sábado, 7 de outubro de 2017
O bem supremo
Não será a primeira vez que uma decisão do STF influenciará o curso da história no Brasil. As decisões sobre o mensalão, a prisão de Eduardo Cunha, o apoio às ações do juiz Moro foram essenciais ao processo em curso, de redenção do país. Entra agora em pauta o caso Aécio Neves, questão que, pelos efeitos em cascata que pode provocar, ganha uma dimensão de alto risco.
O julgamento transcende de muito a figura mais patética do que relevante do ex-candidato à Presidência, pilhado pedindo propina a um empresário em um telefonema obsceno. O PSDB não teve a decência de expulsá-lo. O próprio partido expôs-se, assim, a ser expulso da confiança de seus eleitores. Ignorar que seu presidente se corrompera, o que toda a nação assistira, não ajuda a absolvê-lo e faz cúmplice o partido. Melhor faria admitindo e corrigindo seus erros.
O retorno de Aécio Neves a sua cadeira no Senado seria uma afronta a uma população já exasperada com a corrupção e a impunidade. Essa exasperação é a única explicação para o apoio suicida que ela vem exprimindo a uma possível intervenção militar.
A todos os problemas que nos afligem — e são tantos — veio agora somar-se esse velho demônio que acreditávamos exorcizado para sempre. Um general falou, outro o apoiou, o comandante do Exército deu garantias de respeito à legalidade. Apesar disso, desde então, formou-se no horizonte um ponto de interrogação que assombra o Brasil.
O recurso à ditadura não é só a pior das soluções. É uma não solução, é um gigantesco problema. Inimaginável, na contramão da história recente do país e da América Latina, do bem supremo na vida de cada um que é a liberdade. Quem, a qualquer pretexto, admite essa hipótese tem memória curta ou ignora o pesadelo que a quebra da democracia implicaria para o cotidiano de todos nós, lá onde ela se encarna em direitos e liberdades. Sem falar no opróbrio internacional que cobriria o Brasil, devolvido ao status de república de bananas.
Não há meia democracia. Ou a liberdade e as instituições estão garantidas ou, suspensas a liberdade e as instituições, viveríamos em uma ditadura.
Que esta possibilidade tenha sido aventada só se explica pelo estado de indignação, revolta e frustração vividas pela imensa maioria dos brasileiros diante do espetáculo degradante de políticos, acusados aos magotes, que não se arrependem de nada e continuam a delinquir, em flagrante deboche dos sentimentos da população.
A crise de legitimidade do governo Temer e do sistema partidário é uma evidência. Assim como é evidente que a solução da crise não virá de um sistema político apodrecido. Esses homens não se regeneram. Escondem-se atrás de imunidades, manipulando as garantias democráticas para protelar inapeláveis condenações. Usam a Justiça, seus ritmos e processos para impedir, com chicanas, que justiça seja feita.
É a incapacidade do sistema político de desatar o nó de um governo sem legitimidade e de um Congresso conivente com a corrupção que nos expõe seja ao fantasma da intervenção militar, seja ao risco do retorno de um populismo carcomido, cuja mentira e demagogia são reveladas a cada volta de parafuso das investigações da Lava-Jato. Em ambos os casos, um trágico retrocesso, que deixa ao relento quem busca refundar a democracia.
Políticos que tanto mal fizeram ao país, pilhando os cofres públicos, não contentes de desmoralizar a política e o Poder Legislativo querem agora desmoralizar o Judiciário. O Senado que já desafiou o Supremo Tribunal Federal uma vez, mantendo — logo quem — Renan Calheiros na sua presidência, desafia mais uma vez a autoridade da Suprema Corte, chamando a si o destino de Aécio Neves. Ora, não é o destino de um homem que está em jogo, é o de um país.
A ação do Supremo Tribunal Federal é determinante para assegurar que as instituições democráticas sejam capazes, por si só, de desfazer a teia de criminalidade que enredou a população brasileira. A confirmação pelo plenário do Supremo da decisão tomada pela Primeira Turma de suspender o mandato de Aécio Neves reafirmaria o princípio de que ninguém está acima da lei e seria exemplar da capacidade da Justiça de fazer justiça.
Maior significado ainda teria a recusa do STF de rever sua histórica decisão sobre a prisão de réus condenados em segunda instância, marco do fim da impunidade.
Se o Legislativo perdeu, neste momento, a confiança da população, mais que nunca é preciso que ela possa confiar em seus tribunais.
A resposta aos desmandos dos políticos não é a quebra da democracia. É o seu aprofundamento.
Rosiska Darcy de Oliveira
O julgamento transcende de muito a figura mais patética do que relevante do ex-candidato à Presidência, pilhado pedindo propina a um empresário em um telefonema obsceno. O PSDB não teve a decência de expulsá-lo. O próprio partido expôs-se, assim, a ser expulso da confiança de seus eleitores. Ignorar que seu presidente se corrompera, o que toda a nação assistira, não ajuda a absolvê-lo e faz cúmplice o partido. Melhor faria admitindo e corrigindo seus erros.
O retorno de Aécio Neves a sua cadeira no Senado seria uma afronta a uma população já exasperada com a corrupção e a impunidade. Essa exasperação é a única explicação para o apoio suicida que ela vem exprimindo a uma possível intervenção militar.
A todos os problemas que nos afligem — e são tantos — veio agora somar-se esse velho demônio que acreditávamos exorcizado para sempre. Um general falou, outro o apoiou, o comandante do Exército deu garantias de respeito à legalidade. Apesar disso, desde então, formou-se no horizonte um ponto de interrogação que assombra o Brasil.
O recurso à ditadura não é só a pior das soluções. É uma não solução, é um gigantesco problema. Inimaginável, na contramão da história recente do país e da América Latina, do bem supremo na vida de cada um que é a liberdade. Quem, a qualquer pretexto, admite essa hipótese tem memória curta ou ignora o pesadelo que a quebra da democracia implicaria para o cotidiano de todos nós, lá onde ela se encarna em direitos e liberdades. Sem falar no opróbrio internacional que cobriria o Brasil, devolvido ao status de república de bananas.
Não há meia democracia. Ou a liberdade e as instituições estão garantidas ou, suspensas a liberdade e as instituições, viveríamos em uma ditadura.
Que esta possibilidade tenha sido aventada só se explica pelo estado de indignação, revolta e frustração vividas pela imensa maioria dos brasileiros diante do espetáculo degradante de políticos, acusados aos magotes, que não se arrependem de nada e continuam a delinquir, em flagrante deboche dos sentimentos da população.
