sexta-feira, 4 de agosto de 2017

O fim das ilusões

O Brasil atravessa uma dura crise política e econômica há mais de três anos, e, para os mais otimistas, a impressão era de que as turbulências e os traumas eram efeitos colaterais esperados em uma democracia que busca combater a corrupção e a impunidade para amadurecer. Acreditava-se que o país estava afundando, mas para renascer uma versão melhor de si.

Essa ilusão acabou nesta quarta-feira, quando a Câmara dos Deputados barrou a denúncia por corrupção passiva contra Michel Temer, o primeiro presidente na história do país a ser alvo de denúncia criminal no exercício do cargo – flagrado mantendo conversas pouco republicanas com um magnata investigado pela Operação Lava Jato.


Pois bem, o Brasil não está combatendo a impunidade. Nem há real recuperação da economia. Obviamente, também não há preocupação em reduzir a desigualdade e a injustiça social, incubadoras da violência insuportável que se espalha por todo o país e produz estatísticas semelhantes às de uma guerra civil.

A vitória do presidente foi, como ele próprio declarou, incontestável. Ela foi conquistada com uma série de manobras escandalosas e a distribuição bilionária de verbas e de cargos. E todo esse apoio já custou ao Brasil o ajuste fiscal, a proteção da Amazônia e das metas do clima, os direitos dos povos indígenas e sobrecarregou ainda mais o trabalhador comum. Excluiu os excluídos de sempre e deve causar danos de longo prazo.

Já os privilegiados de sempre continuam desinibidamente prestando favores uns aos outros. E embora a vitória de Temer passe a mensagem de um presidente forte, os deputados viram como pode ser lucrativo manter um presidente encurralado e já devem esperar ansiosos por uma nova denúncia da Procuradoria-Geral da República.

Com isso, o Brasil continua sua jornada rumo ao retrocesso. Na edição de 2017 do ranking ''The Soft Power 30'', que mede o prestígio político do país no exterior, o Brasil aparece na penúltima posição, à frente apenas da Turquia – após ter liderado os Brics alguns anos atrás.

E deve continuar nas sombras até as eleições gerais de 2018. Até porque, mesmo que o presidente fosse afastado, o problema maior continuaria nas entranhas do Legislativo, disposto a qualquer negócio.

E o brasileiro médio assiste a tudo atônito e impassível. Aflito com uma possível volta da esquerda e com a paranoica "ameaça do comunismo", teme mais seus fantasmas do que seus algozes, e prefere ficar de braços cruzados.

A democracia brasileira terá um longo ano pela frente.

Paisagem brasileira

Praia Bela (Paraíba)

E Temer ficou

Como Temer trabalhou, hein? Vamos ser justos, o homem deu um duro danado, não parou, levou os últimos dias tal qual uma máquina de 220w ligada na tomada. Para um idoso, foi um verdadeiro tour de force.

Modesto, ele diz que a vitória não foi pessoal, foi uma conquista da democracia. Liberdade de expressão permite tudo, não é mesmo? Já eu acho que não foi uma conquista, parece mais ter sido uma compra.

Não sei quanto custou essa compra, mas como somos um país que só lida com bilhões, calculo o preço que foi pago.


E pergunto: como será que esse dinheiro circulou? Pelos bancos não há de ter sido, teria sido muito arriscado. Será que foi em malas como a do Rocha Loures? Centenas, naturalmente. Quantas, mais ou menos? Será que algum dia saberemos?

Há quem diga que as cenas de ontem no Legislativo foram mais discretas, menos bagunçadas que as cenas durante o julgamento do impeachment da ex-presidente. Você concorda, Leitor? Eu discordo, acho que o papelão foi igual. Se não teve recados para papai, mamãe, avô e avó, loas para maridos e amigos, teve ministros licenciados para poder votar e outros sem licença mas profundamente envolvidos na votação; teve mordidas, empurrões, dinheiro voando, bagunça ilimitada. A negociação, às claras, não parou no início da sessão. Foi contínua, persistente, determinada. Um vexame completo.

Tudo isso resultou na vitória de Temer e na derrota do Brasil. Ou melhor, vitória do roto sobre o esfarrapado.

Mas não parou por aí. Hoje ainda tivemos que passar por outro constrangimento: Joesley Batista, o homem da delação premiadíssima (aquele que gerou a denúncia contra o presidente, a que ontem o Legislativo trancou), livre, leve, solto, rico e sem freios, fez um comentário terrível, ácido, que apesar de nos envergonhar, não temos como desmentir: “O dia 2 de agosto ficará marcado como dia da vergonha!”.

