quinta-feira, 24 de março de 2016

Sinais vitais comprometidos

Desde a posse no segundo mandato, abreviou-se o processo de degradação política do governo Dilma Rousseff. Tal realidade foi apontada por mim aqui em diferentes textos. Em alguns, mencionei o risco de ocorrência de uma tempestade perfeita que poderia envolver não apenas aspectos econômicos, mas também políticos e sociais.

No início do mês, alertei para o fato de que os tempos da crise seriam acelerados por causa das contradições da ação governamental e do volume de achados da Operação Lava-Jato. Agora, os sinais vitais de um governo que está em coma parecem comprometidos, o que indica a quase irreversibilidade do impeachment.

No campo econômico, os sinais são os piores possíveis: inflação, desemprego e baixa atividade retratam a difícil situação do Brasil. As autoridades da área não conseguem produzir mínimas expectativas de retomada e se apegam a um discurso de oferta de crédito que não captura o interesse do empresariado. As projeções apontam para uma longa recessão e recuperação somente em 2018.

Na área jurídica, o governo se encontra no corner pela sucessão de trapalhadas, vazamentos, revelações e declarações inconvenientes. Além da certeza de que certos atos e ações do governo visaram tão somente conter o andamento da Lava-Jato.

Nada do que aconteceu passará despercebido por parte do Supremo Tribunal Federal (STF). Decisão monocrática do ministro Gilmar Mendes, que deverá ser confirmada pelo plenário, impediu a posse do ex-presidente Lula na Casa Civil e manteve sua investigação na 13ª Vara Federal de Curitiba, com o juiz Sérgio Moro.

Na política, pesquisa da Arko Advice feita com 100 deputados revela elevada chance de aprovação do impeachment: 62% acreditam que o processo será aprovado.

Outro fato que se confirmou foi a disposição de o Senado dar curso ao processo, caso seja aprovado na Câmara. A composição da Comissão do Impeachment se revela equilibrada, com leve tendência pró-impeachment, o que é muito ruim para o governo, que entra no debate já em desvantagem.

O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), afirmou que é hora de o senador Delcídio do Amaral ir ao Senado falar o que sabe, o que, no mínimo, servirá para retroalimentar a pressão contra o governo e os envolvidos. Em entrevista à TV Globo, Delcídio afirmou que nas próximas semanas devem aparecer novas revelações sobre o financiamento da campanha de 2014 da presidente Dilma Rousseff.

O movimento de levar Lula para o governo, além de estar paralisado pelo STF não repercutiu positivamente no meio jurídico, político e social. Tampouco deu esperança de que ele possa animar a economia a partir da Casa Civil.

No campo social, a situação é dramática. Com todo o aparato sindical mobilizado pelo PT, inclusive pagando hotéis e alimentação, a manifestação pró-governo na sexta-feira (18) não reuniu mais do que 7% do total que foi às ruas no domingo (13/03) a favor do impeachment. Pesquisa Datafolha mostra que 68% da população apoia o afastamento da presidente.

Em tais circunstâncias, o governo caminha para o fim. Dilma Rousseff luta em muitas frentes, simultaneamente, mas não reage à altura dos desafios. Perdeu o timing da criação de uma linha de defesa com aliados não petistas. Será traída, sem dó nem piedade, por aliados que sempre se sentiram desprestigiados e menosprezados pela arrogância palaciana.

O caminho do fim não será tranquilo. Vai haver confusão. Podem ocorrer tentativas de invasão do Congresso. Aliados mais radicais do PT vão querer tumultuar a partir do mote de que “não vai haver golpe”. A ironia de tudo é que, realmente, não vai haver golpe. Tudo será feito dentro do marco constitucional.

Tchau, querida!

Ao nomear o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva chefe da Casa Civil, a presidente Dilma Rousseff deu um duplo golpe contra o Estado Democrático de Direito, vigente no Brasil desde a promulgação da Constituição dita cidadã, de 1988, que ela jurou cumprir e fazer cumprir ao ser empossada na presidência da República, duas vezes. Primeiramente, ela o fez para evitar que ele fosse investigado na primeira instância do Poder Judiciário, sob suspeição de haver cometido vários e graves delitos. Em segundo lugar, deu-lhe a missão de evitar que ela própria venha a ser impedida na forma da lei, também sob a acusação da prática de crimes de responsabilidade.

Dilma deu posse a Lula às pressas, para evitar a execução de eventual ordem de prisão, pedida pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP) e transferida pela juíza Maria Priscila Oliveira, da 4.ª Vara Criminal da Justiça paulista, para decisão final de seu colega do Paraná Sergio Moro. Assim, a presidente interveio arbitrariamente em prerrogativa de outro Poder, o Judiciário. E, de fato, renunciou à presidência, para a qual foi eleita em 2014, para tentar evitar perdê-la em processo de impeachment já aberto contra ela na Câmara dos Deputados. Isso não é permitido pela Constituição, pois ela não pode transferir o poder a outrem, ainda que seja para se furtar a ter de deixá-lo.


Na História do Brasil registra-se o autogolpe dado por Getúlio Vargas em 1937, quando instaurou a ditadura do Estado Novo para interromper a eleição de seu sucessor. Jânio Quadros, em 1961, tentou repeti-lo e foi desautorizado pelo Congresso. Dilma, contudo, deu um golpe contra si mesma em favor de outro e com ele a presidente cede poder para manter-se senhora de suas aparências. Só que o truque foi sustado provisoriamente por decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que acolheu ação de partidos da oposição alegando obstrução de Justiça. A decisão será levada a plenário, mas enquanto este não se decidir o beneficiário não assumirá.

