A explicação do presidente para vários depósitos, num total de R$ 24 mil, para a futura primeira-dama Michelle, é plausível: tratar-se-ia de pagamento de um empréstimo, que não foi declarado no Imposto de Renda. Até aí, nada grave.
É normal ajudar funcionários em dificuldade, e receber pagamentos parcelados, tudo de maneira informal. Não declarar no IR pode ser uma falha, nunca um crime. A coisa começa a pegar quando o presidente, e seu futuro ministro da Justiça, Sergio Moro, consideram que, com a explicação, o caso sai de suas alçadas e vai para a do próprio Fabrício.
Nem mesmo do filho Flávio é cobrada qualquer explicação para a movimentação de dinheiro de seus funcionários na Assembleia Legislativa, onde atuava como deputado estadual.
É claro que, mesmo que tenha dado uma explicação para o caso de sua mulher, o comportamento dos filhos alcança o presidente, assim como as acusações contra Lulinha alcançam Lula, mesmo que as quantias conhecidas sejam consideravelmente menores.
À boca pequena sabe-se, sem que tenha sido investigado e comprovado ainda, que parlamentares de maneira geral, com raras exceções, e em todos os níveis de representação, costumam, e não é de hoje, cobrar um pedágio de seus funcionários.
Como os salários nesses casos são muito acima do mercado de trabalho — outra disfunção do Legislativo —, os funcionários não se incomodam de dar uma parcela para quem os contrata. Mas é um procedimento completamente ilegal, como é ilegal a utilização de caixa 2 para financiamento de campanhas eleitorais, mas todo mundo fazia, ou faz, como está revelando a Operação Lava-Jato. Inclusive o deputado Onyx Lorenzoni, futuro chefe do Gabinete Civil, que admitiu o uso de caixa 2.
Nesse caso, a suspeita é que o motorista Fabrício servia de laranja para a família Bolsonaro, recebendo em sua conta a porcentagem de cada um dos funcionários de Flávio. Este deveria ser um caso simples de ser desmentido.
Mas como até agora, passados vários dias da denúncia, o motorista não apareceu para dar uma explicação crível para tamanha movimentação financeira — R$ 600 mil recebidos e saídos de sua conta —, fica cada vez mais difícil acreditar que nada de errado tenha acontecido.
É preciso definir se aconteceu o esquema e, em caso positivo, por quantos anos a família Bolsonaro se utilizou dele, que até agora não foi desmentido por provas consistentes. Além do próprio Jair Bolsonaro, deputado federal por 27 anos, que empregava até mesmo uma funcionária que vendia açaí em Búzios, há Flávio, hoje senador eleito que era deputado estadual, o deputado federal Eduardo, anteriormente deputado estadual, e o vereador Carlos.
O futuro ministro da Justiça, Sergio Moro, que terá a seu pedido, para melhor combater a corrupção, o Coaf como órgão subordinado, não deveria dizer que, para ele, a explicação do presidente eleito está dada. Não é razoável exigir que fizesse uma crítica ao presidente ou à sua família, mas não deveria banalizar o assunto.
Se tratar assim todos os indícios de lavagem de dinheiro que aparecerem na sua frente, terá mudado de atitude diante dessas irregularidades. Logo ele, um juiz rigoroso com os mínimos indícios, e que tem demonstrado que eles, quase sempre, levam a descobertas de esquemas de corrupção graves.
Bolsonaro se elegeu, entre outras coisas, por apresentar-se como um combatente contra a corrupção. O convite a Moro para integrar seu ministério teve o sentido de reafirmar simbolicamente essa luta, e por isso foi aprovado pela opinião pública.
Não se pode ser Catão com os outros sem ser Catão consigo mesmo.