É a incapacidade do sistema político de desatar o nó de um governo sem legitimidade e de um Congresso conivente com a corrupção que nos expõe seja ao fantasma da intervenção militar, seja ao risco do retorno de um populismo carcomido, cuja mentira e demagogia são reveladas a cada volta de parafuso das investigações da Lava-Jato. Em ambos os casos, um trágico retrocesso, que deixa ao relento quem busca refundar a democracia.
Políticos que tanto mal fizeram ao país, pilhando os cofres públicos, não contentes de desmoralizar a política e o Poder Legislativo querem agora desmoralizar o Judiciário. O Senado que já desafiou o Supremo Tribunal Federal uma vez, mantendo — logo quem — Renan Calheiros na sua presidência, desafia mais uma vez a autoridade da Suprema Corte, chamando a si o destino de Aécio Neves. Ora, não é o destino de um homem que está em jogo, é o de um país.
A ação do Supremo Tribunal Federal é determinante para assegurar que as instituições democráticas sejam capazes, por si só, de desfazer a teia de criminalidade que enredou a população brasileira. A confirmação pelo plenário do Supremo da decisão tomada pela Primeira Turma de suspender o mandato de Aécio Neves reafirmaria o princípio de que ninguém está acima da lei e seria exemplar da capacidade da Justiça de fazer justiça.
Maior significado ainda teria a recusa do STF de rever sua histórica decisão sobre a prisão de réus condenados em segunda instância, marco do fim da impunidade.
Se o Legislativo perdeu, neste momento, a confiança da população, mais que nunca é preciso que ela possa confiar em seus tribunais.
A resposta aos desmandos dos políticos não é a quebra da democracia. É o seu aprofundamento.
Rosiska Darcy de Oliveira
O que me mete medo
Em nome da religião, da moral e dos bons costumes, foram cometidos na História crimes tenebrosos. Mesmo assim, a humanidade não aprende. Continua até a eleger fundamentalistas religiosos. A submissão a fanáticos de fala mansa, a mistura explosiva de política com fé num Estado laico, o discurso da verdade absoluta e a intolerância com outras crenças, tudo leva a algo perigoso: a censura. De pensamento, de expressão e de comportamento.
O Brasil vive um retrocesso travestido de “bom-mocismo”, um roteiro que induz ao autoritarismo. Nem falo de política. Mas de cultura. Duas exposições provocaram histeria coletiva: a Queermuseu, em Porto Alegre, e a performance La bête, no MAM de São Paulo, com um artista e coreógrafo nu, inspirada nas esculturas Bichos, de Lygia Clark (1920-1988). Funcionários do MAM foram agredidos! Uma mostra foi fechada! A outra não virá para o MAR no Rio de Janeiro, só “para o fundo do mar”, segundo o prefeito Crivella! Tempos sombrios, de nudez castigada e linchamentos estimulados.
Vamos aos fatos porque a gritaria embaça o raciocínio. A Queermuseu exibia 264 obras de 85 artistas brasileiros, nomes consagrados como a carioca Adriana Varejão, nascida em 1964, e até já mortos, como Alfredo Volpi (1896-1988). Apenas três obras foram acusadas de “apologia à pedofilia e à zoofilia [sexo com animais]”. O promotor da infância de Porto Alegre descartou as acusações. Mas o Santander Cultural cedeu à inquisição dos militantes do MBL (Movimento Brasil Livre – quanta ironia!) e interrompeu a mostra.
Na outra exposição, em São Paulo, o MAM alertava para um homem nu numa sala, que estava ali para ser visto ou tocado, como tocamos nas esculturas com dobradiças de Lygia Clark. Não havia classificação de faixa etária, um equívoco facilmente sanado, embora pais e mães mantenham poder de decisão. Pais e mães podem achar que a nudez ao vivo desperta reflexão e não maus pensamentos em seus filhos. Uma menina, ao lado da mãe, mexeu na mão e no pé do artista nu. E isso bastou para que todos ali se tornassem demônios em forma de gente. Gente ruim, pedófila, imoral.
Cada família lida com a nudez de forma particular. Há crianças que tomam banho de chuveiro com pais – obviamente pelados. Há crianças que “interagem” com a nudez de estranhos porque frequentam praias de nudistas. Fui a praias de nudismo em Portugal, na Grécia, na Croácia, em lagos na Alemanha. Famílias caminham, brincam, nadam, com mais naturalidade com o corpo alheio do que vemos nas praias brasileiras, bem mais erotizadas com seus biquínis de fio dental. O topless é atacado aqui. Considerado convite ao estupro. Inacreditável.
Agora, as críticas. Eu levaria uma filha ou uma neta para tocar um homem nu estranho numa sala de museu? Não. Entendo quem se choque. Não entendo quem queira fechar a exposição com base nesse estranhamento. Simples. Não vá. Grite nas redes sociais. Ok. Existe ou não o livre-arbítrio? Em 1977 – ou seja, 40 anos atrás –, uma das papisas da body art, a sérvia Marina Abramovic, ficou nua com seu namorado Ulay na porta de um museu de Bolonha, Itália. Quem entrasse precisava se espremer de lado entre os corpos nus, inevitavelmente tocando a pele de um ou de outro ou de ambos. O mundo não caiu. Obscena não era a performance, mas a corrupção dos políticos italianos, combatida depois pela Operação Mãos Limpas.
Outra crítica. “Homem nu no museu não é arte, é pouca vergonha, é pornografia, é atentado ao pudor.” Entendo quem pense assim, porque foi educado dessa maneira. A definição de Arte é subjetiva. E é bom que continue a ser. Em exposições no Brasil e no exterior, eu deparo com obras que me despertam encantamento ou repulsa. Na atual Biennale de Veneza, pensei várias vezes: isso não é Arte. Nossa reação a uma obra é válida, não precisamos ser especialistas, não condeno quem desconsidera mostras polêmicas como Arte. Mas daí a censurar existe um abismo.
Artistas não me metem medo. O que me aterroriza é a intolerância ampliada – que agride funcionários do MAM ou religiosos afro-brasileiros em nome de Jesus, quebrando terreiros. O que me mete medo é ter um prefeito que se comporta como pastor. Crivella se insurgiu contra o Carnaval prometendo dar o dinheiro do samba às creches. As creches estão à míngua. O que me mete medo é a Câmara dos Vereadores se transformar em templo de culto. O que me mete medo é Crivella mudar nomes das ruas numa das comunidades mais violentas da favela da Maré, para Rua Adoração, Travessa Monte Sião... Ou prometer “um banho de loja” na Rocinha. O que me mete medo é, no meio do caos carioca, Crivella entoar cânticos de louvor em programa religioso de TV à noite. O que é isso? Para muita gente, é falta de pudor.
