sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

Ataque israelense a Rafah será uma catástrofe humanitária sem precedentes

A única coisa que podemos fazer agora é pedir, implorar, chorar: não entre em Rafah. Um ataque israelita a Rafah será um ataque ao maior campo de refugiados do mundo. Irá arrastar o exército israelita para a prática de crimes de guerra de uma gravidade que nem eles próprios conseguiram alcançar. Neste momento é impossível invadir Rafah sem cometer crimes de guerra. Se as Forças de Defesa de Israel (IDF) invadirem Rafah, a cidade se tornará uma casa funerária.

Existem actualmente cerca de 1,4 milhões de pessoas deslocadas em Rafah, algumas das quais se refugiam sob sacos de plástico convertidos em tendas. A Administração dos EUA, suposto guardião da lei e da consciência israelita, condicionou a invasão de Rafah a um plano israelita para evacuar a cidade. Tal plano existe e não pode existir, mesmo que Israel consiga inventar alguma coisa.


É impossível transportar um milhão de pessoas totalmente indefesas, algumas das quais já foram deslocadas duas ou três vezes, de um lugar “seguro” para outro, lugares que sempre se tornam campos de extermínio. É impossível transportar milhões de pessoas como gado. Nem mesmo o gado pode ser transportado com tanta crueldade.

Também não há lugar para evacuar estes milhões de pessoas. Na devastada Faixa de Gaza não há mais para onde ir. Se os refugiados de Rafah forem transferidos para Al-Mawasi, como as FDI proporão no seu plano humanitário, Al-Mawasi tornar-se-á palco de um desastre humanitário como nunca vimos na Faixa.

Yarden Michaeli e Avi Scharf relatam que toda a população da Faixa de Gaza, 2,3 milhões de pessoas, deverá ser evacuada num espaço de 16 quilómetros quadrados, aproximadamente o tamanho do Aeroporto Internacional Ben-Gurion. Toda Gaza no espaço do aeroporto, imagine.

Amira Hass calculou que se um milhão de pessoas for para Al-Mawasi, a densidade populacional será de 62.500 pessoas por quilómetro quadrado. Não há nada em Al-Mawasi: nem infra-estruturas, nem água, nem electricidade, nem habitação. Só areia e mais areia, para absorver o sangue, o esgoto e as epidemias. Pensar nisto não só faz gelar o sangue, mas também mostra o nível de desumanização que Israel atingiu no seu planeamento.

Sangue será derramado em Al-Mawasi, como foi recentemente derramado em Rafah, o penúltimo porto seguro oferecido por Israel. O serviço de segurança Shin Bet encontrará um oficial afiliado ao Hamas que terá de ser eliminado lançando uma bomba de uma tonelada no novo acampamento. Vinte espectadores, a maioria crianças, morrerão. Correspondentes militares nos contarão, com olhos brilhantes, sobre o maravilhoso trabalho que as FDI estão fazendo para liquidar o alto comando do Hamas. A vitória total está próxima; Mais uma vez, os israelitas ficarão satisfeitos.

No entanto, mesmo através desta alimentação forçada, a opinião pública israelita deve despertar, e com ela a Administração Biden. Esta emergência é mais grave do que qualquer outra durante esta guerra. Os americanos devem bloquear a invasão de Rafah com acções e não com palavras. Só eles podem deter Israel.

O sector consciente da comunidade israelita procura outras fontes de informação além das estações daqui, que são “doces para os soldados” e que se autodenominam canais de notícias. Assista a imagens de Rafah em qualquer canal estrangeiro – você não verá nada em Israel – e entenderá por que ela não pode ser evacuada. Imaginem Al-Mawasi com os dois milhões de pessoas deslocadas e compreenderão como proliferam os crimes de guerra.

No sábado, o corpo de Hind Hamada, de seis anos – ou Rajab, em alguns meios de comunicação – foi encontrado. A menina ficou famosa em todo o mundo após os momentos de terror que ela e a família viveram no dia 29 de janeiro diante de um tanque israelense – momentos que foram registrados em um telefonema com o Crescente Vermelho Palestino, até que os ataques cessaram. terror de sua tia. Todos os oito membros da família morreram.

Hind foi encontrada morta no carro queimado de sua tia em um posto de gasolina em Khan Yunis. Ela ficou ferida e coberta pelos sete cadáveres de seus familiares; sangrou até a morte antes de poder sair do veículo. Hind e sua família responderam ao apelo “humanitário” de Israel para evacuar. Quem quiser mais milhares de Hinds, que invada Rafah, cuja população será evacuada para Al-Mawasi.