O ato é grave e, pior, não é isolado. Ultimamente, a chefe do desgoverno protagonizou episódios que autorizam a nação a acreditar que Dilma tem pelo Estado democrático desprezo condizente com seu passado de guerrilheira de um grupo armado de esquerda contra a ditadura de direita; mas não com a chefe do Poder Executivo de uma democracia em que vige por decisão popular, legitimada pela Constituinte, a autonomia entre os Poderes que Montesquieu preconizava. Nela, nenhum cidadão pode avocar o privilégio de ficar acima da lei – nem ela nem seu patrono, nomeado para suprir sua ora confessada inaptidão para a política e debelar os efeitos desastrosos de sua sesquipedal incompetência gerencial.

Outro golpe é a grotesca tentativa de intervir de forma atrabiliária e atabalhoada na Operação Lava Jato, levada a efeito com competência, lisura e enorme apoio popular pela força-tarefa composta por agentes da Polícia Federal (PF) e procuradores do Ministério Público Federal (MPF), sob a égide do juiz federal paranaense Sergio Moro. A desastrada escolha do ignoto procurador federal baiano Wellington César Lima e Silva para o Ministério da Justiça foi proibida pela votação do STF – 10 a 1 – que inaugurou esta temporada do “esqueça os 7 a 1 do Mineirão”. Dilma, porém, não se fez de rogada e resolveu repetir o feito com a substituição dele pelo subprocurador-geral da República Eugênio Aragão, promovido a “amigo” por Lula nos telefonemas divulgados sexta-feira, nos quais o ainda ex destratou em calão de pré-sal aliados, comparsas e adversários.

Se o ex-ministro WC passou a merecer o epíteto de “o Breve”, seu substituto já pode ostentar a rima Aragão, “o Falastrão”. Pois teve a pachorra de anunciar em público a função de alijar e aleijar a Operação Lava Jato, ameaçando policiais subalternos, colegas promotores e a lei que autoriza a colaboração de réus com a Justiça.

Mais grave do que o absurdo de um ministro da Justiça execrar publicamente uma lei da lavra da chefe, aprovada pelo Congresso e praticada com sucesso no exterior, é a reincidência da quebra de um conceito ético e constitucional por um bote de jararaca. WC não pôde ser nomeado porque a Constituição proíbe que procuradores assumam cargos públicos, exceção feita ao magistério. Dilma chutou o espírito da lei de novo ao empossar um sinistro trapalhão, usando o pretexto gregoriano de que sua entrada na carreira se deu antes da promulgação da Carta. Em recente Roda Viva, na TV Cultura, o jurista Modesto Carvalhosa lembrou que a letra da lei deve sobrepor-se à data. Se isso é fato, pode-se concluir que madama insiste no risco inspirada apenas em São Gregório.

Mas o quiproquó sobre o mais antigo cargo de primeiro escalão do governo da República é menos relevante que o espetáculo de circo mambembe em que o Palácio do Planalto se transformou em botequim pé-sujo na recepção a Aragão e a Lula na Esplanada dos Ministérios. Uma funcionária agrediu o deputado Major Olímpio (SD-SP), que levou ao recinto o grito de 69% da população brasileira (conforme o Datafolha): “Vergonha!”. E a tigrada enfurecida, fiel ao olhar feroz da anfitriã, gritava palavras de ordem como se estivesse num comício. Ou num piquete…

Foi o ensaio geral para os atos de apoio ao PT na rua, nos quais militantes a favor dos golpes desfilaram para combater outro, fictício, em que baseiam chicanas irrealistas para dotar o ex-poderoso chefão e a vassala afilhada do privilégio imoral de ficarem acima e ao arrepio da lei. E mantê-los com a chave dos cofres públicos para darem salvo-conduto a quem saqueou o país em onerosas e tenebrosas transações.

Chegou a hora de a onça beber água e a vaca tossir. As instituições republicanas não aparelhadas pela máfia sindical no poder estão convocadas a funcionar e fazer valer a vontade de 68% de brasileiros, que exigem Dilma fora do governo e Lula nas barras dos tribunais.

Era o que faltava: Lula agora atribui o desemprego a Moro, juiz do petrolão

Preso há nove meses em Curitiba, condenado a 19 anos de cadeia e prestes a amargar novas sentenças, Marcelo Odebrecht revelou o desejo de alistar-se na infantaria dos delatores da Lava Jato. A força-tarefa do petrolão trata a novidade como rendição, não delação. Para obter benefícios judiciais, o príncipe regente da Odebrecht terá de dedurar até a sombra. A exposição das relações promíscuas da maior empreiteira do país com Lula é ponto de honra para os procuradores. Querem detalhes sobre as palestras, o tráfico de influência internacional, os repasse$ ao Instituto Lula, a reforma do sítio de Atibaia, tudo e mais um pouco.

O hálito quente dos executivos da Odebrecht na nuca de Lula aqueceu-lhe a placa do processador. Durante discurso para uma plateia de sindicalistas na noite desta quarta-feira, em São Paulo, o sábio da tribo do PT ofendeu o bom-senso. Responsabilizou o doutor Sérgio Moro pelo desemprego. Fez isso horas depois de o IBGE informar que a taxa de desemprego nas seis maiores regiões metropolitanas do país cresceu de 7,6% em janeiro para 8,2% em fevereiro. Entre os jovens de 18 a 24 anos, o flagelo é bem maior: 20,8%. Em cada cinco jovens, um encontra-se no olho da rua.