Ruth de Aquino
O Brasil vive um retrocesso travestido de “bom-mocismo”, um roteiro que induz ao autoritarismo. Nem falo de política. Mas de cultura. Duas exposições provocaram histeria coletiva: a Queermuseu, em Porto Alegre, e a performance La bête, no MAM de São Paulo, com um artista e coreógrafo nu, inspirada nas esculturas Bichos, de Lygia Clark (1920-1988). Funcionários do MAM foram agredidos! Uma mostra foi fechada! A outra não virá para o MAR no Rio de Janeiro, só “para o fundo do mar”, segundo o prefeito Crivella! Tempos sombrios, de nudez castigada e linchamentos estimulados.
Vamos aos fatos porque a gritaria embaça o raciocínio. A Queermuseu exibia 264 obras de 85 artistas brasileiros, nomes consagrados como a carioca Adriana Varejão, nascida em 1964, e até já mortos, como Alfredo Volpi (1896-1988). Apenas três obras foram acusadas de “apologia à pedofilia e à zoofilia [sexo com animais]”. O promotor da infância de Porto Alegre descartou as acusações. Mas o Santander Cultural cedeu à inquisição dos militantes do MBL (Movimento Brasil Livre – quanta ironia!) e interrompeu a mostra.
Na outra exposição, em São Paulo, o MAM alertava para um homem nu numa sala, que estava ali para ser visto ou tocado, como tocamos nas esculturas com dobradiças de Lygia Clark. Não havia classificação de faixa etária, um equívoco facilmente sanado, embora pais e mães mantenham poder de decisão. Pais e mães podem achar que a nudez ao vivo desperta reflexão e não maus pensamentos em seus filhos. Uma menina, ao lado da mãe, mexeu na mão e no pé do artista nu. E isso bastou para que todos ali se tornassem demônios em forma de gente. Gente ruim, pedófila, imoral.
Cada família lida com a nudez de forma particular. Há crianças que tomam banho de chuveiro com pais – obviamente pelados. Há crianças que “interagem” com a nudez de estranhos porque frequentam praias de nudistas. Fui a praias de nudismo em Portugal, na Grécia, na Croácia, em lagos na Alemanha. Famílias caminham, brincam, nadam, com mais naturalidade com o corpo alheio do que vemos nas praias brasileiras, bem mais erotizadas com seus biquínis de fio dental. O topless é atacado aqui. Considerado convite ao estupro. Inacreditável.
Agora, as críticas. Eu levaria uma filha ou uma neta para tocar um homem nu estranho numa sala de museu? Não. Entendo quem se choque. Não entendo quem queira fechar a exposição com base nesse estranhamento. Simples. Não vá. Grite nas redes sociais. Ok. Existe ou não o livre-arbítrio? Em 1977 – ou seja, 40 anos atrás –, uma das papisas da body art, a sérvia Marina Abramovic, ficou nua com seu namorado Ulay na porta de um museu de Bolonha, Itália. Quem entrasse precisava se espremer de lado entre os corpos nus, inevitavelmente tocando a pele de um ou de outro ou de ambos. O mundo não caiu. Obscena não era a performance, mas a corrupção dos políticos italianos, combatida depois pela Operação Mãos Limpas.
Outra crítica. “Homem nu no museu não é arte, é pouca vergonha, é pornografia, é atentado ao pudor.” Entendo quem pense assim, porque foi educado dessa maneira. A definição de Arte é subjetiva. E é bom que continue a ser. Em exposições no Brasil e no exterior, eu deparo com obras que me despertam encantamento ou repulsa. Na atual Biennale de Veneza, pensei várias vezes: isso não é Arte. Nossa reação a uma obra é válida, não precisamos ser especialistas, não condeno quem desconsidera mostras polêmicas como Arte. Mas daí a censurar existe um abismo.
Artistas não me metem medo. O que me aterroriza é a intolerância ampliada – que agride funcionários do MAM ou religiosos afro-brasileiros em nome de Jesus, quebrando terreiros. O que me mete medo é ter um prefeito que se comporta como pastor. Crivella se insurgiu contra o Carnaval prometendo dar o dinheiro do samba às creches. As creches estão à míngua. O que me mete medo é a Câmara dos Vereadores se transformar em templo de culto. O que me mete medo é Crivella mudar nomes das ruas numa das comunidades mais violentas da favela da Maré, para Rua Adoração, Travessa Monte Sião... Ou prometer “um banho de loja” na Rocinha. O que me mete medo é, no meio do caos carioca, Crivella entoar cânticos de louvor em programa religioso de TV à noite. O que é isso? Para muita gente, é falta de pudor.
Ruth de Aquino
O perigoso flerte do Brasil com o autoritarismo
As eleições presidenciais de 2018 recebem a cada dia propostas alarmantes que significam brincar com fogo, já que levam em suas entranhas o veneno do golpe e de aventuras autoritárias.
A mera evocação a soluções para sair da crise à margem da política, que é considerada incapaz de garantir os valores democráticos, por estar corrompida e incapaz de governar o país, começa a alarmar.
A palavra golpe começa a ecoar no Brasil até mesmo de campos opostos. O PT, pela boca de sua presidenta, Gleisi Hoffmann, deu a entender que se não permitirem que Lula, mesmo condenado, seja candidato, as eleições seriam boicotadas ao serem consideradas nulas. Por sua vez, o general da reserva Luiz Eduardo Rocha Paiva acaba de escrever um artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, que se o Supremo Tribunal Federal permitir que “um condenado assuma o poder em 2018 os militares deveriam intervir”, e a intervenção seria legítima e justificável, “até mesmo sem amparo legal”. Palavras graves.Para o general, hoje se discute “sobre a possibilidade, necessidade e legalidade de uma intervenção militar para combater a corrupção, retomar o desenvolvimento e evitar uma convulsão social”.
O que fariam os militares no caso de grave crise da política? Segundo o general, em tal caso, as Forças Armadas tomariam a iniciativa para recuperar a estabilidade no país, “neutralizando forças adversas, pacificando a sociedade e assegurando a sobrevivência da Nação”.
O temor de uma ruptura institucional preocupou também o magistrado e apontado como um possível candidato à presidência Joaquim Barbosa, que diante da possível desobediência do Senado às decisões do Supremo, no caso de Aécio Neves, afirmou que isso seria “o fim da democracia no Brasil”. Segundo ele, um político revogando uma decisão judicial “é coisa de ditadura”. E mencionou a Venezuela.