Dito por quem o disse, o comentário fere muito mais. Não concorda, Leitor?

A herança do PT, como sabemos, foi horrorosa. O que os dois governos petistas fizeram com nosso país foi medonho. Não preciso me estender sobre o assunto, pois todos passamos por isso e nem cedo nos livraremos dessa herança.

Mas a herança de Temer talvez seja mais cruel: a apatia do povo, que parece desligado do Brasil. Isso é muito doloroso. E de cura imprevisível...

E a batalha continua...

Há os que não querem ser punidos e há um lote pior, os que não querem ficar honestos nem daqui para frente, que depois da ação penal 470 e de três anos de Operação Lava Jato continuam com o mesmo modus operandi de achaque.
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Estas pessoas têm aliados importantes em toda parte, nos altos escalões da República, na imprensa e nos lugares onde a gente menos imagina
Luis Roberto, Barroso, ministro do Supremo Tribunal Federal

Após salvar Temer, suspeitos miram Lava Jato

Um dos efeitos colaterais da rejeição da denúncia por corrupção contra Michel Temer foi a revitalização da bancada da Lava Jato. O bloco dos investigados trata a vitória de Temer como uma derrota do procurador-geral Rodrigo Janot. Planeja-se agora impulsionar medidas legislativas capazes de inibir o esforço de combate à corrupção. Os parlamentares querem mexer, por exemplo, nas regras da delação premiada e da prisão preventiva.

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Ainda que se admitisse a necessidade de ajustes, seria imprudente tratar como algo normal a movimentação de um Legislativo abarrotado de investigados que decide trafegar na contramão das investigações. Talvez fosse mais produtivo se discutissem a melhoria das instalações carcerárias, agora que a oligarquia política e empresarial começou a frequentar a cadeia.

Em vez disso, os deputados tramam limitar os poderes da Procuradoria para celebrar acordos de delação, subordinando todas as fases da negociação ao Judiciário. A prisão preventiva, que não tem prazo de duração, seria limitada a no máximo 180 dias. Cadeia depois da condenação em segunda instância, já admitida pelo Supremo Tribunal Federal, nem pensar. Ótimo para Lula, que recorre contra a pena de nove anos e meio de cadeia imposta por Sergio Moro. Se você está aborrecido com a permanência do Temer, desespere-se. Há males que vêm para pior.

Não votaram pela estabilidade

A crise política começou em 2013, com as Jornadas de Junho. E não parou. Veio a virulenta campanha de 14, a explosão da Lava-Jato em 15, o impeachment de 16. De milhão a bilhão, as tantas gravações inacreditáveis. Prisões. O efeito é que fomos nos anestesiando. Mas o que ocorreu ontem na Câmara dos Deputados foi chocante.

Não podemos nos entregar à apatia pelo choque continuado. É preciso compreender que ontem foi grave. Muito grave: a Câmara dos representantes do povo sequer fingiu. Simplesmente ignorou a vontade popular.

Segundo o Ibope, 81% dos brasileiros desejam que Temer seja investigado e julgado. Uns dias antes, o Datafolha chegou à mesma conclusão, aos mesmos 81%. Este é o desejo popular. Os deputados o ignoraram.

Deputados podem ignorar o desejo popular. É parte do jogo: para isso, devem no mínimo reconhecer o que estão fazendo e se justificar. A nobreza os obriga. Não há nobreza. Ontem, fingiram desconhecer o que todos sabemos. Repetiram, um após o outro, que o faziam pela estabilidade. Não haverá estabilidade com o presidente mais rejeitado deste período democrático.

Michel Temer abriu os cofres da União. Gastou o que não tinha. Converteu parlamentares. Aumentou nossos impostos para cobrir o buraco que criou com o objetivo de se manter no Palácio do Planalto. Foi isto que aconteceu. Temer sequer disfarçou. Os deputados da Bíblia, do boi e da bala votaram em peso. Na cara dura.

Não só eles. Interessados em um presidente fraco até o fim de 2018, os deputados do PT trataram rapidamente de boicotar o plano da oposição de evitar o quorum e ganhar tempo no voto. Fizeram-se de vestais interessadas no combate à corrupção — logo quem. Logo quem. Votavam contra Temer enquanto garantiam o resultado oposto.

Todos preocupadíssimos com a estabilidade do país.

Da última vez em que o Congresso tão acintosamente votou contra o desejo do país foi para derrubar as Diretas na Emenda Dante de Oliveira. Aconteceu de novo.