sábado, 7 de outubro de 2017

Me engana mais

O leitor encontra com frequência, no site de VEJA, uma secção chamada “Me Engana que eu Posto”. Ela tem a função, cada vez mais útil neste mundo de maravilhas digitais que criou o jornalismo sem jornalistas, de identificar as mentiras mais extravagantes que circulam nas “redes sociais”, etc., como se fossem fatos. Você já viu dezenas delas, e vai continuar vendo. São mais ou menos assim: “Presidente da Coréia fugiu com Lady Gaga”; “51 milhões de Geddel pertencem a Temer”; “Lula anuncia delação premiada contra Palocci”, e por aí vamos. É um tráfico constante de notícias falsas, em forma de texto, vídeo ou áudio, quase sempre espalhadas com algum propósito maligno. Não há muito a fazer contra isso, salvo avisar o público de que essa ou aquela informação é inventada – é justamente o que faz, como dito acima, este site de VEJA. Sempre é possível melhorar, porém, e o blog “Fatos”, num espírito de colaboração e camaradagem com os editores, sugere a criação de uma secção complementar: “Me Engana Que Eu Gosto Mais Ainda”. Ela seria dedicada exclusivamente ao palavrório que jorra dia e noite do noticiário oficial, político e público deste país. A mídia apresenta essa maçaroca com um tom seriíssimo, gravíssimo, nervosíssimo – perfilados de pé uns diante dos outros, com cara eternamente preocupada, jornalistas falam, falam e falam na televisão sobre as neuroses de Brasília. Não se inventa nada. Mas é tudo mentira.


Qual é a diferença, por exemplo, entre uma fake news de primeira linha, classe “plátinum” ou acima, e o “julgamento” do presidente Michel Temer pela Câmara dos Deputados e pelo Supremo Tribunal Federal? Não há julgamento nenhum na vida real. As testemunhas-chave da acusação estão na cadeia, enterrados por crimes que praticaram a serviço da “operação denúncia” feita pelo Ministério Público. O Procurador-geral da República, responsável direto por um dos maiores desastres já registrados na história do judiciário brasileiro , está na Europa. É acusado de tentar derrubar o presidente – o que, tanto quanto se saiba, é proibido por lei. O ministro Fachin, em vez de julgar a acusação contra o presidente, faz cara de Rei Salomão e joga tudo, corajosamente, em cima da Câmara – que já negou licença para processar o presidente meses atrás, por larga margem de votos, e vai obviamente fazer a mesma coisa agora.

Grandes cérebros do nosso mundo jurídico e político discutiram com paixão se a denúncia contra Temer deveria ser “fatiada”, como num balcão de frios, ou servida num embrulho só – as mais imensas consequências, advertiram com alarme os comunicadores da grande mídia, poderiam resultar conforme fosse tomada uma ou outra decisão. Os deputados, como na primeira vez, fingem independência, usando os jornalistas para transmitirem suas ameaças de votar “contra” – estão apenas tentando extorquir do governo o máximo de vantagens para votar em seu favor. O governo aceita tudo, mas não pode pagar coisa nenhuma – está mais pobre que um rato de sacristia, e não vai cumprir nada do que está prometendo. Todos fingem que estão “fazendo negócio”, mas é só isso que fazem – fingem. Já passaram a mão, enquanto isso, no que realmente lhes interessava, do extremo PT ao extremo anti-PT: o dinheiro do erário para o “financiamento público” das campanhas eleitorais, um crime do qual os três poderes são cúmplices integrais.

Enganem cada vez mais. Digam mentiras deslavadas, como as fake news, ou mentiras lavadas, como a “crise política” de Brasília, mas mintam o máximo que puderem. Nada dá tão certo no Brasil de hoje quanto mentir.

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