O desprezo pela política, a consciência de que os partidos se corromperam de tal modo que o Legislativo e o Executivo não estariam legitimados para governar, começa a preocupar já que isso deixa a porta aberta a todo o tipo de aventura, da militar à populista.
O ex-presidente Obama acabou de dizer isso, durante um encontro em São Paulo organizado pelo Banco Santander e o jornal Valor Econômico. Obama alertou sobre o perigo que o Brasil corre, como aconteceu em seu país, de que a crítica à política se transforme “em um combustível que alimenta o crescimento de movimentos nacionalistas e autoritários”.
O certo é que os partidos políticos brasileiros não estão em seu melhor momento na apreciação da sociedade. Em 2016, segundo a Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas, somente 6% dos brasileiros confiavam nos partidos, contra 61% nas Forças Armadas, 57% na Igreja Católica e 35% no Judiciário. Hoje não acho que seja diferente.
O que fazer então com os partidos atuais se considerarmos que continuam sendo indispensáveis à democracia e ao mesmo tempo são condenados pela sociedade? Talvez a solução seja sua transformação. E isso não se faz somente mudando-lhes o nome e despojando-os da palavra maldita de partido, mas voltando às suas origens quando eram a cadeia de transmissão entre a população e o Estado.
Por que os partidos brasileiros estão tendo hoje tanta resistência em consultar a sociedade diante das grandes reformas que a afetam diretamente? Como fazer uma reforma política e trabalhista, e mais ainda da Previdência, pelas costas da população, sem um plebiscito prévio mesmo não sendo vinculante?
Como eu sofri uma guerra “incivil” como a espanhola, com quase dois milhões de mortos e uma ditadura que precisei suportar durante metade da minha vida, ouvir novamente aqui no Brasil ruídos de espadas, ameaças de golpes e alarmes de ditadura faz meu sangue ferver.
O perigo de brincar com fogo é real. Basta uma faísca para que ocorra um incêndio. Na política basta um dia para fechar as portas à democracia e anos para retomá-la. A minha, começou com a explosão de uma guerra civil e durou 40 anos.
Hoje se apela ao perigo de que a política no Brasil acabe dividindo o país. Quem o divide são os golpes e as soluções autoritárias não importa a cor. Na Espanha, 40 anos depois da ditadura militar, essa ferida ainda não fechou totalmente e ainda preciso ouvir que “com Franco se vivia melhor”.
Terrível ironia que eu não queria escutar novamente, aqui, no Brasil.
Me engana mais
O leitor encontra com frequência, no site de VEJA, uma secção chamada “Me Engana que eu Posto”. Ela tem a função, cada vez mais útil neste mundo de maravilhas digitais que criou o jornalismo sem jornalistas, de identificar as mentiras mais extravagantes que circulam nas “redes sociais”, etc., como se fossem fatos. Você já viu dezenas delas, e vai continuar vendo. São mais ou menos assim: “Presidente da Coréia fugiu com Lady Gaga”; “51 milhões de Geddel pertencem a Temer”; “Lula anuncia delação premiada contra Palocci”, e por aí vamos. É um tráfico constante de notícias falsas, em forma de texto, vídeo ou áudio, quase sempre espalhadas com algum propósito maligno. Não há muito a fazer contra isso, salvo avisar o público de que essa ou aquela informação é inventada – é justamente o que faz, como dito acima, este site de VEJA. Sempre é possível melhorar, porém, e o blog “Fatos”, num espírito de colaboração e camaradagem com os editores, sugere a criação de uma secção complementar: “Me Engana Que Eu Gosto Mais Ainda”. Ela seria dedicada exclusivamente ao palavrório que jorra dia e noite do noticiário oficial, político e público deste país. A mídia apresenta essa maçaroca com um tom seriíssimo, gravíssimo, nervosíssimo – perfilados de pé uns diante dos outros, com cara eternamente preocupada, jornalistas falam, falam e falam na televisão sobre as neuroses de Brasília. Não se inventa nada. Mas é tudo mentira.
Qual é a diferença, por exemplo, entre uma fake news de primeira linha, classe “plátinum” ou acima, e o “julgamento” do presidente Michel Temer pela Câmara dos Deputados e pelo Supremo Tribunal Federal? Não há julgamento nenhum na vida real. As testemunhas-chave da acusação estão na cadeia, enterrados por crimes que praticaram a serviço da “operação denúncia” feita pelo Ministério Público. O Procurador-geral da República, responsável direto por um dos maiores desastres já registrados na história do judiciário brasileiro , está na Europa. É acusado de tentar derrubar o presidente – o que, tanto quanto se saiba, é proibido por lei. O ministro Fachin, em vez de julgar a acusação contra o presidente, faz cara de Rei Salomão e joga tudo, corajosamente, em cima da Câmara – que já negou licença para processar o presidente meses atrás, por larga margem de votos, e vai obviamente fazer a mesma coisa agora.
Grandes cérebros do nosso mundo jurídico e político discutiram com paixão se a denúncia contra Temer deveria ser “fatiada”, como num balcão de frios, ou servida num embrulho só – as mais imensas consequências, advertiram com alarme os comunicadores da grande mídia, poderiam resultar conforme fosse tomada uma ou outra decisão. Os deputados, como na primeira vez, fingem independência, usando os jornalistas para transmitirem suas ameaças de votar “contra” – estão apenas tentando extorquir do governo o máximo de vantagens para votar em seu favor. O governo aceita tudo, mas não pode pagar coisa nenhuma – está mais pobre que um rato de sacristia, e não vai cumprir nada do que está prometendo. Todos fingem que estão “fazendo negócio”, mas é só isso que fazem – fingem. Já passaram a mão, enquanto isso, no que realmente lhes interessava, do extremo PT ao extremo anti-PT: o dinheiro do erário para o “financiamento público” das campanhas eleitorais, um crime do qual os três poderes são cúmplices integrais.
Enganem cada vez mais. Digam mentiras deslavadas, como as fake news, ou mentiras lavadas, como a “crise política” de Brasília, mas mintam o máximo que puderem. Nada dá tão certo no Brasil de hoje quanto mentir.