“A Operação Lava Jato é uma necessidade para esse país”, disse Lula, antes de revelar suas reais intenções: “Agora, eu queria que vocês procurassem a força-tarefa, procurassem o juiz Moro pra saber se eles estão discutindo quanto essa operação já deu de prejuízo à economia brasileira.”

Lula pediu aos sindicalistas que perguntem ao juiz da Lava Jato “se não é possível fazer o combate à corrupção sem fechar as empresas, sem causar desemprego.” Escorou sua pregação num organismo que costumava satanizar: “Segundo o FMI, 2,5% da queda do PIB se deve ao pânico criado na sociedade brasileira.” Numa evidência de que sua placa ferveu, Lula declarou: “Quando tudo isso terminar, você pode ter muita gente presa, mas você pode ter também milhões de desempregados nesse país.”

O mensalão e o petrolão nasceram na administração Lula. Se o morubixaba do PT não tivesse repartido as diretorias da Petrobras entre seus cleptoaliados, não haveria Lava Jato. Mas ainda assim existiria a ruína econômica, porque essa parte do desastre nacional está associada a outra criação de Lula: o mito da gerentona. Superando as previsões mais pessimistas, Dilma revelou-se um fiasco gerencial sem precedentes. No momento, arrasta pelos corredores do poder as correntes da impopularidade. É reprovada por 69% dos brasileiros, informa o Datafolha.

O ruim pode ficar muito pior. Lula revela-se decidido a “ajudar” sua criatura. “Nem que seja a última coisa que eu faça na vida, vou ajudar a Dilma a governar esse País com a decência que o povo merece.'' Barrado por uma liminar do ministro Gilmar Mendes, do STF, o salvador ainda não conseguiu assumir nem a Casa Civil. Mas acha que está exercendo seu terceiro mandato.

Lula deu a entender que algo lhe subira à cabeça na sexta-feira da semana passada, quando discursou no coração de São Paulo, na manifestação que o sindicalismo e os movimentos sociais convocaram para apoiá-lo e para se contrapor ao impeachment. “A impressão que tive na Avenida Paulista foi que vocês estavam me dando posse.''

Há 14 dias, numa palestra para empresários paranaenses, Sérgio Moro soou como se antevisse as críticas de Lula. Declarou-se “consternado com esse quadro econômico de recessão e de desemprego.” Mas disse não não dar crédito à tese segundo a qual “a culpa é da Lava Jato.” Mencionou os “movimentos favoráveis no mercado”, com oscilações positivas nos índices da Bolsa de Valores, quando há diligências policiais. “Para mim é um indicativo de que a Lava Jato não é exatamente um problema.” Reiterou: “Trabalhar contra um quadro de corrupção sistêmcia é algo que só nos traz ganhos. Não tenho nenhuma dúvida quanto a isso.”

Moro afirmou que só há dois caminhos à disposição. E a “sociedade democrática brasileira” terá de optar por um deles. “Podemos fazer como se fez muito: varrer esses problemas para debaixo do tapete, esquecer que eles existem” ou “enfrentar os problemas com seriedade e da forma que eles devem ser enfrentados.” Para o magistrado, “a primeria alternativa não é aceitável.”

No Brasil, sempre que uma investigação ameaça a aliança que une as oligarquias econômica e política, fabricam-se crises e teses para avacalhar os inquéritos. Lula faz pose de alternativa. Mas frequenta a cena política como principal operador da turma do tapete. Age para esconder a sujeira. Vale a pena ouvi-lo de novo: “Quando tudo isso terminar, você pode ter muita gente presa, mas você pode ter também milhões de desempregados nesse país.” Lula está mais próximo da cadeia do que do emprego de presidente que gostaria de reconquistar em 2018.

O dia depois de amanhã

Não há bola de cristal, mas diante dos últimos fatos é plausível que o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff tenda ao desfecho de um fim prematuro de seu mandato. Incerteza maior, no entanto, está mesmo nos rumos do País, pois há uma série de problemas que demorarão a ser equacionados. E, ao mesmo tempo, um sentimento de frustração toma conta da sociedade brasileira – qualquer que seja sua vertente política, neste momento de tão grande polarização. É preciso reagir a isso, compreender a natureza dos problemas e propor saídas.

A frustração tem diversas raízes. Uma delas se relaciona com o abismo entre o discurso da candidata Dilma e o Brasil real, o que certamente contribuiu para a corrosão da confiança dos brasileiros no governo e na presidente. Com efeito, o processo eleitoral de 2014 ultrapassou limites de civilidade e deixou feridas abertas no meio político; obstruiu as pontes necessárias em momentos de crise. A presidente Dilma está só. E muito menor do que saiu das urnas.

A economia patina a olhos vistos, seja pelos erros na condução da política econômica desde o início da década, seja por motivos estruturais. Desde 1991 a despesa pública vem crescendo acima da renda nacional. Com o fim do ciclo de ouro das commodities, o Brasil caiu na real: o Estado não “cabe” no produto interno bruto (PIB). Os brasileiros estão mais pobres e o desemprego aumentou. Em paralelo, a Operação Lava Jato contribui para aumentar o quadro de incerteza. Há uma sensação de que não existe saída para a crise, o que leva pessoas às ruas desde o início do ano passado.

Outra raiz das frustrações se aterra na fragilidade do nosso sistema político: os dois mais relevantes partidos, que se revezaram no poder nos últimos 20 anos – PT e PSDB –, dão sinais não apenas de crise, como também de fragmentação, perda de representatividade, de credibilidade e de importância na sociedade mais ampla, que tem autonomia diante dos partidos. O primeiro, após 13 anos no poder, está destroçado pela exposição em horário nobre das entranhas de práticas políticas que, supunha-se, o PT seria capaz de superar. O segundo, o PSDB, após o governo de Fernando Henrique Cardoso, perdeu identidade gradativamente: abdicando da possibilidade de construir propostas para o País, preferindo definir-se tão somente pelo seu contrário, como um antípoda petista.

