linha direta da sucessão do presidente. E parece inconcebível que ele continue sendo ocupado por alguém que virou réu.

Se a Constituição obriga a se afastar do cargo o presidente da República que se torna réu, por que se deveria permitir que o cargo pudesse ser ocupado por outro réu? Há cabimento em se tirar o Senado da linha de sucessão do presidente da República só para que Renan possa continuar como seu presidente?

Jabuticaba! Mais uma.

Imagem do Dia

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 Shizuoka, (Japão)

Orgasmos auditivos

A estas alturas da história do Ocidente, o discurso político mais perigoso e mais prejudicial, porque produz verdadeiros orgasmos auditivos, é o que fala sobre a pobreza com intuito de gerar energia política.

Amar o próximo e dedicar zelo especial aos mais necessitados é mandamento divino e missão profundamente humana, que cada um deve cumprir segundo sua vocação, discernindo na pluralidade de meios que as circunstâncias proporcionam. Não obstante, junto a tantos e tão belos exemplos de amor e solidariedade, existem, na vida civil e, não raro, na religiosa, aparelhos políticos que vivem hipocritamente do discurso e para o discurso. São pessoas que se abastecem do poder que o discurso confere e, nos confortos da vida fácil, matraqueiam sua parolagem com vapores alcoólicos dos melhores vinhos e perdigotos da mesa farta.

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Se ficassem nisso, seriam apenas hipócritas. O que os torna perigosos e prejudiciais é que sua falsa devoção inclui, para o melhor efeito político, a pregação do ressentimento e do ódio ao rico. É aí, é só aí, na construção do confronto, que efetivamente começam a fazer política e causar dano àqueles por quem dizem zelar. Não lhes basta fingir um conteúdo amoroso. A eficácia exige apresentar algo e alguém para odiar e combater. Então, o discurso arrasta consigo a luta de classes e uma retórica convenientemente estruturada para alcançar o efeito desejado.

O amor trambiqueiro ao pobre vai contra a própria ideia de riqueza. Com isso, adota mecanismos que sufocam as energias produtivas, penalizam investimentos, criam insegurança jurídica, tornam malvistos os empreendedores, põem em risco os bens individuais, elevam excessivamente a carga tributária, expandem a dívida pública e, inevitavelmente, produzem miséria e desemprego. Tudo por "amor ao pobre". Cada passo nesse malsinado caminho chuta para o acostamento as possibilidades de desenvolvimento social e econômico. E mais: os devotos do discurso, em nome dele, perdoam todos os malefícios que produziu ao longo da história. É por ele que recebem absolvição política os crimes e agressões à democracia e às liberdades cometidos por Fidel, Che Guevara, Chávez, Maduro e muitos outros. É por ele que se entrega ao silêncio o martírio de leigos e religiosos. É por ele que se desconsidera o fabuloso enriquecimento ilícito de tantos amantes infiéis da pobreza. É por ele, também, que se expõe a nação ao comando político de pessoas sobre cujo despreparo não cabem quaisquer dúvidas.

Esse orgasmo auditivo resiste, até mesmo, ao teste do fracasso e da total inutilidade do discurso. A fé que ele gera é capaz de lançar ao mar toda uma cordilheira de evidências.

Percival Puggina

Ou muda ou será tragado pela indecisão?

Eliseu Padilha é a bola da vez. Menos por suas atividades agrícolas, mais porque estava escrito. Sua passagem pela Casa Civil vinha atrapalhando a performance de Michel Temer. São grandes as possibilidades de Moreira Franco sucedê-lo. Com seis mudanças ministeriais nos primeiros seis meses de governo, o presidente da República luta para livrar-se da instabilidade.

Jamais imaginou chefiar uma administração tranquila, mas errou ao compor um ministério que só lhe trouxe percalços e dificuldades. Não se governa com amigos, principalmente os que vêm sendo catapultados, de Romero Jucá a Geddel Vieira Lima, Henrique Alves e outros.


Duas vertentes se abrem para Michel Temer entrar em 2017: assumir o governo sem deixar espaço para condôminos ou continuar influenciado por ministros pouco confiáveis.

Há mouros na costa, à espera de que Michel Temer fracasse, ou seja, que o Tribunal Superior Eleitoral decida afastar o presidente da República por conta de malfeitos na campanha eleitoral de 2014, junto com Dilma Rousseff, que não pode mais ser afastada por que jê foi.
Fernando Henrique Cardoso bem que gostaria de ser escolhido pelo Congresso para completar o atual mandato. Nelson Jobim, também. Este, de olho na reeleição. Aquele, apenas para fechar uma inusitada biografia complementar.

Cabe ao atual presidente decidir se continua ou se cederá às imposições da própria hesitação. Nenhuma hora mais propícia do que a passagem do ano para reformular por completo o Ministério. Ou muda ou será tragado pela indecisão. A crise é grande, mas nem de longe capaz de impedir-lhe debelá-la, se houver disposição.

O Supremo contra o Supremo

Difícil o Supremo ter relação saudável com o Senado, se alguns ministros do Supremo não têm relação saudável entre si. A democracia não merece que um ministro do Supremo peça a punição de outro ministro, porque dele discorda. Estimule crise institucional e viaje para o exterior.

Infelizmente, temos visto progressiva deterioração da independência do Supremo. Paradoxalmente, não por ataques dos outros poderes, Ministério Público, advogados ou da sociedade. Mas por descontrole interno. A constituição diz que o Supremo é poder independente.

O ministro também é independente ao julgar. Mas seja por questões administrativas, seja por comportamentos individuais, a independência de alguns ministros está minando a independência da instituição. Por querer tudo decidir, o Supremo afoga-se com cerca de 70 mil processos ao ano. Mais de 6 mil por ministro.

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Em 2015, em 84% das decisões o ministro decidiu sozinho. Ao plenário, foram somente 2,4% delas. Onze Supremos. Por tolerar que os ministros não devolvam no prazo os pedidos de vista, transformaram este procedimento administrativo em velada arma de políticas e interesses inconstitucionais.

Até 2013, em vez de cerca de 60 dias, ministros prendiam os processos por mais de 300 dias. Veto individual ao direito dos demais ministros de votarem. E do Brasil ter acesso à justiça em prazo razoável. Levam mais de um mês para simples, mas indispensável, publicação de acordão.

Ministros têm concepções diferentes de como ser ministro. E assim criam incerteza de comportamentos, que gera insegurança jurídica. O resultado não poderia ser outro, como la- mentou ontem, com razão, na Academia Brasileira de Letras, o ministro Luís Roberto Barroso: “Tem dias ruins, e outros piores”.

O Senado não disse que não cumpriria a decisão do Supremo. Mas que aguardaria a decisão do plenário. Com isto, aponta para o problema: o Supremo contra o Supremo. A fragmentação autodestrutiva. O problema não é se a opinião pública pauta ou não o Supremo.

O problema é que sem um processo decisório previsível, o Supremo dificulta e destrói o trabalho de juízes, procuradores e polícia federal na Lava-Jato e nas demais investigações. O Brasil precisa de um Supremo estável. Que não se desfaça a si mesmo em cada decisão. Que ajude a sociedade a combater a corrupção e restaurar a moralidade pública.

Hoje deve ser a hora e vez do Supremo. Outra vez.