Grandes cérebros do nosso mundo jurídico e político discutiram com paixão se a denúncia contra Temer deveria ser “fatiada”, como num balcão de frios, ou servida num embrulho só – as mais imensas consequências, advertiram com alarme os comunicadores da grande mídia, poderiam resultar conforme fosse tomada uma ou outra decisão. Os deputados, como na primeira vez, fingem independência, usando os jornalistas para transmitirem suas ameaças de votar “contra” – estão apenas tentando extorquir do governo o máximo de vantagens para votar em seu favor. O governo aceita tudo, mas não pode pagar coisa nenhuma – está mais pobre que um rato de sacristia, e não vai cumprir nada do que está prometendo. Todos fingem que estão “fazendo negócio”, mas é só isso que fazem – fingem. Já passaram a mão, enquanto isso, no que realmente lhes interessava, do extremo PT ao extremo anti-PT: o dinheiro do erário para o “financiamento público” das campanhas eleitorais, um crime do qual os três poderes são cúmplices integrais.
Enganem cada vez mais. Digam mentiras deslavadas, como as fake news, ou mentiras lavadas, como a “crise política” de Brasília, mas mintam o máximo que puderem. Nada dá tão certo no Brasil de hoje quanto mentir.
Onde está a democracia?
A reforma política recém-aprovada pelo Congresso consolida o descrédito da sociedade em relação aos partidos e parlamentares. Trata-se, sobretudo, de uma reforma que não reforma.
A rigor, a única novidade importante que traz é a criação de um fundo eleitoral, que não tem teto, só piso: R$ 1,7 bilhão - o dobro do orçamento do Ministério da Defesa, que teve de retirar as tropas do Rio por falta de recursos. O dinheiro acabou em setembro.
Os recursos do fundo serão tirados do Orçamento da União. As emendas parlamentares ao Orçamento, destinadas em regra a setores essenciais, como saúde, educação e segurança pública, terão 30% de seus valores desviados para bancar os custos de campanha.
Isso pode ir bem além do valor previsto. Só para que se tenha uma ideia, no Orçamento de 2016, as emendas impositivas de bancada destinadas à educação somaram R$ 1,492 bilhão; à saúde, 4,4 bilhões; à infraestrutura, R$ 1,192 bilhão. Só com essas rubricas, os 30% somam mais de R% 2 bilhões. E há muitas outras.
No Orçamento de 2018, calcula-se que esse corte equivalerá a um mínimo de R$ 3 bilhões. Havia uma proposta alternativa, do senador Ronaldo Caiado, que preservava integralmente o Orçamento e retirava os recursos para o fundo da renúncia fiscal, decorrente do horário eleitoral dito gratuito. Essa renúncia é de R$ 1,5 bilhão.
A proposta extinguia esse horário, restringindo-o às emissoras estatais e às redes sociais, a custo zero, proibindo ainda acesso pago às emissoras privadas. Punha fim às produções hollywoodianas do horário “gratuito”, em que as grandes estrelas são os marqueteiros.
E ainda: restringia a propaganda nas emissoras estatais à presença do candidato, ao microfone e à câmera. Olho no olho do eleitor. Claro, foi rejeitada, sem que fosse sequer discutida.
O Congresso, sem maiores controvérsias, preferiu deixar como está e investir no orçamento, já de si comprimido pelo rombo legado pelos governos do PT – e que o atual, sem autoridade moral, cogita em normalizar por meio de reformas que não terá meios de empreender. Com 3% de apoio popular, índice que se estende a toda a classe política, não se reforma nem um carro velho.
A proibição de doações de empresas aos partidos, estabelecida pelo STF, criou essa situação. Em vez de corrigir as distorções, dando transparência às doações, simplesmente as proibiu.
O Congresso poderia ter suprido essa lacuna, estabelecendo, por exemplo, que uma mesma empresa não pode doar a mais de um partido, como ocorre nos Estados Unidos.
Optou, porém, pelo fundo público, o que não impedirá a velha prática do caixa dois e será gerido pela cúpula dos partidos. O crime organizado, por sua vez, fortalecerá sua condição de doador e eleitor.
Uma mudança importante aprovada, o fim das coligações nas eleições proporcionais – expediente que permite que um Tiririca traga consigo mais uma dúzia de sem votos -, ficou para 2020.
Em 2018, teremos mais do mesmo. O máximo que se cedeu foi com a aprovação de uma cláusula de barreira bastante tímida, que não propiciará uma redução significativa das legendas de aluguel.
Para compensar, no entanto, embutiu-se na reforma algo que, além de inconstitucional, extrapola o seu universo de alcance: uma censura à internet. Por ela, qualquer parlamentar que se sentir ofendido por uma informação, ainda que verídica, poderá tirá-la do ar em 24 horas, mesmo sem autorização judicial.
Temer promete vetá-la. É o mínimo.
De quebra, adiou-se a adoção do voto impresso, colocando-se o eleitor mais uma vez diante do imponderável. A Smartmatic, empresa que fabrica as urnas utilizadas no Brasil, admitiu que são vulneráveis e que, na Venezuela, fraudaram as eleições. E aqui?
Pela teoria das aproximações sucessivas, mencionada pelo general Hamilton Mourão, cujo retrato, em um banner de dez metros de altura, foi colocado esta semana em frente ao Congresso, a crise avança cada vez mais. Democracia é o melhor remédio para os males que ela mesma gera, não há dúvida. Mas por onde anda a dita cuja?
A rigor, a única novidade importante que traz é a criação de um fundo eleitoral, que não tem teto, só piso: R$ 1,7 bilhão - o dobro do orçamento do Ministério da Defesa, que teve de retirar as tropas do Rio por falta de recursos. O dinheiro acabou em setembro.
Os recursos do fundo serão tirados do Orçamento da União. As emendas parlamentares ao Orçamento, destinadas em regra a setores essenciais, como saúde, educação e segurança pública, terão 30% de seus valores desviados para bancar os custos de campanha.
Isso pode ir bem além do valor previsto. Só para que se tenha uma ideia, no Orçamento de 2016, as emendas impositivas de bancada destinadas à educação somaram R$ 1,492 bilhão; à saúde, 4,4 bilhões; à infraestrutura, R$ 1,192 bilhão. Só com essas rubricas, os 30% somam mais de R% 2 bilhões. E há muitas outras.
No Orçamento de 2018, calcula-se que esse corte equivalerá a um mínimo de R$ 3 bilhões. Havia uma proposta alternativa, do senador Ronaldo Caiado, que preservava integralmente o Orçamento e retirava os recursos para o fundo da renúncia fiscal, decorrente do horário eleitoral dito gratuito. Essa renúncia é de R$ 1,5 bilhão.
E ainda: restringia a propaganda nas emissoras estatais à presença do candidato, ao microfone e à câmera. Olho no olho do eleitor. Claro, foi rejeitada, sem que fosse sequer discutida.