Ambos perderam densidade política e o centro de importância dos dois campos que imaginavam representar: um, mais voltado para os movimentos sociais e a ação do Estado; o outro, mais liberal, voltado para os setores mais dinâmicos da sociedade. Enquanto se dedicam a um debate estéril, o sistema se fragmenta, até porque ainda não se encontraram atores políticos capazes de efetivamente substituí-los, tomando-lhes o eleitorado.

Efetivamente, acentua-se o advérbio, porque as ruas rugem como leões contra o governo e contra a política, e opções radicalizadas e autoritárias aparecem já não tão timidamente à esquerda e à direita. Sectariza-se o debate: nem sequer se pode vestir vermelho ou verde e amarelo. É uma sandice. Por falta da grande Política, o País começa a tangenciar alguns absurdos.

Se a política – a falta dela ou a má política – nos trouxe a este ponto, também é ela, a grande Política, que nos poderá levar a um melhor lugar. Sem ela o rugido das ruas não ressoa, não ganha forma, liquefaz-se em ressentimento puro e simples que se espalha no ar. Aguarda-se a próxima manifestação como se espera pela batalha final, até que nova frustração se venha instalar mais uma vez. Em resumo, há dois países que não se compreendem, se detratam, se ofendem e, ao final, toda essa fúria significa nada, além de mais frustração e ressentimento. Incendiários, é claro, aproveitam-se disso. Mas o Brasil sensato, moderado, uno e acolhedor que somos, de fato, clama por bombeiros.

É hora de a sociedade abraçar a Política, não de afastar-se dela. É hora de construir a transição. É hora de pensar no dia seguinte, depois de amanhã, quando continuaremos a existir como um só país, com ou sem Dilma.

O primeiro passo é o de garantir que, aconteça o que acontecer, a Operação Lava Jato vá até o fim: que se varra tudo o que houver de podre, que não seja abrupta e cinicamente interrompida. Se for o caso e havendo elementos, o “pau que deu em Chico” terá de “dar também em Francisco” – não se deve temer fazer o que é certo. Já sabemos que seu escopo é amplo e não há personagens de apenas um partido envolvidos. É preciso que a operação continue até que tudo seja investigado, esquadrinhado, e que todos os que estiverem envolvidos em crimes sejam exemplarmente punidos. O pior que nos pode acontecer é que a Lava Jato passe para a História como um mero golpe contra um grupo político em particular. A sociedade não aceitará algo que pareça um acordo que indique punição seletiva.

O outro ponto consiste em reestruturar a casa que hoje parece ruir. Uma reforma política, sobretudo da Política, é urgente. Pelos vícios do atual sistema, não há como fazer essa reforma com o Congresso que temos hoje e que tende a se favorecer de novas regras que ele mesmo vier a estabelecer. A Constituinte exclusiva para a reforma política, por mais polêmica que seja, faz-se necessária. Para esse fim seus membros devem ser novos e exclusivos; candidatos avulsos – desvinculados dos atuais partidos –, impedidos de disputar novos mandatos, teriam maiores condições de reorganizar o jogo sem advogar em causa própria.

Com isso se espera recompor o sistema político e as pontes do diálogo para reformas futuras, realizadas, aí, sim, por um Congresso regular capaz de construir um pacto que tanto “coloque o Estado dentro do PIB” como incorpore os mais pobres na sociedade, com democracia e transparência – estes, sim, os imperativos morais e políticos de qualquer sociedade. Chegou a hora, basta de política pequena, para desavenças de grupos e para visões tão sectárias quanto estreitas. Fica aqui a nossa crença na Política, a grande, nobre e imprescindível Política.

Alexandre Schneider, Carlos Melo e Rubens Glezer

Obscena ganância


Havia algo de obsceno no espetáculo de sua ostensiva ganância. Havia algo aterrorizante no rompimento da relação de confiança entre o povo e os representantes políticos que haviam eleito, o povo e o servidor público a quem pagavam para proteger seu direitos fundamentais
Morris West

Dilma, por favor, renuncie

Presidente, serão necessários cadáveres nas ruas para que a senhora renuncie? Nunca antes na história deste país um presidente teve popularidade tão baixa, gestou uma crise econômica tão profunda nem presidiu um governo envolvido em episódios de corrupção tão gigantescos.

Além desse "legado", a senhora gostaria também de ser a responsável por uma inédita convulsão social que já começa a se degenerar em violência física entre compatriotas? Essa será a consequência inevitável de sua permanência em uma função que já não tem a menor condição de exercer.

Impeachment (Foto: Divulgação) | Impeachment (Foto: Divulgação)

A maioria da população brasileira percebeu que a sua reeleição foi fruto de uma fraude tripla. Política, porque a senhora se elegeu em uma campanha torpe de destruição de seus adversários, e no dia seguinte à vitória passou a tentar implementar as medidas por eles defendidas.

Financeira, porque o dinheiro que financiou boa parte de sua campanha era roubado. E econômica, porque a senhora manteve, por interesses eleitoreiros, um sistema que já em 2014 dava claros sinais de estar levando o país à bancarrota.

Com origem assim comprometida, seu mandato dificilmente seria recuperável. Em uma recessão aguda, menos ainda. Seria preciso muito arrependimento e humildade para recuperar nossa confiança.