A cultura do celular e a morte do homem simples

O novo sujeito social e político da sociedade pós-moderna é simbolizado pelo telefone celular. Social porque a sociabilidade dos seres humanos dele depende cada vez mais. Político porque por meio dele a política deixou de se apoiar na mediação de ideias sobre o bem comum para se tornar um processo político mediado por uma coisa portátil. Um esvaziamento da política que a vem tornando um novo meio de dominação, o da mentira verossímil.

Portátil porque o usuário pode levá-lo no bolso. Mas, em vez de ser levado, é ele que leva o seu dono, dono que se tornou instrumento do objeto que usa, objeto de seu objeto.


Essa não é a única nem a mais significativa anomalia que mediatiza e demarca nossa situação social, que define os marcos de nossas condutas, que empobrece nossos horizontes, que engendra um modo social de ser em que não somos, nem pessoas nem cidadãos.

Claro que é impossível desconhecer a importância que o celular tem na vida cotidiana de todos nós. Já não podemos viver sem ele. Mas é ele, também, um dos instrumentos de um número significativo de invisibilidades desta sociedade. É por aí que somos dominados, amansados, enganados e induzidos a ser e fazer o que não queremos nem devemos.

A vacina defensiva contra ele é a consciência socialmente crítica, que não deve ser confundida com a polarização ideológica que dominou e domina a situação política brasileira. Com exceções notáveis, direita e esquerda criaram uma cumplicidade reprodutiva e imobilista no sentido de se tornarem reciprocamente úteis e necessárias. Criaram um sistema.

Historicamente, a sociedade se move para solucionar necessidades sociais conscientes, o que depende de busca de saída no objetivamente possível. O destino histórico da sociedade não sai do bolso do colete nem do militante nem do reacionário, nem do silêncio nem do berro. Daí só sai alienação e bloqueio.

O Brasil desse sistema de dominação é completamente falso.

A pós-modernidade tem o símbolo complementar no dedo indicador, que digita, mas não pensa. O cérebro já não tem prontidão para reconhecer diferenças sociais significativas e desafiadoras. As dos processos interativos que mobilizem o ser humano para que se humanize naquilo que faz e seja um construtor social da realidade.

Para confirmar o nome dos dedos de minha mão e escrever este comentário, levei menos de meio minuto e recebi de volta mais de 4 milhões de informações sobre “dedos da mão”. Para conferir o que eu já sabia.

Só que, diferente do que acontecia quando eu era criança e adolescente, em que eu colhia ideias na própria memória como colhia goiabas na goiabeira. E colhia apenas o que ia usar e comer. Na busca de uma única informação, o celular me permite colher milhões de informações inúteis em meio minuto, pelas quais eu pago.

O sistema econômico que dá sentido às funções desse instrumento se tornou um sistema produtivo de informações, mas improdutivo de realidades funcionais e mesmo materiais.

De famílias de lavradores caipiras e artesãos de fábricas, desde muito pequeno aprendi a fazer coisas úteis com minhas próprias mãos. Aos 7 anos de idade, eu já fazia meus próprios brinquedos. O primeiro presente de Natal, de que me lembro, foi um joguinho de ferramentas de carpinteiro, para criança, pois meu pai me queria carpinteiro, uma tradição de família.

Aquele brinquedo me fazia feliz. Meu celular e tudo que ele significa e pode não me fazem feliz. Eu clico na tecla para receber aquilo de que preciso e ele me traz de volta não só milhões de informações que não preciso. Mas milhões de informações que me privam das referências da consciência social e política e me dizem que o mundo em que vivo é um mundo de incerteza e perigo. Já não é um mundo de saber, esperança e alegria. O homem simples está morrendo.

A cultura do dedo indicador nos tira a alegria da dúvida criativa, o prazer de imaginar e da imaginação, ao nos tornar apenas instrumentos de um imaginário fabricado por algoritmos.

Algo pouco notado, ela libertou satanás das profundezas do inferno, o inimigo da nossa luta pelo bem, pela liberdade e pela esperança. Ela libertou o medo e o transformou num poder. Satanás tem mais presença nos púlpitos de igrejas do que o próprio Deus. Porque é em nome dele que Deus passou a existir. Os templos deixaram de ser o lugar do sagrado para ser apenas um lugar de refúgio. O mero lugar da espera apocalíptica, a negação do hoje e do atual em nome do quimérico e falso.

Ele não é um ser de fora do mundo. O deus pós-moderno é manipulador, dissimulado, satânico, que fala no bem para implantar o mal. Cuja missão é a de criar o novo sujeito social da nulificação da pessoa, a multidão sem rumo.