O Congresso, sem maiores controvérsias, preferiu deixar como está e investir no orçamento, já de si comprimido pelo rombo legado pelos governos do PT – e que o atual, sem autoridade moral, cogita em normalizar por meio de reformas que não terá meios de empreender. Com 3% de apoio popular, índice que se estende a toda a classe política, não se reforma nem um carro velho.
A proibição de doações de empresas aos partidos, estabelecida pelo STF, criou essa situação. Em vez de corrigir as distorções, dando transparência às doações, simplesmente as proibiu.
O Congresso poderia ter suprido essa lacuna, estabelecendo, por exemplo, que uma mesma empresa não pode doar a mais de um partido, como ocorre nos Estados Unidos.
Optou, porém, pelo fundo público, o que não impedirá a velha prática do caixa dois e será gerido pela cúpula dos partidos. O crime organizado, por sua vez, fortalecerá sua condição de doador e eleitor.
Uma mudança importante aprovada, o fim das coligações nas eleições proporcionais – expediente que permite que um Tiririca traga consigo mais uma dúzia de sem votos -, ficou para 2020.
Em 2018, teremos mais do mesmo. O máximo que se cedeu foi com a aprovação de uma cláusula de barreira bastante tímida, que não propiciará uma redução significativa das legendas de aluguel.
Para compensar, no entanto, embutiu-se na reforma algo que, além de inconstitucional, extrapola o seu universo de alcance: uma censura à internet. Por ela, qualquer parlamentar que se sentir ofendido por uma informação, ainda que verídica, poderá tirá-la do ar em 24 horas, mesmo sem autorização judicial.
Temer promete vetá-la. É o mínimo.
De quebra, adiou-se a adoção do voto impresso, colocando-se o eleitor mais uma vez diante do imponderável. A Smartmatic, empresa que fabrica as urnas utilizadas no Brasil, admitiu que são vulneráveis e que, na Venezuela, fraudaram as eleições. E aqui?
Pela teoria das aproximações sucessivas, mencionada pelo general Hamilton Mourão, cujo retrato, em um banner de dez metros de altura, foi colocado esta semana em frente ao Congresso, a crise avança cada vez mais. Democracia é o melhor remédio para os males que ela mesma gera, não há dúvida. Mas por onde anda a dita cuja?
Mal espalhado, dinheiro de 2018 já cheira mal
O papa Francisco disse certa vez que o dinheiro é o esterco do diabo. Na reforma política que Michel Temer acaba de sancionar, o estrume que fertilizará as campanhas eleitorais de 2018 não foi bem espalhado. Por isso, começa a cheirar mal. O dinheiro, você sabe, não traz felicidade. Mas isso não é mais uma questão financeira a ser levada a sério pelos candidatos endinheirados, pois o presidente da República, num gesto de profunda miserabilidade, vetou o limite para o autofinanciamento das campanhas.
A coisa começou a feder na quinta-feira. Em votação realizada na velocidade de um raio, o Senado expurgou da proposta de reforma o artigo que criava um teto de R$ 200 mil para o autofinanciamento. Fez isso para facilitar a vida de candidatos com os bolsos maiores que as ideias. Mas o feitiço voltou-se contra os feiticeiros. Os candidatos ficaram sujeitos a uma outra regra, que limitava as doações de pessoas físicas a dez salários mínimos. Coisa de R$ 9,7 mil para 2018. Um pé direito bem menor do que os R$ 200 mil projetados pela Câmara.
Submetido à encrenca, Temer cuidou de vetar o limite de dez salários mínimos. Com isso, valerão para 2018 as regras estipuladas na legislação que já está em vigor: se quiserem, candidatos poderão bancar 100% de suas campanhas. Para presidente, até R$ 70 milhões, mais R$ 35 milhões se houver segundo turno. Para governador, de R$ 2,8 milhões até R$ 21 milhões, dependendo do número de eleitores do Estado. Senador, de R$ 2,5 milhões a R$ 5,6 milhões. Deputado federal, R$ 2,5 milhões; Deputado estadual, R$ 1 milhão.
Quem não tiver saldo médio próprio nem doações de terceiros terá que se contentar com o rateio do fundão criado pelo Congresso para espetar o custo da eleição no déficit público. Coisa de R$ 2 bilhões, mais R$ 1 bilhão do velho e bom Fundo Partidário. Para complicar, Temer passou na lâmina também o artigo que obrigava os partidos a distribuir pelo menos 30% do fundão de forma igualitária entre os candidatos que disputatão os memos cargos. Os caciques partidários vão deitar sobre o estrume e rolar.
Num ambiente assim, tende a desaparecer algo que os juristas chamam de “paridade de armas”. Embora não traga a felicidade, o dinheiro paga, entre outras coisas, o marqueteiro que levará o eleitor a confundir certos candidato$ com candidatos certos. Enfeitada pela propaganda, uma forca pode parecer mero instrumento de cordas. De resto, se o odor já é grande na largada, imagine-se o fedor que contaminará a atmosfera quando começarem a pipocar as evidências de caixa dois.
Submetido à encrenca, Temer cuidou de vetar o limite de dez salários mínimos. Com isso, valerão para 2018 as regras estipuladas na legislação que já está em vigor: se quiserem, candidatos poderão bancar 100% de suas campanhas. Para presidente, até R$ 70 milhões, mais R$ 35 milhões se houver segundo turno. Para governador, de R$ 2,8 milhões até R$ 21 milhões, dependendo do número de eleitores do Estado. Senador, de R$ 2,5 milhões a R$ 5,6 milhões. Deputado federal, R$ 2,5 milhões; Deputado estadual, R$ 1 milhão.
Quem não tiver saldo médio próprio nem doações de terceiros terá que se contentar com o rateio do fundão criado pelo Congresso para espetar o custo da eleição no déficit público. Coisa de R$ 2 bilhões, mais R$ 1 bilhão do velho e bom Fundo Partidário. Para complicar, Temer passou na lâmina também o artigo que obrigava os partidos a distribuir pelo menos 30% do fundão de forma igualitária entre os candidatos que disputatão os memos cargos. Os caciques partidários vão deitar sobre o estrume e rolar.
Num ambiente assim, tende a desaparecer algo que os juristas chamam de “paridade de armas”. Embora não traga a felicidade, o dinheiro paga, entre outras coisas, o marqueteiro que levará o eleitor a confundir certos candidato$ com candidatos certos. Enfeitada pela propaganda, uma forca pode parecer mero instrumento de cordas. De resto, se o odor já é grande na largada, imagine-se o fedor que contaminará a atmosfera quando começarem a pipocar as evidências de caixa dois.