Mas a senhora e seu partido, mesmo nessas circunstâncias, continuam a fazer o oposto, na melhor tradição bolchevique. Quando criticados, atacam. Quando pegos em flagrante delito, acusam o Judiciário, a mídia, as elites.

Depois da maior passeata política de nossa história, o que a senhora faz? Traz para o poder a pessoa sob investigação pelo escândalo que nos levou às ruas. Já nos sentíamos decepcionados e indignados com seus desmandos. Agora, nos sentimos achincalhados.

A senhora cospe na nossa cara e apequena o Brasil. Não há possibilidade de conciliação.

A senhora pode se agarrar ao poder. Não creio que consiga sobreviver ao processo de impeachment, já que não conta mais com os instrumentos de cooptação de aliados.

Com seu orçamento falido, não há verbas para o convencimento legal; com seus financiadores na cadeia, fecharam-se também os caminhos alternativos. Se escapar do impeachment, duvido que passe do processo do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), especialmente com as delações premiadas que estão por vir.

Mesmo que nenhum desses caminhos dê resultado e a senhora consiga terminar o mandato, presidirá um país paralisado por uma crise de confiança insanável e destroçado por conflitos internos que causarão a ruptura do nosso tecido social.

Caso sofra o impeachment, nossa vida política será poluída por décadas de acusações delirantes de "golpe", revanchismo e raiva. O caminho mais indolor para todos é a sua renúncia.

Presidente, qualquer que seja o seu projeto para o Brasil, ele não poderá ser implementado pela senhora. Poupe-nos de anos de empobrecimento e polarização.

A senhora já disse e repetiu que não é de renunciar ou resignar-se, que já passou por coisa pior. Quem se importa? A Presidência da República do Brasil não é lugar para testes de personalidade ou demonstrações de coerência biográfica.

Deve ser ocupada por quem pensa na população, não em si mesmo. E ainda que a senhora acredite que a sua permanência é uma defesa dos interesses dos mais pobres, basta ver os dados de pesquisas de opinião para saber que eles prescindem de sua ajuda.

Se a senhora realmente acredita em sua inocência, não há problemas: temos um admirável Judiciário, que certamente lhe estenderá o devido processo legal. Essa defesa, contudo, deve ser feita na planície, não no Planalto, como a sua versão de 2011 bem sabia, ao demitir sete ministros suspeitos de corrupção.

As acusações que pesam sobre a senhora são bem mais graves e de repercussões mais importantes do que as feitas a eles. E assim como a senhora, enquanto chefe, acertadamente pediu-lhes que saíssem do poder, agora é o seu chefe, o povo brasileiro, que lhe roga a mesma coisa: saia. Queremos nosso país de volta.
Gustavo Ioschpe

A verdade do Lula falso

Há dois Lulas – um é verdadeiro, o outro é falso. Na Avenida Paulista, perante 95 mil manifestantes, um dos Lulas pronunciou uma sentença de estadista, que deveria ser emoldurada e afixada nos espaços públicos de todo o país. Não vou para o ministério, disse, “achando que os que não gostam de nós são menos brasileiros que nós”. Ao reconhecer a legitimidade dos seus adversários, que clamam pela interrupção do mandato de Dilma Rousseff, Lula estava negando que o impeachment é um golpe. Mais ainda: na base de sua afirmação, está o reconhecimento de que o Brasil não pode ser identificado com um partido político. Contudo, lastimavelmente, aquele não é o Lula verdadeiro.

O Lula da Paulista, que traduziu admiravelmente, em linguagem corrente, a defesa do princípio da pluralidade, é o falso. Na avenida, discursava um personagem acuado pela divulgação de seus diálogos telefônicos comprometedores, que pretendia restabelecer uma ponte com o Supremo Tribunal Federal (STF). O Lula verdadeiro emerge nas interceptações obtidas legalmente, a pedido do Ministério Público e com ordem judicial. Esse Lula sem censura, despido de fantasia pública conveniente, que utiliza a linguagem de um leão de chácara, revela-se como o chefe de uma facção consagrada à intimidação do Poder Judiciário e do Ministério Público.


“Eu acho que eles têm que ter em conta o seguinte, bicho, eles têm que ter medo”. A frase, referente a juízes e procuradores, proferida num diálogo interceptado com o deputado petista Wadih Damous, sintetiza o Lula verdadeiro. Ela se soma ao planejamento de uma ação contra o procurador Douglas Kirchner, que investiga a aparente triangulação entre Lula, a Odebrecht e o BNDES. Falando com o ex-ministro Paulo Vannucchi, o chefão anuncia uma operação na qual deputadas do PT bombardeariam o procurador com acusações de machismo e violência contra mulheres: “Nós vamos pegar esse de Rondônia agora e vamos botar a Fátima Bezerra e a Maria do Rosário em cima dele”. O sistema de Justiça “tem que ter medo” – eis o programa delineado longe dos holofotes pela figura que Dilma tenta empossar como presidente de facto.

O Lula de verdade forjou um PT arrogante, autoritário, que restaura práticas abomináveis dos antigos partidos comunistas e de movimentos de inspiração fascista. Nos atos “contra o golpe”, militantes empunhavam cartazes nos quais o rosto do juiz Sergio Moro fundia-se à imagem de Hitler. É esse PT, das ofensivas de difamação e das campanhas orquestradas de intimidação, que experimenta uma avassaladora rejeição popular.