A distância entre Estado e cidadania
Existem sociedades sem Estado, mas não há Estado sem sociedade, porque ele é apenas a instância organizadora dos sistemas sociais quando o volume de população exige os cuidados para promover a segurança dos indivíduos, a integração social e o bem-estar coletivo. Assim, os cidadãos não devem admitir sua preponderância, mas os brasileiros aceitam isso nos momentos mais críticos, como vivemos agora.
O distanciamento entre o Estado e a sociedade começou no período colonial, quando a comunidade era submetida a rígido controle de Portugal, que sugava as riquezas sem deixar benefícios aqui. Houve esperança de que isso mudaria, após a Independência, mas o Estado foi apropriado pela elite formada pelos mesmos “homens bons” que, desde o início, controlavam o poder local e isolavam-se do povo. Sem participar do processo político, ainda hoje a massa percebe-o como uma instância que seria exclusiva das classes privilegiadas.
Os brasileiros permanecem tão alheios ao Estado que não protegem os bens comunitários, justificando que são “do governo”. Esse patrimônio é, então, depredado para manifestar repulsa a governantes ruins. Há também sua apropriação individual, desde os camelôs que ocupam a calçada até os políticos que usam a estrutura oficial em benefício próprio. Ninguém reage a essas práticas porque a maioria tenta obtê-las para conseguir, algum dia, vantagens pessoais.
Essa postura permite que as autoridades construam sua carreira pelo atendimento aos interesses pessoais de seus eleitores, porque podem controlar seu curral eleitoral e introduzir agentes confiáveis na máquina pública. Isso lhes garante vantagens materiais imediatas e preservação da lealdade de seus protegidos e suas famílias. Essa estratégia sobrepõe-se ao atendimento de aspirações coletivas que viabilizariam o desenvolvimento regional, a ruptura da subserviência da população à classe política e o bem-estar comunitário como um direito reconhecido pelo Estado.
A preferência pela ação individualizada e a troca de favores condicionam a definição da cidadania dos brasileiros. Eles não se percebem como membros ativos do Estado, em que são tratados calorosamente pelos candidatos na época das eleições e ignorados pelos vitoriosos logo depois. Os eleitos isolam-se para evitar pedidos de emprego, ajuda material e intermediação de favores, mas livram-se, ao mesmo tempo, do cumprimento de promessas feitas durante a campanha. As barreiras ficam tão eficientes que a população não se torna protagonista do processo político, desistindo de suas reivindicações até o próximo pleito.
Os brasileiros irritam-se com a obrigatoriedade do voto, argumentando que não confiam nos políticos, mas negociam frequentemente seu apoio aos poderosos para obter privilégios. Isso inviabiliza a identificação correta de quem é corrupto e quem é corruptor. Fica patente apenas que candidatos e eleitores querem construir a própria trajetória sem preocupação com sólido projeto nacional.
O distanciamento entre o Estado e a sociedade começou no período colonial, quando a comunidade era submetida a rígido controle de Portugal, que sugava as riquezas sem deixar benefícios aqui. Houve esperança de que isso mudaria, após a Independência, mas o Estado foi apropriado pela elite formada pelos mesmos “homens bons” que, desde o início, controlavam o poder local e isolavam-se do povo. Sem participar do processo político, ainda hoje a massa percebe-o como uma instância que seria exclusiva das classes privilegiadas.
Essa postura permite que as autoridades construam sua carreira pelo atendimento aos interesses pessoais de seus eleitores, porque podem controlar seu curral eleitoral e introduzir agentes confiáveis na máquina pública. Isso lhes garante vantagens materiais imediatas e preservação da lealdade de seus protegidos e suas famílias. Essa estratégia sobrepõe-se ao atendimento de aspirações coletivas que viabilizariam o desenvolvimento regional, a ruptura da subserviência da população à classe política e o bem-estar comunitário como um direito reconhecido pelo Estado.
A preferência pela ação individualizada e a troca de favores condicionam a definição da cidadania dos brasileiros. Eles não se percebem como membros ativos do Estado, em que são tratados calorosamente pelos candidatos na época das eleições e ignorados pelos vitoriosos logo depois. Os eleitos isolam-se para evitar pedidos de emprego, ajuda material e intermediação de favores, mas livram-se, ao mesmo tempo, do cumprimento de promessas feitas durante a campanha. As barreiras ficam tão eficientes que a população não se torna protagonista do processo político, desistindo de suas reivindicações até o próximo pleito.
Os brasileiros irritam-se com a obrigatoriedade do voto, argumentando que não confiam nos políticos, mas negociam frequentemente seu apoio aos poderosos para obter privilégios. Isso inviabiliza a identificação correta de quem é corrupto e quem é corruptor. Fica patente apenas que candidatos e eleitores querem construir a própria trajetória sem preocupação com sólido projeto nacional.
O ministro e os homens de bem
O caso do homem nu no Museu de Arte Moderna foi um presente para a bancada dos homens de bem. Desde a semana passada, políticos que surfam a onda conservadora se esforçam para tirar uma casquinha do episódio. Depois dos prefeitos de São Paulo e do Rio, chegou a vez dos deputados federais.
Na terça-feira, dois deles defenderam tortura e “porrada” nos envolvidos na performance. “Bando de safados, bando de vagabundos, bando de traidores da moral da família brasileira! Tem que ir para a porrada com esses canalhas!”, esbravejou João Rodrigues (PSD-SC).
O deputado João Rodrigues é o mesmo que foi flagrado vendo fotos e vídeos pornográficos no plenário em 2015. Questionado, ele culpou amigos que “mandam muita sacanagem” para seu celular.
Depois foi a vez de Laerte Bessa (PR-DF), dublê de deputado e delegado. “Se aquele vagabundo fosse fazer aquela exposição lá no Goiás, ele ia levar uma ‘taca’ que ele nunca mais ia querer ser artista”, ameaçou.
Ele aproveitou para exaltar instrumentos de tortura. “Direitos humanos é um porrete de pau de guatambu que a gente usou muitos anos em delegacia de polícia”, ironizou. Em abril, a Justiça condenou Bessa por chamar o governador do Distrito Federal de “frouxo” e “maconheiro”.
Depois foi a vez de Laerte Bessa (PR-DF), dublê de deputado e delegado. “Se aquele vagabundo fosse fazer aquela exposição lá no Goiás, ele ia levar uma ‘taca’ que ele nunca mais ia querer ser artista”, ameaçou.
Ele aproveitou para exaltar instrumentos de tortura. “Direitos humanos é um porrete de pau de guatambu que a gente usou muitos anos em delegacia de polícia”, ironizou. Em abril, a Justiça condenou Bessa por chamar o governador do Distrito Federal de “frouxo” e “maconheiro”.