O governo de Dilma e Lula não cairá devido às pedaladas fiscais, mas como consequência de uma ruptura mais profunda. Depois de brigar com a opinião pública, o partido de Lula brigou com a imensa maioria do eleitorado e, na curva do desespero, com o alto funcionalismo responsável pelos órgãos de controle do Estado. Os juízes federais fizeram manifestações de desagravo a Moro. A associação de delegados da Polícia Federal alertou que não se submeterá ao cabresto prometido pelo novo ministro da Justiça. A OAB nacional tomou posição favorável ao impeachment, seguindo a mesma trilha de entidades representativas da indústria, do comércio e de categorias profissionais.

Entretanto, a verdade não perde seu valor intrínseco quando é veiculada por um farsante. O princípio da pluralidade, enunciado pelo Lula falso da Paulista, tem plena validade, tanto na ordem em que foi exposto quanto na ordem inversa. Os que “não gostam” do impeachment são “tão brasileiros” quanto os que o defendem. Os militantes petistas e sua base de apoio pertencem à sociedade nacional, isto é, não são estrangeiros ideológicos, “impatriotas” ou “traidores”. Não fazem parte de uma “organização criminosa”, a ser debelada a golpes judiciais ou policiais.

Certamente, como atestam as provas colhidas pela Lava Jato, coagulou-se na cúpula do lulopetismo uma organização criminosa com extensas ramificações políticas e empresariais. Contudo, a organização criminosa não deve ser identificada ao próprio PT, como propõe uma narrativa emanada de correntes de opinião que semeiam o extremismo no solo fértil da indignação popular contra a corrupção. O PT é um partido que nasceu na transição da redemocratização, propiciando a confluência entre o sindicalismo do ABC e inúmeras correntes de esquerda. Na sua evolução até o poder, ele passou a refletir a persistência de projetos políticos enraizados na trajetória do Brasil moderno: o capitalismo de Estado, o populismo, o corporativismo. Isso não é um “caso de polícia”, mas um caso de política.

Os “atos contra o golpe”, um cortejo fúnebre do ciclo de poder lulopetista, evidenciaram a cisão entre o PT e a maioria do país. Mas, na sua relativa imponência numérica, enviaram uma mensagem que deve ser escutada. Havia, ali, muito mais que sindicalistas, militantes de “movimentos sociais”, funcionários em cargos comissionados e pobres coitados seduzidos por trinta dinheiros. No outono de sua influência política, o PT mobilizou quase 300 mil manifestantes, cerca de um décimo dos que protestaram pelo impeachment, realizando os maiores atos públicos de sua história. O Lula falso, que se dirigiu à multidão na Paulista, não está só. Atrás dele, há uma corrente legítima de opinião.

Não se deve confundir uma vírgula com um ponto final. A Odebrecht, sem alternativas, resolveu confessar. A nossa Operação Mãos Limpas chega a seu ápice e, se não for detida, exporá também as organizações criminosas periféricas, que operam em quase todo o espectro partidário. O Lula de verdade, que trama nas sombras contra o sistema de Justiça, será levado nessa avalanche necessária. Depois de tudo, emergirá um Brasil um pouco melhor, no qual a política terá um lugar fora das páginas policiais. Por isso, é essencial preservar a verdade pluralista enunciada pelo Lula falso.

Demétrio Magnoli

Lula e Dilma ameaçam a paz e o futuro do nosso país

Há décadas (nem quero precisar quantas!), assisto ao desenrolar da nossa política. Digo, sem medo de errar, que já passaram por ela verdadeiros homens públicos. Quando me recordo deles, concluo, humildemente, mas com orgulho, que o velho de hoje mantém os mesmos ideais que o jovem de ontem tão ardorosamente defendeu.

Gostaria de dizer, então, leitor, para evitar a enxurrada de lembranças, boas e ruins, que agora ameaçam tomar conta de mim, e sem entrar em qualquer discussão ideológica (tenho preguiça dessa lenga-lenga radical entre esquerda e direita), apenas o seguinte: a missão do governo num país democrático, único regime político capaz de promover, com liberdade, o desenvolvimento sustentável, deve ser a de olhar, permanente e preferencialmente, para os mais necessitados, na busca da “justiça social” – uma expressão usada em comício, mas jamais praticada no país, pois ela depende do binômio “educação e saúde”.

O legado que o governo do ex-presidente Lula teria deixado aos brasileiros, segundo ele, defendido com arrogância pelos petistas, seria a retirada de 45 milhões de brasileiros da pobreza. Lula teria realizado, nos seus dois governos, aquele ideal a que me referi acima. Visto de longe, imaginava-se que o ex-presidente se preocupava com os pobres. De minha parte, durante um bom tempo, fiz essa leitura.

Quando, porém (e depois de achar que o mensalão estava superado), Lula optou pela indicação de Dilma como candidata à Presidência da República, a receita lulopetista desandou de vez. Foi essa, sem dúvida, a sua maior falha. Inaceitável quando proveniente de quem sempre se mostrou esperto. Dilma nunca esteve à altura do cargo. É pueril o argumento de que a indicou porque queria voltar em 2015. Lula se esqueceu da lição: a esperteza, quando é demais, come o dono.

Agora, depois das escutas telefônicas envolvendo não somente ele, mas figuras que ocupam ou ocuparam cargos de relevo em nossa pobre e vilipendiada República, um retrato sem retoque do que é e sempre foi o ex-presidente (está claro isso hoje), temos elementos para fazer um juízo – o mais próximo da realidade – do que de fato aconteceu. Ou seja: Lula usou milhões de brasileiros, precisamente os mais humildes e necessitados, para chegar não à Presidência da República, mas ao poder, e nele permanecer. Lula ou os traiu cruelmente, ou aos ideais que dizia ter, sem preocupação com a ideologia, no sentido de melhorar a vida dos desvalidos – ou nunca existiram, ou o gato comeu. Se não corrermos, o que possa ter feito de positivo logo desaparecerá.

Cacá Diegues, em artigo em “O Globo”, disse: “(Não consigo entender) como homens de esquerda criticam com raiva o combate à corrupção no país e em nossas vidas, como não consigo entender como liberais se deixam enrolar por defensores da ditadura e da explícita falta de liberdade”. Concordo com ele, mas discordo do cineasta quando diz que o impeachment promoverá “uma divisão radical entre brasileiros”.

Infelizmente, para os que ainda creem nele, Lula se transformou num autêntico e perigoso “coronel moderno”. Absolutamente submissos, seus companheiros (ou serão vassalos?), nas gravações autorizadas, se dirigem a ele de modo reverencial. Tanto a sua presença quanto a da presidente, no governo, ameaçam o futuro do nosso país.

Enfim, Lula revelou ao Brasil e ao mundo seu real perfil: autoritário e, por isso mesmo, desprovido de qualquer senso moral.

O messianismo revolucionário de Lula e o império da lei

O País tem sido abalado nos últimos dias, no âmbito político, por episódios desconcertantes e tumultuosos.

Após o protesto pacífico e ordeiro de milhões de brasileiros, no dia 13 de março último, em centenas de cidades de norte a sul do País, contra o PT e seu governo, a presidente Dilma Rousseff decidiu nomear Lula Ministro da Casa Civil, ante a eminente prisão deste pelas autoridades que conduzem a operação Lava Jato.

O gesto, uma afronta aos brasileiros que foram às ruas manifestar-se e um desacato às instituições do Estado de Direito, tinha a óbvia intenção de fazer Lula escapar do império da lei. E, de lambuja, dar um golpe de Estado, entregando o governo ao ex-presidente, num descarado 3º mandato sem eleição.

Se dúvidas houvesse, elas caíram por terra com a revelação ao País das gravações legais feitas durante as investigações a Lula, e tornadas públicas pelo Juiz Sérgio Moro a pedido do Ministério Público Federal.

A seqüência de eventos deixou o Brasil estarrecido. As inúmeras gravações expuseram as entranhas de um estilo pouco ortodoxo de governança, e revelaram o caráter autoritário e desrespeitador de pessoas e de instituições do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

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Abaladas e acuadas, as hostes do lulo-petismo, fora e dentro do governo, desencadearam com grande estridência um ataque cerrado às autoridades que conduzem as investigações. Com a colaboração de certo jornalismo “a soldo” e com o aval de uma verdadeira tropa de choque de “juspetistas”, para utilizar a expressão de Amauri Saad, Mestre em Direito pela PUC de São Paulo, a Lava Jato passou a ser o alvo.

O mais alarmante foi perceber que o novo Ministro da Justiça deu o tom, ao proferir ameaças muito pouco institucionais à Polícia Federal e ao investir contra o Ministério Público e a Justiça, denegrindo institutos, como a delação premiada, prevista na legislação. Não menos alarmante foi constatar que até um Ministro do STF, em afronta à Lei Orgânica da Magistratura, engrossou o coro desvairado.

Tal investida levou o jornal O Estado de S. Paulo (21.03.2016) a afirmar, em seu editorial, expressivamente intitulado “Não é a Lava-Jato que está fora da lei”, que o PT mostra ser capaz de ir longe em sua perversa retórica: “Diante dos avanços da Operação Lava Jato, o partido não tem se contentado em dizer que o que fez não foi ilegal ou que seu líder e seu séquito não são criminosos. Apregoam abertamente a ideia de que os criminosos estão do outro lado do balcão. Nessa tresloucada visão, os contrários à lei seriam a Polícia Federal, o Ministério Público e o Poder Judiciário – muito especialmente o juiz da 13.ª Vara Federal de Curitiba, Sergio Fernando Moro”.

Mas, afinal, qual o motivo de tão grande escândalo por Lula ter que prestar contas à Justiça? Por que esses ataques tresloucados partem precisamente daqueles que pregam a igualdade absoluta entre os homens e, portanto, perante a lei? Parece contraditório.

Habitualmente os projetos revolucionários apregoam a insurreição (pacífica ou violenta) contra alguma ordem ou forma de poder legítimos, apresentados como “opressores”.

Deturpando ou exagerando o alcance de certas falhas ou vícios existentes, os movimentos revolucionários denigrem a própria natureza da ordem ou da autoridade legítimas contra as quais investem, vituperando-as como iníquas na sua essência; ao mesmo tempo mistificam o lado impoluto e quase sagrado da índole justiceira e revolucionária de que se revestem.

Muito frequentemente, uma máquina revolucionária assim erige um líder carismático como “encarnação” de seus ideais, deificando-o num misticismo perigoso e fanático. Na Revolução Francesa, por exemplo, Robespierre, conhecido como “O incorruptível”, tornou-se o ditador sanguinário durante a fase do Terror.

O bordão “nunca antes neste País” (até risível por alguns aspectos) passou a ser a síntese perfeita da “revolução” petista, encabeçada por Luiz Inácio Lula da Silva, o operário simples vindo das profundezas do Brasil.

Tudo precisava ser varrido, sob o efeito de um furacão da “ética” e em nome dos “pobres”: desde a História, às elites; desde as instituições do Estado e da sociedade ao sistema político; desde as leis e dos costumes à educação; desde a economia às relações diplomáticas. E até a imensa máquina corrupta que se incrustou no coração do Estado, e que sorveu bilhões de reais ao País, nada mais era do que a fonte material deste projeto revolucionário “redentor”, que se deveria estender para fora do próprio Brasil e que aqui se deveria perpetuar no poder.