Na quarta, o deputado Pastor Eurico (PHS-PE) encontrou outro judas para malhar na tribuna. Ele atacou uma exposição de fotografias no Museu da República, em Brasília. “Está aqui: nudez! As crianças estão lá. Cadê os defensores das crianças? Isso é cultura? Isso é arte? Até que ponto estamos chegando?”, discursou.
A arte e a nudez sempre foram alvos fáceis para os moralistas de ocasião. A novidade é a existência de um ministro da Cultura disposto a alimentar as feras. Em reunião com a bancada evangélica, Sérgio Sá Leitão endossou as críticas ao Masp e prometeu incluir um artigo na lei Rouanet para atender aos pastores. Ver o MinC se curvar ao obscurantismo parece demais até para o Brasil de 2017.
A arte e a nudez sempre foram alvos fáceis para os moralistas de ocasião. A novidade é a existência de um ministro da Cultura disposto a alimentar as feras. Em reunião com a bancada evangélica, Sérgio Sá Leitão endossou as críticas ao Masp e prometeu incluir um artigo na lei Rouanet para atender aos pastores. Ver o MinC se curvar ao obscurantismo parece demais até para o Brasil de 2017.
Desabafo de prata contra o Brasil de ouro
Essas coisas perduram por culpa nossa. A culpa é daqueles que não tiveram coragem do botar o dedo na ferida e falar. Era mais fácil dizer que eu estava maluco, doido. Culpa de todos nós, do vôlei. Esses anos todos sempre soubemos, sempre tivemos certeza de que coisas erradas aconteciam.
Enfim, culpa de todos do esporte no Brasil. Culpa das confederações, federações, de todos. Essas coisas só acontecem quando as pessoas não se revoltam. A gente não tem indignação. Enquanto no Brasil esse sentimento não aflorar, a gente vai viver no país de merda em que a gente viveBebeto de Freitas, técnico da geração de prata de vôlei nos Jogos de Los Angeles, em 1988
Notícia de rico
Há poucos dias o estado norte-americano do Texas foi atingido pelo furacão Harvey. Até onde li, 82 semelhantes nossos perderam a vida por conta desta catástrofe, absolutamente inevitável. A grande imprensa, justificadamente, proporcionou à humanidade ampla cobertura do evento.
Há poucos dias o continente africano foi atingido por enchentes. Até onde li, 1.240 semelhantes nossos perderam a vida por conta desta catástrofe, absolutamente evitável. A grande imprensa, imperdoavelmente, sonegou à humanidade uma ampla cobertura do evento.
A primeira reflexão que se nos apresenta: será que a vida de um único norte-americano vale muito mais que a de 15 africanos?
Caberia, igualmente, considerarmos um outro aspecto: a tragédia africana poderia ter sido evitada se os recursos destinados às obras de saneamento não tivessem sido desviados, ora pela corrupção, ora por empresas transnacionais lá instaladas - e sequer assim tão monstruosos atos, uma verdadeira chacina praticada no altar da ganância, foram notícia.
Uma terceira faceta seria aquela do ineditismo: algo rotineiro não ‘venderia jornal’. A partir daí, e dado que lá na África os miseráveis morrem como moscas, estaria explicada a baixa divulgação. Daí a morte de um semelhante nosso de fome a cada cinco segundos não ser notícia - ou a de 20 crianças brasileiras, diariamente, por falta de saneamento básico.
Sim, tudo isto poderia explicar a pouca repercussão das tragédias que afligem os miseráveis. Mas não é esta, ao meu ver, a reflexão maior a se retirar do episódio. Estaria ela, na verdade, em duas perguntas: o que é, afinal, notícia, e quem a define?
Há alguns anos uma poderosa empresa ocidental decidiu testar vacinas em crianças pobres do sudeste asiático. Matou-as aos borbotões. Isto não foi notícia na grande imprensa - só descobri o fato por ler um jornal lá do Butão.
Há um mês li sobre o drama das cobaias humanas da Índia, vítimas de laboratórios ocidentais; há dois, sobre a exportação, para a África, dos veículos banidos da Europa por serem perigosamente poluentes - novamente, somente em pequenos jornais locais.
É hora, pois, de a humanidade buscar saber o que é notícia e quem a define. Suspeito que esteja aí, nas respostas a estas duas perguntas, o princípio da solução da maioria dos problemas do mundo.
Pedro Valls Feu Rosa
Há poucos dias o continente africano foi atingido por enchentes. Até onde li, 1.240 semelhantes nossos perderam a vida por conta desta catástrofe, absolutamente evitável. A grande imprensa, imperdoavelmente, sonegou à humanidade uma ampla cobertura do evento.
A primeira reflexão que se nos apresenta: será que a vida de um único norte-americano vale muito mais que a de 15 africanos?
Caberia, igualmente, considerarmos um outro aspecto: a tragédia africana poderia ter sido evitada se os recursos destinados às obras de saneamento não tivessem sido desviados, ora pela corrupção, ora por empresas transnacionais lá instaladas - e sequer assim tão monstruosos atos, uma verdadeira chacina praticada no altar da ganância, foram notícia.
Uma terceira faceta seria aquela do ineditismo: algo rotineiro não ‘venderia jornal’. A partir daí, e dado que lá na África os miseráveis morrem como moscas, estaria explicada a baixa divulgação. Daí a morte de um semelhante nosso de fome a cada cinco segundos não ser notícia - ou a de 20 crianças brasileiras, diariamente, por falta de saneamento básico.
Sim, tudo isto poderia explicar a pouca repercussão das tragédias que afligem os miseráveis. Mas não é esta, ao meu ver, a reflexão maior a se retirar do episódio. Estaria ela, na verdade, em duas perguntas: o que é, afinal, notícia, e quem a define?
Há alguns anos uma poderosa empresa ocidental decidiu testar vacinas em crianças pobres do sudeste asiático. Matou-as aos borbotões. Isto não foi notícia na grande imprensa - só descobri o fato por ler um jornal lá do Butão.
Há um mês li sobre o drama das cobaias humanas da Índia, vítimas de laboratórios ocidentais; há dois, sobre a exportação, para a África, dos veículos banidos da Europa por serem perigosamente poluentes - novamente, somente em pequenos jornais locais.
É hora, pois, de a humanidade buscar saber o que é notícia e quem a define. Suspeito que esteja aí, nas respostas a estas duas perguntas, o princípio da solução da maioria dos problemas do mundo.
Pedro Valls Feu Rosa
Assinar:
Postagens (Atom)