“Intelectuais”, próximos à esquerda petista, sustentaram até que aceitar a pecha de corrupção para os atos ilegais e criminosos de seus líderes (qualificados por eles de “erros”) seria admitir a lógica da moralidade burguesa.

Desconhecendo profundamente a alma brasileira, após treze anos, o projeto petista de poder gerou inconformidade, agastamento e, por fim, a fúria de parte crescente da população. Milhões saíram às ruas, sempre de modo pacífico e ordeiro, a exigir: “Queremos nosso País de volta”.

Restou ao lulo-petismo o apoio de certos intelectuais, artistas, burgueses endinheirados, sindicalistas, militantes de “movimentos sociais”, jornalistas... ah! e de eclesiásticos próximos ao progressismo e ao esquerdismo ditos católicos.

Toda esta gente esperneia de modo virulento ao ver o chefe máximo de sua “revolução” cair nas malhas da Justiça. Afinal o “messias” do projeto revolucionário é, por definição, intocável. 

O messianismo político e a mistificação petista

Quatorze anos. Este é o tempo que o PT está completando em 2016 no Palácio do Planalto. Em seu quarto mandato consecutivo, o partido atravessa sua fase mais crítica e dramática no poder. O lulopetismo está sob pressão, e o cenário atual deixa claro que o segundo mandato de Dilma marcará uma virada de página na funcionalidade de nossas instituições republicanas.

Amparado por um discurso e uma propaganda eloquente, que construiu uma ideia de que o Brasil nasceu apenas em 2003, com a chegada de Lula ao poder, o PT criou em torno de sua órbita a imagem falaciosa de que apenas seus dirigentes são os legítimos representantes e a encarnação do povo brasileiro.



Ao promover a mistificação e criar um país de ficção nas propagandas político-partidárias, e ao mesmo tempo deslegitimar o processo democrático e a alternância de poder, o PT esqueceu há muito o projeto de Brasil e apenas se preocupou com o projeto de perpetuação sobre o controle da máquina pública, utilizando-se de mecanismos nefastos e hoje elucidados e conhecidos de todos: a corrupção institucionalizada, consagrando o presidencialismo de transação, exemplificados no Mensalão e no Petrolão.

Desde o início da Operação Lava Jato, no início de 2014, considerando dados atualizados até 8 de março de 2016 pelo Ministério Público Federal, já ocorreram mais de 627 manifestações, 118 buscas e apreensões, 108 quebras de sigilo fiscal, 128 quebras de sigilo bancário, 101 quebras de sigilo telefônico, 2 quebras de sigilo telemático, 1 quebra de sigilo de dados, 12 sequestros de bens, 4 sequestros de valores, 42 instaurações de inquéritos, 7 denúncias, 21 denunciados, 94 investigados, 4 prisões preventivas e R$78 milhões repatriados.

A reeleição de Dilma veio acompanhada de uma realidade diferente da ficção petista nas eleições: cortes orçamentários, repasses e recursos da União e Estados postergados, inflação fora do teto da meta, aumento de impostos, retração do crescimento da economia por tempo indeterminado e o aumento do desemprego, sem contar a cúpula do governo petista mergulhada no olho do furacão das investigações por corrupção, caso do ex-presidente Lula e ministros do governo.

As oposições passaram a ser vistas pelos porta-vozes do petismo – que se encontram incrustados nas mais variadas esferas do Estado brasileiro – como algo incômodo, perturbador, capaz de ameaçar o “curso pacífico das transformações sociais”. E as investigações que atingem diretamente o Palácio do Planalto são categoricamente ridicularizadas e desqualificadas pelo PT e pela própria presidente, que abandona o cargo para ir acariciar a cabeça do investigado Lula em São Bernardo do Campo, em um gesto de subserviência ao criador e de profunda irresponsabilidade para com o povo brasileiro.

Em 4 de março, após a condução coercitiva de Lula para depor diante da Polícia Federal, o petismo mostrou que é capaz de tudo para defender seu líder messiânico; e Lula, sabendo de seu messianismo diante da militância, irresponsavelmente conclamou o séquito para a “guerra santa”. Tentar tripudiar e triturar todas as instituições que buscam “dessacralizá-lo” e mostrá-lo como um dos maiores responsáveis por este esquema de corrupção será sua “tônica de batalha”. Para isso vale tudo, até mesmo rasgar a Constituição e buscar foro privilegiado como ministro no Titanic comandado pela pior presidente da história da República.


Conforme destaca o historiador búlgaro Tzvetan Todorov, em "Os inimigos íntimos da democracia", embora invoque o ideal de igualdade e liberdade, o messianismo político tem um objetivo final que lhe é próprio (estabelecer o equivalente do Paraíso na Terra), assim como meios específicos para alcançá-lo (Revolução e Terror). Em sua busca por uma salvação temporal, essa doutrina não reserva nenhum lugar a Deus, mas preserva outros traços da antiga religião, tais como a fé cega nos novos dogmas, o fervor nos atos que lhe são úteis, o proselitismo dos fiéis, ou a transformação de partidários caídos em combate em mártires, figuras a adorar como se fossem santos. As tentativas de impor um culto ao Ser supremo e de instituir uma festa para celebrá-lo resultam da mesma tendência.

Hoje, o que é paraíso para o PT, é inferno para a população brasileira. Não precisamos de líderes messiânicos, ainda mais corruptos. Não precisamos de falsos mártires, que se autodenominam jararacas e são tratados como “guerreiros do povo brasileiro” por um séquito doentio e tresloucado. O país não é o PT, e incompetência e irresponsabilidade têm limite.”